Prazer e ensino: o professor dentro do sistema de recompensas

May 29, 2017 | Autor: Manoela Wolff | Categoria: Educação, Neurociências, Informações Estatísticas Oficiais
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Especialização em Ensino em Docência Superior Disciplina Neurociência: processos cognitivos no ensino superior Professora Eva Chagas Manoela Wilhelms Wolff Prazer e ensino: o professor dentro do sistema de recompensas Ao longo das leituras e vídeos propostos para esta semana reparei na quantidade de objetivos e responsabilidades que são colocadas nas costas dos professores e comecei a problematizar essa situação no nosso contexto político e sócio-econômico. No texto do qual deveríamos levantar os conceitos norteadores deste trabalho, encontramos pelo menos três características que, conforme André Palmini, a relação entre professores e alunos deve ter (lê-se aqui que o princípio dessa relação parte do professor): motivação, empatia e ‘leitura da mente alheia’, as três envolvidas no processo de cognição social. Conforme o autor, essas características extrapolam ‘os aspectos meramente técnicos dos conteúdos a serem ensinados’. Leonor Bezerra Guerra em sua palestra do núcleo NeuroEduca na UFMG ressalta que o ‘educador é como um cirurgião’, afinal, ele irá moldar três aspectos fundamentais na existência escolar do indivíduo: o estímulo da neuroplasticidade do aluno, o universo de possibilidades e as oportunidades de uso e reuso de conteúdos. Conforme a mesma autora, no texto Como as neurociências contribuem para a educação escolar? Ela fala sobre o cérebro infantil: Falta de estimulação pode levar à perda de sinapses e, portanto, à perda de alguns comportamentos. Crianças pouco estimuladas nos primeiros anos de vida podem apresentar dificuldade de aprendizagem porque o cérebro ainda não teve oportunidade de utilizar todo o potencial de reorganização de suas redes neurais.

Suzana Herculano-Houzel dirá sobre o cérebro infantil que este possui uma exuberância sináptica, ou seja, ele possui quase o dobro de sinapses com a mesma quantidade de neurônios de um cérebro adulto – ele vive em um falatório sem fim, associando tudo quanto possível. O pediatra americano Jack Schonoff dirá que quem passou por carências na infância tem uma segunda chance de ‘acertar o passo’ do desenvolvimento na adolescência: “Não é possível voltar atrás, mas dar os estímulos adequados ao adolescente irá ajudá-lo a chegar mais perto do seu potencial máximo”. Desta forma, a metáfora de Leonor Bezerra é extremamente importante, afinal, o professor passa mais tempo com o indivíduo-aluno do

que qualquer outro profissional que mantenha contato com ele, tais como psicólogos, psiquiatras, sendo um dos principais condutores da sua formação neurológica. Palmini nos ressalta o fato de o professor não ser apenas um professor quando em sala de aula: Como ficará claro para o leitor, eu me utilizo aqui das relações entre professores e alunos para exemplificar conceitos e avanços neurocientíficos aplicáveis a qualquer relação humana. Nenhum dos atributos sociais são apanágio exclusivo da relação entre o professor e o aluno. Segue-se a isso, logicamente, que o professor não se investe dessa condição apenas no momento de interagir com seus alunos, mas reproduz, nessa interação, a forma como interage em sociedade de uma forma ampla. Assim, é inescapável que, ao discorrer sobre as relações entre professor e aluno, eu aluda, constantemente, ao indivíduo que trabalha como professor.

