Precisamos falar sobre o Poder

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Precisamos Falar sobre Poder (?)

Poder, Decisão e Responsabilidade: a inocorrência de qualquer forma de liberdade aos agentes públicos e a possibilidade de responsabilização dos legisladores e magistrados por seus atos.

É comum se falar, em especial no Direito Administrativo, da existência de um poder-dever dos órgãos públicos no exercício de suas atribuições. Ou, numa acepção mais moderna, como a de Celso Antônio Bandeira de Melo, em dever-poder, querendo, com esta modificação, deixar claro que os órgãos recebem seus poderes em razão de seus deveres.
Diz-se ainda, agora no Direito Constitucional, que o poder do Estado é uno, sendo, por conseguinte, correto falar em Funções, não em Poderes. Pois o Poder é uno e indivisível, manifestando-se por meio das Funções exercidas.
Contudo, no presente estudo busca-se enfrentar e, talvez, superar, esta concepção. Se não tanto, apresentar ao menos uma nova fronteira. Um novo limite. Não para todo e qualquer Estado, mas, antes disso, apenas ao nosso, a República Federativa do Brasil.
Para tal, apresentamos desde logo as duas principais sendas que percorreremos: o Direito Constitucional e a Teoria do Estado.
Iniciemos: de onde vem o Poder? O que é o Poder?
Falássemos aqui de uma pretensão geral, teríamos que nos embrenhar nos belíssimos e fecundos campos da Teoria do Direito e da Filosofia, com todas as suas proposições de magnífica estrutura.
Todavia, por falarmos da República Federativa do Brasil, nossa missão fica facilitada, tendo em vista que é exposto no parágrafo único da Constituição da República:
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Assim, não precisaremos adentrar no embate iniciado por Platão em sua República, no qual narrada os argumentos de Sócrates e Glauco. Discussão que hoje ainda permanece viva, tendo sido enfrentada no todo ou em parte por nada menos que os maiores pensadores que se tem notícia, mas ainda se apresenta longe de seu desfecho.
Pois bem, na República Federativa do Brasil TODO o poder emanará do povo, que o exerce diretamente ou por meio daqueles que tenham sido eleitos para representa-los.
Por conseguinte, ainda que não saibamos a natureza do Poder, certo é que temos sua origem, o povo. Temos também as duas únicas formas para sua manifestação: a imediata, na qual o povo a exerce diretamente e a mediata na qual o povo se serve de representantes eleitos. Tem-se, por fim, ainda a primeira delimitação para o seu exercício, os termos da Constituição da República.
Em relação ao exercício direto do poder, caberá desvendar o que é o povo e qual o critério que legitimidade determinado ato como exercido pelo povo. Matérias que, à despeito de sua importância, também não iremos enfrentar.
Restando-nos, portanto, apenas dois objetos de estudo. O exercício mediato do poder, feito pelos representantes eleitos e os limites impostos pela Constituição.
Inicialmente se imagina que o exercício do poder será realizado por aqueles que ocupem cargos eletivos, isto é, os membros das Funções Legislativa e Executiva. Não obstante, a simples lógica dessa concepção é insustentável frente a própria Constituição da República.
A incongruência lógica desta concepção pode ser demonstrada de duas maneiras, externa e interna.
Para perceber destrambelho externo impõe-se verificar que nem os membros da Função Judiciária, nem os membros da Função Acusadora, são originalmente eleitos. Pode ser até que se diga que, para integrar os Tribunais, exceto o Supremo Tribunal Federal e a primeira instância, os mesmos são eleitos. Porém, tal eleição, obviamente não expressará a vontade do povo, pois, nenhum dos votantes recebeu a atribuição de representar o povo. Não se trata de uma eleição indireta, mas sim de uma eleição interna, na qual o povo não tem qualquer ingerência.
Já o contrassenso interno é percebido pelo fato que, em que pese a Chefia desses poderes ser eleita, grande parte dos ocupantes de seus órgãos não é nem escolhida pelo representante eleito, nem eleita também, mas sim que exerce suas funções por ter sido aprovada em concurso público, razão pela qual também não se pode falar na existência de ligação entre o detentor do poder e seu exercício.
