Precedentes no Brasil e Cultura

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Precedentes no Brasil e Cultura Um caminho tortuoso mas, ainda assim, um caminho Erik Navarro Wolkart Juiz Federal – Mestre (PUC/SP) Doutorando (UERJ)

O processualista moderno deve ser como o viajante responsável: corajoso e prudente busca a nova terra, mas, ao encontrá-la, não queima as caravelas. O conhecimento e a assimilação do novo devem conviver com a boa tradição. Resumo O artigo busca analisar os mecanismos do Novo Código de Processo Civil para criação e aplicação de precedentes em demandas repetitivas, confrontando-os com a cultura jurídica nacional e realidade da Justiça Brasileira, propondo recomendações interpretativas e práticas ao final. Abstract This paper aims to analyze the tools of the New Civil Procedure Code for designing and applicaton of precedents in repetitive actions, confronting them with the national legal culture and the reality of the Brazilian Justice, closing with practical and interpretative suggestions. Palavras-Chave Precedentes – Civil Law – Common Law – Recursos – Demandas repetitivas – Cultura – Novo Código de Processo Civil Keywords Precedents - Civil Law – Common Law – Appeal – Repetitive Actions - New Civil Procedure Code Sumário 1. Introdução; 2. Processo e Cultura; 3. Civil law e common law: diferenças e aproximação dos dois sistemas; 3.1. A aproximação decorrente do pós-positivismo; 4. A realidade brasileira - cultura e crise; 4.1. Crise de justiça e crise da Justiça; 4.2. Crise da Justiça quantidade x qualidade; 5. Novo CPC. Ideologia, escopos e técnicas; 5.1. A importância do escopo. Ideologia; 5.2. Reformas recentes do processo e o Novo CPC - escopos e técnicas; 6.



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Técnicas de valorização dos precedentes no Novo CPC - uma breve nota; 6.1. Precedentes; 6.2. O incidente de resolução de demandas repetitivas; 6.1. Recursos especiais e extraordinários repetitivos; 7. Diagnóstico; 8. Prognóstico; 9. Referências bibliográficas

1. Introdução Em meio às reformas do processo, cujo momento de radicalização aproximase com a aprovação do Novo Código de Processo Civil – NCPC -, revela-se claro o esforço legislativo pela introdução no processo pátrio de um sistema de precedentes judiciais ou, ao menos, de mecanismos que potencializem a força normativa e a obrigatoriedade do respeito aos precedentes. O contexto, como não poderia deixar de ser em ambiente reformista, é de crise. As opções legislativas, naturalmente, refletem escolhas ideológicas e técnicas. As alterações já ocorridas na lei e na jurisprudência são bastante relevantes. As vindouras no bojo do novo código – ainda no que respeita aos precedentes – são de extrema potência, aptas mesmo a alterar o eixo em torno do qual se desenvolve a atividade jurisdicional. Será que a cultura processual brasileira está apta a assimilar tais novidades? Haverá dificuldades? Se sim, são superáveis? O objetivo deste texto é lançar um breve olhar sobre a cultura processual brasileira e, a partir de um contraste entre determinadas características dos sistemas de common law e civil law, lançar um prognóstico dos resultados da assimilação, pela legislação/jurisdição pátrias, da força normativa dos precedentes, sempre levando em conta a profundidade da crise na qual está – e sempre esteve – imersa a nossa Justiça. Não temos qualquer ambição profética. Sobre a adesão a um sistema de precedentes, a pergunta a ser respondida, ao final, não é se vale à pena aderirmos a tal sistema, mas sim como fazer valer a pena tal adesão, já que, ao que parece, ela já começou há um bom tempo e seu aprofundamento é inevitável1. 1

Referimo-nos, obviamente, às reformas que se iniciaram ainda nos anos 90, valorizando os precedentes a partir do aumento do poder do relator, permitindo o julgamento monocrático de recursos quando fundado na jurisprudência dominante daquele tribunal ou de tribunal superior (art.557). O ponto culminante deste movimento no passado recente foi, sem dúvida, a introdução no texto constitucional das súmulas vinculantes pela EC 45/01 – CF, art. 103-A. Institutos como o julgamento



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2.

Processo e cultura.

O processo é objeto da cultura2? Sim, na medida em que o direito como um todo, por ser ciência humana, é objeto da cultura. Em interessante artigo3 sobre o tema, Taruffo ensina não ser possível falar em uma cultura processual universal. A cultura que se reflete no processo é de índole nacional ou regional – regional no sentido de diferentes regiões dentro do mesmo país ou diversos países dentro da mesma região4. Assim, por exemplo, o processo em países islâmicos é fortemente influenciado pela religião. Já as nações asiáticas, graças à cultura confuciana, tendem a valorizar a conciliação como método de resolução de conflitos. O mito do júri está ligado a razões culturais inglesas e, por isso, faz-se presente em diversas de suas ex-colônias5. Todavia, Taruffo reconhece um certo grau de convergência de várias culturas na aceitação de alguns princípios gerais relativos ao processo civil, bem como o fenômeno da harmonização do direito europeu, como uma interessante fusão entre direito “nacional” e o direito “europeu”, sem que isso signifique o fim do direito nacional. No entanto, ao final, o mestre italiano não vê como possível a elaboração futura de um código de processo civil europeu, e rejeita expressamente a tese de que a globalização ocasione uma homogeneização da justiça civil – ainda que tal fenômeno tenha ocorrido em outras áreas, como nos contratos comerciais6. de improcedência prima facie – CPC art. 285-A –, o procedimento para julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos – esses últimos a partir da análise por amostragem da repercussão geral, CPC art. 543 A, B, C –, o incidente de uniformização de jurisprudência nos juizados especiais federais – Lei 10.259/2001, art. 14, são exemplos claros de que a normatividade dos precedentes já foi reforçada, e muito, em nossa legislação, independentemente da aprovação ou não do NCPC. 2 De acordo com Abbagnano, esse termo tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a ‘formação do homem, sua melhora e o seu refinamento (…). No segundo significado, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto de modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de ‘civilização’ (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, p. 261). Em nosso texto, referimos cultura no segundo significado. 3 TARUFFO, Michele. Cultura e Processo, p. 63 a 92 4 Exemplos do primeiro caso são Quebec, no Canadá, ou Louisiana, nos EUA. No segundo caso, podemos citar a cultura islâmica no Oriente Médio ou a Confuciana, nos países asiáticos (TARUFFO, Michele, op. cit., p. 65-67). 5 TARUFFO, Michele, op. cit., p. 65-66. 6 TARUFFO, Michele, op. cit., p. 66-68.



