Predação de Leptodactylus fuscus (Schneider, 1799) (Anura: Leptodactylidae) por Caracara plancus (Miller, 1777) (Aves: Falconidae), com nota sobre história natural, no Vale do Paraíba do Sul, SP

May 30, 2017 | Autor: M. Crozariol | Categoria: Neotropical ornithology, Neotropical Herpetology
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Predação de Leptodactylus fuscus (Schneider, 1799) (Anura: Leptodactylidae) por Caracara plancus (Miller, 1777) (Aves: Falconidae), com notas sobre história natural, no Vale do Paraíba do Sul, SP Marco A. Crozariol1,3 e Felipe B. R. Gomes2,3 Peixes e anfíbios são importantes elos na cadeia alimentar, agindo principalmente como controladores de insetos e sendo base da alimentação de serpentes, mamíferos e aves. Com destaque nas aves, uma gama enorme de espécies tem como dieta complementar os anfíbios, havendo vários relatos na literatura (Terres 1968, Wiese & Crawford 1974, Gladstone 1977, Schardien & Jackson 1982, Sick 1997). Pode-se também encontrar bibliografias a respeito da predação de aves por anfíbios (Berger 1953, Monroe 1957, Anderson 1965). O Caracara plancus (Figura 1), conhecido popularmente como caracará ou carrancho (Vieira 1936), pertence à ordem Falconiformes e família Falconidae (CBRO 2008), distribuindo-se desde o sul do rio Amazonas até a Terra do Fogo, na Argentina. Do norte do rio Amazonas até a Flórida, nos estados Unidos, é substituído por C. cheriway, anteriormente tratada como subespécie de C. plancus (Dove & Banks 1999). Trata-se de uma espécie característica de lugares abertos, sendo muitas vezes observada na beira das rodovias, alimentando-se de animais atropelados (Sick 1997, Höfling & Camargo 1999, Develey & Endrigo 2004, Sigrist 2006), banhados e plantações (Belton 2000). A espécie tem sido beneficiada pela expansão agrícola, seguindo tratores nos campos para apanhar pequenos animais espantados pelas máquinas agrícolas (Figura 2) (Sick 1997, Sigrist 2006). Possui uma dieta bastante variada, alimentando-se de animais, tanto vivos quanto mortos, de varias espécies (Sazima 2007). Foi observado também comportamento de frugivoria (Haverschmidt 1947, Galetti & Guimarães Jr. 2004). A predação de anfíbios só foi citada para um C. cheriway, na Costa Rica (Richmond 1976). Os anfíbios não foram mencionados para os Falconidae na importante revisão da alimentação das aves brasileiras por Schubart et al. (1965). No dia 05 de dezembro de 2004, foi encontrado na beira da Rodovia Pedro Celete, no município de Tremembé (Figura 3), um indivíduo de C. plancus atropelado. O espécime foi coletado e levado ao laboratório para análise. Foi observado ser um macho com plumagem adulta e apresentava gônadas de tamanhos normais. Seu conteúdo estomacal foi analisado e continha quatro indivíduos de Leptodactylus fuscus, dos quais um estava bem digerido e os outros três estavam dilacerados, indicando que a ave manipulou o alimento antes de ingeri-lo. Os anfíbios foram fixados em formol a 10% e encontra-se na Coleção Científica de Vertebrados da Universidade de Taubaté, SP (UNITAU). A espécie L. fuscus, conhecida popularmente como rãassoviadeira (Figura 4), pertence à família Leptodactylidade 4

Figura 4. Rã-assoviadeira, Leptodactylus fuscus (foto de F.B.R.Gomes).

Figura 3. Vale do Paraíba destacando o município de Tremembé. Figura 1. Carcará ou carrancho, Caracara plancus (foto M.A. Crozariol).

e está distribuída do Panamá até a Argentina, sendo registrado em todo território nacional (Reynolds et al. 2004). É a espécie mais comum nas várzeas de plantio de arroz irrigado na região do Vale do Paraíba, sendo também a mais abundante dentre as 20 espécies de anfíbios encontrados neste tipo de ambiente (obs. pess. FBRG). Os campos de arroz irrigado são habitats de inundações sazonais, monitorados pelo agricultor, conforme a fase de de-

