Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus em homenagem a Jorge Amado

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Descrição do Produto

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Valdeck Almeida de Jesus

Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus Homenagem ao Centenário de Nascimento do escritor Jorge Amado (1912-2012)

Primeira Edição

São Paulo-SP

2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus : homenagem ao centenário de nascimento do escritor Jorge Amado (1912-2012) / Valdeck Almeida de Jesus, (organizador). -- 1. ed. -- São Paulo : PerSe, 2012. Vários autores. ISBN 978-85-8196-058-6 1. Amado, Jorge, 1912-2012 2. Crônicas brasileiras - Coletâneas I. Jesus, Valdeck Almeida de.

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CDD-869.9308

Índices para catálogo sistemático: 1. Crônicas : Antologia : Literatura brasileira 869.9308

Créditos: Diagramação: Valdeck Almeida de Jesus Capa: PerSe Editora Desenho de capa: Ricksucaricaturas - Fone (11) 2046-6012 (11) 8695-2808 - www.ricksucaricaturas.blogspot.com – Twitter @ricksucarica

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Primeiros colocados “NEM O ÓDIO, NEM A BONDADE”: JORGE AMADO E A LUTA PROLETÁRIA NO ROMANCE CAPITÃES DA AREIA (Léa Costa Santana Dias) O Evangelho segundo Jorge Amado (Sílvia Helena Machuca) Sem-Pernas: o retrato de muitas crianças baianas (Marilene Oliveira de Andrade) A Construção Econômica e Social de Jorge Amado: O País do Carnaval, Cacau e Suor; Capitães da Areia; Os Velhos Marinheiros (Denílson da Silva Araújo) Salvador de um Amado Jorge (Edweine Loureiro) Vozes do Sertão (Bruno Monteiro Flores) Jorge Amado e o cinema (Quitilane Pinheiro dos Santos) Jorge “O Bem” Amado (Ana Claudia de Souza de Oliveira) Amado foi Jorge, que desenhou suas raízes escrevendo! (Domingos Alberto Richieri Nuvolari) Jorge Amado e a União Brasileira de Escritores (Carlos Souza)

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Menções Honrosas Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho: A contribuição de Jorge Amado para a Literatura Brasileira Terra adubada com sangue (Bruno Monteiro Flores) As Mulheres de Amado (Karline da Costa Batista) Visita à casa de Jorge Amado (André Kondo) Primeiro Dia em Salvador (Marilene Maria de Oliveira)

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Os Jorges em minha vida (Valdeck Almeida de Jesus) Desde criança que conheço Jorge. Não o Jorge, Amado, de Zélia, mas o Jorge, Santo, em sua incansável e interminável luta contra o Dragão. Olhava pra cima e via, claramente, desenhado na Lua, o quadro que enfeitava, também, as paredes de muitos dos vizinhos... E eu pensava: como é que pode, um homem montado num cavalo, enfiando uma lança num monstruoso animal, ficar no mundo da lua? Eu ficava encantado, mesmo nos dias em que não via a Lua Cheia. Volta e meia olhava para o céu, em busca da cena. E aquela imagem ficou gravada em minha mente pra sempre. Era a luta do bem contra o mal. Veio a adolescência, juventude, idade adulta... E eu não cresci. Já morando em Salvador, fui levado a conhecer o Candomblé, mesma religião que minha mãe repugnava e pintava com as cores do senso comum, aprendidas na Igreja, que, por sua vez, repetiu à exaustão que qualquer religião que não estivesse de acordo com os mandamentos de Roma era pagã, demoníaca... Quem me iniciou nas idas e vindas às festas religiosas da Roma Negra foi um amigo de longas datas. Nos cultos, fui aprendendo o principal: respeitar. Além do respeito, eu tenho verdadeira reverência por aquilo que não conheço e confesso: ainda não sei nada do Candomblé, apesar de já ter lido sobre o assunto, frequentado vários terreiros e compartilhado várias informações. Mas voltemos a São Jorge. Um dos primeiros contatos que tive com o Santo Guerreiro foi uma peça teatral dirigida por André Mustafá e Marília Galvão, chamada “Ori Oju: todo mundo tem Orixá”, resultado de um curso de extensão realizado na Escola de Dança, na Universidade Federal da Bahia. Meu papel foi representar o Orixá Ogum. Conheci outras entidades e, também, Exu, que era quem abria o espetáculo, dava início aos trabalhos, permitia que a encenação fosse adiante... Ogum também veio até mim, desta vez com a fundação de um Fã-Clube em homenagem a Jean Wyllys. Até lancei um livro com mensagens de

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admiradores do então ganhador do Big Brother Brasil 5, no qual incluí orações a São Jorge e uma capa desenhada por David Barreto, representando a eterna luta do Santo contra o Dragão. Conheci outros Jorges: um, Jorge Carrano, também guerreiro e batalhador, homem de fibra e que luta contra todas as injustiças; outro, Jorge Cravo, que me deu o prazer de sua amizade e presenteou-me com uma pintura e uma tela que usei como capa de meu livro “Memorial do Inferno”. Voltando aos Terreiros, fui ver a saída de um amigo, numa casa em Santo Amaro. Cheguei cedo e fiquei aguardando. Na hora que a festa começou, eu procurava o iniciado e não via, por mais que tentasse distingui-lo entre os presentes à cerimônia. De repente, depois de olhá-lo várias vezes sem o reconhecer, consegui identificá-lo e disse em voz alta: “É Ogum!”. Daí não pude mais falar nem me mexer por vontade própria. Algo me tomou e, naquele momento, eu sabia dançar e queria participar dos festejos. Fui afastado para uma sala nos fundos e depois voltei de lá sem saber ao certo o que tinha acontecido... O outro Jorge eu conheci na TV, através das novelas “Gabriela, Cravo e Canela” e das séries “Tenda dos Milagres”, “O Sumiço da Santa”, “O Compadre de Ogum”, “Teresa Batista”, “Dona Flor e seus Dois Maridos”, além do livro “Capitães da Areia” e filme homônimo, dirigido por Cecília Amado. Em várias oportunidades, pude ver, também, o escritor em caminhadas no meio da multidão, sendo ovacionado, nos programas de jornalismo. Em 2010, conheci, de novo, São Jorge, por meio do amigo e artista plástico Ed Ribeiro, que ilustrou várias capas de livros meus, uma delas com o Santo Guerreiro. Até ganhei dele uma imensa pintura com a imagem do santo... Agora, em 2012, em comemoração ao centenário de nascimento de Jorge Amado, tive a honra de poder homenageá-lo através de um concurso literário. Agradeço à família Amado, em especial a João Jorge, ao escritório de direitos autorais e à editora Companhia das Letras por esta gentileza. Agradeço, também, a Exu, aquele mesmo que está assentado na porta da Fundação Casa de Jorge

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Amado, por ter conduzido, permitido e intermediado o diálogo do sonho que se tornou real. Se aquele Guerreiro da Lua luta incansavelmente contra o Mal, acredito que os outros Jorges, como o grande Amado, também lutam contra a hipocrisia e a mediocridade. Jorge Amado, onde quer que esteja, vela, diuturnamente, pela justiça, como Obá de Xangô que sempre foi! Salvador, 15 de março de 2012 (dia de meu aniversário). Valdeck Almeida de Jesus

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Jorge Amado completa 100 anos de nascimento em 2012 (Valdeck Almeida de Jesus) Homenagear uma pessoa após a morte é praxe no Brasil. Em geral, o talento só é reconhecido tardiamente. No caso de Jorge Amado, a homenagem no centenário de nascimento está fora da regra. O sucesso da literatura desse homem simples, nascido no interior da Bahia, supera todas as medidas usadas para os outros mortais. Jorge Amado é sinônimo de Brasil, de Bahia, de brasilidade. Falar da obra é falar do ser humano criador; falar das personagens é identificar o falar natural das pessoas da rua, da gente que circula e inunda praças e avenidas deste imenso país, que é mais interior do que capital. A presença de Jorge está nas esquinas, nos costumes, que o tempo não deixa morrer. O escritor se faz vivo, sempre, no vasto e diverso legado de sua obra. E o tempo, senhor da vida, junto com a justiça dos orixás que protegem Jorge Amado, imortalizam a obra desse homem. A obra de Jorge Amado dá voz e cor, imagem e alma, a vivências que talvez passassem despercebidas, anônimas. “Tieta do Agreste”, “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “Capitães da Areia”, “Gabriela, Cravo e Canela” e tantos outros livros imortalizam experiências de vida, oxigenam as bibliotecas e presenteiam a literatura universal. E Jorge é universal justamente por valorizar o local. O alquimista da língua que o povo fala e entende pacientemente burilou e teceu, com arte própria, uma malha literária que o tornou célebre ainda em vida. Jorge Amado é uma marca, um sucesso que não precisou da morte para se tornar querido e Amado. Em se tratando de Jorge Amado, a morte simboliza apenas um novo passo, uma entrada a um portal multiplicador de vidas. Costumo dizer que os Jorges são milhares, milhões, desde que se tenha tido contato com qualquer escrito, rabisco, rascunho do grande mestre da palavra. Mia Couto,