É comum que se afirme, portanto, que o Poder pertence apenas ao Estado e, por causa disso, a estrutura de suas funções tem não uma autoridade própria, mas sim que é emprestada daquela que foi conferida ao Estado. Sendo que disto surgirá a ideia de sua unidade e indivisibilidade.
Porém, em que pese o tradicional entendimento que acima é exposto, se bem analisada a questão, vê-se que o problema continua. Afinal, o Estado não se enquadra ou confunde nem com o povo, nem com os representantes eleitos do povo.
O Estado é uma ficção, quer no seu entendimento de Pessoa Jurídica, quer no entendimento de Personificação da Ordem Jurídica, de maneira que o mesmo pode ser criado da maneira que for estabelecida em seu ordenamento, materialmente ou não, constitucional.
Em suma, o Estado não existe antes de sua Constituição. Sendo constituído e estruturado por esta norma e, portanto, antes que tivesse sido criado não poderia ser eleito ou representar quem quer que seja, pelo simples fato de que ainda não existia.
Desta maneira a única concepção de representação que tem coerência frente as disposições constitucionais é a que identificar os "representantes eleitos" aos quais se refere o texto constitucional, com os membros da Assembleia Constituinte.
Os representantes eleitos do povo são, por conseguinte, apenas os Constituintes Originários, porquanto somente a estes foi conferido Poder que emana do Povo. É por meio desse poder concedido que o Constituinte pôde criar e estruturar nosso Estado, a República Federativa do Brasil.
Uma vez que tenha sido promulgada a Constituição e desfeita a Assembleia Constituinte, encerrou-se a necessidade de representação e, por conseguinte, ninguém mais está autorizado a falar em nome do povo.
Contudo, como é óbvio, o produto da Assembleia Constituinte foi, justamente, a Constituição da República, norma que tem em si dois postulados: 1) Funda a Ordem Jurídica e 2) Cria e delimita o Estado, a República Federativa do Brasil.
Aqui é interessante fazer um parêntese. Ora, se com a extinção da Assembleia Constituinte findou a representatividade de seus membros, claro está que, ou o Poder (se for um fato) retornou ao seu proprietário (o povo) ou simplesmente foi desfeito (se for uma abstração).
Independemente disso se pode constatar que nem o Estado nem a Ordem Jurídica receberam qualquer poder, mas sim Autoridade.
E aqui faz-se a distinção que se utilizará, entendemos o Poder como simples potência, possibilidade de ação. Enquanto que a Autoridade é uma autorização concedida por aquele que detém ou deteve o Poder.
O Poder, por conseguinte, tem base na realidade, enquanto a Autoridade baseia-se numa norma legitimadora.
Assim, por exemplo, a Força Física pode ser entendida como uma das tantas manifestações do Poder tanto quando exercida diretamente quanto apenas sua possibilidade servir como causa de dissuasão. Por outro lado, a mesma Força Física pode ser entendida como uma das várias formas de exercício da Autoridade quando sua utilização decorre de uma norma legitimadora.
Entendemos que essa concepção simplória é suficientemente abrangente para ser utilizada em qualquer análise, seja jurídica, seja social, seja familiar, seja religiosa. Quem detém a Autoridade não detém necessariamente o Poder, mas sim a autorização para agir e a proteção de sua ação, de maneira que, caso seja obstado seu exercício o agente pode invocar em sua defesa uma das formas legitimadas do exercício do Poder.
Mas como? O Poder não havia sido dissolvido ou devolvido? Sim, o foi em relação à Assembleia Constituinte, porém, continua emanando de sua fonte, o povo. De maneira que, os atos de Autoridade serão atos de poder à medida que sejam aceitos como legítimos pelo detentor do Poder. Em suma, enquanto for aceita a Ordem Jurídica.
Portanto, o Poder que foi cedido pelo povo à Assembleia Constituinte, foi exercido quando da fixação da Ordem Jurídica e criação do Estado, de maneira que nenhum destes tem qualquer Poder, mas sim Autoridade, conferida por aqueles que se utilizaram do Poder, conquanto representavam o povo.
Assim, tem-se que a Autoridade é uma prévia autorização para, no caso de necessidade, utilizar-se novamente do Poder para fazer cumprir as regras estabelecidas ou derrubá-las.
À Ordem Jurídica e ao Estado, sobra apenas a Autoridade que lhes foi conferida pela Assembleia Constituinte, razão pela qual, atrelam-se estes, na totalidade de sua estrutura e ação, aos termos Constitucionais.