senvolvimento da lavoura. Na região do Vale do Paraíba, o plantio do arroz inicia-se em meados de setembro e a colheita no final de dezembro ou começo de janeiro. Antes de iniciar a colheita, alguns agricultores retiram as águas das lavouras. Conforme o nível da água vai diminuindo, os organismos aquáticos concentram-se, cada vez mais, em porções crescentemente menores de água, como observado por Kushlan (1976). Dias & Burger (2005) também observaram isso num arrozal no Rio Grande do Sul. Notaram que após a drenagem da água algumas aves, como Ardea alba, Plegadis chihi, Egretta thula e Ciconia maguari, eram vistas nas poças se alimentando dos organismos aquáticos que ficaram ali confinados. Vários indivíduos de C. plancus podem ser observados se alimentando por meio de diferentes estratégias nas várzeas: aproveitando-se da movimentação do maquinário ou caçando ativamente tanto em locais secos como também nestas poças que se formam com a drenagem da lavoura. O indivíduo encontrado atropelado no inicio do mês de dezembro provavelmente caçou os anfíbios nestas poças e, durante o deslocamento, acabou atingido por um veículo. Mesmo sendo um ambiente agrícola, as várzeas de rizicultura oferecem a diferentes espécies de aves recursos ótimos e ambientes propícios para a alimentação. Referências Bibliográficas:

Figura 2. Caracará acompanhando o trator (foto M.A. Crozariol). Atualidades Ornitológicas Nº 149 - Maio/Junho 2009 - www.ao.com.br

Anderson, T. R. (1965) Frog captures a fledgling Eastern Phoebe. Auk 82: 285286. Belton, W. (2000) Aves do Rio Grande do Sul: Distribuição e biologia. São Leopoldo, Editora Unisinus, 584 p. Atualidades Ornitológicas Nº 149 - Maio/Junho 2009 - www.ao.com.br

Berger, A. J. (1953) Green frog catches young Phoebe. Bird-banding 24: 67-68 Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos - CBRO (2008) Listas das aves do Brasil. Versão 10/2/2006. www.cbro.org.br. Acesso em 06/10/2008. Develey, P. F. & Endrigo, E. (2004) Guia de campo: Aves da grande São Paulo. São Paulo, Aves e Fotos Editora, 295 p. Dias, R. A. & Burger, M. I. (2005) A assembléia de aves de áreas úmidas em dois sistemas de cultivo de arroz irrigado no extremo sul do Brasil. Ararajuba 13(1): 63-80. Dove, C.J. & Banks, R.C. (1999) A taxonomic study of Crested Caracarás (Falconidae). Wilson Bull., 111(3): 330-339. Galetti, M. & Guimarães Jr., P.R. (2004) Seed dispersal of Attalea phalerata (Palmae) by Crested caracaras (Caracara plancus) in the Pantanal and a review of frugivory by raptors. Ararajuba 12(2): 133-135. Gladstone, D. (1977) Leapfrog feeding in the Great Egret. Auk 94: 596-598. Haverschmidt, F.R. (1947) The Black Vulture and the Caracara as vegetarians. Condor 49(5): 210. Höfling, E. & Camargo, H. F.A. (1999) Aves no Campus. São Paulo: Edusp, 157 p. Kushlan, J.A. (1976) Wading bird predation in a seasonally fluctuating pond. Auk 93: 464-476. Monroe, M. (1957) Hummingbird Killed by Frog. Condor 59: 69. Reynolds, R., Caramaschi, U., Mijares, A., Acosta-Galvis, A., Heyer, R., Lavilla, E. & Hardy, J. (2004) Leptodactylus fuscus. IUCN Red List of Treatened Species. Versão online, acesso em 25/05/2009. Richmond, A.R. (1976) Feeding of nestling by the Caracara in Costa Rica. Wilson Bull. 88(4): 667. Sazima, I. (2007) The jack-of-trade raptor: versatile foraging and wide trophic role of the Southern Caracara (Caracara plancus) in Brazil, with comments on feeding habits of the Caracarini. Revista Brasileira de Ornitologia 15(4): 592-597. Schardien, B.J. & Jackson, J.A. (1982) Killdeers feeding on frogs. Wilson Bull., 94(1): 85-87. Schubart, O., Aguirre, A. C. & Sick, H. (1965) Contribuição para o conhecimento da alimentação das aves brasileiras. Arquivos de Zoologia. 12: 95-249. Sick, H. (1997) Ornitologia brasileira: edição revista e ampliada por José Fernando Pacheco. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 862 p. Sigrist, T. (2006) Aves do Brasil: Uma visão artística. Edição do autor, 672 p. Terres, J.K. (1968) Kingfishers eating bullfrog tadpoles. Auk 85(1): 140. Vieira, C.O.C. (1936) Nomes vulgares das aves do Brasil. Ver. Mus. Paulista 20:436-489. Wiese, J.H. & Crawford, R.L. (1974) Joint “leap-frog” feeding by ardeids. Auk 91: 836-837.

1 – Grupo de Pesquisa em Ecologia e Conservação de Aves, Universidade Federal do Tocantins (UFT), Palmas. [email protected]; 2 – Laboratório de Ecologia Animal, Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto (UNESP); 3 – Clube de Observadores de Aves do Vale do Paraíba, SP (COAVAP). 5

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