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em matéria recentemente publicada na mídia da capital da Bahia, declarou que Jorge Amado foi o escritor estrangeiro mais lido na África e influenciou o surgimento de muitos escritores da África lusófona. Esta é a verdadeira glória, que não precisa de fardões, emblemas, placas ou rótulos. A arte de Jorge já diz tudo sozinha. As homenagens, meros protocolos, são merecidas, mas não tornam o brilho de Jorge Amado maior ou menor, já que o brilho deste leonino destinado ao sucesso é eterno! Publicado no jornal A TARDE, edição de 28 de agosto de 2011, Caderno Populares, p.6 Valdeck Almeida de Jesus é jornalista, escritor, poeta e ativista cultural. Autor dos livros “Memorial do Inferno. A saga da família Almeida no Jardim do Éden”, “Feitiço contra o feiticeiro”, “30 anos de poesia”, “Valdeck é prosa e Vanise é Poesia”, “Poemas Diversos” e “Alice no País das Maravilhas” (romance GLS). Participa de mais de 75 antologias poéticas e promove o Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus desde 2005, com apoio do Ministério da Cultura e Plano Nacional do Livro e Leitura. Site: http://www.galinhapulando.com

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Agradecimento aos jurados do concurso

Cymar Gaivota (Lucymar Soares), natural de Serra dos Aimorés-MG. Jornalista, poeta, membro correspondente da Oficial Academia Tijuquense de Letras-SC, membro da Academia de Cultura da Bahia, membro efetivo da Academia Internacional de Letras e Artes de Ciências da Argentina, participante do Fala Escritor, do projeto Galinha Pulando e outros movimentos literários baianos. Ivonete Almeida de Jesus, natural de Jequié-BA. Pedagoga pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); funcionária pública federal. Amante de todo tipo de literatura, costuma participar de encontros que favoreçam mais conhecimentos na área da Educação. Realiza pesquisas na área da Literatura Infantil por acreditar que a lectoescrita contribui no processo de desenvolvimento das crianças. Dedica seu tempo livre a ler e escrever poesias, sobretudo as de cunho crítico. Leandro de Assis, natural de Salvador-BA. Escritor, poeta e professor de História. Autor dos livros Eu Sou Todo Poema, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, lançado em julho de 2007, e InQuIeTaÇõEs, publicado pela Ponto de Cultura Editora em 2009 e lançado na IV edição do Fala Escritor. Participação nas edições III e IV do Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia e um dos vencedores do concurso de poesias realizado na Bienal do Livro de 2007, que resultou na Antologia Poemas que Falam. Participação na Antologia Poética Mãos que Falam e um dos selecionados para a Antologia Poética Carta ao Presidente. Leandro de Assis é colunista da revista eletrônica Debates Culturais e idealizador do Projeto Fala Escritor. Léo Dragone (Alex Bruno Rodrigues de Jesus), soteropolitano, nascido em 5 de março de 1990, no subúrbio ferroviário de Paripe, na capital baiana. A veia artística e

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literária o acompanha desde criança, fortalecendo-se ainda mais depois que aprendeu a ler e escrever, com sete anos de idade. A partir de então, passou a devorar livros, escrever poemas, contos e romances. Publicou "Diário de Rafinha As duas faces de um amor", lançado nas bienais do livro do Rio e São Paulo. Participou do "Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia - 2008". Livro no prelo: "Rainy City", em parceria com Valdeck Almeida de Jesus. Jacqueline Aisenman, brasileira de nascimento e suíça por adoção, residindo em Genebra já há mais de vinte anos. Foi diretora dos museus Anita Garibaldi e Casa de Anita, em Laguna-SC, e do Departamento de Cultura da cidade. Colaborou em vários jornais de Santa Catarina como redatora e revisora. Foi fundadora e redatora do jornal "O Manifesto", de curta, mas intensa, vida. Trabalhou como funcionária internacional na Missão Permanente do Brasil junto à ONU durante mais de dez anos. Deixou a Missão em 2004 para se dedicar de vez à escrita. Hoje edita a Revista Literária Digital e o site Varal do Brasil (www.varaldobrasil.ch), fazendo uma ponte de palavras entre o continente europeu e o Brasil. Faz de seus sites e blogs um meio efetivo de expressão na internet. É membro do Grupo de Escritores Lagunenses Carrossel de Letras e da Rede Brasileira de Escritoras (REBRA), da Sociedade Poetas del Mundo e embaixadora pelo Circulo Universal dos Embaixadores da Paz. Em 2011, fundou uma livraria e editora brasileira na Suíça e passou a participar ativamente de vários movimentos literários. No mesmo ano, lançou “Poesia nos bolsos” e “Lata de conserva”, este último escolhido como Livro de Contos do Ano pela Academia Catarinense de Letras. Em 2012, lançou “Briga de Foice”, livro de contos curtos. Carlos Ventura, cantor, músico, compositor, escritor e dramaturgo. Artista brasileiro que se destacou em 2007/2008 com trabalhos em prol da categoria artística, à frente da UNIALF - União dos Artistas de Lauro de Freitas e do Sindimúsicos - Sindicato dos Músicos Profissionais da Bahia.

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Por conta desta atuação, foi homenageado com o “Prêmio Homem da Cultura no Brasil 2008” durante o festival “Áustria Brasil em Movimento 2009 (ABM 2009)” cujo tema foi “A Evolução da Cultura Negra no Brasil e seus Reflexos no Mundo”, promovido pela ABRASA - Associação AfroBrasileira de Dança Cultura e Arte, entidade internacional com sede na cidade de Viena, em parceria com a Universidade de Viena e apoio da Prefeitura de Viena.

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Sumário (Autores): Abraão Leite Sampaio .......................................................19 Adriana Quezado...............................................................21 Agostinha Monteiro ............................................................23 Alice Gödke .......................................................................25 Amanda Löwenhaupt .........................................................27 Ana Claudia de Souza de Oliveira .....................................29 Ana Rosa de Oliveira .........................................................31 André Kondo .....................................................................34 Audelina Macieira ..............................................................36 Beatriz Moraes Ferreira .....................................................39 Betty Silberstein.................................................................41 Bruno Monteiro Flores .......................................................43 Carlos Souza .....................................................................49 Clarissa Damasceno Melo .................................................54 Crispim Santos Quirino ......................................................56 Danilo Souza Pelloso.........................................................59 Denílson da Silva Araújo ...................................................60 Dhiogo José Caetano ........................................................63 Diogo Cantante..................................................................65 Diogo Rocha Braga ...........................................................66 Domingos Ailton ................................................................77 Domingos Alberto Richieri Nuvolari ...................................86 Ed Carlos Alves de Santana ..............................................90 Edweine Loureiro...............................................................92 Elson Carvalho Alves.........................................................94 Eulália Cristina Costa e Costa ...........................................96 Gil Nascimento ..................................................................98 Gustavo Zevallos .............................................................100 Isadora Sabar ..................................................................102 Janio Felix Filho...............................................................104 Josafá de Orós ................................................................106 Júlio César Freid’Sil .........................................................113

