Precedentes e procedimento

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Série especial |

Novo CPC N º 6 0 - S e t e m bro 2 0 1 5

Sumário PRIMEIRAS REFLEXÕES SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - RAFAEL KNORR LIPPMANN................... 01 Precedentes e procedimento - Jordão Violin................................................................................................................................... 06

PRIMEIRAS REFLEXÕES SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

RAFAEL KNORR LIPPMANN Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 38.872 Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil em cursos de graduação e pós-graduação. Membro do Instituto Paranaense de Direito Processual - IPDP

1. PANORAMA GERAL Amigos, colegas, parentes ou pessoas que de qualquer forma têm contato com advogados certamente já ouviram dos causídicos solenes desabafos de sobre como duas demandas envolvendo um mesmo problema (seja ele uma relação de consumo, um contrato bancário, um benefício previdenciário indevidamente sub-

calculado, etc.), receberam do Judiciário, por vezes do mesmo órgão jurisdicional, respostas diametralmente opostas. Este panorama nos faz lembrar que uniformização, previsibilidade e estabilidade da jurisprudência, valores estes há tempos reclamados pela ciência jurídica, na prática forense, por vezes, não passam de sofisma. Um dos pilares fundantes do CPC/2015 é, justamente, “estimular” o (necessário) respeito aos precedentes judiciais (arts. 926 e 927) pelas partes, pelos juízes e, porque não, pela sociedade como um todo. Especialmente preocupado com as “ações de massa”2, fonte inegável do volume sobre-

1 Para uma visão ampla sobre o conceito de “ações de massa” e suas causas no Brasil: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT, 2011. continua na página 2

-humano de feitos que superlotam o Judiciário e, exatamente por isso, potencial origem de decisões divergentes para casos objetivamente idênticos, o CPC/2015 apresenta o denominado microssistema normativo de litigiosidade repetida3, um conjunto de instrumentos processuais e técnicas de julgamento destinados a prover, a um só tempo, a aceleração no trâmite dos processos e (primordialmente) a isonomia material, consubstanciada na prolação de decisões judiciais uniformes para demandas cuja controvérsia de direito seja objetivamente a mesma4. Dentre estas técnicas, retratado pelo inciso II, do art. 928, como uma espécie do gênero “julgamento de casos repetitivos” está o inédito incidente de resolução de demandas

repetitivas - IRDR que, apesar de confessadamente inspirado no direito alemão5, da forma como legislado no CPC/2015 distancia-se em muito do seu molde tedesco6. Disciplinado nos arts. 976 a 987 do CPC/2015, o IRDR busca implementar, quando proliferarem processos sobre uma mesma questão de direito, a distribuição isonômica da justiça a partir de decisão de tribunal local (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal)7, fazendo com que a decisão-quadro seja necessariamente respeitada pelos órgãos jurisdicionais de primeira instância e, igualmente, pelos órgãos fracionários do próprio tribunal do qual emana. Inova sensivelmente8, mesmo quando

2 Para uma visão ampla sobre o conceito de “ações de massa” e suas causas no Brasil: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT, 2011. 3 Valemo-nos da expressão apresentada por Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes, Alexandre Melo Franco Bahia e Flávio Quinaud Pedron em seu “Novo CPC - fundamentos e sistematização”. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 378. 4 A exposição de motivos do CPC/2015 transparece os objetivos pretendidos com a criação deste microssistema de julgamento de casos repetitivos: “Proporcionar legislativamente melhores condições para operacionalizar formas de uniformização dos Tribunais brasileiros acerca de teses jurídicas é concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia. Criam-se figuras, no novo CPC, para evitar a dispersão excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional. (...) Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta”. 5 A influência germânica, como visto acima, é retratada na própria exposição do CPC/2015: “(...) criou-se, com inspiração no direito alemão, o incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”. O instituto alemão que inspirou a concepção do IRDR é o Musterverfahren, mencionado no §325-A, da ZPO, que por sua vez remete à Lei de Introdução do Procedimento-Modelo para os investidos em mercados de capitais (KapMuG). O procedimento-modelo do Musterververfahren também é previsto na Lei dos Tribunais Sociais (§114, SGG) e no Código da Justiça Administrativa (art. 93a, VwGO) alemães. 6 Os traços distintivos que de plano saltam aos olhos são: i) a limitação das matérias que podem dar origem ao julgamento pelo procedimentomodelo: no direito alemão, apenas as causas que envolvam a Justiça Administrativa, Previdenciária ou envolvam o mercado de capitais podem ensejar a aplicação do instituto. O CPC/2015 não apresenta qualquer limitação quanto as matérias que podem ser submetidas a julgamento através do IRDR (bastando, conforme art. 976, I, que existam processos sobre a “mesma questão unicamente de direito”); e ii) na Alemanha, há critério objetivo quanto ao número mínimo de demandas idênticas para que se autorize a instauração do procedimento, o que não se verifica no CPC/2015, que exige apenas “efetiva repetição de processo” capazes de gerar “risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica” (art. 976, I e II). Como observa Marcos Cavalcanti em estudo sobre o tema, o cabimento do Musterverfahren se dá “na hipótese de uma mesma questão jurídica ser deduzida, repetitivamente, em mais de 20 demandas judiciais” (CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 322). 7 Propugnando a aplicação do IRDR também no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, o enunciado n. 347 do Fórum Permanente de Processualistas Civis - FPPC propugna que “aplica-se ao processo do trabalho o incidente de resolução de demandas repetitivas, devendo ser instaurado quando houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito”. 8 O IRDR é avaliado por Cassio Scarpinella Bueno como “a mais profunda modificação sugerida desde o início dos trabalhos relativos ao novo CPC”. BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 612.