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Há, porém, opiniões diferentes. Althammer, comentando a evolução do processo germânico e europeu, vê com otimismo a possibilidade de formação, em alguns anos, de um verdadeiro modelo processual civil pan-europeu7. De nossa parte, pensamos que culturas nacionais e regionais formam-se, ao longo dos anos, exatamente pela tentativa de preservação de costumes locais ao mesmo tempo em que se assimilam, em grau maior ou menor, novos costumes oriundos da mesma terra ou de outras regiões, tudo mediado por múltiplas circunstâncias de poder, que variam constantemente no espaço e no tempo. Nessa marcha, à moda dos imperativos categóricos kantianos8, as sociedades como um todo devem cuidar para a manutenção de alguns valores universais, seja na cultura de forma geral, seja no processo, tendo em vista a proteção da pauta de direitos fundamentais escrita a sangue ao longo de tantos anos e guerras. Em alguma medida, tudo isso se reflete no processo e deve ser levado em consideração em tempos de reforma, ainda que alguns valores locais tenham de ser atropelados para o afastamento de situações intoleráveis. Claro que, na assimilação de padrões internacionais, a ruptura não pode ser drástica, devendose redobrar os cuidados com os efeitos colaterais para evitar que o remédio mate a doença e o doente9. O que estamos a afirmar é a necessidade de uma tomada de consciência de toda a comunidade jurídica do que inevitavelmente ocorre no ambiente de uma reforma processual e do que todos devem esforçar-se para que efetivamente ocorra. É inevitável que: (i) atuem a cultura local ou regional e os poderes e ideologias predominantes; (ii) incorporem-se novidades com vistas a melhorar o sistema – senão não haveria necessidade de reforma! (iii) haja uma rejeição apriorística do sistema às novidades, ou seja, uma espécie de efeito colateral. De outro lado, é fundamental que: (i) se opte pela incorporação de pautas que se aproximem de imperativos categóricos, no sentido de terem sido testadas com sucesso em culturas evoluídas de processo, mesmo que diferentes da nossa; (ii) cuide-se para que os tais efeitos colaterais não sejam de gravidade igual ou pior do 7

ALTHAMMER, Christoph. Foreing influences on German Reforms of Civil Procedure, p. 41. “O I. categórico ordena uma ação que é boa em si mesma, por si mesma objetivamente necessária, sendo portanto um princípio apoditicamente pático” – ABBAGNANO, op. Cit. P. 628 9 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do direito, p. 86-95. 8



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que a própria doença, pena de falência dos objetivos da reforma (iii) todos estejam conscientes da necessidade de adaptação das estruturas e dos profissionais envolvidos no ambiente de reforma. 3. Civil law e commow law: Diferenças e aproximações dos dois sistemas Desde que o tema precedentes voltou à cena no Brasil, muito já foi escrito sobre o assunto. Histórico e diferenças desses dois sistemas podem ser lidos em múltiplos autores10, pelo que, neste item, nos restringiremos ao necessário para o pequeno escopo deste artigo, ou seja, a definição das aproximações e diferenças fundamentais entre as duas grandes escolas do direito, aptas a criar facilidades e dificuldades na incorporação de institutos a respeito. O fundamental aqui reside no fato de o direito insular ter ficado imune ao direito romano, que foi facilmente incorporado às jurisdições europeias continentais11. O juiz inglês perpetuou as regras tradicionais nativas, decalcando normas dos costumes locais. O reconhecimento dos costumes pelo juiz é o que podemos chamar de precedente12. Já o juiz continental submeteu-se à lei escrita13 e, derrotado pela Revolução Francesa ao assumir postura reacionária, foi agrilhoado pelo positivismo e pelo racionalismo europeus que, com pretensão totalizante, criaram códigos supostamente capazes de solucionar todos os problemas – ordenamento jurídico –

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Dentre muitas obras, podemos citar: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. In: Revista de Processo nº 172. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Jun/2009; MARINONI, Luiz Guilherme. Aproximação crítica entre as jurisdições de ‘civil law’ e ‘common law’ e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil. Revista de Processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. As tradições jurídicas de civil law e de commow law. In: FREIRE, Alexandre et. al. Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo código de processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013; MEDINA José Gabriel Garcia, FREIRE, Alexandre e FREIRE Alonso Reis, Para uma compreensão adequada do sistema de precedentes no projeto do novo código de processo civil brasileiro, in FREIRE, Alexandre et. al. Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo código de processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013; BUSTAMANTE, Thomas. Teoria do precedente judicial. São Paulo: Noesis, 2012. 11 MEDINA José Gabriel Garcia; FREIRE, Alexandre; FREIRE Alonso Reis, op. cit., p. 695-696. 12 BUSTAMANTE, Thomas, op. cit., p. 4. 13 É importante a advertência de Bustamante no sentido de que, na verdade, o chamado direito romano clássico – que compreende o período entre o século II AC ao século III DC, muito se assemelhava ao direito atual common law. Em ambos, não havia um corpo de normas jurídicas gerais e abstratas. Essas eram decalcadas pelo juiz inglês e pelo jurista romano, sempre via indução caso a caso. Assim, as chamadas “responsa” dos juristas autorizados, faziam, em Roma, papel idêntico aos precedentes dos juízes ingleses (BUSTAMANTE, Thomas, op. cit., p. 5-6.



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reservando ao juiz o papel de boca da lei – la bouche de la loi -, sem qualquer possibilidade criativa. Todavia, a realidade hoje é um pouco diferente. Juristas modernos reconhecem aproximações entre os dois sistemas. Em Zweigert e Kotz encontramos visão otimista a respeito, afirmando que nem nos sistemas de commmon law os precedentes são tão rígidos nem nos de civil law tão flexíveis14. De fato, nos EUA, país de intensas e rápidas transformações econômicas e sociais, a Supreme Court nunca se limitou em caráter absoluto por decisões anteriores, optando, desde o primeiro momento, por técnicas como distinguishing e overruling15. Mesmo na Inglaterra, tradicionalmente conhecida pela rigidez dos precedentes – nem a House of Lords podia revogá-los –, os tempos são outros. Desde 1966, quando Lord Chancellor publicou o Practice Statement, a limitação não mais existe16. Em verdade, após as reformas Woof, a Inglaterra aderiu a um código de processo civil escrito e a House of Lords foi substituída por uma Corte Superior17. Por outro lado, mesmo sem regras escritas, decisões das Cortes Superiores dos países europeus costumam ser respeitadas. Decisões do Bundesguerichtshof, por exemplo, dificilmente são desconsideradas. Na França, a situação é semelhante18. Para os professores alemães, a grande diferença dos dois sistemas não é, portanto, o respeito aos precedentes, mas sim a técnica decisória. Os juízes do common law utilizam método analítico indutivo - mature and work man like tradition of reasoning from case to case. Já o juiz continental parte sempre do texto legal, ou de classificações apriorísticas dos fatos, em processo dedutivo. A contextualização fática, e a indicação dos fatos relevantes, tão importante no commow law, é negligenciada no sistema continental. Como exemplo, citem-se julgamentos da Corte de Cassação francesa - cujas alusões aos fatos são escassas ou criptografadas – ou da Corte Italiana, em que julgamentos são publicados em 14

ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Introduction to comparative law, p. 157-158. Idem. 16 Idem. 17 ANDREWS, Neil. O moderno processo civil, formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra, p. 53-54. 18 ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein, op. cit., p. 157. 15