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Karline da Costa Batista ..................................................114 Léa Costa Santana Dias ..................................................116 Lénia Aguiar ....................................................................130 Lucas Expedito Claro Prado ............................................132 Lúcia Amélia Brüllhardt ....................................................134 Marcelo Canto .................................................................135 Márcio Santos Sales ........................................................137 Maria da Conceição Braga de Castro ..............................139 Maria das Graças Evangelista Santos .............................142 Maria Fernanda Reis Esteves..........................................144 Maria José de Oliveira Santos .........................................146 Maria Letra ......................................................................148 Maria Luiza Falcão ..........................................................152 Marilene Maria de Oliveira ...............................................155 Marilene Oliveira de Andrade ..........................................157 Marina Fernanda Veiga dos Santos de Farias .................160 Neva Scarazzati de Oliveira.............................................161 Nubia Estela ....................................................................162 Olmira Daniela Schaun da Cunha....................................164 Paula Alves .....................................................................164 Quitilane Pinheiro dos Santos..........................................168 Renata Leone ..................................................................173 Renata Rimet...................................................................174 Roberto Augusto de Piratininga Ferrari ............................175 Roseli Princhatti Arruda Nuzzi .........................................177 Silas Correa Leite ............................................................179 Silvia Helena Machuca ....................................................189 Silvio Parise .....................................................................192 Solange Gomes da Fonseca ...........................................197 Varenka de Fátima Araújo ...............................................202 Vó Fia ..............................................................................203 Zeca São Bernardo..........................................................204

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Jorge Leal Amado de Faria, nosso... “Amado Jorge” (Abraão Leite Sampaio) Baiano? Conterrâneos deste mestre romancista que, de “Jubiabá” a “Farda Fardão...”, hipnotizou esta nação, me concedam o permisso... para dizer que não! Porque “Jorge” nasceu em cada canto deste imenso país; portanto, para nós das alterosas, ele é mineiro, inclusive daqueles que jamais deixam uma frase sem o uai. Ao postarmos a interrogação de norte a sul, encontraremos vinte e seis estados argumentando ser seu berço natal... E também o “Distrito Federal“, afeiçoando-se de forma incisiva, querendo apossar-se de nosso “Leal”. Na “Academia”, teve aconchego especial, de sessenta e um a dois mil e um, sentou-se na vinte e três, cujo patrono era “José”, o nosso maior representante da corrente literária indianista brasileira, o grande Alencar aclamado por Machado, que o alcunhou "o chefe da literatura nacional". Por quatro décadas, iluminou o então “Pavilhão Francês”, edifício que nos deixa na obrigação de um eterno agradecimento ao governo e arquitetura francesa por tal doação, que fez perpetuar nomes que abrilhantam nossa literatura. Com seu ferrenho e ativo patriotismo, entrou para o campo político com a alma sem manchas e sorriso indulgente aos que se postavam em confronto ao seu socialismo, de perfeita adequação ao nosso povo naquela sua “Intentona Comunista”. Mas seu instinto criativo, para nossa satisfação e orgulho que a Nação teria deste filho ilustre, forçou o abandono deste caminho insistente em tirar nosso “Amado Jorge” das letras, e que lhe trouxe consagração eterna. Quando houve dedicação contínua à arte que praticava com habilidade e facilidade de malabares em picadeiros, caiu sobre o filho de João, que lhe entregou, de coração e razão, o sobrenome “Amado”. As glórias

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merecidas... Tendo ombrear natural com os grandes, não só da arte literária, mas também com os que davam brilhos a telas multicoloridas e admiradas pelo mundo, cujos pincéis e tintas eram ferramentas destes “Deuses” das artes plásticas e seu expoente maior era: Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno Maria de los Remédios Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso, que, num resumo adequado, ficou “Pablo Picasso”, que, por inúmeras vezes, esteve diante deste escrevedor incansável. Neste patamar onde só aos iluminados vem a permissão para ficar, os mecenas se acotovelavam para agora estender seus tapetes e honras, mas nosso romancista já não mais necessitava desta escada para ter sua obra divulgada, pois tinha a seus pés o povo e sua Nação, que insistia em reafirmar ser sua amada. Ao discorrer sobre tão coroado vulto, vejo meu deslize com a intenção ingrata com os irmãos cujas praias, a estrela maior não a deixa ao longo do ano. Portanto, me redimo e digo: é de vocês. E ninguém jamais ousaria contradizer as formosas Ilhéus e Itabuna, que cederam berços acolchoados para ninar este filho que estas duas mães querem legitimar, numa disputa louvável. Não aceitam serem madrastas; querem agasalhá-lo como sendo as que amamentaram aquele que ao mundo seus nomes, como estrelas de alto brilho, sempre mencionou. Amado... “Jorge Amado”, tenha a paz eterna, é merecedor, pois aqui transitou com passos de grandes, sempre elevando a brasilidade à esfera terrestre, empunhando a haste que delineava páginas e páginas numa pluralidade que marcou para sempre nossas mentes com constantes e profundas saudades. Abraão Leite Sampaio, natural de Santa Branca-SP. Engenheiro metalúrgico, pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela Universidade Gama Filho-Campus Gonzaga-RJ. Cursou Engenharia Industrial na Universidad Del Norte Santo Tomaz De Aquino, em San Miguel de Túcuman, Argentina. Curso básico de literatura espanhola na Universidad Nacional de Túcuman,

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Argentina. Participa de 58 Antologias Poéticas; dois livros no prelo, a ser lançados em 2013.

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Cabelo Melado de Gabriela (Adriana Quezado) Duas amigas matutas não gostavam de seus cabelos por serem muito volumosos, parecendo até perucas, tamanho era o volume. Uma delas receitou mel para a outra, objetivando baixar o volume. Dizia que ficava lindo, mas esqueceu-se de explicar o tratamento passo a passo. A amiga ficou tão feliz, já imaginava o sucesso que faria com o novo cabelo baixinho e os elogios que receberia. Ao invés de lavar os cabelos com xampu, passou mel por todo o couro cabeludo e, em seguida, amarrou-os com um lenço, pois queria fazer uma surpresa. Assim, ela passou o dia e a tarde. De noite, estava com tanto sono que foi dormir sem lavar os cabelos. De madrugada, deu um grito estarrecedor, como se alguém a estivesse matando. Não era alguém, eram as formigas carpinteiras ou Sará-Sarás, de nome científico Camponotus SSP. E pior: comendo-a viva, sem dó e sem piedade. Estavam se deliciando com o doce mel de seu corpo. Amigos e familiares não souberam identificar, de imediato, o que estava acontecendo. Deram-lhe banho, mandando as formigas todas para o ralo. Depois do banho, a moça foi dormir aliviada. Sonhou que era uma formiga gigantesca, que todos queriam matá-la, inclusive as outras formigas amigas, que ficaram com medo de seu tamanho, já que as médias possuíam 17 mm de comprimento e as menores de 3 mm. Acordou; tomou outro banho até tirar todo o vestígio do mel. O resultado final do cabelo ficou como ela queria, mas, mesmo assim, nunca mais experimentou qualquer outro tratamento espantoso, bastando o pesadelo real pelo qual passou. Diante de qualquer mel ou produto com essência de mel, ela dava um grito agonizante, tão grande era seu trauma melado. Quando ganhava presente que tivesse mel na história, encaminhava-o para outro aniversariante. Hoje em dia, só faz tratamento no cabeleireiro ou, se compra produtos no supermercado, é sem mel na composição. Em qualquer lugar do mundo, seja em Angola, Brasil, Cabo Verde, Inglaterra, México, Moçambique, Portugal,

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Canadá ou Japão, sempre há um ser humano que gosta de ter cabelos lindos e maravilhosos para serem chamados de seus. Para isso, existe xampus destinados a todo tipo de cabelo. Não é à toa que os famosos, como Jorge Amado, Castro Alves e outros, tinham belas cabeleireiras de chamar atenção. Não foi em vão que Jorge Amado escreveu Capitães de Areia, em que Pedro Bala, um dos personagens, era um grande líder. Tinha os cabelos loiros e uma cicatriz de navalha no rosto, fruto da luta em que derrotara o antigo comandante do bando. Seu pai, conhecido como Loiro, era estivador e liderara uma greve no porto, onde foi assassinado por policiais. Escreveu, também, o romance Gabriela, Cravo e Canela, no qual a heroína que dá nome ao título encarnava uma jovem matuta, de roupa de chita, corpo escultural e linda cabeleira, e, mesmo sendo simples, era valente e sabia muito bem defender-se. O tratamento capilar ela não revelava de jeito maneira. Talvez fosse com cravo, canela e mel. Este segredo só com Jorge Amado e sua esposa Zélia Gattai, que muitas vezes revisava as histórias de Jorge. Mas, infelizmente, ambos são falecidos e os seus segredos estão enterrados nos respectivos túmulos. Cabe a nós experimentar as fórmulas mirabolantes, naturais ou industriais, até descobrirmos aquelas que melhor se adaptam ao nosso tipo de cabelo. Adriana Quezado é natural de Fortaleza-CE. É escritora amadora, publicou o livro "Coração Literário" e várias crônicas nos livros: "Antologia", “Travessias” e "Simplesmente Nós". Diplomada Professora, participa de concursos em prol de seu reconhecimento como escritora. Publica textos no site Recanto das Letras, onde recebe bons comentários, demonstrando que a literatura é o seu lugar. Blog: www.adriqazulaygmail.blogspot.com