Portanto, ser professor é algo que extrapola a categoria de profissão e sublima para algo quase mítico: o professor é o indivíduo que deve dar conta de uma alta capacidade de cognição social, conteúdos técnicos e motivação interna; ele deve, como diz Palmini, vencer as resistências da passividade, ser altamente capaz de dar fluidez às interações; também deve estar sempre atualizados para lidar não só com a diferença natural dos alunos, digamos, de um mesmo estado neurológico, como também para lidar com alunos advindos das políticas de inclusão, que necessitam um tratamento diferenciado. Ser professor é, então, se equilibrar entre ser em constante movimento e super-homem/mulher. Entretanto, muito se falou em toda essa disciplina do ‘centro do prazer’ e do sistema de recompensas do cérebro, que também está intimamente ligado à curiosidade. E isso me despertou um interesse: quando falamos do sistema de recompensa nos referimos usualmente a mudanças nas práticas pedagógicas dos professores para que eles ativem mais o interesse dos alunos, mas, e quanto ao sistema de recompensa dos professores, como ficamos? Afinal, como diz Palmini, os professores também são indivíduos, logo, indivíduos cerebrais que necessitam de prazer e recompensa. Resolvi então, pensando nesse momento crítico político em que estamos, em pesquisar sobre as características do professor no Brasil e como poderia funcionar o sistema de recompensas nesse indivíduo que escolheu essa profissão. Pensei, que, bem, com certeza o índice educacional está coerente com os índices de renda e longevidade, por que, afinal, estes dois índices representam a saúde e o acesso a informação e cultura, por exemplo. E eis que me deparo com esses dados. Optei por focar na região sul, por ser onde vivo, e fui pesquisar no site do PNUB (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que organiza o Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH, no Brasil chamado de IDHM – Índice de desenvolvimento humano municipal), alguns dados possíveis. O IDH foi um sistema de medidas de qualidade de vida apresentado pela ONU, em 1990, que veio para ‘substituir’ o conceito de PIB (produto interno bruto), para que os países passassem a ser vistos pelo seu desenvolvimento humano e não exclusivamente pelo seu desenvolvimento econômico. Ele leva em conta as capacidades e oportunidades de uma população (englobando cultura, política, educação, comunidade, saúde, participação, leis, economia e ambiente) dividido em três grandes grupos: o índice de longevidade, de renda e de educação. Dessa forma, fui ver o que eles chamam de ‘Atlas do desenvolvimento’ e observei os resultados desses três grandes grupos na região sul do Brasil conforme o último relatório, de 2013. Este é o mapa do Índice geral de desenvolvimento humano do Brasil em 2010, e, como fica visível, a região sul é uma das melhores ‘colocadas’ no ranking de IDHM:

O índice de longevidade, como percebemos no nosso dia-a-dia, é o maior do país:

Assim como o de renda:

Entretanto, no de educação temos uma mudança brusca: praticamente não houve aumento do IDHM da educação no Sul do Brasil (em comparação ao relatório anterior:

Parece haver aí algo errado. Conforme todos os textos que lemos aqui, a educação necessita de condições ambientais favoráveis e possíveis para a aprendizagem, e conforme os mapas de renda e longevidade, devemos ter na região sul as melhores condições de saúde e economia (fazendo uma análise bastante rasa do problema). Não contente com essa constatação, resolvi pesquisar pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) alguns índices sobre a educação no Rio Grande do Sul, primeiramente foquei na minha cidade natal, Igrejinha e, enquanto rolava pelos dados, me deparei com essas duas tabelas:

Conforme essas tabelas, podemos constatar os seguintes fatos: primeiramente, a maioria dos professores da rede municipal trabalha com um espectro de 50 a 400 alunos de uma ou duas escolas, em um ou dois turnos e em duas etapas, o que com certeza caracteriza sobrecarga; e em segundo lugar, vemos que existe em Igrejinha um percentual de 69,50% de professores da rede estadual que não tem formação em ensino superior e um percentual significativo de professores dando aula de assuntos correlatos aos seus de formação acadêmica. Esses dois últimos se referindo aos anos iniciais, aqueles anos que todos que estudam neurociência ditam como importantíssimos na formação do aluno. Fiquei intrigada

com a questão dos professores sem formação em ensino superior, especialmente com todo o incentivo que o Ministério da Educação tem dado às licenciaturas, e resolvi comparar com os dados de Porto Alegre. Os números diminuem, mas ainda estão lá:

O que não fica explicado na pesquisa, entretanto, é se esses professores sem formação, simplesmente nunca buscaram uma formação ou se estão cursando algum curso de ensino superior na área, portanto, estagiando ou sendo fomentados por um programa como o PIBID. Portanto, podemos ver que, um bom número de professores dos anos iniciais no Rio Grande do Sul, não possui formação pedagógica para lidar com a infância, quiçá uma formação ou introdução à neurociência. Pensei então o porquê de serem contratados profissionais, a princípio, ‘desqualificados’ para prestarem determinado serviço. E comecei a pesquisar sobre a remuneração dos profissionais ‘professores’, especialmente no Rio Grande do Sul. Pois bem, devemos começar com um dado que é sobre a lei de definição do piso salarial do professor que foi aprovada apenas em 2008. Na época, o valor do piso era de aproximadamente R$ 900,00. Hoje o piso nacional está em R$ 1917,18, para 40h, sendo que 30% dessas 40h (12h) deve ser dedicado ao trabalho que chamamos de ‘em casa’, ou seja, correção de provas, elaboração de aulas, etc1 (definição quase não cumprida em nenhum estado). Apesar disso, 3 estados do país nunca chegaram objetivamente a pagar o piso e um deles é o Rio Grande do Sul. Em 2013, a então secretária-adjunta da Secretaria de Educação do Estado, Maria Eulália Nascimento deu a explicação de que o piso é complementado, ou seja, os professores recebem o valor não na folha (o que incluiria os direitos trabalhistas, como aposentadoria maior), mas em forma de ‘completivo’, o que não incluiu esses benefícios. Além disso, a mesma secretária-adjunta justifica que não há repercussão do piso em toda carreira, ou seja, dependendo o nível de escolaridade do professor e seu local de atuação, não há quase nenhum aumento significativo de salário. A mesma justifica: 1

Retirado de < http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2015-01-22/minas-gerais-rio-grande-do-sule-rondonia-nao-cumprem-lei-do-piso-de-professor.html>

Pagar o piso, nós pagamos. O que não acontece é a repercussão do piso em toda a carreira. Há estados que mexeram na carreira de todos os professores, e há pouca diferença de remuneração entre o professor com nível médio e o com nível superior. Em nossa opinião, é preferível discutir o índice de reajuste, mas manter uma carreira que estimule, a achatar carreira.2

Portanto, o estado do Rio Grande do Sul optou por fazer de seus professores profissionais remunerados abaixo do piso para que eles se mantenham motivados na carreira do magistério. Isso não parece fazer sentido nenhum. Mais uma série de dados importantes é a discrepância enorme do professor dos anos iniciais comparados aos do ensino superior. Como já vimos anteriormente, no nosso estado uma boa parcela dos professores do estado e dos munícipios que se dedicam aos anos iniciais não possuem formação em ensino superior. Há um sucateamento da educação infantil e um dos principais motivos é o salário: enquanto a média nacional salarial de um professor de educação infantil é de R$1.500, a média nacional do professor de ensino superior é de R$3.2003. Isso colocando na média todas as instituições de ensino superior privado e público, porque o piso salarial de um professor em uma universidade federal inicia em R$4.836,704 e pode chegar a mais de dezessete mil reais contando as funções e gratificações. O grande problema aqui não é o salário alto dos professores de ensino superior, mas sim essa imensa discrepância com a remuneração do professor de educação infantil. Se uma das coisas mais importantes na carreira de um docente é a atualização contínua, como um professor que recebe R$1.500 reais em Porto Alegre pode sobreviver e ainda investir em sua carreira? Que carreira é essa que não tem subsídio financeiro? Isso tudo parece longínquo da neurociência, mas não está. Se já chegamos à conclusão ao longo dos textos e vídeo que lemos e vimos, que o ambiente educacional e o professor são duas das peças fundamentais do processo de aprendizagem, precisamos falar sobre o sistema de recompensa do professor. Não entendendo como ainda existem professores apesar de toda essa dificuldade bastante material e objetiva, resolvi pesquisar aleatoriamente no google os termos pleasure center and Money. E encontrei um livro bastante interessante de Morten L. Kringelbach, chamado The pleasure center: trust your animals instincts em que ele disserta sobre os processos e sistemas do prazer no cérebro. Não consegui terminar a leitura do livro (até por que ele não está disponível por completo no google books), mas li o primeiro capítulo que se chama The challenge:

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Disponível em http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/0/opcao-por-carreira-atraente-279070-1.asp Disponível em http://www.guiadacarreira.com.br/salarios/quanto-ganha-um-professor/ 4 Disponível em http://www.guiadacarreira.com.br/salarios/quanto-ganha-um-professor-universitario/ 3

Know Thyself. Pareceu-me óbvio que se a recompensa do professor não é financeira, de melhoria de condições de vida e perspectiva de carreira, ela deveria ser de outra ordem. Kringelbach dirá, então, que o prazer passa por quatro estágios: engagement (que poderíamos chamar de comprometimento), acceptance (aceitação), continuation (continuidade) e subsequente return (ou retorno imediato). Ele define prazer da seguinte forma Pleasure can be defined as a way of fulfilling the evolutionary imperatives of survival and procreation. This leads to a classification of pleasure in fundamental (sensory, sexual and social pleasures) and high-order pleasures (for example monetary, artistic, musical, altruistic, and transcendent pleasures). Pleasure is not a sensation but is instead linked to the anticipation and subsequent evaluation of stimuli. Pleasure is thus a complex psychological phenomenon with close links to the reward systems of the brain and as such consists of both conscious and nonconscious processes. There are at least three fundamental elements to pleasure: wanting, liking, and learning.

O desejo, para Kringelbach, se dá na interface entre motivação, prazer e recompensa, e, como as teorias psicanalíticas nos mostram, o desejo é algo que passa, na maioria das vezes, longe da questão financeira. Encontrei um outro livro em minhas buscas chamado Handbook of the economics of giving, altruism ans reciprocity: foundations, que me pareceu comtemplar essa questão, mas que não estava disponível online e não daria tempo para comprá-lo. De qualquer forma, o autor de The pleasure center nos diz também que: “Recent research has shown that humans are mainly emotional beings who only occassionaly use reason to their advantage.” Assim como diz Palmini “Seres humanos são movidos pelas emoções.” E o estudo das emoções ainda engatinha dentro dos estudos da neurociência. Desse modo, tanto Palmini, quanto Kringelbach, quanto vários outros autores que devem dizer o mesmo e eu desconheço, o processo de ensinar, o indivíduo-professor em sociedades como a nossa, em desenvolvimento, são, na verdade, seres com processos neurais ultrassofisticados, por serem capazes de receber como recompensa apenas o círculo de motivação que eles mesmos precisam iniciar. Ser professor no Brasil é praticamente uma manifestação diária de altruísmo. Talvez assim o seja em qualquer lugar do mundo. Mas há aí uma mística que ainda envolve o processo neurológico do indivíduo que decide ser professor no Brasil, principalmente de educação básica, que contraria qualquer lógica de recompensa monetária. Talvez ensinar esteja mais intimamente ligado ao instinto de sobrevivência do que se imagine. Para a alegria de alguns, a educação não consegue ser tão mercadológica assim, afinal. Mas que seria bom equalizar os salários em nosso país, seria. Enquanto isso, o super-professor vai se equilibrando nessa na corda bamba de baixa

remuneração, baixa valorização social, e alta autoestima imanentemente necessária para conduzir uma sala de aula com mais de 30 alunos todos os dias.

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