Não podendo, de forma alguma, contrariá-los, pois o Poder não lhes concedeu Autorização para fazê-lo. É, por conseguinte, disso que surge a Supremacia Constitucional, pelo fato de que é a Constituição o único produto do Poder, ao menos em nosso ordenamento.
É também por este fato que, uma vez que seja desrespeitada a Supremacia da Constituição, a mesma é, necessariamente, revogada, pois, estar-se-á diante de uma situação que deve ser analisada em termos absolutos.
Ou se praticou um ato inválido, que não foi previamente autorizado pelo Poder e, por conseguinte, deve ser o mesmo absolutamente nulo, ou estar-se-á diante de um novo Poder e revogado estará o produto daquele que anteriormente foi concedido, sendo, portanto, legítimo o segundo, que agora se verifica e não mais o primeiro, que foi afastado.
De tal maneira, a Revolução ocorre com a implementação de uma nova Autoridade, seja por qual meio for e, por conseguinte, com a cassação da Autoridade que havia sido concedida anteriormente, não importando para isto, sequer que haja uma modificação no texto atual, que poderá, inclusive, continuar sendo o mesmo, como acontece no caso da recepção de normas de ordenamentos antigos.
Não se tratam das mesmas normas, mas sim de uma norma idêntica que, por questões de celeridade legislativa, contém o mesmo texto da anterior, mas fundamentam-se na nova Ordem Jurídica estabelecida, não na anterior. Sendo esta a razão pela qual a análise de constitucionalidade é feita diante da Constituição atual, não das anteriores sob as quais foi a norma originalmente promulgada.
Finalizado o parênteses acerca da distinção proposta entre Poder e Autoridade. Voltamos ao foco principal do Estudo.
Em nosso caso, foi estabelecido pelo Ordenamento Jurídico que o Estado teria suas formas particulares. O Estado de Direito e o Estado Democrático. Em relação ao Estado Democrático, tem-se outro embasamento para o acima exposto, o Poder é do povo, sendo, por conseguinte, inalienável, mas podendo ser utilizado mediante autorização do povo.
Em relação ao Estado de Direito, escolheu-se que toda estrutura e funcionamento do Estado Brasileiro estaria pautada no Direito e, por conseguinte, na Razão.
Tal concepção serve ainda para demonstrar que não foram os dois produtos constitucionais que receberam a Autoridade conferida pelo Poder (Constituinte), mas sim a apenas a Ordem Jurídica, uma vez que se tem um Estado de Direito e não um Direito de Estado.
Sendo que, em nosso caso, exceto quando nos raríssimos casos em que a Ordem Jurídica autoriza a criação de normas gerais (leis), mas principalmente específicas (decisões judiciais e administrativas), por outros meios que não pelo processo legislativo, quase toda legislação tem origem do Estado. Contudo, esta relação é contingente, não necessária. Isto é, se dá por acidente, não por pressuposto.
De tal maneira, o que aconteceu com o estabelecimento da Constituição foi a criação de uma Ordem Jurídica, sendo esta a única detentora da Autoridade estabelecida pelo Poder, pois, reforça-se esta é quem constitui, fundamente, estrutura e regula o Estado (de Direito), devendo, por conseguinte, ser hierarquicamente superior ao mesmo.
Assim, entendemos que é incorreto se falar não apenas em Poder do Estado, mas também em Autoridade do Estado, pois enquanto aquele foi exercido indiretamente quando do desenvolvimento e promulgação da Constituição, esta foi conferida à Ordem Jurídica, que como primeiro ato regulou o Estado.
Nesse mesmo escopo, não é inteiramente correto afirmar que o Direito Constitucional é o Direito do Estado, pois, ao menos em nosso caso, apenas o é de maneira acidental, e sim que o Direito Constitucional é o Direito da Ordem Jurídica, a qual, ao ser estabelecida pela Constituição, também criou o Estado.
De tal maneira, por conseguinte, indicamos aqui nossa discordância tanto do modelo que propõe que o Estado é a personificação da Ordem Jurídica, como também daquela que entende que o Estado é quem produz a Ordem Jurídica.