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forma de ementas que expressam fórmulas prontas, impossibilitando a investigação fática subjacente19. Todavia, em crítica à visão dos professores tedescos, Cappelletti aprofunda a divisão dos dois sistemas, com argumentos históricos e estruturais. Para Capelletti20: (i) enquanto as cortes continentais são difusas e numerosas, as cortes do direito comum são compactas, decidindo de modo uniforme, logo, com mais autoridade; (ii) a ampla discricionariedade do juiz do direito comum é impensável na Europa continental, onde o já citado preconceito reformista rejeita a possiblidade de a Corte escolher discricionariamente – writ of certiorari – os processos que julgará. Como consequência, as cortes continentais julgam muitos processos, impossibilitando análise mais acurada; (iii) O juiz continental é um funcionário público, burocrata, de carreira. Portanto, tende a ser mais tímido em suas decisões em comparação com o juiz do direito comum, cujo protagonismo decorre do fato de ser eleito pela comunidade. 3.1. A aproximação decorrente do pós-positivismo Posto que as diferenças sejam numerosas, uma última aproximação ainda se faz possível: do ponto de vista pós-positivista, as decisões judiciais, lastreadas ou não em precedentes, seja no civil law seja no common law, devem buscar autoridade e legitimação na força do argumento. Explicamos. Os precedentes, de certa forma, fazem no common law o mesmo papel da legislação no civil law. Ocorre que, na concepção pós-positivista, o direito não pode mais ser contemplado como algo estático, mas sim como um objeto dinâmico, de modo que seu momento mais importante reside na aplicação da norma. É o chamado giro neorealista21. A partir desse momento surgem os problemas de colisão de normas, sejam as previstas na lei escrita, sejam as decalcadas de precedentes. Emergem ainda os casos novos, que não encontram solução imediata – subsunção – nem nas normas pré-estabelecidas, nem na simples analogia.



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Ibidem, p. 158. CAPPELLETTI, Mauro. The doctrine of stare decisis and the civil law: a fundamental difference – or no difference at all?, p. 160-162. 21 BUSTAMANTE, Thomas, op. cit., p. 94. 20



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Nessa ordem de ideias, a falência do conceito positivista de ordenamento jurídico completo existe também no common law, pois a riqueza e o dinamismo das atuais relações sociais impõe ao juiz do direito comum a mesma dificuldade de subsunção à norma de fatos inauditos que tem o juiz do civil law. As colisões de normas no momento da aplicação também ocorrem nos dois sistemas. Com clara inspiração kantiana, Alexy sustenta que a fundamentação de uma decisão deve ser regida pelo princípio da universalidade, no sentido de que cada decisão judicial deve partir de uma norma universal – válida para a generalidade de casos como aquele - e dela também se possa deduzir uma norma universal22. Assim, qualquer que seja o poder normativo do juiz, ele só pode ser validamente exercido por meio de uma argumentação justificadora construída com regras universais e imparciais. Em conclusão, a chamada autonomia metodológica decisional do common law em relação ao civil law seria uma falácia, pois o processo argumentativo seria o mesmo, ou seja dedutivo, ainda que haja diferenças de estilo entre ambas as escolas23. Concluindo: em um cenário positivista – estático, tanto no common law como no civil law – a norma deve ser respeitada em razão da autoridade de sua fonte editora – o judiciário ou o parlamento; no cenário pós-positivista, tal autoridade não basta. O direito deve ser verificado no momento de aplicação da norma, momento esse guiado pela racionalidade. A argumentação racional parte e deve retornar às normas gerais, seja no direito comum, seja no direito continental. Desse ponto de vista, repetimos, não há grandes diferenças metodológicas entre os dois sistemas – ainda que cada um tenha um estilo. 4. A realidade brasileira – cultura e crise 4.1. Crise de justiça e crise da Justiça No Brasil, falar em crise de justiça é pleonasmo. Brasil é quase sinônimo de injustiça. Nessa crise, insere-se a crise da justiça, essa identificada especificamente com o exercício de uma das funções do Estado, qual seja, a jurisdicional. É erro comum dissociar a crise da justiça da crise de justiça. 22

ALEXY, Robert. Teoría de la argumentación jurídica: La teoria del discurso racional como teoría de la fundamentación juridica. Apud BUSTAMANTE, Thomas, op. cit., p. 113. 23 BUSTAMANTE, Thomas, op. cit., p. 93-124, principalmente p. 110, 112 e 114.



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Como país injusto e deficiente que é, o Brasil sofre da incompetência executiva na desincumbência de tarefas básicas do Estado social propostas pela Constituição de 88. Ressente-se ainda da mesma insuficiência na resolução administrativa dos conflitos entre Estado e indivíduo 24 . Isso tudo contribui para a crise da justiça, principalmente em razão do demandismo gerado por esse tipo de situação. Como se sabe e já se tornou até lugar comum: o Estado é o maior cliente do Poder Judiciário. Todavia, há também uma crise própria da justiça que alimenta a crise de justiça. Com efeito, as principais deficiências orgânicas do Poder Judiciário brasileiro são bastante conhecidas e, em geral, presentes na maioria dos países subdesenvolvidos. Como exemplo podemos citar: (i) insuficiência tecnológica; (ii) má-gestão de recursos financeiros e humanos; (iii) deficiência técnica de parte do corpo de magistrados e servidores; (iv) influência política nas decisões, principalmente das Cortes Superiores; (v) corrupção25. Assolada por tantas patologias, a Justiça brasileira muitas vezes é incapaz de dar respostas adequadas aos mais singelos conflitos, presentes em qualquer tipo de sociedade, contribuindo assim para a crise de justiça. Quando essa Justiça deficiente defronta-se com os problemas e mazelas da realidade brasileira – a crise de justiça - o resultado é o caos. Não é difícil, portanto, perceber que crise de justiça e crise da Justiça são processos interdependentes, que se alimentam simultaneamente em movimento motocontínuo, desenhando um quadro bizarro que parece não ter fim. O tamanho desse problema supera os limites do direito como ciência humana e vai inundar outras áreas do conhecimento, como a sociologia, a antropologia, a política, etc. O presente artigo é jurídico, vinculado ao direito processual civil e de poucas laudas. Destarte, tendo como pano de fundo aquele retrato, nossas pretensões são bem restritas e ligadas à crise da justiça no aspecto de saber como e se a reforma da lei processual pode atenuar tal patologia. 4.2. Crise da Justiça – quantidade x qualidade 24

GRECCO, Leonardo, O acesso ao direito e à Justiça, p. 5, disponível em http://www.mundojuridico.adv.br, 25 CABRILLO, Francisco; SEAN Fitzpatrick. La economía de la administración de justicia, p. 366.