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Jorge Amado (Agostinha Monteiro) Jorge Amado não é um escritor brasileiro. Jorge Amado é um escritor do mundo. Como cidadão do mundo, viveu exilado em países da América Latina e da Europa, mas os seus textos revelam o seu coração, as suas raízes brasileiras. Abordando temáticas diversificadas, escrevendo para públicos heterogêneos, procurou sempre incutir mensagens vitais, alertando sempre para as injustiças sociais da vida. Algumas não chegaram a ser compreendidas no tempo pretendido, mas outras tornaram-se intemporais. É o caso da obra “Capitães da Areia”. Centrando-se numa realidade que se queria escondida, Jorge Amado revela ao mundo a problemática dos “meninos da rua” brasileiros, o que lhe vale, em 1937, a apreensão e destruição da sua primeira edição. Só em 1944 é que seria editada a segunda edição, que lhe serviria de catapulta para o estrelato no estrangeiro. Dono de uma clareza de escrita sem precedentes, bebia no quotidiano o segredo da sua inspiração, descrevendo com uma beleza e um lirismo inigualável o drama que aqueles jovens assaltantes sem abrigo vivenciavam nas ruas de Salvador. Com suas palavras, ele consegue transformar a visão dos acontecimentos, fazendo com que leitor fique do lado dos meninos, ladrõezinhos que lançavam ondas de terror na praia. Sim, porque esses meninos são apenas “criaturas inocentes”, produto final da educação e da atenção que uma sociedade demasiado voltada para si criara. Apesar das contrariedades da vida, estes meninos têm sentimentos puros, sentimentos de lealdade e de proteção, que obrigam o leitor a travar uma luta interna. E estes meninos continuam a existir pelo mundo afora… Jorge Amado não deixa ninguém indiferente, conseguindo amolecer o mais duro dos corações, dando novos contornos às adversidades da vida, que continuam a subsistir e a proliferar-se por todo o mundo.

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Agostinha Monteiro é natural de Aguiar da Beira, mas vive em Vila Nova de Gaia. Tem licenciatura em Línguas Modernas e Mestrado em Supervisão Pedagógica. É professora, tradutora e intérprete de Português e Francês e, nos seus tempos livres, dedica-se à escrita. Já publicou “Aprender a Escrever, mecanismos de estruturação textual e Lendas e Histórias de Aguiar da Beira”. Tem contos e poesias publicados nas coletâneas "Imagens da Nossa Memória"; "A Arte pela Escrita Três", "A Arte pela Escrita Quatro" e “Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia 2010”.

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Nosso Amado Jorge (Alice Gödke) Quem nunca ouviu falar de Jorge Amado é porque não se interessa por literatura, mas, mesmo assim deve ter lido em algum lugar um artigo sobre este grande escritor, como acontece em muitas ocasiões, principalmente ao folhear uma revista na sala de espera de consultórios. Mesmo porque não há como contestar um sobrenome tão oportuno quanto o dele, depois que sua fama se espalhou pelo Brasil afora. Considerado como um dos maiores fenômenos literários, tornou-se o orgulho da literatura brasileira, sobretudo por ser homem de personalidade forte e determinado que sempre foi. Tendo enfrentado os mais duros obstáculos que a vida lhe impôs, Jorge Amado nunca se deixou vencer, ultrapassando os limites do orgulho ao registrar seu amor pela terra natal, como representante do regionalismo baiano, bem como da zona urbana de Salvador, outra paixão de sua infância. Formado em Direito, e influenciado por Rachel de Queiroz, torna-se um filiado do PCB, passando a sofrer perseguições políticas da esquerda, até ser preso. Mas sua determinação fez dele um deputado pelo PCB, tendo mais tarde seu mandato suspenso devido à ilegalidade partidária. Sua viagem a vários países socialistas da Europa lhe serve de incentivo para que, dez anos mais tarde, pudesse viver da literatura. Marcado não só pelo lirismo como também pelo pensamento revolucionário, nunca escondeu suas posições políticas, ora mais amenas, ora mais acentuadas, e nem mesmo sua postura ideológica, seja como homem público, seja como escritor. O que se pode comprovar na leitura de Seara Vermelha e Dona Flor e seus Dois Maridos, cuja trama nos desperta para o seu lado humorístico, extraído do cotidiano. Esta característica levou os críticos literários a dividir suas obras em: romances proletários; ciclo do cacau; depoimentos líricos; e crônicas de costumes. A constante busca pela liberdade, tanto individual como social, em todos os níveis, se comprova pela obra–prima que é a novela A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água. Mas,

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diante de tantas outras obras consagradas, sempre ficará marcada em nossas lembranças aquela com a qual mais nos identificamos, ou ainda, com aquela que nos marcou por algum motivo. E, quanto ao seu nome e sobrenome, poderíamos, talvez, respeitosa e humoristicamente falando, associá-los semanticamente a: Jorge, o Guerreiro; Amado, mesmo que demore; e Faria tudo para ser livre e tornar-se um dos autores brasileiros mais lidos por todas as gerações, como realmente o é. Alice Gödke é natural de Campo Largo-PR, solteira, professora, formada em Letras Português/Inglês (TUIUTI). Pós-graduada em Interdisciplinaridade na Educação Básica (IBPEX), em Gestão, Supervisão e Orientação (Bagozzi). Possui certificação em Contação de Histórias pelo Instituto História Viva de Curitiba, e em demais cursos na área literária. É a atual presidente do Centro de Letras de Campo Largo.

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Dona Flor e seus dois maridos (Amanda Löwenhaupt) Jorge Leal Amado de Faria nasceu em Itabuna na Bahia, no dia 10 de agosto de 1912, fazendo deste ano de 2012 a comemoração do centenário de seu nascimento. Ele é, sem dúvida alguma, um dos maiores escritores da literatura brasileira, o autor com maior número de obras adaptadas para a televisão brasileira e o segundo mais traduzido e vendido. Foi um dos representantes da segunda fase do modernismo e ocupou, até sua morte, em 6 de agosto de 2001, a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. Dona Flor e seus Dois Maridos (1966) é, junto com Gabriela, Cravo e Canela (1958), A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água (1961) e Tieta do Agreste (1977), um de seus mais conhecidos romances. A obra é dividida em três partes e inicia-se como um romance realista nostálgico, que retrata, na primeira parte, a vida boêmia na Salvador da década de quarenta, transformando-se, na terceira parte, em uma obra do realismo fantástico. Dona Flor, a personagem principal da história, sofre nas mãos de Vadinho, o marido jogador e boêmio por quem é perdidamente apaixonada, e frequentemente vê todo o fruto de seu trabalho como professora de culinária na escola “Sabor & Arte”, que fundou, ser arrebatado à força pelo marido, quando este já não tem mais dinheiro para beber e apostar. Apesar da situação difícil em que vive, foi ela quem escolheu seu próprio destino e se contenta com ele. Quando Vadinho morre, após mais um de seus excessos, Dona Flor transforma-se, tornando-se mais recatada e fechada. Mesmo que agora esteja livre da violência e dos roubos, ela sofre com saudade do marido, relembrando os luxos com que ele a cercava quando ganhava muito nas mesas de jogo. Ainda tomada pelas lembranças do passado, ela passa a ser cortejada por um farmacêutico, que é o oposto de seu finado marido. Enquanto o primeiro era jovem, arrojado, boêmio, irresponsável, violento, libertino e instável, o novo pretendente, mais idoso, é pacato, religioso, estável,

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recatado, seguidor dos bons costumes, responsável e trabalhador – resumindo-o a uma palavra: tedioso. Após o período adequado de luto, Dona Flor casa-se com o farmacêutico e vive um casamento completamente diferente do que foi o seu primeiro. Na terceira parte da história, o espírito de Vadinho começa a perturbar Dona Flor, que, a princípio, tenta espantá-lo. Ela é a única que pode vê-lo, e ele pode tocá-la como se ainda estivesse vivo. Dona Flor tem então uma difícil escolha a fazer: a fidelidade que deve ao atual marido ou o amor que sente pelo finado. Só que sua decisão, circunstância que tornou essa obra tão inovadora e diferente, foi “escolher não escolher”. Dona Flor resolve continuar com o marido em seu casamento feliz, mas tedioso, e manter o espírito de Vadinho como amante, reunindo assim o melhor das duas uniões e alcançando a felicidade. A obra já foi adaptada para o cinema, televisão e teatro, sendo sucesso como filme (1976), minissérie (1998) e peça (estreada em 2008), além de ter inspirado o filme estadunidense Kiss me Goodbye (Meu Adorável Fantasma – 1982). Amanda Löwenhaupt é escritora e estudante de direito. Teve seu lançamento com o conto “Amala”, contido em “Quem conta um conto... Conta vários!” e pretende lançar seu primeiro romance até o final do ano de 2012. Gerencia os blogs “Vivendo Entre Livros” (http://vivendoentrelivros.blogspot.com.br), de resenhas literárias, e “Os Diálogos da Morte” (http://dialogosdamorte.blogspot.com.br), com textos literários da autora.