Em nosso entendimento a Ordem Jurídica é não apenas quem cria o Estado de Direito, como também a que, com sua Autoridade, estabelecida a seu favor pelos representantes do povo, autoriza e estabelece os órgãos válidos para criação, atualização, execução e proteção do ordenamento jurídico.
O fato de que a Constituição é tanto um produto da Ordem Jurídica como parte da Ordem Jurídica se deve ao fato que dela decorrerá (e não apenas se fundará) toda a Ordem Jurídica.
Trata-se, portanto, de ser melhor representada não por uma concepção relacionada com uma pirâmide dividida em estamentos, mas sim de uma delimitação esférica, na qual a esfera limitante é a Constituição da República e, em seu interior, se desenvolverá e expandirá a Ordem Jurídica.
Noutro paralelo, seria como o conceito de Potência para Aristóteles, isto é, potencial. Todos os fundamentos para o desenvolvimento da árvore já se encontram em sua semente, podendo ser alterados em sua forma, mas jamais em sua qualidade, por elementos externos. Ou seja, da mesma maneira que uma semente de mangueira poderá dar origem a uma árvore mais ou menos alta, mais ou menos frondosa, etc., dependendo das condições exteriores, não é conceitualmente possível esperar que desta nasça uma macieira ou um jambeiro, tampouco que a mangueira produza pitangas.
É a esta potencialidade, ou possibilidade de existência válida, que toda a Ordem Jurídica e, por conseguinte, o Estado, seus órgãos, atos, etc. estão submetidos de maneira inexorável.
Assim, ainda que não se aceite a distinção proposta entre Poder (de fato) e Autoridade (de Direito), ter-se-á que esta característica (seja qual for) pertence à Constituição da República e, por conseguinte, à Ordem Jurídica que dela se desenvolve.
Em corolário, ainda que se queira atribuir o Poder não apenas ao Constituinte, mas ao produto artificial e imaterial de seu trabalho (o Estado), tem-se que o correto seria portanto falar em Poder da Constituição ou Poderes Constitucionais.
Pois bem, nesses termos, teremos duas situações possíveis. Ou o Estado tem Autoridade (ou Poder) próprio ou apenas atua ou executa os deveres que recebe da Constituição da República.
Seja o que e como for, fato é que tudo mais se lastreará nessa concepção. A opção por um dos marcos zero da execução da Autoridade ou do Poder não terá, ao menos no tema a seguir, qualquer relevância, mas apenas com estudos com enfoque distintos.
Seja sua a Autoridade ou de outrem, certo é que o Estado subdivide-se em diversos órgãos, voluntaria ou obrigatoriamente, dependendo do caso, para fins de limitação e eficiência.
A limitação do poder normalmente se dá por meio das divisões obrigatórias impostas pela Constituição (divisão Funcional e Territorial das competências).
Em relação à eficiência, aqui a mesma é tratada apenas como as condições que tornem possível a execução da obrigação do Estado, que seja, a aplicação da Ordem Jurídica. Para isto, o Estado reparte-se em órgãos, sendo que cada um destes é entendido como um feixe de atribuições.
Observe-se, que, ainda neste momento sequer é necessário falar do mundo empírico, haja vista que o mesmo apenas terá alguma relevância quando do exercício das funções estatais, pois ai então será feita a transcrição de direção ambivalente entre os mundo fático e o Direito. Antes disso, tudo é Direito.
Assim, o mundo empírico importará apenas quando o Estado passar a analisa-lo para, frente aos fatos, apreender os conteúdos necessários para o desenvolvimento legislativo e as deliberações numa via, enquanto na outra proferir seus atos por meio de normas de caráter geral ou específico e sua efetiva aplicação.
Cada órgão, por conseguinte, nasce com o objetivo de ter por si exercida uma função, a qual, obviamente, apenas poderá ser feita por alguém, em nosso caso, uma pessoa.
Apenas para fins analíticos, importa destacar que a necessidade humana para atuação do Estado decorre não de limitações lógico-teóricas, mas sim da realidade empírica. Sendo, por conseguinte, apenas contingente e não necessária.
No prisma teórico o que é preciso é apenas que alguém faça alguma coisa. Não que o alguém seja humano, mas sim dotado de razão. Assim, caso se busque investigar o argumento, se é certo que no atual momento absolutamente nenhuma máquina ou animal é capaz de fazer as vezes de homem e por conseguinte executar as complexas atribuições dos órgãos públicos isso apenas se dá por causa de nossas limitações tecnológicas (mesmo que esta jamais sejam ultrapassadas). Não tornando-se, dessa maneira, um elemento necessário à atuação dos órgãos e do Estado.