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É notório que a crise da Justiça brasileira é de quantidade e de qualidade. A quantidade de processos é imensa, absurda, sobre-humana, em todas as instâncias da Justiça. Com tal quantidade, naturalmente compromete-se a qualidade. Juízes e tribunais passam a julgar por atacado. Muitos argumentariam que o problema da qualidade é autônomo em relação à quantidade. Será? Como a quantidade de processos é imensa desde priscas eras, seria possível dimensionar qual seria a qualidade das decisões judiciais no Brasil sem essa maléfica influência? A resposta deve partir de um exercício mental para identificar problemas de qualidade nas decisões judiciais que nada têm a ver com questões quantitativas, ou seja, problemas que permaneceriam mesmo se o Judiciário brasileiro tivesse de julgar um número reduzido de processos. A dispersão de jurisprudência, por exemplo, parece realmente ser defeito autônomo ao problema quantitativo. Com efeito, não se pode sustentar que é o acúmulo de processos que faz com que uma mesma questão de direito, em contextos bastante análogos, receba tratamento diverso entre os órgãos do Poder Judiciário e, o que é pior, muitas vezes dentro do mesmo órgão. Já o problema da lentidão da justiça parece relacionar-se diretamente com a quantidade, malgrado haja concausas relacionadas a deficiências estruturais e legislativas. Os defeitos de motivação das decisões judiciais parecem sofrer forte influência da quantidade26. Com efeito, é raro encontrar uma decisão judicial que cumpra com rigor o dever de motivação, examinando atentamente todos os argumentos relevantes de fato e de direito colacionados pelas partes, de modo que todos entendam os motivos da decisão final27. No entanto, para além de um problema quantitativo, pensamos que o juiz brasileiro já formou a cultura da decisão sintética. O próprio STJ já firmou

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GRECO, Leonardo. Garantias fundamentais do processo: o processo justo, p. 80. Ibidem, p. 79.

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jurisprudência no sentido da fundamentação suficiente, liberando o juiz de responder, um a um, a todos os argumentos das partes28. Em conclusão, dada à gravidade da crise quantitativa e qualitativa que acompanha a Justiça brasileira, a reforma da legislação, radicalizada com a proposta de aprovação de um novo código de processo, parece ter sido a solução escolhida pelo mainstream, composto aqui por juristas e pelo próprio Estado. Já sabemos que a crise da Justiça é também consequência de uma crise de justiça no Brasil. Portanto, soluções isoladas jamais serão eficientes. Todavia, escolhido o caminho de alteração legislativa, é preciso investigar de que forma se pode dar efetividade à nova norma sem que se perca tudo o que o Brasil já conquistou em termos de um processo justo. A pergunta capaz de encaixar esse tema nos limites deste trabalho é saber se as normas do novo CPC que reforçam a obrigatoriedade de respeito aos precedentes têm a contribuir com as crises qualitativa e quantitativa de nosso aparelho jurisdicional. Ou, em perspectiva mais otimista, como fazer isso acontecer. 5.

O Novo CPC. Ideologia, escopos e técnicas

Antes de referirmos as novas técnicas trazidas pelo NCPC para operar precedentes, é necessária uma palavra sobre os escopos da reforma e ideologias que direcionaram as escolhas do legislador. 5.1.

A importância do escopo. Ideologia

O processo tem dupla dimensão: é, ao mesmo tempo, uma técnica e um instrumento.

Como

instrumento,

volta-se

para

determinados

objetivos,

ideologicamente determinados – escopos. Como técnica, permite a construção de instrumentos aptos ao atingimento daqueles escopos. Como afirma Taruffo, a técnica sem ideologia é vazia. A ideologia sem técnica, inoperante29. Destarte, em momentos de reforma, o legislador deve ter nítidos na retina os escopos a serem buscados e atingidos. Normalmente, como já referimos, tais escopos

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Tendo encontrado motivação suficiente, não fica o órgão julgador obrigado a responder, um a um, todos os questionamentos suscitados pelas partes. EDcl no AgRg no AREs 233.505/RS, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 12.12.2013. 29 TARUFFO, Michele, op. cit., p. 68-71. No original: “la técnica senza l’ideologia è vuota, mentre l’ideologia senza la tecnica è importente”.



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refletem ideologias e poderes dominantes, bem como as notas principais da crise a ser combatida30. Na Europa do século XIX, por exemplo, quando prevalecia a ideologia liberal, o processo guardava grande autonomia para as partes e pouca possibilidade de influência para o juiz. O pressuposto era a igualdade formal. A ideologia dominante, o positivismo31. Em consequência, a prova era livre, o juiz não se preocupava com hipossuficiências, não havia ativismo judicial, o direito aos recursos era amplo e irrestrito e o processo era voltado para proteger direito subjetivos dos particulares com a aplicação mecânica da lei. Na passagem para o século XX, essa concepção entra em crise, pois o modelo agora vigente – Estado democrático de direito – é mais intervencionista e preocupado com o bem estar social. Em consequência, os escopos do processo também se alteram. Emerge um recorte publicista, valorizando-se a função social do processo32. À mudança de escopo, seguem-se mudanças de técnica. O juiz assume postura intervencionista, protegendo os direitos de modo mais substancial. O processo tornase mais barato e eficiente – o acesso à justiça passa a ser uma preocupação constante. A ação e a defesa assumem status de garantias constitucionais – as partes têm direito a um fair hearing. O direito aos recursos é limitado pela lei, de modo a prevenir abusos e excessos, e a legislação busca criar instrumentos para a concessão da tutela adequada. É a fase do garantismo processual33. A passagem para o século XXI desfralda o cenário da globalização e do neoliberalismo e, do ponto de vista filosófico, da total falência do positivismo. De um lado, aflora a preocupação com os custos e com a eficácia do processo. De outro, vê-se na Europa a adoção cada vez maior de um direito comum, com reforço da jurisprudência das cortes transnacionais34. No direito, de modo geral, o pós-positivismo aparece como solução para mediar a vontade do parlamento e de 30

Na Itália, por exemplo, a indefinição de um escopo claro para as reformas processuais produziu equívocos graves. 31 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo, p. 30-31. 32 TARUFFO, Michele, op. cit., p. 72-73. 33 CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporâneas P. 129, In Revista de Processo No. 65, Ed. RT, São Paulo, 1992 34 Althammer noticia que, mesmo o direito processual alemão, que passou muitos anos fechado às influências externas, sofre hoje enorme influxo das leis compulsórias da União Europeia e do direito Americano que, juntos chegam mesmo a abalar a torre germânica (ALTHAMMER, Christoph, op. cit., p. 41).