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Jorge “O Bem” Amado (Ana Claudia de Souza de Oliveira) O Brasil nasceu baiano. Jorge Leal Amado de Faria, nosso Jorge Amado, também. E, em suas obras, descobrimos um Brasil de uma baianidade e de uma brasilidade tão nativa quanto na chegada das Caravelas Santa Maria, Nina e Pinta, em areias de um Porto Seguro. Desde a primeira missa no Monte Pascoal, estabeleceram em solo tupiniquim despautérios e saliências que se tornaram verdadeiras chancelas no crescimento e no retrocesso desse país. Foi como escritor, jornalista e deputado que Jorge expôs, dentro e fora da “Terra Brasilis”, vilezas como: a exploração de nosso território e de nossas reservas pelo estrangeiro, o descaso dos governantes, a marginalidade, a mestiçagem, a desigualdade social e a inigualável esperança de que dias melhores virão. Pois são justamente esses ingredientes que encontramos, séculos depois, nas obras inigualáveis desse gênio que foi o primeiro escritor a se tornar o mais lido no exterior no século XX. Que deu ao queijo roquefort, ao chilli, à bruschetta, um quê de pimenta de cheiro, de gengibre, fruta colhida no pé. Que fez da Bahia a capital da África no Brasil, com todas as suas nuances, todas as suas delícias e seus clamares. Êeee, o que o tabuleiro desse Brasil Amado tinha e servia, desde os 18 anos, quando escreveu seu primeiro livro, “O País do Carnaval”? O “miserê”, a sedução, o canto do negro, de reza ou de dor, a luta pela sobrevivência, em uma nação que sufoca o saber, que incendeia suas matas, que investe na seca, para o coronel continuar seus desmandos, para que os marginalizados, os pobres, os excluídos, jamais sejam trazidos a um Mundo de Paz. Tereza Batista se parece com o povo brasileiro e com mais ninguém. Com esse povo tão sofrido, tão “vendido”, mas nunca derrotado. Quando o pensam morto, ele se levanta do caixão, qual Vadinho, para vadiar e fazer feliz a pessoa amada. Assim é Jorge, com sua pena amadiana, nasceu para trazer luz, como Tieta, para mostrar, como

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Caetano, que gente, de todas as raças, nasce para brilhar, não para morrer de fome, como os “Vidas Secas”, de seu grande amigo Graciliano Ramos, dois engenheiros das almas, intérpretes do Brasil. Jorge se calava para que vociferasse a sapiência de suas palavras. A sapiência, que muitos assinalavam ser o conhecimento mesclado ao sabor, era gosto, fonte e alma nesse senhor que sabia muito bem temperar, misturar comida e cama. Por isso, tantos personagens viscerais, que impregnaram as editoras, as rádios, as televisões, os cinemas, a vida da gente, seja com sua vida, seja com seus cheiros de dendê, de leite de coco, cacau, caruru ou moqueca de siri mole. Quantos, ao verem esse tabuleiro, não seriam tentados a provar da doçura de Gabriela ou do afrontar de Tieta, essa vida agreste, na rudeza de uma Seara Vermelha, seguindo a desolação de tantas Terras do Sem Fim? Quantas Terezas Batistas Cansadas de Guerra, que, na Agonia da Noite, vivem os reveses de um Mar Morto e seus Capitães de Areia, esperando por uma Luz no Túnel? Homens compadres de Ogum, Mulheres com nome de Flor, em Camisolas de Dormir, Gatos Malhados nas Tendas dos Milagres. Jorge, que se expôs aos olhos do mundo com uma feição literária única, com sua linguagem tantas vezes rechaçada, cassada, por sua verve obscena, inqualificável, vulgar. Mas foi essa coragem literária que vazou mundo afora por mais de 30 países, tornando-o embaixador simbólico do Brasil e chegando a indicá-lo para o Prêmio Nobel de Literatura. Mas mais do que tantas honrarias, Jorge é o negro em um país que ainda se diz feito de dia, e pouco reconhece, preserva e ama suas origens. E salve Jorge! Ana Claudia de Souza de Oliveira, 44 anos, mineira, natural de Nanuque-MG, reside em Curitiba. Mãe e professora, aprendeu as letras cedo e virou amante dos livros. Formada em Jornalismo, pós-graduada pela ECA/USP em Comunicação, é professora e escritora. Já ganhou alguns prêmios.

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Obrigada ao Jorge! (Ana Rosa de Oliveira) O Brasil foi descoberto em terras baianas e a Bahia foi apresentada ao mundo através dos personagens “jorgeamadeanos”, voluptuosos e cheios de erotismo que nos seduziram com a história de suas vidas. Primeiro filho do “Coronel” João Amado de Faria e Eulália Leal Amado, Jorge Amado de Faria, nascido em Itabuna, faz parte do panteão baiano onde certamente não encontra rival. Poderia ter se tornado um “coronelzinho”, mas, desde muito jovem, ele já demonstrava querer muito mais para a sua vida. Foi imortalizado pelo sucesso de suas obras e, em abril de 1961, ao ser aprovado para suceder Otavio Mangabeira na Academia Brasileira de Letras, apenas confirma o que todos já sabiam – era imortal! Um dos autores mais lidos e mais vendidos, tanto dentro como fora do país, um dos poucos que se consagrou a ponto de viver do resultado de suas obras e no seu estilo que, acredito, ainda não foi superado. Onze anos após a morte deste autor, e às vésperas do centenário de seu nascimento, muitos ainda não se deram conta do imenso legado deixado por ele, bem como de sua importância no cenário cultural. Apesar de ter escrito em várias modalidades, foi no romance onde se destacou com dezenas de trabalhos publicados. Suas obras não conheceram limitações; rompendo a barreira da língua, saem das páginas e ganham vida nas telinhas e telões, atravessam fronteiras para conquistar o mundo. Alguns críticos não foram muito generosos ao tratarem da obra de Jorge Amado, como se a literatura de estilo mais popular não pudesse estar em destaque. Esquecem que, em um país onde não se cultiva o hábito de leitura, o que a maioria quer é um texto mais compreensível, mais humano, ao alcance do imaginário popular. É dessa identificação que nasce todo o sucesso de Jorge Amado, dessa relação de sua obra com o povo baiano e sua cultura, que tão bem representa o Brasil.

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Depois de ler “Capitães de Areia”, “A Morte e a Morte de Quincas Berro d`Água”, “Gabriela, Cravo e Canela” e “Os Velhos Marinheiros”, entre outros, quem há de se importar com estilo literário? Isso é coisa para os críticos. Para nós, bastava a boa leitura que nos era oferecida. Não posso falar do homem, posto que não o conheci, a não ser em minhas impressões acerca do escritor, muito embora, seja levada a imaginar que, por toda a sua obra, deve ter sido uma pessoa extraordinária. A Bahia deve muito a Jorge Amado por tê-la divulgado como ela é – para além dos becos e ladeiras, muito antes dos cartões postais, uma Bahia rica, onde a vida pulsa em todos os cantos. Lugar onde bastava ter fé para os milagres acontecerem, a mágica nascia da força de quem estava a pedir. Devemos a ele a divulgação da cultura brasileira, particularmente da cultura baiana, no cenário internacional. Devo a este escritor a descoberta de uma literatura descomplicada, onde a leitura era motivada apenas pelo prazer, sem o compromisso das fichas literárias e resumo com data marcada, valendo a nota do mês. E essa descoberta coincidiu com a minha adolescência, então teve um peso enorme na minha formação de leitora. E, como a maioria dos apreciadores de sua obra, também fui tomada pelo encanto do mundo baiano descrito em suas páginas, um mundo encantado que apenas Jorge conseguiu penetrar, e desde então nenhum outro mago conseguiu desvendar seus mistérios. Certamente, todos gostariam de dizer muitas coisas a um de seus autores prediletos. Se este fosse vivo, a primeira coisa seria um pedido de autógrafo, e talvez para tirar uma foto e eternizar o encontro. Então, por ocasião do centenário de seu nascimento, resta-me dizer que agradeço a você, Jorge, por ter contribuído para que eu seja a leitora apaixonada que sou. Obrigada a você, também, por todos os outros iniciados no caminho mágico da leitura. Obrigada, Jorge! Obrigada por ter existido!