Dessa maneira, verifica-se, por conseguinte, que importa é o cumprimento da função de cada órgão e não quem a faz, sendo apenas contingente o fato de que, no presente momento, apenas os humanos podem fazê-lo.
Para além da ficção científica, este cenário estabelecido apenas para fins analíticos, nos permite verificar que não haverá jamais a transferência ou personalização física de qualquer órgão, haja vista que, em teoria, o mesmo independe de seres humanos ou mesmo do mundo empírico (no caso das teorias de emulação) para existir.
Por essa razão, a primeira conclusão é a de que a execução das finalidades dos órgãos, não se confunde com a pessoa que o exerce tampouco com quaisquer dos atos que por esta sejam praticados.
O ato a ser praticado é decorrente não das intenções ou vontade do indivíduo que o ocupa, ainda quando feitas discricionariamente, mas somente dos objetivos do órgão.
Assim sendo, a discricionariedade não é, como se pensa, uma liberdade ao administrador, mas uma necessidade do órgão, que será, por conseguinte, obrigatoriamente exercida por quem o ocupe.
Dessa maneira, é equivocado falar que o Administrador pode, num ato discricionário, escolher o que quer que seja, mas sim que o mesmo é obrigado a verificar se, frente aos fatos que se apresentam, há conveniência e oportunidade do ponto de vista do Órgão.
Noutros termos, o Administrador é apenas um instrumento do órgão, ainda quando o órgão utiliza-se de sua capacidade racional ou física para realização dos seus objetivos.
Ou seja, a capacidade de raciocínio e deliberação do administrador é utilizada pelo órgão da mesma maneira como qualquer pessoa se utiliza de um instrumento, como uma tesoura, por exemplo, havendo, por conseguinte, uma distinção empírica impositiva apenas em relação a qualidade da tesoura e, por conseguinte, do corte.
Pouco importará a opinião, crenças, convicções ou deliberações do Administrador, mas apenas a sua avaliação de que, frente ao caso concreto, há conveniência e oportunidade para a função a ser exercida. Haja vista que, conforme acima demonstrando, sequer sua existência é relevante, podendo o mesmo ser substituído por qualquer coisa que cumpra as mesmas funções.
Assim sendo, caso se requeira ao órgão responsável, por exemplo, uma licença para o exercício de determinada atividade econômica, cabe ao administrador verificar se o pleito atenderá a conveniência e oportunidade frente aos objetivos do órgão que atua, sendo para isso utilizada, como um mero instrumento, sua capacidade de julgamento.
No caso acima será verificará se há a necessidade disto na função do órgão é a de fornecer autorização de funcionamento de atividade econômica, se o determinado local se encontra dentro daqueles onde se necessita da atuação do órgão, se o pedido cumpre os requisitos necessários e, nada mais.
Trata-se, por conseguinte, a discricionariedade não de uma liberdade ao Administrador, mas sim de uma situação em a aplicação da norma depende da deliberação racional acerca dos elementos que não puderam ser pré-analisados ou pré-estabelecidos em lei em virtude de sua atualidade e complexidade.
Fosse possível que a Lei estabelece absolutamente todas as hipóteses existentes e possíveis de existir ou que a análise racional desta fosse realizada sem a interferência humana, simplesmente não haveria a discricionariedade.
Por conseguinte, a discricionariedade não pode ser confundida com a mesma abrangência da autonomia, e aqui também não há liberdade da escolha do objetivo, que se possui quando da atuação política, haja vista que também no caso de decisões políticas poder-se-á também com uma maior margem de deliberação diferençar os meios a se alcançar os objetivos políticos previamente estabelecidos na Constituição, todavia, isso não significará qualquer liberdade.
Em verdade, a discricionariedade é um dever de realizar um tipo de julgamento específico, não uma prerrogativa ou liberdade.
Assim sendo, tem-se, portanto, o fato que nem mesmo nas supostas "liberdades" imanentes ao exercício funcional este deixará de ser nada além de uma mera obrigação.