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se tem por comparação seu congênere julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 928, II), em dois aspectos fundamentais: i) permite a uniformização da jurisprudência sobre uma determinada questão de direito (ainda que federal!) já no âmbito de Tribunal local; e ii) prescinde que o processo no qual a questão repetitiva foi identificada esteja em trâmite perante o Tribunal (seja através de recurso, seja em ação originária). Em síntese, o IRDR constitui verdadeira hipótese de objetivação da prestação jurisdicional9, no qual será fixada, unicamente e em abstrato, a tese jurídica aplicável à questão de direito repetitiva, cabendo a cada um dos órgãos jurisdicionais perante os quais tramitam processos com a questão repetitiva replicá-la em concreto. Em uma primeira apresentação, portanto, pode ser definido como o instituto destinado a uniformizar, no âmbito dos Tribunais locais, a jurisprudência sobre determinada controvérsia de direito quando se verificar, nos processos que tramitam perante qualquer órgão jurisdicional do Estado ou Região, risco de ofensa à isonomia ou à segurança jurídica. Vejamos, a seguir, os traços do instituto. 2. REQUISITOS E LEGITIMIDADE Para que seja instaurado, o IRDR exige, concomitantemente, efetiva repetição de processos cuja controvérsia recaia sobre a mesma questão de direito (976, I); e que tal repetição gere risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (976, II). Duas observações decorrem quase que intuitivamente da disposição legal: A primeira, de que o instituto não atua

preventivamente, isto é, para que seja cabível, o IRDR exige que já estejam em trâmite, em determinado Estado ou Região, processos que contemplem a mesma questão de direito. A segunda, de que o inciso II do art. 976 traz exigência redundante: tendo sido ajuizados dois processos sobre a mesma e distribuídos que sejam para juízos distintos, é possível, em tese, que recebam soluções antagônicas. Em outras palavras: a efetiva repetição de processos com a mesma controvérsia gera, por si só, risco de ofensa à isonomia. Já o art. 977 estabelece que a deflagração do incidente se dará por pedido dirigido ao presidente do tribunal pelo juiz/relator (inciso I), pelas partes (inciso II), ou pelo Ministério Público ou Defensoria Pública (inciso III). Sobre o tema, não se pode deixar de registrar a flagrante inconstitucionalidade formal que macula o dispositivo. A versão final do texto aprovado no Senado (Parecer n. 956/2014), resultado do processo legislativo constitucional (art. 65, p. ú., CF), contemplava no inciso II do então art. 974, a um só tempo, a legitimidade das partes, do Ministério Público e da Defensoria para formular pedido de instauração do IRDR. Após as alterações formalizadas pelos Pareceres n. 1.099/2014 e 1.111/2014, que deveriam ser estritamente redacionais (sem modificação substancial), foi inserido um inciso III no dispositivo, mantendo-se apenas a legitimação “das partes” no inciso II. A crítica ao “deslocamento” do Ministério Público e da Defensoria Pública do inciso II para o inciso III do não passaria de mero

9 A expressão quer significar o descolamento da situação jurídica pendente de julgamento em determinada relação processual dos seus respectivos limites subjetivos, consistindo a atividade jurisdicional na definição da solução jurídica adequada à controvérsia de direito, tão somente.

