Prefácio à dissertação de mestrado de Rafael Brandi, sobre Os desafios da gestão territorial

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Prefácio à dissertação de mestrado de Rafael Brandi. 2005 - 2009 Mestrado em Engenharia Civil (Conceito CAPES 6). Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Brasil. Título: Patrimônio Cultural Arqueológico na Gestão Territorial: uma proposta para os municípios da foz do rio Itajaí,Ano de Obtenção: 2009. Orientador: Lia Caetano Bastos e Pedro Paulo Funari. Bolsista do(a): Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. Palavras-chave: Arqueologia; Gestão do Patrimônio Cultural; Gestão Territorial. Grande área: Ciências Humanas / Área: Arqueologia / Subárea: Teoria e Método em Arqueologia. Grande Área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Planejamento Urbano e Regional / Subárea: Métodos e Técnicas do Planejamento Urbano e Regional. Grande Área: Ciências Sociais Aplicadas / Área: Planejamento Urbano e Regional / Subárea: Fundamentos do Planejamento Urbano e Regional. Setores de atividade: Produtos e Serviços Recreativos, Culturais, Artísticos e Desportivos; Produtos e Serviços Voltados Para A Defesa e Proteção do Meio Ambiente, Incluindo O Desenvolvimento Sustentado. 2002 - 2004 Graduação em História.

Os desafios da gestão territorial

A gestão territorial é um tema atual, nas condições democráticas e de convivência civil sob o estado de direito, mas com um passivo impactante, no contexto de um país marcado pelas desigualdades sociais, por relações sociais hierárquicas e por períodos autoritários. O Brasil formou-se como nação independente fundado na continuidade das estruturas sociais seculares, com a manutenção e proteção da escravidão e do latifúndio. A monarquia (1822-1889), ao estilo do antigo regime, acentuava as diferenças de estatuto jurídico entre nobres e plebeus, num regime de súditos, com um sistema político que excluía estes últimos por critérios monetários, por meio do voto censitário. A Lei de Terras, de 1850, consolidava essa apropriação territorial excludente, como se o território fosse terra de ninguém, terra nullius.

O regime republicano manteve algumas características oligárquicas da gestão territorial e, em outros aspectos, aprofundou as tendências concentradoras, por meio do uso dos avanços tecnológicos advindos da crescente industrialização mundial e brasileira. Após as décadas de domínio oligárquico da República Velha (1889-1930), a era nacionalista (1930-1937) e, depois, autoritária (1937-1945) de Vargas não alteraria essa situação e, em diversos aspectos seria mais reacionária, ao enfraquecer os órgãos de poder local. A democracia liberal do pós-guerra (1946-1964) iniciaria um processo de inclusão social inédito e que levaria às primeiras mudanças substanciais na gestão territorial, como o atesta a primeira e ainda única lei de proteção ao patrimônio préhistórico indígena, em 1961 (3.924/61), mas também os movimentos sociais a favor da distribuição de terras.

O regime militar (1964-1985) faria retroceder esses avanços. Para além da cassação de adversários, a dissolução dos partidos, a prisão, tortura e morte de opositores, a administração autoritária do país representou um retrocesso substancial na gestão territorial. As tendências para a concentração da propriedade fundiária se acentuaram e o processo de espoliação das camadas pobres no campo e nas cidades aumentou de forma significativa. As favelas e periferias urbanas foram transformadas em lugares de exclusão material e simbólica, assim como os latifúndios expandiram-se. A construção de obras como represas e estradas devastavam a natureza e as

comunidades locais. Defensores do patrimônio como Paulo Duarte foram perseguidos e órgãos públicos foram usados para a desapropriação territorial, travestida de gestão.

Isso tudo começou a mudar com os movimentos sociais que levaram à Anistia (1979), às eleições de governadores (1982), ao retorno dos civis ao poder (1985) e à Constituição de 1988. Nesses trinta anos, de forma crescente e contínua, houve um movimento em direção à inclusão social e à gestão democrática, fundada no estado de direito e na valorização da diversidade e pluralidade cultural, política, econômica, social. Foi aprovada legislação federal, estadual e municipal relativa à gestão territorial, o poder foi, em grande parte, transferido para as entidades federativas, as comunidades locais passaram a ser ouvidas, o ministério público passou a atuar. A gestão territorial passou, portanto, por uma transformação substancial ainda que as desigualdades sociais, as estruturas hierárquicas e patrimoniais e as clivagens de diversos tipos tenham persistido. De toda forma, em ambiente democrático, tais aspectos têm encontrados contrapontos relevantes e em constante crescimento.

O livro de Rafael Brandi apresenta-se como resultado dessa luta por uma gestão territorial mais inclusiva, na forma de uma análise lúcida e criativa de um estudo de caso, sobre o patrimônio arqueológico na gestão territorial no vale do Itajaí, em Santa Catarina. Destaque-se o caráter inovador de uma pesquisa com essa aspiração em um programa de pós-graduação em Engenharia, a demonstrar os benéficos efeitos da democracia nas disciplinas acadêmicas e na sua interação com a sociedade. A ênfase do autor em uma sólida base empírica, mas bem embasada na teoria, conjuga-se com um espírito crítico, atento aos avanços, mas também às contradições, limites e desafios da gestão territorial. Sua leitura, além de agradável, permitirá uma melhor avaliação de aspectos importantes da realidade brasileira.

Pedro Paulo A. Funari Professor do Departamento de História

Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp

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