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grupos majoritários, com princípios de justiça capazes de fazer prevalecerem sempre os direitos fundamentais. Neste momento no qual nos encontramos, parece natural que reformas processuais estejam mais abertas à incorporação de institutos oriundos de outras culturas, tendo em vista a irreversível integração econômica e política35 do mundo ocidental democrático. Arriscamos dizer que a tendência agora é pela reformatação do processo para tornar a justiça mais célere, mais barata do ponto de vista do custo/benefício, e mais previsível. De outro lado, o grande desafio é manter as conquistas do garantismo processual – e do processo justo – frente à uma concepção do processo do ponto de vista econômico. Assim, técnicas que promovem a força normativa e conformativa dos precedentes, se bem estruturadas, parecem ser adequadas, mas não suficientes aos escopos que se impõem. Ao seu lado, verifica-se o protagonismo de outras, como a tutela coletiva e as formas alternativas de resolução de conflitos – essas também chamadas de justiça coexistencial, na denominação de Cappelletti36, que fogem dos desígnios deste trabalho. 5.2. Reformas recentes do processo e o Novo CPC – escopos e técnicas As recentes reformas do processo civil brasileiro37 carregam a marca da visão econômica do processo. Com exceção das leis que ampliaram o acesso à justiça, estruturando melhor os juizados especiais e as defensorias públicas, praticamente todas as novidades têm o intuito de acelerar o julgamento e valorizar os precedentes dos tribunais, principalmente os superiores38. Julgamento monocrático de recursos pelo relator com base na jurisprudência dominante, julgamento de improcedência prima facie, procedimento para julgamentos de recursos especiais e extraordinários repetitivos e, principalmente, a adoção das súmulas vinculantes foram passos claros neste sentido.



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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, Precedentes..., p. 86. CAPPELLETTI, Mauro, op. cit., p. 65. A tendência verifica-se também na Alemanha e em toda a Europa, tendo o parlamento europeu editado em 2008 o European mediation directive (ALTHAMMER, Christoph, op. cit., p. 38). 37 Desde a década de 90, mas, mais fortemente, após a edição da EC nº 45/2004. 38 E também, claro, de criar privilégios processuais para a Fazenda Pública, como no caso da Lei 9494/97 e da Lei. 12016/09 – Mandado de Segurança. 36



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O escopo do legislador pátrio, então, parece claro: tornar a justiça mais eficiente e previsível, melhorando sua relação de custo benefício. Quanto às técnicas, parecem prevalecer aquelas que tendem a uma dessubjetivação da lide ou, como já tivemos oportunidade de afirmar, a uma objetivação do processo

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, pela adoção de mecanismos de aceleração do

procedimento40, tendo por norte, principalmente, a valorização dos precedentes. O novo CPC, parece ser, como já afirmamos - a radicalização desse movimento. Graças a uma sincera exposição de motivos do anteprojeto original, os escopos do novo código aparecem bem claros41. Já no início da exposição, encontra-se a preocupação com a eficiência do sistema processual. A celeridade é também preocupação constante42. Mais à frente, forte no objetivo de aproximar o código de processo das normas constitucionais e dos direitos fundamentais, aparece a preocupação com dispersão da jurisprudência como grande ameaça à igualdade e à segurança jurídica43. O objetivo de diminuir a carga de trabalho da justiça foi honestamente abordado de modo expresso44. Claro que uma norma da magnitude de um novo código de processo tem múltiplos escopos e técnicas e eles acopladas. Parece-nos, todavia, que a preocupação 39

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio; BRANCO, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 1077. 40 MONERAT, Fabio Victor da Fonte. A jurisprudência uniformizada como estratégia de aceleração do procedimento, p. 341 a 490, in Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. 41 Com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão. 42 O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, [6] porque mais rente às necessidades sociais [7] e muito menos complexo [8]. 43 Haver, indefinidamente, posicionamentos diferentes e incompatíveis, nos Tribunais, a respeito da mesma norma jurídica, leva a que jurisdicionados que estejam em situações idênticas, tenham de submeter-se a regras de conduta diferentes, ditadas por decisões judiciais emanadas de tribunais diversos (...) A segurança jurídica fica comprometida com a brusca e integral alteração do entendimento dos tribunais sobre questões de direito. Trata-se, na verdade, de um outro viés do princípio da segurança jurídica, [14] que recomendaria que a jurisprudência, uma vez pacificada ou sumulada, tendesse a ser mais estável [15]. 44 Criaram-se figuras, no novo CPC, para evitar a dispersão [18] excessiva da jurisprudência. Com isso, haverá condições de se atenuar o assoberbamento de trabalho no Poder Judiciário, sem comprometer a qualidade da prestação jurisdicional.



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com a dispersão da jurisprudência e com a morosidade dos julgamentos são dominantes. Dentre as técnicas escolhidas, as de valorização dos precedentes assumem, sem dúvida, papel de protagonismo45. 6. Técnicas de valorização dos precedentes no Novo CPC – uma breve nota No novo código, as normas concernentes às técnicas aqui referidas concentram-se no livro que trata dos meios de impugnação das decisões judiciais, principalmente no que se refere ao incidente de resolução de demandas repetitivas – arts. 976 e 987 – e ao processamento e julgamento dos recursos especiais e extraordinários – arts. 1029 a 1041. Passaremos a pontuar, sucintamente, alguns aspectos técnicos importantes. 6.1.

O incidente de resolução de demandas repetitivas

Este instituto –arts. 976 a 987 – tem sido apontado como a grande novidade do novo CPC. Trata-se da opção mais clara e radical no sentido da busca da diminuição do excesso de demandas, reflexo claro da análise econômica do processo. O risco aqui, mais uma vez, é o costume do jurista e, principalmente, do juiz brasileiro, que tende a ser muito sintético. O remédio é agressivo e potentes serão seus efeitos colaterais. Resta cuidar para que não matem o doente. O incidente tem inspiração direta e declarada no processo civil tedesco46. É de técnica simples, consistente na cisão do julgamento, levando ao tribunal a parte padronizável da lide, suspensas as demandas repetitivas. Ao decidir a demanda eleita, o tribunal gera uma decisão-modelo, cabendo à primeira instância aplicá-la de acordo



45

A simplificação do sistema recursal – ao nosso ver tímida e insuficiente – e a valorização de meios alternativos de solução de litígios, como a arbitragem, a conciliação e a mediação são também técnicas muito importantes eleitas pelo código como aptas ao atingimento daqueles escopos. 46 Na verdade, em Alemanha, em 16.08.2005, introduziu-se o chamado procedimento-modelo ou procedimento-padrão – Musterverfahren – através da Lei de introdução do Procedimento-Modelo para os investidores em mercado de capitais – GesetzzurEinführung von Kapitalanleger-Musterverfahren, ou, simplesmente, KapMuG. Fruto da reação do legislador ao caso Deutsche Telekom – que gerou por volta de quinze mil demandas em razão de possíveis fraudes de informação em duas circulares de ofertas de ações da empresa – a técnica foi introduzida como lei experimental em 2005, com prazo de cinco anos. Antes disso, foi incorporada ao Zivilprozessordnung – ZPO, o código de processo civil alemão.