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preciosismo, não fosse o gravíssimo desdobramento desta alteração: o art. 986, que trata sobre a revisão da tese firmada no julgamento do IRDR, admite que o respectivo requerimento seja formulado unicamente “pelos legitimados mencionados no art. 977, inciso III”. É dizer: com a alteração (supostamente) redacional, operada nos incisos do art. 977, suprimiu-se sorrateiramente a legitimidade das partes para postular a revisão da tese firmada no IRDR. 3. PROCESSAMENTO E JULGAMENTO Justamente com o propósito de conferir isonomia material aos feitos que versam sobre a mesma controvérsia de direito, uma vez distribuído (art. 981) e admitido o incidente, determinará o Relator a suspensão de todos os processos que envolvam a mesma controvérsia em trâmite perante o Estado ou Região (art. 982, I), comunicada a todos os órgãos sob a jurisdição daquele Tribunal (art. 982, §1º) e que não poderá superar o prazo de um ano, salvo decisão fundamentada (art. 980 e p. ú.). Ou seja, independentemente da instância ou mesmo da fase em que se encontrar o processo (ainda que recém tenha sido ajuizada a petição inicial, p. e.), deverá o feito manter-se sobrestado até o julgamento do IRDR. Além de poder o Relator requisitar informações ao juízo de origem (982, II) e intimar o Ministério Público para se manifestar (982, III), é de curial relevância a necessidade (e não mera possibilidade) de que sejam ouvidas as partes e demais interessados, “inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia” (art. 983), como forma de legitimar democraticamente a decisão, que refratará sobre uma vasta gama de processos sobrestados, através do amplo debate argumentativo que envolva todas as nuances da questão controvertida repetitiva.

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Salutar, ainda, a previsão do art. 982, §2º, que prevê expressamente a possibilidade de se pleitear tutela de urgência, diretamente ao juízo no qual tramita ao processo, ainda que esteja sobrestado o processo. Concluídas que sejam as diligências, será o IRDR incluído em pauta para julgamento, no qual será admitida sustentação oral não só pelo autor, réu e Ministério Público, mas como também por todos os demais interessados, que deverão inscrever-se com ao menos dois dias de antecedência (art. 984, II, “b”). Assim, por exemplo, a parte que teve seu processo sobrestado em primeira instância poderá realizar sustentação oral por ocasião do julgamento do IRDR, contribuindo à melhor solução da controvérsia de direito, devendo o acórdão analisar todos os fundamentos, favoráveis ou contrários, à tese jurídica em debate (art. 984, §2º). 4. EFEITOS DO JULGAMENTO Como mencionado acima, o IRDR consiste em técnica de objetivação da prestação jurisdicional e, como tal, seu julgamento resultará na definição de uma tese jurídica a respeito de uma controvérsia de direito em forma de uma decisão-quadro abstrata (p. e.: se é ou não exigida determinada taxa, se é ou não legal a cobrança de determinado tributo, se determinada doença é ou não coberta por um específico plano de saúde, etc.). Diante disso, uma vez fixada em abstrato a tese jurídica no julgamento do IRDR, os processos que haviam sido sobrestados retomarão o seu trâmite, cabendo a cada órgão jurisdicional julgar individualmente cada caso concreto, aplicando (no momento processual adequado) a decisão-quadro estabelecida no julgamento do IRDR. É nesse sentido que o art. 985 determina que a tese jurídica será (e não poderá ser) apli-

cada aos processos em trâmite no Estado ou Região e também aos casos futuros que venham a ser ajuizados e envolvam a mesma controvérsia. Contra eventual decisão que, rebelde, deixar de seguir a orientação firmada em IRDR caberá, além do recurso legalmente previsto, reclamação, com amparo nos arts. 985, §2º e 988, IV. A elogiável previsão do §2º, do art. 985, enaltece a necessidade cultural de observância dos precedentes: propugna a divulgação do julgamento do IRDR aos órgãos estatais responsáveis pela fiscalização de permissionários e concessionários de serviços públicos, com o propósito de administrativamente adequar sua atuação à luz do precedente judicial, evitando inúmeras novas demandas. Muito além disso, o microssistema de resolução de litigios repetitivos encampa no CPC/2015 uma série de efeitos decorrentes da fixação de tese jurídica em IRDR, quais sejam: possibilidade de julgamento de processos em bloco em inobservância à ordem cronológica de julgamento (art. 12, §2º, II); concessão liminar de tutela de evidência (art. 311, II); dispensa de caução em execução provisória (art. 521, IV), panorama este que, por si só, revela a magnitude que o novo Código pretendeu atribuir ao instituto 5. CONCLUSÃO O objetivo do presente estudo foi traçar, num primeiro contato, os principais contornos

