Precisamos falar sobre o STJ

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10/08/2015

Precisamos falar sobre o STJ...e o Novo CPC ­ JOTA

Precisamos falar sobre o STJ…e o Novo CPC Publicado 5 horas atrás

Crédito Divulgação/STJ

Por Marcelo Pacheco Machado Doutor e mestre em Direito Processual, professor da Faculdade de Direito de Vitória (ES)

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o que vamos tratar aqui? De uma grave crise e de uma omissão. A crise é a dos Tribunais Superiores e, especialmente,

do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A omissão é a do Novo Código de Processo Civil, que nada fez ou tampouco se esforçou para mudar algo. Talvez tenha até piorado a situação. Vejamos! Quanto custa um Tribunal? Um bilhão de reais. Este é o preço que o cidadão brasileiro paga, todos os anos, pelo STJ, um tribunal com apenas 33 juízes.[1] São precisamente 1,027 bilhões de reais, sendo 926 milhões de gastos com pessoal.[2] E quando digo cidadão brasileiro, falo de todos, e não apenas daqueles que fazem uso do Tribunal. Inclusive porque o regime de custas, aplicável ao processo civil brasileiro, coloca nas costas de toda a população as despesas que o Estado – e os demais litigantes – consomem com o Judiciário. http://jota.info/precisamos­falar­sobre­o­stj­e­o­novo­cpc

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No ano de 2013, a despeito de os gastos do STJ haverem superado a barreira dos nove dígitos, apenas R$ 15 milhões foram arrecadados com a somatória de todas as custas processuais pagas àquela Corte.[3] Descontadas as burocracias orçamentárias, trata-se certamente de dinheiro que poderia ser inteligentemente gasto com saúde, educação, segurança pública ou mesmo para combater as calamidades sociais brasileiras. Mas não é. Preferimos gastar com o pagamento de servidores públicos (mais de 90%): juízes, assessores, secretários, motoristas, seguranças, etc.  Mas… por qual motivo o STJ custa tão caro? Certamente, eu não seria a pessoa mais adequada, nem seria este o melhor foro para uma avaliação financeira. Tampouco caberia a mim uma auditoria dos gastos desta Corte. Qualquer crítica dessa natureza seria absolutamente temerária de minha parte. Não a farei! Tenho, no entanto, uma mera intuição. O STJ é provavelmente o tribunal mais produtivo do mundo. E isso deve mesmo custar caro para se atingir! Trinta e três seres humanos (ajudados por 1.475 assessores) julgam em nove meses úteis e meio de trabalho (considerando os 2 meses de férias e recesso forense), mais de 300 mil processos. A matemática parece nos retratar com maior fidelidade a situação: cada ministro, caso não perdesse um segundo sequer de trabalho, nem pra tomar um cafezinho, teria demorado, no ano de 2013, menos de 10 minutos para analisar cada processo a que lhe coube relatar. Sem falar ainda em pedidos de vista, revisões, etc.[4] Além do tempo gasto em sessões de julgamento, atendimento de advogados e funções administrativas. Ora, a situação é crítica, diria talvez tão crítica que, se fosse um tema literário, mais proximamente estaria da sátira. Imaginem cada juiz tendo 10 minutos para julgar um recurso de sua relatoria, e ainda fazendo o malabarismo necessário para atender as suas demais obrigações. Sem tempo para mais nada. Como combater a crise?  A resposta mais corrente para esta pergunta estaria nas palavras chave “falta de estrutura”. Partiríamos da questionável premissa de que o dinheiro público não tem dono e é inesgotável e defenderíamos a ampliação da Corte. Como de fato o Congresso já vem atuando, inclusive com a aprovação de novos tribunais. Talvez colocar 300 novos ministros no STJ e aumentar o tempo de “análise” para “razoáveis” 100 minutos (ainda muito pouco tempo, não acham?), o que implicaria na necessidade de contratar mais umas dezenas de milhares de assessores, alugar prédios, etc. Quem sabe pela bagatela de mais uns 10 bilhões anuais! Não… não há margem para essa linha de pensamento. Buscaremos outras respostas!