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com as peculiaridades de cada caso concreto. Não pode haver uma aplicação mecânica do julgado47. As principais características deste novo instituto são: (i) possibilidade de instauração de ofício pelo tribunal; (ii) necessidade de que a causa que abrigará o incidente já esteja no tribunal48; (iii) participação de todos os interessados, incluindo pessoas, órgãos ou entidades, que poderão requerer diligências exclusivamente para a elucidação da questão de direito – no modelo brasileiro, questões fáticas não farão parte do incidente. Será que a jurisprudência realmente abrirá o procedimento para além dos amici curiae, permitindo a participação de todos que forem parte nos processos suspensos? – (iv) aplicação da tese jurídica resultante do julgamento a todos os processos suspensos no âmbito do foro do tribunal onde tramita o incidente, bem como às causas futuras que versarem idêntica questão de direito49;(v) havendo recurso especial ou extraordinário, os efeitos do incidente serão estendidos a todo território nacional; (vi) mesmo que não haja recurso, os legitimados para a instauração do incidente, visando à garantia da segurança jurídica, poderão requerer ao STF ou STJ a extensão da suspensão a todo o território nacional – mas será que os Tribunais Superiores realmente permitirão e atenderão às manifestações de todas as partes de todos os processos suspensos? É radical o procedimento-modelo dos trópicos, pois tem efeitos inclusive para o futuro – e por isso não permite que os interessados furtem-se à vinculação da decisão final desistindo ou sequer propondo a demanda naquele momento. Note-se também que não se explicitam, no art. 985, os limites da aplicação da tese às demandas individuais, deixando-se de prever a necessidade da comparação analítica de casos para que se faça o distinguishing50 - não obstante, o cotejo fático deva realizar-se, ainda que não seja de nossa cultura jurídica. 6.2.

Recursos especiais e extraordinários repetitivos



47

NUNES, Dierle; PATRUS, Rafael Dilly. Uma breve notícia sobre o procedimento-modelo alemão e sobre as tendências brasileiras de padronização decisória: um contributo para o estudo do incidente de resolução de demandas repetitivas brasileiro, p. 479. 48 No projeto do Senado assegurava-se a possibilidade de se pedir ao tribunal a instauração mesmo que a causa estivesse em primeira instância – art. 930 do PL 166/2010. 49 Art. 985, II 50 NUNES, Dierle; PATRUS, Rafael Dilly, op. cit., p. 483.



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Os arts. 1029 a 1035 tratam em conjunto do regime jurídico do julgamento dos recursos especial e extraordinário. De certa forma, a técnica já existia no sistema51, sendo esse um dado muito importante para este trabalho. Se queremos arriscar um prognóstico dos resultados da adoção – pelo futuro novo CPC – de um sistema de precedentes com diversas técnicas novas, vale a pena deitar o olhar sobre as consequências da adoção do procedimento de julgamento de recursos especiais e extraordinários repetitivos, introduzido pelas Leis nº 11.418/06, e nº 11.672/08. Como resultado final, observou-se diminuição de processos em trâmite nas Cortes Superiores. No STJ, de 2007 a 2013, a distribuição de recursos especiais reduziu-se à metade, ainda que tenha subido nos últimos anos 52 . O problema, no entanto, vem sendo o tempo demandado para julgamento dos recursos eleitos e, consequentemente, o tempo de sobrestamento dos recursos repetitivos, que ficam esperando a formação do precedente. Em estudo recentemente divulgado, demonstrou-se que, após a adoção da sistemática da repercussão geral, o tempo para o trânsito em julgado de processos no STF subiu! Ainda que o número de feitos transitados seja menor53. Em números, a adoção da sistemática da repercussão geral reduziu notoriamente o número de feitos distribuídos ao STF – de 112.938 processos em 2007 para 44.170 em 2013. Nesse período, foram 696 processos submetidos ao exame da repercussão geral. Desses, 199 tiveram repercussão negada e 493 tiveram a repercussão



51

CPC/73, art. 543 A-543-C Pesquisando os “boletins jurídicos” do STJ a partir de 2007 – um ano antes da implementação do art. 54c-C no CPC, fica clara a diminuição de recursos especiais distribuídos. Mesmo assim, note-se que a primeira grande diminuição deu-se apenas em 2010. Em 2007 foram distribuídos 117.973 recursos; em 2010 54.596 recursos. Os últimos dados são de 2013, quando foram distribuídos 65.110 recursos. Incrível perceber que houve um aumento do 2010 para 2013 o que comprova o demandismo endêmico ao qual já nos referimos. Disponível em: http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/?vPortalAreaPai=483&vPortalArea=483&vPortalAreaR aiz=334 52

53

O Supremo em números – III relatório – O Supremo e o tempo. Disponivel em: . Acesso em: 10/11/2014.



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reconhecida. Desses últimos, apenas 163 foram julgados, de modo que restam 330 processos em estoque, com repercussão reconhecida, pendentes de julgamento54. Considerando que o STF julga, em média, 27 processos por ano com repercussão reconhecida55, chegamos à estarrecedora conclusão de que, se a partir de hoje nenhuma repercussão for mais reconhecida, o STF levará incríveis 12 anos para zerar o estoque pendente! Do ponto de vista técnico, muitos foram os apuros causados pela operação daquelas normas, dentre os quais podemos citar:56: (i) falta de critério para a seleção de recursos repetitivos; (ii) indeterminação do número de recursos a serem selecionados; (iii) falta de regra específica para a desistência do recurso escolhido; (iv) sobrestamento, ao invés de indeferimento, de recursos intempestivos, inclusive com possibilidade de retratação, fato que equivaleria quase à rescisão do julgado57; (v) ausência de solução para recursos sobrestados que versassem simultaneamente tema repetitivo e não repetitivo; (vi) sobrestamentos por prazo indeterminado; (vii) ausência de previsão de instrumentos de oposição ao sobrestamento indevido; (viii) previsões insuficientes de abertura do procedimento ou de garantia do contraditório, aptas a legitimar a formação do precedente; (ix) falta de regras de padronização da decisão de julgamento de recursos repetitivos; (x) conformação apenas parcial da jurisprudência, já que as decisões superiores apenas incidiam obrigatoriamente para forçar os Tribunais inferiores a denegar seguimento aos recursos contra acórdãos que coincidissem com a decisão dos Superiores. Significa que a primeira instância continuava livre para decidir o que bem entendesse e que os tribunais não precisariam fundamentar a recusa de retratação quando optassem por manter as decisões divergentes da nova orientação, atacadas por recursos sobrestados58. Nesse ponto, o NCPC avançou em relação ao código atual. Com efeito, as normas encontradiças entre os arts 1036 a 1041 procuraram colmatar parte daqueles 54

Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual, acesso em outubro 2014. 55 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual acesso em outubro 2014.



56

Elaboramos boa parte desses problemas em nosso Precedente no direito processual civil brasileiro: mecanismos de objetivação do processo. Salvador: Ed. JusPodivm, 2013. 57 Principalmente os §§7º e 8º do art. 543-C autorizam esse entendimento. 58 Art. 543-B, §3º e Art. 543- C, §7º.