do inovador incidente de resolução de demandas repetitivas. Como toda inovação, tem gerado desde seu nascedouro intenso debate em seus mais diversos aspectos e, antes mesmo de sua entrada em vigor, já são várias as interrogações que se colocam diante do IRDR. Dentre elas, indubitavelmente, a funcionalidade do instituto ao permitir a prolação, por Tribunal local, de decisões-quadro envolvendo a interpretação de lei federal quando, em nosso ordenamento e desde o advento da L. 11.672/2008, a tarefa sempre competiu exclusivamente ao STJ. É dizer: como o IRDR se opera no âmbito estadual/regional, não é impossível imaginar que dois Tribunais estaduais, ao julgar IRDR’s sobre a mesma controvérsia de direito, concluam por teses jurídicas antagônicas. Se em nenhum deles vier a ser interposto REsp ou RE (art. 987 e §3º), conviverão simultaneamente duas decisões excludentes entre si, ambas com efeitos transcendentes no âmbito da competência dos seus Tribunais. Tudo o que a mens legis que inspirou o IRDR procura abolir. Que se deixe claro: observação se reveste muito mais de entusiasmo do que de crítica: a boa aplicação do instituto, e do Código cuja vigência se avizinha, deve ser o motriz de advogados, juízes, promotores, etc., em prol da efetividade do Judiciário e, como quer o IRDR, de uma prestação jurisdicional justa e isonômica.

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Precedentes e

procedimento Jordão Violin

Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 57.615 Doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Professor da PUCPR. Advogado.

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Código de Processo Civil de 2015 não é caracterizado por romper com a ordem processual que o precedeu. Tampouco inova em sua essência. Não inaugura um novo paradigma processual. Sua característica mais marcante parece ser a consolidação de entendimentos. Sejam eles doutrinários ou jurisprudenciais, o novo CPC é muito mais um trabalho de atualização que um trabalho de ruptura. Buscou-se mais dar coesão ao sistema processual do que criar novos institutos. O texto veicula, sem dúvidas, inúmeras mudanças. Mas elas são muito mais pontuais que estruturais. A apelação continua com seu velho efeito suspensivo. O cumprimento de sentença mantém, em linhas gerais, as regras criadas há cerca de dez anos. Institutos que parecem ter desaparecido à primeira vista, como os embargos infringentes, continuam presentes sob nova roupagem. Mesmo o incidente de

resolução de demandas repetitivas não é exatamente inédito, porquanto claramente inspirado no sistema de julgamento de causas-piloto, que já baseia o julgamento de recursos especial e extraordinário repetitivos. Nesse contexto, poucos institutos podem ser compreendidos como verdadeiras inovações – mudanças que revolucionam o mecanismo de aplicação e construção do direito. Mas elas existem. A previsão de um sistema precedentalista é uma dessas novidades. Obviamente, isso não significa que a atribuição de força vinculante ou persuasiva aos precedentes seja algo inédito. Já em 1963 havia previsão, no Regimento Interno do STF, de que o relator poderia arquivar o recurso extraordinário ou o agravo de instrumento, quando o pedido contrariasse jurisprudência sumulada.1 Desde então, diversos instrumentos reconheceram força normativa aos precedentes.2 Dentre eles, destacava-se o artigo 557 do CPC de 1973. A trajetória desse dispositivo sinaliza não apenas o aumento do poder do relator, mas a crescente autoridade conferida aos precedentes pelo direito positivo. Em sua redação original,

1 CARVALHO, Fabiano. Poderes do Relator nos Recursos: art. 557 do CPC. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 14. 2 Exemplificativamente, pode-se citar a possibilidade de julgamento imediato do mérito de ações repetitivas (art. 285-A do CPC de 1973) e a dispensa de reexame necessário quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário ou em súmula do STF ou de outro tribunal superior (art. 475, § 3º, do CPC de 1973)