Há a obrigação de cumprir especificamente de cumprir as leis, caso em que todo julgamento se dá em abstrato, contudo, há uma igual obrigação de avaliar situações de fato para verificar a conveniência e a oportunidade, sendo isto também nada mais que uma mera obrigação.
Ao contrário do que se diz o encargo não reside em deliberar ou não deliberar sobre a situação, este já é inerente a absolutamente quaisquer órgãos, mas sim que, no caso, haverá ainda o encargo de fazê-lo de maneira examinar os fatos e normas e proferir um juízo acerca do assim chamado mérito administrativo.
Isto se dá pelo fato que o agente, idealmente estabelecido, não teria qualquer forma de interesse próprio, mas tão somente o interesse de cumprir os interesses do Estado que, após recebe-lo sob sua égide, o incumbiu de determinado encargo e o remunera por isso.
A totalidade das concessões feitas ao Agente, esgota-se em sua remuneração e, somente pelo fato que, no mais das vezes, trata-se de um trabalho realizado pelo agente. Sua profissão é servir aos interesses do órgão, os quais são uma parte específica e, por conseguinte, coerente de seu interesse maior. Sendo que, o interesse ou objetivo do Estado será a execução daquilo estabelecido na Constituição da República.
Nesses termos, não há de se falar em qualquer forma de Poder dos agentes públicos, pois tal prerrogativa não é conferida nem mesmo aos órgãos dos quais eles são mero instrumento.
O que existe é uma Autorização para que, determinado órgão, execute determinada tarefa. Trata-se de uma obrigação para realização de um encargo que justifica a sua existência.
A diferença entre um agente público e qualquer outro indivíduo encontra-se no fato que, em primeiro lugar, nos casos de monopólio estatal, apenas os agentes devidamente autorizados podem exercer aquela atividade, bem como na possibilidade de, no caso de ser obstada a execução da função poder o agente invocar o Estado para afastar quaisquer dificuldades.
Isso não é feito em razão do agente público, mas sim porque é do interesse do próprio Estado que aquela atividade seja realizada, pois, trata-se a mesma de uma incumbência do próprio Estado a qual, se não realizada, pode autorizar sua substituição.
Tem-se, por conseguinte, uma cadeia de obrigações que se inicia com a atribuição ao Estado pela Constituição de determinados encargos, sendo isto a razão de sua criação e manutenção, e finda no último agente público que irá manifestar-se na questão.
Em absoluto, não há qualquer forma de transferência de poderes ou prerrogativas, mas sim, quando muito, a mera autorização para atuação naquelas atividades que o Estado tem monopólio.
Nos casos em que não há monopólio a distinção entre uma agente público e qualquer outro indivíduo é que o agente público está obrigado a agir, caso contrário, terá sobreposto a sua vontade à vontade estabelecida na Ordem Jurídica da qual o Estado é simples executor. Existe, por conseguinte, não um poder, mas uma obrigação. De maneira que, quer no exercício de suas funções quer fora delas nenhum agente público possui qualquer espécie de Poder (veja que nem o Estado que é pelo agente representado detém o Poder).
Então, tem-se por incorreto falar em poder-dever ou dever-poder, haja vista que aquilo que existe é tão somente um dever e a possibilidade de, no caso de obstáculo ao seu cumprimento, demandar a assistência estatal para o seu cumprimento.
Visto sob tal prisma pode ser percebido que a Autoridade assemelha-se bastante a qualquer direito, diferindo apenas pelo fato de que enquanto em relação aos direitos se tem prerrogativas e possibilidades que podem ser submetidos à vontade de utilizá-las ou não de quem as possui, a Autoridade é uma ordem de cumprimento de dever, não cabendo ao agente qualquer deliberação, mas sim a utilização de suas capacidades necessárias, pois se trata de uma necessidade empírica para a realização da ordem estatal, diferindo apenas do tipo de habilidade utilizada.
De tal maneira pode-se, inclusive, afirmar que não há distinção qualitativa do dever entre abrir uma cancela ou tomar uma decisão discricionária, mas somente uma diversidade de habilidade e grau entre estas, o que não autoriza distingui-las juridicamente.
Tal concepção, cuja modificação conceitual não é algo grande, tem uma mudança significativa no trato de quaisquer atividades deliberativas, pois estas deixam de ser encaradas como meras faculdades.