18

defeitos, estabelecendo: (i) critérios para a seleção dos recursos repetitivos59 – dois ou mais, desde que haja argumentação e discussão abrangente, evitando-se a superficialidade e, logo, a fragilidade do precedente; (ii) suspensão de processos repetitivos em todas as instâncias60, evitando o giro inútil da máquina judiciária desde a instância inicial, e não somente nos tribunais; (iii) proibição de sobrestamento de recursos

intempestivos

61



permitindo

que

a

outra

parte

requeira

sua

inadmissibilidade; (iv) regulamentação da chamada decisão de afetação 62 , a ser proferida pelo relator no Tribunal Superior, delimitando com precisão a questão objeto de julgamento – impedindo-se, inclusive, o colegiado de decidir fora do tema afetado; (v) técnica de proferimento de dois acórdãos autônomos pelos Tribunais de origem, quando os recursos sobrestados contiverem questões fora do âmbito de afetação, que possam ser decididas de modo independente 63 – aqui o processo permanece sobrestado apenas quanto à questão afetada, podendo o tribunal proferir acórdão parcial sobre as demais questões; (vi) prazo máximo de um ano para julgamento após a afetação 64 – limitando-se assim o tempo de sobrestamento nas instâncias inferiores; (vii) requerimento de prosseguimento ao órgão responsável pelo sobrestamento 65 – é a oportunidade que a parte tem de demonstrar que as peculiaridades do seu caso autorizam um julgamento independente. Aqui há espaço para cotejar analiticamente os casos-paradigma com o caso individual, pleiteando a reconsideração da decisão de suspensão. Mantida a suspensão na primeira instância, cabe recurso para o tribunal. Todavia, se a suspensão deu-se no tribunal, caberá apenas recurso horizontal, qual seja, o já consagrado agravo interno; (viii) abertura do procedimento para permitir a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia66 – nos exatos moldes do previsto no CPC/73, art. 543-C, §4º. A única novidade aqui foi a previsão expressa da possibilidade de realização de audiência pública antes da decisão nos processos selecionados; (ix) criação de um padrão de decisão 67 , obrigando que o acordão resolutivo dos recursos-paradigma

59

Art. 1036, §1º. Idem. 61 Art. 1036, §2º. 62 Art. 1037, I e §2º. 63 Art. 1037, §7º. 64 Art. 1037, §4º. 65 Art. 1037, §§ 9º e 10. 66 Art. 1038, I 67 Art. 1038, §3º. 60



19

contenha análise de todos os fundamentos, favoráveis e contrários à tese jurídica posta em discussão – note-se que ficaram de fora as questões fáticas envolvidas; (x) aprofundamento do efeito “vinculante”da decisão paradigma 68 , obrigando seu respeito pela primeira instância, e determinando aos tribunais que justifiquem a falta de retratação em recursos sobrestados através de distinguishing; (xi) criação de uma espécie de output, permitindo que, após a formação do precedente, a parte desista do feito sobrestado

69

antes do proferimento de sentença, independentemente da

concordância do réu. Na leitura do texto das normas em comento, percebe-se que há uma despreocupação do legislador com os aspectos fáticos que envolvem os casos selecionados para o julgamento que formará o precedente. Esse é um problema grave que recairá sobre muitas das novidades do código vindouro. A preocupação da norma é sempre a questão de direito, como se ela pudesse existir sozinha, sem os fatos. O tal padrão de decisão, criado pelo art. 1038, §3º ocupa-se somente das questões que envolvem a tese jurídica, desprezando o contexto fático. Mas, sabemos, o direito não existe sem os fatos70. Como já vimos, o juiz do common law é extremamente preocupado com o contexto fático que envolve o precedente. Sem ele, é impossível fazer o cotejo analítico necessário para a verificação da semelhança que autoriza a aplicação, em determinado caso, das mesmas razões de direito utilizadas no precedente. Já o juiz brasileiro é sintético por natureza. Nesse ponto, o NCPC deixa a desejar no caráter pedagógico da norma, tão bem empregado em outros momentos. Outro infortúnio do novo texto está bastante claro no §6o do art. 1037. Com efeito, apesar de o §4o do mesmo artigo impor prazo de um ano aos Tribunais Superiores para julgamento dos recursos selecionados, se o prazo for desrespeitado é permitido a outro relator do respectivo tribunal superior afetar dois ou mais recursos representativos da controvérsia na forma do art. 1.036.



68

Art. 1040 Art. 1040, §§1º e 3º. 70 É conhecida a dificuldade existente em separarem-se questões de fato das questões de direito. Tem-se dito, com acerto que, ‘rigorosamente’, seria impossível fazer-se esta distinção, pelo menos no plano ontológico, já que o fenômeno ‘direito’ ocorre, de fato, no momento da ‘incidência’ da norma, no mundo real no universo empírico. (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória, p. 154). 69



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A considerar nossa cultura burocrática e de atraso, típica das estruturas administrativas brasileiras, é bem provável que a brecha deixada pela lei seja bastante utilizada para protelar a resolução do recurso-paradigma. 7.

Diagnóstico

Para os fins deste reduzido texto – lançar uma prognose sobre a utilização de um sistema de precedentes do Brasil - após tudo o que foi escrito, sentimo-nos aptos a apresentar dois pequenos diagnósticos: um sobre as dificuldades básicas da Justiça Brasileira e outro sobre as técnicas relacionadas à força dos precedentes utilizadas pelo NCPC para as coibir. A Justiça pátria realmente está em crise. A crise é reflexo de problemas sociais e estatais bem mais amplos, mas também decorre de problemas circunscritos à própria Justiça – crise de Justiça. O problema é de quantidade e de qualidade. As decisões judiciais são mal fundamentadas e os tribunais estão chafurdando numa lama de infinitos processos e recursos. Não há qualquer senso de unidade ou estabilidade da jurisprudência. Mesmo os Tribunais Superiores – e isso tem de ficar bem claro – não possuem o costume de consolidar seus entendimentos e respeitá-los. Os órgãos fracionários e, muitas vezes, o próprio plenário decidem ignorando o precedente. O novo código é bem claro e coerente na relação escopo/técnicas no trato com os precedentes. Na formulação dos novos institutos a respeito, o NCPC realmente levou em conta nosso déficit cultural na lida com os precedentes. Alguns dispositivos têm mesmo caráter pedagógico, ensinando os operadores do direito a trabalhar com as novas técnicas. Houve grande preocupação com a fundamentação das decisões judiciais que aplicam/afastam/alteram/revogam os precedentes. O NCPC busca que as decisões a respeito sejam analíticas. De outro lado, a preocupação com a abertura dos procedimentos para a diminuição do déficit democrático causado pelos novos institutos poderia tem sido mais aguda. Com efeito, a partir do momento em que uma decisão em um processo passa a ter de ser obrigatoriamente seguida na solução de outros, deve haver uma preocupação contínua com a sua legitimação. A presença dos amici curiae deveria ser uma constante e, ainda que seja impossível na prática que todos os interessados manifestem-se diretamente, o NCPC