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o artigo 557 permitia ao relator “indeferir por despacho” o agravo manifestamente improcedente. Em 1995, com a primeira reforma, a manifesta inadmissibilidade, prejudicialidade ou contrariedade à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior passaram a permitir o indeferimento de qualquer recurso. Em 1998, a redação dada pela Lei nº 9756 estendeu ainda mais a força normativa dos precedentes. A norma permitiu ao relator negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. Mais que isso, se a decisão recorrida estivesse em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderia dar provimento ao recurso. Tudo isso monocraticamente. Ou seja, o artigo 557 do CPC de 1973 já conferia aos precedentes autoridade não apenas para impedir o processamento de recurso, mas para julgá-lo improcedente ou mesmo procedente desde logo, sem abertura de contraditório em segundo grau. Essa sistemática foi em grande medida aproveitada (e aprimorada) no artigo 932, IV e V, do CPC de 2015.3 Mas aquilo que, até então, era a grande fonte normativa de respeito aos precedentes é, hoje, apenas um detalhe em meio

a todo um sistema precedentalista. De fato, o dever de respeito aos precedentes é hoje previsto no 489, §1º, que impõe ao juiz o dever de seguir precedente invocado pela parte, salvo se demonstrar distinção ou superação daquele entendimento (inciso VI). Determina ainda que a aplicação de precedente exige a identificação e demonstração de seus fundamentos determinantes (inciso V). O artigo 924 demonstra preocupação com a estabilidade, a coerência e a integridade do direito. O artigo 927, por sua vez, vincula juízes e tribunais a decisões anteriores, dando aos precedentes força vinculante. O artigo 988, IV, finalmente, torna a reclamação instrumento hábil a corrigir decisão que desrespeite a autoridade de um precedente. Mas a análise desses dispositivos indica que o legislador talvez não tenha compreendido bem o conceito de precedente. Quase todas as normas do CPC que outorgam aos precedentes força vinculante ou persuasiva acabam, de uma maneira ou de outra, por atrelar essa eficácia a algum procedimento prévio. Chama a atenção o artigo 927 do CPC de 2015, que bem ilustra a dificuldade de o legislador lidar com o tema. De acordo com esse dispositivo, os juízes e tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, bem como os enunciados

3 Art. 932. Incumbe ao relator: (...) IV - negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

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de súmula vinculante. A norma é redundante e inócua. Ora, as decisões proferidas pela Corte Constitucional em sede de controle abstrato sempre foram dotadas de efeitos vinculantes. Esse efeito é inerente ao sistema de controle de constitucionalidade austríaco, desenvolvido por Hans Kelsen. O mesmo vale para as súmulas vinculantes. Elas não valem por serem precedentes, mas por terem efeitos vinculantes. Prossegue o enunciado normativo afirmando que os juízes e os tribunais observarão também os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos. Mas por que apenas os acórdãos decorrentes desses dois incidentes (assunção de competência e resolução de demandas repetitivas) merecem força vinculante? Por que apenas as decisões proferidas em sede de recursos extraordinário e especial repetitivos devem ser observadas? É evidente que não apenas as decisões que passaram por esses procedimentos especiais configuram precedentes, mas toda e qualquer decisão que tenha analisado originariamente uma questão jurídica e a tenha delineado satisfatoriamente.4 O mesmo vale para os enunciados das

súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional. Não há qualquer fundamento lógico para que entendimentos sumulados valham mais que entendimentos não sumulados. Até porque entendimentos pacíficos não costumam se transformar em verbete de súmula. O enunciado não capta a ratio decidendi exposta na fundamentação do precedente. Por fim, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados os julgadores tampouco se justifica. Não é o órgão do qual emana a decisão que faz dela um precedente, mas a aptidão do julgado para enfrentar os argumentos aplicáveis ao caso concreto. O precedente decorre da necessidade de dar coerência ao direito e aumentar a segurança jurídica. O valor vinculante ou persuasivo de um precedente em nada se relaciona com o procedimento pelo qual a decisão foi obtida ou com o órgão do qual ela emana, mas sim com a sua capacidade de criar e regular expectativas legítimas. Há que se compreender o sistema precedentalista criado pelo CPC de 2015 adequadamente, sob pena de ele perder muito da força transformadora que carrega.

4 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: RT, 2011m, p. 216.

Expediente:

ISSN 2175-1056 Diagramação: Ctrl S Comunicação www.ctrlscomunicacao.com.br

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Coordenação Acadêmica: Estêvão Lourenço Corrêa Advogado inscrito na OAB/PR sob nº. 35.082 OAB Paraná – Rua Brasilino Moura, 253 – 80.540-340 Telefone: 3250-5700 | www.oabpr.org.br

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