Assim, por exemplo, não se trata de uma faculdade do Legislador o estabelecimento de normas gerais necessárias, tampouco seu dever de congruência com a Ordem Jurídica e, em especial, com as ciências informativas dos atos que estabelece (Direito, Economia, Sociologia, Filosofia, Psicologia, etc.), mas de um dever.
Seu exercício funcional não é pautado por sua vontade, mas pela necessidade do órgão de cumprir sua função, não havendo por conseguinte qualquer impedimento para sua responsabilização pessoal pela feitura de normas inúteis, inconstitucionais ou mal feitas. Certo é que impossível é a perfeição, contudo, disto não decorre o entendimento de que não exista uma distinção qualitativa entre normas.
As normas são o produto de uma atividade profissional como qualquer outra, de maneira que podem ser avaliadas em relação à sua qualidade e, desta maneira, permitem que sejam tomadas as providências cabíveis contra aqueles que não as cumprem, individual ou coletivamente, à contento.
O mesmo pensamento pode ser aplicado ainda à Função Judiciária ou à Função de Acusação. Ainda que se pretenda afirmar que o Direito como as demais Ciências Humanas não é uma matéria exata, não se tem disso a concepção de que diversos entendimentos são igualmente corretos. Em verdade, o que há é uma resposta certa.
Observe, contudo, que esta resposta certa não tem no Direito (nem em nenhuma das outras ciências) a pretensão de ser absoluta e imutável, mas simplesmente de enunciar o que, naquele momento, é o mais correto. Ou dito de outra forma: ainda que não se saiba qual é a resposta correta, tem-se a resposta menos errada ou mais coerente e adequada com o conhecimento obtido.
Tal estranheza com a ideia exposta se dá pela concepção errada tanto sobre a peculiaridade do Direito e das demais Ciências Humanas, como pela ignorância do que é o conhecimento científico. Observe-se que o Direito, ainda que examinado apenas dentro de uma única ordem jurídica constitui-se de um universo paralelo, um universo jurídico. De tal maneira, as normas ali analisadas devem apresentar as condições de existência daquele universo, do contrário, simplesmente não existem.
De tal maneira, não há de se falar em direito como valor ou como fato, isto é um equívoco, Direito são normas, as quais podem ser estabelecidas levando em consideração as transcrições feitas dos fatos (universo empírico) ou valor (universo filosófico) para o universo jurídico. Absolutamente nenhum valor ou fato, mesmo em relação às normas individuais (decisões judiciais e administrativas) é criada por meio do fato ou do valor, mas sim levando suas características relevantes ao universo jurídico e lá analisando-se esses elementos. Após tomada a decisão, eis então que a mesma retornará ao universo de origem, significando ou não alguma influência no mundo empírico ou no mundo filosófico.
Num paralelo, ainda que se pretenda descobrir (sem que seja possível a medição) qual é o tamanho de um vão entre duas paredes que formam entre si um ângulo reto por meio da aplicação do Teorema de Pitágoras, isto não será feito no universo empírico (no qual se localizam as paredes), mas no universo matemático. Ocorre que, por óbvio, o universo matemático, até mesmo por ser imaterial, não comporta "paredes" ou mesmo "tamanho" (espaço) então, será necessário transcrever tais objetos reais em objetos matemáticos. Da totalidade de informações do fato, apenas aquelas que interessam ao universo matemático serão transcritas (e não a transcrição total do objeto empírico, ainda que possível) de maneira que pouco importará a cor ou a textura das paredes, mas apenas o seu tamanho. Ora, se é certo que o no universo matemático não existe o espaço, então o tamanho será transcrito num numeral, de maneira que, se o ângulo entre as paredes é de 90º e uma tem o comprimento de 3m e a outra o comprimento de 4m, no universo matemático importará apenas o valor utilizado, respectivamente 3 e 4, os quais serão colocados em Pitágoras e, após toda operação, terão como resultado o valor 5. Note que 5 é um objeto matemático, não um objeto real, de maneira que deverá então ser novamente transcrito para o mundo empírico, de maneira que agora se pode dizer que 5m é o espaço do vão (sua hipotenusa).