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Ana Rosa de Oliveira, 53 anos, natural de São Vicente-MT, graduada em Geografia, é "escritora de gaveta" e, de vez em quando, se arrisca. Em uma dessas vezes, no ano de 2001, teve um texto publicado por participação no concurso literário promovido pelo SESC de Santo Amaro-SP.

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Visita à casa de Jorge Amado (André Kondo) Pelas pedras do Pelourinho, meus ansiosos passos seguiam pegadas imortais. O casario antigo, o colorido, os tambores, os santos, o céu de Salvador. Estava tudo ali, acompanhando a minha alegre visita à casa de Jorge Amado. Fundação Casa de Jorge Amado: a casa de Jorge Amado! Sinto uma grande emoção. Aqui viveu Jorge Amado! Esta parede, este teto, este chão... Não. Jorge Amado não viveu aqui, explicou o guia da Fundação. A casa onde ele morava, em Ferradas, Itabuna, não existia mais. Só restou uma placa. Eu não sabia... Fico decepcionado. Afinal de contas, para mim, estar na Bahia e não visitar a casa de Jorge Amado era como não estar na Bahia, porque faltava a alegria. Faço uma cara triste. Bem triste. O guia percebe a minha tristeza e me consola. Mas a casa em que ele morou com a Zélia Gattai, na Rua Alagoinhas 33, ainda existe. Sim, a casa onde Amado recebeu visitantes ilustres como Jean-Paul Sartre e François Mitterrand, ainda existe. Em sua varanda, um azulejo pintado por Pablo Picasso. Jorge Amado também morou na Argentina, no Uruguai, em Paris e em Praga. De fato, era um cidadão do mundo. Continuo a caminhar pelo casarão da Fundação Casa de Jorge Amado, contemplo as capas dos livros do grande escritor: “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “Gabriela, Cravo e Canela”, “Tocaia Grande”, “Tieta do Agreste”, “Tenda dos Milagres”... A literatura de Jorge Amado ultrapassou fronteiras. Tornou-se universal. Jorge Amado, cidadão do mundo, universal. Sendo assim, teria uma simples casa a capacidade de abrigar tão grande escritor? Ao final da minha visita ao museu, o guia me pergunta se eu quero receber as instruções de como chegar à casa de Jorge Amado, na rua Alagoinhas. Sorrio. “Obrigado, mas não precisa. Já visitei a casa dele”. O guia

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insiste: “Não sei se o senhor me entendeu, mas Jorge Amado nunca morou aqui”. Aponto para a capa de um dos livros e respondo: “Mas eu já abri esse livro, a verdadeira casa de Jorge Amado. E sempre fui muito bem recebido lá... Além do mais, agora ele mora aqui” – aponto para a minha cabeça. Sim, Jorge Amado mora em infinitos lugares, na memória de cada um de seus milhares de leitores. E no coração de muitos mais. André Kondo nasceu em Santo André-SP. Autor de “Além do Horizonte”, “Amor sem Fronteiras” (Prêmio Paulo Mendes Campos – UBE-RJ), “Contos do Sol Nascente” (Prêmio Bunkyo de Literatura 2011, M.H. Prêmio Esfera das Letras, Portugal, e ProAC São Paulo) e “Cem Pequenas Poesias do Dia-a-Dia” (Prêmio de Literatura UNIFOR 2011). Pós-graduado pela University of Sydney, viajou por 60 países.

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Não Quero Falar de um Jorge Baiano Qualquer! (Audelina Macieira) Não quero Falar de um Jorge baiano qualquer; quero falar de um baiano chamado Jorge, que em muitos livros divulgou e apresentou uma Bahia que o Brasil não conhecia. Uma Bahia de Jorge, virgem e selvagem, bela e colorida. A Bahia contada por Jorge tem mistérios e encantamentos, tem segredos encobertos pelo mar da paixão. Na alma de Jorge o retrato de sua terra, seu lugar de origem, Ilhéus, ou quem sabe o Pelourinho e seus sobrados encantados, inspiraram-lhe o imaginário, ora de homem, ora de santo. Sua poesia cantou a alma feminina da mulher baiana; quem as vê também vê Flor, Gabriela, Tieta e Teresa, exemplos da beleza natural natureza da mulher brasileira. Se Castro Alves é o poeta dos escravos, o que dizer de Jorge Amado? Poeta das mulheres, amante do mar ou apenas um homem de fé? Homem do mundo que na vida se entregou a um grande amor, a uma só mulher, com quem compartilhou toda a vida, deixou uma marca, um valor, bebeu nas fontes literais de um rio doce de sangue, suor e carnaval. Quando distante estava da Bahia, levava-a aonde quer que fosse, sentava e escrevia-a. Como criança, lembrava-se dos tambores, dos terreiros, um berimbau, uma dança, um samba de roda, uma varanda e um quintal. Em suas linhas escritas, derramava lágrimas de saudades. Em seu coração, sabia que nenhum outro lugar poderia fazer sucumbir sua paixão. Ao pisar no chão de sua cidade, os olhos ávidos expressavam o que a mão registrou. O amor, tão bem falado ao coração, que nele morou. As letras da Bahia são de Jorge e a ele é pertinente a tradução de um mundo apaixonante, que vislumbra alegria e calor, um mundo que grita: Salve Jorge! Na mistura das raças, na conduta de uma religião, que domina o seu povo, que abriga uma multidão de seguidores de Jorge, em histórias que fascinam não apenas o pensamento, mas o coração que abraça e sente ávido o pulsar das emoções que nos levam a sonhar. Os olhos que

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leram suas histórias abriram os ouvidos para escutar a sua voz na voz dos seus personagens. E hoje, em cada esquina, se ouve o ecoar do Rhataplans que anuncia a chamada de roda, que Jorge descreveu em sentimento e em reverência a os seus orixás. Suas linhas escritas ainda descrevem histórias de amor e várias paixões de um homem por uma só mulher, ou por várias mulheres que são suas e não são de ninguém; de criança que é pura e de homens cruéis, representados por seus coronéis. São mitos e vivem por aí nas esquinas de uma Bahia amada de amados filhos. Que filhos! Filhos do mundo inscrito nessas páginas que falam. São os reis Jubiabá, Pedro Bala e o velho Quincas Berro D’água. Eles são heróis da ficção e são como Jorge Eterno Jorge Amado, que em sua voz dizia: “Escrevo pela necessidade de expressar o que sinto.” Seu sentimento vinha da força maior de um homem de fé. Da Nação Nagô, estão representados negros mulatos e brancos disfarçados. Com tanto amor a Bahia foi relatada, o mundo conheceu suas ruas, cidades, seus mares e orixás. Não há sequer um homem ou mulher que, ao ler seus romances, não se sente parte dos ingredientes do contexto gentil de Jorge, que não foi apenas um escritor. Foi autor do que chamamos de amor, e, de tanto amor foi amado pela Bahia e pelo mundo. Seus livros em 49 idiomas foram traduzidos, divulgando os seus personagens, que foram muitos e, como as estrelas no céu, brilham e não param de encantar e de contar as contas do colar daqueles que ouvem uma voz, um chamado, e sabem que no fundo a vida de Jorge Amado mudou a cara do povo brasileiro, dando-lhe uma alma, uma poesia. Não quero falar nestas linhas de um Jorge baiano qualquer, quero falar de Jorge da Bahia, de um menino, um rei, um guerreiro, um eterno sedutor. Um homem que viveu intensamente e muito se dedicou à cultura do seu povo, enfeitando sabiamente as páginas em branco com letras coloridas como a Bahia, de enfeites mil. Enfeites da vida de um homem que viveu como herói e permanece na lembrança de cada um de nós, baianos, que carregamos este orgulho

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de pertencer a esta terra amada, terra de um mago. Jorge Amado. Audelina de Jesus Macieira dos Santos é natural de CachoeiraBA. Casada, aprendeu a conviver com o mundo mágico das letras com sua mãe, a Professora Maria. É formada em Pedagogia e especialista em Neuropedagogia com Psicanálise. Em Vitória da Conquista, participou de eventos ao lado do teatrólogo Geraldo Sol, recitando poesias em teatro local. Possui registro como ‘artista da terra’ no Centro cultural Camilo de Jesus Lima. Posteriormente, foi morar em Feira de Santana, onde publicou inúmeros pensamentos no IC - Informativo Cultural de Feira de Santana, ao lado de Tanny Brasil e Cescé, artista local. Em Salvador, foi vocalista da banda Rhataplan, fez teatro amador (‘Cena Um’), tendo recitado poesias no teatro Martins Gonçalves. Publica seus textos no blog Poesia Viva.