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Como os países civilizados cuidam ou evitam problemas como esses? Não há meio termo, a solução universal deste problema tem sido a restrição de acesso aos tribunais. Não é economicamente viável continuar aumentando a estrutura burocrática e os gastos dos tribunais, restando-nos apenas a saída de cortar drasticamente a admissibilidade dos recursos, mediante o estabelecimento do direito de o Tribunal escolher (poder discricionário) o que é mais relevante para julgar. Desde meados do século passado a jurisprudência americana entende os recursos como um “bônus” e não uma garantia fundamental da parte, acreditando admissível sua restrição (leia-se, discricionária pelo juiz). A Inglaterra seguiu as mesmas referências e desde 1999 estabeleceu que, para recorrer, a parte antes deve buscar uma licença/autorização do tribunal, mostrando que seu recurso é relevante e que a causa por um motivo especial merece ser reanalisada. A Alemanha em 2004 fez o mesmo, estabelecendo o filtro recursal e autorizando recursos somente quando a parte demonstrar a relevância de seus fundamentos, vedando inclusive a impugnação em causas de menor repercussão econômica. Notemos, até mesmo a Itália seguiu essa linha (embora apenas relativamente à apelação), estabelecendo o “filtro in appello” no ano de 2012, o qual autoriza o juiz a denegar liminarmente os recursos que não mostrarem probabilidade alta de futuro acolhimento no mérito.[5] O Novo CPC fez algo para mudar essa situação? Nada, absolutamente nada.[6] Prova disso reside no fato de que o Novo Código de Processo Civil basicamente replica a ampla recorribilidade do Código vigente, exigindo os mesmos básicos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade que, exceto regularidade formal e preparo, poderiam ser resumidos em interesse e legitimidade (sucumbência). Apesar de o Projeto se pautar nos complexos conceitos do stare decisis, criando toda uma nova sistemática normativa para os precedentes e de sua eficácia vinculante, não há sequer um artigo que fale na inviabilidade ou na inadmissibilidade liminar de recurso “contra” precedente. E além de não garantir mecanismos para matar logo o recurso que contraria vulgarmente o precedente (sem argumentação relevante para distinção ou superação), o Novo CPC generaliza a reclamação e sua admissibilidade, i.e., mais um incidente para abarrotar as cortes superiores. Imaginem o que 300 mil julgamentos por ano não devem gerar de precedentes sobre competência, súmulas vinculantes e recursos repetitivos. E toda vez que estas decisões forem contrariadas por outro órgão jurisdicional, caberá reclamação para “o órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir” (CPC/2015, art. 988, § 1º). A enormidade de julgados age contra a efetividade do sistema de precedentes, em “dez minutos” simplesmente não há tempo para se saber exatamente o que se decidiu e num mar de 300 mil por ano, não se http://jota.info/precisamos­falar­sobre­o­stj­e­o­novo­cpc