Assim, não há de se falar do intercâmbio entre os objetos de universos distintos, mas sim em transcrições, razão pela qual valores (considerações filosóficas) e fatos (elementos da realidade) não existem no universo jurídico, mas somente são representados por meio de transcrições naquele universo específico o qual, depois de produzir uma resposta, terá que, novamente, transcrevê-la conforme o universo de origem para que possa ser aplicado.
Ademais, como ocorre nas mutações de DNA, haverá não apenas a distinção em razão dos elementos que se relacionam, mas também da maior ou menor precisão da transcrição inicial, da maior ou menor capacidade técnica para trabalho com tais elementos e da maior ou menor capacidade de uma transcrição de retorno do produto ao final.
Por conseguinte, tais variáveis irão estabelecer a qualidade maior ou menor do resultado, havendo, por conseguinte, a óbvia conclusão de que quando mais preciso forem tais procedimentos (análise, identificação, transcrição, manipulação, identificação, transcrição) melhores serão as respostas obtidas.
Ora, esse é simplesmente o mesmíssimo procedimento para absolutamente toda e qualquer ciência, não sendo, por conseguinte, justificável a variação do método, mas sim sua adequação deste aos objetos, procedimentos e conhecimentos, etc. específicos de cada campo, de maneira que, não há, por conseguinte, qualquer razão para que as Ciências Humanas tomem-se por especiais ou distintas de quaisquer outras ciências. A maior ou menor precisão do conhecimento obtido dependerá de diversos fatores, mais ou menos complexos, conforme o objeto (como ocorre em TODAS as ciências), mas não permite o entendimento de que existam respostas igualmente boas ou corretas, mas sim que uma ou outra resposta será, ao menos, menos errada.
Assim sendo, da mesma maneira como ocorre com a discricionariedade para os atos administrativos, todo e qualquer ato jurídico, mormente quando atrelado ao Estado, pode ser analisado pela qualidade de seu produto, de maneira que aquele que se incumbe de exercer as atividades do órgão pode ser responsabilizado por seus atos, mormente pelo fato de que, conforme já foi asseverado, o mesmo não está exercendo um direito ou uma prerrogativa, mas sim um encargo para o qual, de livre e espontânea vontade, se sujeitou.
Em arremate, conclui-se que o Poder é sim um elemento precedente à Ordem Jurídica e ao Estado, podendo este ser transferido à alguém, em nosso caso, ao Constituinte, que estabelecerá então a Autoridade da qual decorrerão a autorização para prática de atos (num sistema lastreado na legalidade) e a possibilidade de requerer, se necessário, a utilização dos meios legítimos para o seu cumprimento, sendo isto feito em nome e em razão do Estado, jamais do órgão, quiçá de seu ocupante.
É corolário desse entendimento a perspectiva que todo ato de um agente público é desprovido de poder ou autoridade, tratando-se apenas do cumprimento de um dever com a utilização dos requisitos necessários para tanto, sejam eles físicos (como suas mãos) sejam mentais (capacidade de entendimento, capacidade de julgamento, etc.), os quais não autorizam o agente a confundir-se com o Estado, pois aquele é um mero objeto deste útil apenas por questões empíricas.
Por fim, tal perspectiva além de retirar a prerrogativa ou entendimento da existência de um poder, esclarece que absolutamente todos os atos dos órgãos, manifestados por meio de seus agentes públicos são passíveis de uma análise qualitativa, podendo sim distinguir-se, como nas outras ciências, uma resposta mais ou menos certa, independemente do trabalho necessário e das condições para sua busca.
Ora, se há uma resposta menos errada, se é possível então analisar a qualidade do ato diante de um "gabarito" ainda que não O correto, mas o melhor possível, então absolutamente nenhum agente público, ainda que no exercício do executivo e do legislativo pode se eximir da reponsabilidade pelos atos praticados, mormente pelo fato de que estes, tal qual todos os atos vinculados, não tem qualquer liberdade, mas sim o dever de cumprir o encargo com a utilização de sua capacidade de raciocínio, julgamento, etc., sendo, por conseguinte, apenas um dever mais complexo, mas igualmente analisável e punível quanto abrir uma porta ou uma cancela, porquanto, juridicamente, pode-se dizer que entre estes não há qualquer variação de qualidade, mas somente de grau, haja vista que seja o ato e avaliação do universo físico sejam elementos do universo matemático ou filosófico todos serão igualmente transcritos para o universo jurídico.







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