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Jorge Amado: como esquecê-lo? (Beatriz Moraes Ferreira) Em 1912, ano da Guerra do Contestado, nasceu Jorge Leal Amado de Faria, conhecido popularmente como Jorge Amado, o baiano escritor. Muito famoso e o mais traduzido escritor brasileiro de todos os tempos. Autor mais adaptado da nossa televisão, verdadeiros sucessos como “Tieta do Agreste”, “Gabriela, Cravo e Canela”, “Dona Flor e seus Dois Maridos” e “Tenda dos Milagres”. A maratona começou, só que, ao invés de atletas, correram personagens e mais personagens, um atrás do outro, uma verdadeira corrida para o sucesso. Escrever era fruto de sua convivência, seu jeito de desabafar o que queria e o que pensava. Tudo virava crônica e história: flagrante de uma esquina, acidente doméstico, palavras de uma criança, notícias em jornais. Jorge Amado sabia como contar, tinha um segredo para atrair tantos leitores, mas não era nada misterioso, o segredo era sua coragem e força de vontade. Contava casos, fazia descrições e críticas. Em suas obras trazia toda a imaginação para a realidade, fazendo com que ela fosse mais alegre e divertida. Somente quem leu entende essa magia de que estou falando. “Mar Morto”, “Cacau”, “Suor” e “Capitães de areia”, essas foram algumas de suas obras, as quais li e me encantei com a incrível capacidade de descrição e com os personagens. O último que passou por meus olhos foi “O Milagre dos Pássaros”, que conta a história de um sertanejo que tinha uma mulher em cada porto e no fim acabou se intrometendo com a mulher de um pistoleiro. Essa história ficou guardada na minha memória e foi a última que ele escreveu em vida. Mas fez de tudo o que queria antes de partir: foi escritor, jornalista, deputado federal e um grande homem de família. Viveu exilado na Argentina, Uruguai, Paris e Praga. Encantou e emocionou todos os leitores de suas obras. Inventou ricos personagens, porém, não fazia ideia de

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que se tornaria um dos mais apreciados personagens. Hoje, muitas pessoas pesquisam sobre sua vida e sua obra. Infelizmente, no dia 6 de agosto de 2001, uma parada cardiorrespiratória tirou-o de nós. Porém, suas lembranças vão ficar para sempre coladas em nossa mente ou em livros e telas, porque o que é verdadeiramente bom a gente nunca esquece, o tempo não corrói e não há borracha para apagar. Hoje, faz 10 anos, 5 meses, 2 semanas e 2 dias que ele se foi. Mas foi a matéria que partiu. Seu espírito e sua vida ficarão sempre aqui com a gente! Beatriz Moraes Ferreira, natural de Itaperuna-RJ, escritora e poetisa. Por enquanto, nenhum livro publicado, mas tem dois manuscritos, “Assassino do Além” e “Senhores da Morte”, além de 198 poesias. Cursando o 2º ano do Ensino Médio, pretende entrar para a Faculdade de Direito.

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Jorge Amado (1912-2012) (Betty Silberstein) Quem foi esse baiano da Bahia de Todos os Santos, O Cavaleiro da Esperança que, com Suor, viveu em Terras do Sem-Fim, em São Jorge dos Ilhéus e nO País do Carnaval? PelA Estrada do Mar, seus Capitães de Areia, Os Velhos Marinheiros ou o Capitão de Longo Curso navegaram pelo Mar Morto, enquanto o ABC de Castro Alves intercalouse com A Descoberta da América pelos turcos e a Navegação de Cabotagem. Quem foi esse baiano que, nOs Subterrâneos da Liberdade, defendeu O Amor do Soldado para O Mundo da Paz, espreitando A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água, velada pelOs Pastores da Noite, em Seara vermelha, por personalidades vestidas de Farda, Fardão e Camisola de Dormir? O Compadre de Ogum deixou O Menino Grapiúna de Tocaia Grande para averiguar O Sumiço da Santa, O Milagre dos Pássaros, A Hora da Guerra e se inteirar dA Vida de Luís Carlos Prestes enquanto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá assistiram junto com Jubiabá o deslizar dA Bola e o Boleiro e a desenvoltura de seus personagens, entre eles plantadores de Cacau, pescadores, artesãos e gente que vive próxima ao cais, em Salvador, capital da Bahia. Esse baiano, o autor mais adaptado da televisão brasileira, assistiu na telinha “Tieta do Agreste”, “Gabriela, Cravo e Canela”, “Teresa Batista Cansada de Guerra”, “Tenda dos Milagres” e viu Dona Flor falar em vários idiomas pelo mundo afora com Seus Dois Maridos, nas telonas. Um dos principais representantes do romance regionalista da Bahia, o Sr. Jorge Leal Amado de Faria é também um dos maiores protagonistas da Literatura Brasileira de todos os tempos. Seus livros foram traduzidos em 55 países, em 49 idiomas, com exemplares escritos inclusive em braile e fitas gravadas para cegos. Suas obras refletem a realidade dos temas, paisagens, dramas humanos, secas e migração, denunciando grandes problemas sociais no nosso país, com uma linguagem

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agradável e de fácil compreensão, atributos que tornaram Jorge Amado um dos maiores escritores brasileiros no século XX e um dos autores mais conhecidos do mundo. A genialidade transbordada em seus romances, com narrativa fecunda, resultou em uma obra de legado riquíssimo, com temas recheados de sensualidade, cultura negra, cenários baianos, vida e emoção, corroborando com sua própria afirmativa: “Escrever é transmitir vida, emoção, o que conheço e sei, minha experiência e forma de ver a vida.” (Jorge Amado) Betty Silberstein é escritora, tradutora e revisora. Formou-se em Letras na Universidade Mackenzie e frequentou o Project Zero Summer Institute, na Harvard Graduate School of Education, um curso dedicado a estudar as Inteligências Múltiplas. Seus livros “Opus Dei”, “A Falsa Obra de Deus”, “A Surpreendente Louisa May Alcott” e “Tropical Blessings” estão à disposição no Kindle Amazon.

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Vozes do sertão (Bruno Monteiro Flores) Quando escreveu sua consagrada obra “Seara Vermelha” (1946), Jorge Amado era comunista convicto. Tal posicionamento político se faz presente em sua prosa através de um discurso quase explícito por uma sociedade mais justa e igualitária, enquanto aborda o inevitável fato que acompanha os trabalhadores do sertão nordestino na década de 1930: de que eles poderiam lavrar a terra, dia após dia, até o fim de suas vidas, mas jamais conseguiriam que uma parte dela viesse a lhes pertencer. É esta tragédia do latifúndio, que há mais de cem anos faz vítimas da seca, miséria e fome, que determina na obra a busca utópica de uma família por um destino menos sofrido, assim como as alternativas de vida escolhidas por indivíduos para aliviarem suas revoltas. A primeira metade do livro descreve a jornada de uma família de retirantes em direção a São Paulo, “terra de imensa fartura e riqueza”, após ser expulsa de uma fazenda de gado no norte da Bahia. Os patriarcas Jerônimo e Jucundina, seus irmãos, cunhados, filhos e netos, têm pela frente a longa caminhada pela caatinga até Juazeiro, a travessia de navio pelo rio São Francisco até Pirapora e a viagem de trem a São Paulo. Jucundina, mulher de fibra e bom coração, luta para manter sua sanidade em meio à fome, seca e doenças como impaludismo e disenteria, com direito a chocantes reflexões sobre a realidade que a cerca, o que culmina em um desejo de que o mundo acabe de uma vez por todas, pondo fim àquele sofrimento. Ao retratar com tal complexidade psicológica a visão de mundo dos pobres e miseráveis do sertão, Jorge Amado coloca-se como um cúmplice naquela luta diária pela sobrevivência. Por consequência, se opõe, de forma drástica, à política de latifúndio sub-humana dos grandes coronéis, que enxergam os camponeses como meras mercadorias, negociáveis ou dispensáveis. Neste contexto, o autor constrói uma severa crítica para com as injustiças cometidas naquela terra.