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consegue saber o que se julgou e respeitar a própria jurisprudência da Corte. Tampouco é razoável pensar nas repercussões extra partes do julgado, em tão pouco tempo dedicado a cada um. O excesso gera caos e descontrole. Mais do que isso. O Novo Código ainda tem previsão, muito contestada pelos ministros, que teria o condão de aumentar geometricamente as estatísticas das cortes. O art. 1.030 do CPC/2015 elimina o juízo prévio de admissibilidade do recurso especial e recurso extraordinário perante o tribunal de origem, fazendo com que (a exceção de casos particulares, cf. CPC/2015, art. 1.042) todos os recursos interpostos sejam encaminhados diretamente para a corte de sobreposição. De fato, a regra é racional e elimina um recurso inútil e amplamente utilizado (agravo de decisão denegatória). No entanto, a manutenção desse sistema ressalta o quanto a lei se mostrou despreocupada com a enorme crise das cortes superiores, não concebendo meios eficazes de destacar as causas relevantes e não restringindo inteligentemente a admissibilidade recursal.[7] Quais são as perspectivas? As piores possíveis. O que está ruim, tende a piorar. E as soluções discutidas são meramente paliativas, como o mero retorno da admissibilidade pelo Tribunal “a quo” (exatamente nos termos do regime revogado do CPC/73). O STJ continua a aumentar suas estatísticas e a sociedade parece não se importar com o crescente consumo dos escassos recursos públicos em uma Corte que – a despeito de trabalhar muito – não está conseguindo atender a seus escopos constitucionais. Se não estamos conseguindo confiar nos órgãos jurisdicionais e permitir à luz da teoria jurídica decisões sem recurso (já tratamos desta questão aqui), quem sabe, em tempos de crise, com o argumento econômico consigamos limitar os recursos aos casos especiais que – de verdade – merecem serem reexaminados. ————————————————————————————————————————– [1]  Segundo o Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, referente ao ano de 2013, “o total gasto pelo Poder Judiciário foi de aproximadamente R$ 61,6 bilhões, com crescimento de 1,5% em relação ao ano de 2012, e em 8,9% em relação ao último triênio (2011-2013). Essa despesa é equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, 2,7% do total gasto pela União, pelos estados e pelos municípios no ano de 2013 e a R$ 306,35 por habitante. A despesa da Justiça Estadual é a maior de todas e representa mais da metade (55,2%) de todo o gasto do Poder Judiciário”. Disponível em ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf, acessado em 03.08.2015. Apenas para fins de comparação, a Itália conta com menos de nove mil magistrados e tem orçamento de EUR 500.000,00 no ano de 2013. Informações disponíveis em http://www.senato.it/application/xmanager/projects/leg17/attachments/dossier/file_internets/000/000/063/Dossier_011.pdf http://jota.info/precisamos­falar­sobre­o­stj­e­o­novo­cpc

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acessado em 03.08.2015. Em tempos de crise, esse valor faz mesmo falta. Nas universidades, nos hospitais e quiçá nos programas de assistência social, para uma população brasileira que, em média tem renda, de pouco menos de US$ 1.000,00/mês. Algo similar a riqueza do Iraque ou da Costa Rica (IMF, World Economic Outlook Database, Disponível em https://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2015/01/weodata/weoselgr.aspx, acesso em 03.08.2015). [2] Cf. Relatório Justiça em Número do Conselho Nacional de Justiça, disponível em ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf, acessado em 03.08.2015, p. 372. [3] Cf. Relatório Justiça em Número do Conselho Nacional de Justiça, disponível em ftp://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2014.pdf, acessado em 15 de novembro de 2014. [4] A matemática é bem complicada. O ano de 2013 teve 256 dias úteis, ou 21,3 dias úteis por mês, em média. Retirando os dois meses de férias dos juízes, mais o recesso forense (13 dias úteis) chegamos ao número de 200 dias trabalhados em um ano. Pressupondo 8h de trabalho diário, temos 1.600h de trabalho de ministro para julgar em média 10.000 processos (considerando 30 ministros, já que o presidente, o vice-presidente e o corregedor não sã relatores), ou nove minutos e meio para cada processo. Isso sem descontar as horas gastas com as sessões de julgamento e atendimento a advogados, que podem ocupar praticamente o dia inteiro de trabalho. [5]  A este respeito já tive a oportunidade de escrever, cf.  Marcelo Pacheco Machado, “Reformas no recurso de apelação: como a Itália escolheu enfrentar seus problemas e como o Brasil não”, Revista de Processo 243. São Paulo: RT, 2015, pp. 505-524. [6] Em artigo anterior dessa mesma coluna, Luiz Dellore já havia vaticinado a preocupação das cortes superiores exatamente com o fim do juízo de admissibilidade do órgão “ad quem” e com a reclamação. Disponível em http://jota.info/novo-cpc-ja-a-reforma-da-reforma. [7] Ainda há outros pontos do Novo CPC que aumentariam a carga de trabalho dos tribunais superiores. Os autores dessa coluna já tiveram a oportunidade de destacar vários pontos de conflito. Cf. “Os impactos do novo CPC no STF”, disponível em http://jota.info/os-impactos-novo-cpc-stf.

  *Marcelo Pacheco Machado é Doutor e mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP. Professor da FDV – Faculdade de Direito de Vitória. Advogado.  

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