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deveria preocupar-se com a criação de verdadeiros ritos democratizantes. Nesse ponto, é insuficiente a previsão – em poucos casos – da realização de audiências públicas. A tecnologia poderia ajudar muito aqui. Um portal na internet aberto para colher manifestações de qualquer interessado durante algum tempo, sobre tema importante a ser decidido pelo tribunal na formação do precedente, funcionaria como uma ágora da modernidade. Por fim, pensamos que, conquanto a inspiração no common law seja evidente e decorra da influência globalizante, o sistema de precedentes que se quer delinear tem características bem peculiares. Na tradição inglesa, uma decisão não nasce precedente – ressalvado o stare decisis americano. Ela assume essa característica no momento em que passa a ser seguida pelas cortes inferiores. Aqui, os novos mecanismos têm por finalidade a criação de precedentes obrigatórios. Já se sabe de antemão que a decisão de um recurso repetitivo ou de um incidente de resolução de demandas repetitivas deverá ser obrigatoriamente seguida. Mais do que isso, até que sejam proferidas tais decisões, os processos repetitivos ficam suspensos em todas as instâncias. Por fim, uma última peculiaridade: as súmulas vinculantes. Esse tipo de precedente, que encerra um enunciado geral e abstrato, desvinculado de contextos fáticos é incomum no direito comum. Como fonte do direito, aproxima-se muito da lei, e exige cuidado de artesão em sua edição, que deve ser precedida de intensos debates, inclusive com a sociedade, para que não possua viés autoritário. Não é o que ocorre hoje71. 8.

Prognóstico

Sem qualquer pretensão totalizante ou matemática, alguma prognose parece-nos possível, a partir do entrelaçamento do que foi diagnosticado com as questões culturais já levantadas. Esse exercício, longe de qualquer tola arrogância, pode ser útil para apontar futuras dificuldades que o operador do direito e os administradores da justiça terão necessariamente que enfrentar. Antecipar futuras vicissitudes pode ser uma boa estratégia para buscar melhores soluções para sua superação ou evitamento. 71

Sobre o tema, imprescindíveis as considerações de Leonardo Greco em Novas súmulas do STF e alguns reflexos sobre o mandado de segurança, in Revista dialética de direito processual: RDDP. - n. 10, p. 44–54 São Paulo, Oliveira Rocha, 2003.



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As novas técnicas parecem aptas a alcançar a pretendida unidade e estabilidade da jurisprudência, gerando igualdade e previsibilidade para todos. Todavia, para que esses ideais concretizem-se, é fundamental que as Cortes Superiores façam seu papel e estabilizem sua jurisprudência. Principalmente o STJ tem de buscar um senso de unidade hoje inexistente, e as decisões de suas Seções e principalmente da Corte Especial têm de ser sacralizadas. A casuística fútil deve ser definitivamente abandonada. Devido à manutenção da atual estrutura das Cortes Superiores e da forma de escolha de seus ministros – muitas vezes fazendo prevalecer critérios políticos àqueles constitucionalmente determinados – acreditamos que esses tribunais serão um fator de resistência ao atingimento rápido daqueles ideais. Só a longo prazo, quando o tempo curvar a cultura, unidade e estabilidade poderão ser alcançadas em montante satisfatório. No curto prazo deve haver pequenos avanços, principalmente nas instâncias inferiores, onde a dispersão jurisprudencial é realmente preocupante. A quantidade de processos e o tempo de tramitação podem diminuir. Sistemas de bloqueio de feitos idênticos com futura solução conjunta a partir da aplicação do precedente tendem, realmente, a abreviar o tempo do processo e, no longo prazo, diminuir a quantidade. Lembre-se, porém, que a cultura do civil law tende a impedir a escolha discricionária de processos tal como feita pelas cortes do common law. Todavia, isso não necessariamente ocorrerá. O Brasil vive uma epidemia de demandismo e o estoque de processos, no geral, só aumenta. Não temos a cultura de punir a litigância de má-fé. De outro lado, o Estado é um gerador incansável de demandas para o Judiciário. Como vimos, mesmo no STF, a adoção da repercussão geral não diminuiu o tempo do processo. Fatores externos, portanto, serão decisivos aqui. Não se pode afirmar que a Justiça de amanhã será mais rápida e terá menos processos que a atual. Não há um planejamento claro de evolução da estrutura – física/humana/tecnológica – da Justiça no longo prazo. É verdade que uma jurisprudência estável e respeitada tende a desestimular o ajuizamento de certas demandas. Mas, para quem tem a cultura do demandismo, isso levará tempo. O que se pode dizer, portanto, é que, no campo da quantidade/morosidade, as novas técnicas atuarão positivamente, no curto e no longo prazo, mas seu sucesso depende de muitos fatores externos, incontroláveis por parte da processualística.



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Temos motivos para projetar uma piora da qualidade das decisões judicias no curto prazo. Na verdade, dada nossa cultura analítica e quantidade de processos, tudo leva a crer que, apesar das exortações do novo código, o juiz brasileiro continuará a decidir da mesma forma. Porque a forma como ele decide é resultado de sua formação. E a lei não muda a formação do juiz. E por que falamos então em piora? Porque as decisões de hoje, em sua maioria, são relativamente aptas a decidir demandas individuais. As de amanhã, principalmente as de Tribunais e Cortes Superiores, decidirão em um processo o destino de muitos. Assim, a manutenção do modelo atual – sintético – representa uma piora de qualidade quando aquelas decisões assumem a feição de precedentes obrigatórios. Como resolver isso? Somente a reformulação dos programas de graduação e pós-graduação nas universidades brasileiras, com a introdução de disciplinas específicas e o estudo do direito comparado abrirá caminho para a formação ou requalificação de profissionais aptos à utilização da nova tecnologia. Até lá, muitos sobressaltos nos aguardam. Mesmo que se requalifiquem os profissionais – e os juízes – a quantidade de processos continuará sendo um fator de pressão, tirando o tempo necessário para que o magistrado analise cuidadosamente o caso concreto, cotejando-o com o precedente para tirar dali a melhor solução. Poderíamos continuar especulando sobre muitos outros fatores. Não o faremos. Em resumo, esperamos dificuldades técnicas na lida com os novos institutos, não tempos certeza se eles resolverão o problema da quantidade e do tempo do processo, mas cremos que, a depender principalmente da postura das Cortes Superiores, no curto prazo a jurisprudência tende a tornar-se realmente mais uniforme, estável e previsível. Não queremos com essa conclusão demonstrar qualquer pessimismo com o vindouro código. Pelo contrário, somos entusiastas das novas técnicas. Que sejam implementadas, que gerem os benefícios e as dores imediatas. E que todos se unam para superar as dificuldades. Como afirma Cole, o transplante dos precedentes para outras culturas deve vir acompanhado de uma revisão no método de ensino – que deve ser participativo e não



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expositivo – de uma preparação da magistratura e da criação de uma infraestrutura que facilite a pesquisa e identificação dos precedentes72. Os desafios são muitos. É preciso coragem e preparo para seguir em frente sem perder as conquistas do passado. Se a cultura sempre moldou o processo, é hora de o processo remodelar a cultura.

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