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Durante a jornada, os remanescentes da família têm de passar por um exame médico em Pirapora para receberem o visto de saúde que lhes permita embarcar no trem para São Paulo. Dotado de grande talento narrativo e domínio de personagem, Jorge Amado introduz na história o médico responsável pelos exames que, ao longo de quase um ano no cargo, se desiludiu com a profissão, antes vista como assistência social de admirável nobreza. São páginas importantes de “Seara Vermelha”, uma vez que humanizam uma atitude imoral por parte do médico, deixando claro o tratamento não maniqueísta do autor para com cada um de seus personagens. Assim, Jorge Amado demonstra uma qualidade reservada aos grandes romancistas: a de compreender a natureza humana sob uma ótica racional e livre de preconceitos. A segunda parte da obra conta a história dos três filhos mais velhos de Jerônimo e Jucundina, que fugiram da fazenda anos antes da migração da família para São Paulo. Revoltados com a contradição entre o trabalho árduo que lhes era imposto e a pobreza em que viviam, escolhem caminhos diferentes: João vira soldado de polícia, José se torna um dos cangaceiros mais temidos da região, e Juvêncio, conhecido como Neném, vira líder revolucionário e participa da Intentona Comunista de 1935. Fica claro para o leitor que Neném representa o irmão que escolheu o rumo mais adequado para expressar sua indignação, lutando por uma sociedade mais igualitária, onde a terra pertenceria àqueles que a trabalham. Entre uma batalha e outra, os irmãos relembram a infância e adolescência na fazenda, demonstrando que, apesar de terem buscado novas alternativas de vida, jamais se esqueceram de suas verdadeiras origens. Com “Seara Vermelha”, Jorge Amado constrói um dos mais autênticos e trágicos retratos do sertão nordestino na literatura brasileira do século XX. A cada capítulo desta magnífica obra, as vozes das famílias trabalhadoras, vítimas do latifúndio, ganham um tom mais alto na prosa envolvente do autor, munindo-se de um profundo senso de justiça social,

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ecoando por mais de cem anos de história e se eternizando na mente do leitor.

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Terra adubada com sangue (Bruno Monteiro Flores) “Terras do Sem Fim” (1943) está entre os romances mais divulgados de Jorge Amado no exterior, sendo traduzido para mais de 30 idiomas e se tornando um marco na carreira do escritor baiano. Este reconhecimento não podia ser mais merecido. Em uma envolvente trama, repleta de aventuras, conflitos políticos e passionais, o autor traz uma primorosa criação de personagens que têm seus destinos entrelaçados em meio à selvagem disputa por terras para plantio do cacau em Ilhéus, no início do século XX. Assim, chama atenção para um período marcante na história do país, quando as ambições econômicas dos grandes coronéis não conheciam fronteiras. Coronel Horácio da Silveira e Sinhô Badaró são dois fazendeiros que detêm o monopólio da produção de cacau nas imediações de Ilhéus, com pequenos povoados em formação, graças ao crescimento econômico de tal atividade. Ali predomina a lei do mais forte, das armas de fogo e dos jagunços, com o controle político e judiciário concentrado nas mãos dos senhores de terra, enquanto a atuação do poder público se resume a alguns serviços básicos para a população. Neste contexto, começa a disputa por Sequeiro Grande, uma das únicas áreas da região ainda não desmatadas para o plantio do cacau, e tida por cientistas como um dos solos mais propícios no mundo para crescimento dos “frutos de ouro”. Os personagens de “Terras do Sem Fim” podem ser divididos em dois grupos: os que chegam a Ilhéus de navio no início da história, com grandes expectativas de enriquecer na terra, e os que nela já habitavam. O capitão João Magalhães, jogador de cartas trapaceiro, Antônio Vítor, humilde e honesto trabalhador braçal, e Margot, mulher da vida que se “engraçou” com um advogado, chegam a Ilhéus com um objetivo em comum: a busca por uma vida melhor, usufruindo dos benefícios da civilização cacaueira em ascensão.

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No entanto, conforme a dura realidade vai se apresentando aos recém-chegados, levando-os a tomar partido na disputa entre Horácio e os Badarós, os três mergulham cada vez mais na obsessão que rodeia a atividade econômica local. Aos poucos, o antes tangível sonho de riqueza e bonança se converte em uma utopia distante. De fato, se dão conta de que “os visgos de cacau mole do solo das plantações grudam no pé e não soltam mais”, sendo arrastados por um redemoinho de acontecimentos do qual não veem saída possível, culminando na irremediável noção de que jamais deixarão para trás a vida cacaueira em busca de um novo começo em outro estado. Com este enfoque, Jorge Amado constrói um contundente discurso crítico quanto às desigualdades sociais e barbaridades de sua terra natal no início do século. Em meio a tocaias, mortes, profecias macabras e manobras jurídicas de ambos os lados, conflitos passionais também ganham espaço na minuciosa narrativa do autor, como o envolvimento amoroso entre Dr. Virgílio, advogado de confiança e aliado político do Coronel Horácio, com Ester, a própria esposa do fazendeiro. Esta paixão proibida se destaca na obra como um microcosmo afetivo do universo de ambições, intrigas e assassinatos que compõem o cenário político-social ao redor, gerando uma crescente tensão na medida em que se aproxima de um trágico final. Em suma, “Terras do Sem Fim” retrata os primórdios de uma civilização no sul da Bahia, levando a uma reflexão sobre o potencial destrutivo do crescimento vertiginoso de uma atividade econômica em uma região ainda não ocupada pelo poder público. Desse modo, se estabelece como um importante tratado sobre a ganância humana, que pode alcançar níveis assustadores quando permitido pelo contexto político e social do momento. Ao concluir-se a leitura, fica claro que o retrato pintado por Jorge Amado em “Terras do Sem Fim” constitui uma importante peça da literatura brasileira do século XX, apresentando um olhar humano, rico e fascinante daquela “terra adubada com sangue”.

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Bruno Monteiro Flores é natural do Rio de Janeiro. Escritor e jornalista, é pós-graduado em Gestão e Produção Cultural, já escreveu roteiro de cinema de três curtas-metragens e tem o projeto de um romance em andamento.

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Jorge Amado projetou o nome da Bahia para o mundo (Carlos Souza) Em entrevista ao Terra Magazine, em outubro de 2007, o escritor João Ubaldo Ribeiro disse que, sem Jorge Amado e Caymmi, a Bahia não deixaria de existir; no entanto, poderia ser apenas uma cidade portuária, sem reconhecimento internacional. João Ubaldo tem toda razão em dizer isso, porque muita gente vem de longe para conhecer a Bahia justamente por ter lido a obra de Jorge Amado. Para o historiador Ubiratan Castro de Araújo, Jorge Amado representa a difusão internacional da Bahia, usando como referência a cultura do povo baiano, principalmente o povo negro, que foi seu grande personagem por opção política e ideológica. O historiador destaca que Jorge Amado teve sua literatura difundida por uma rede comunista, que foi a mais potente divulgadora da cultura baiana pelo mundo afora. “Entre aqueles que foram atraídos para a Bahia, através da obra do escritor baiano, está o fotógrafo, etnólogo, antropólogo e escritor francês Pierre Verger”, lembra o historiador. Diz, ainda, professor e ex-presidente da Academia de Letras da Bahia, Edivaldo Boaventura: Jorge Amado é a totalidade da Bahia. A sua obra tem como grande cenário e como grande atuação a comédia baiana – estou falando da comédia baiana no sentido de tudo aquilo que acontece, a palavra comédia, aqui, está sendo empregada como a comédia humana de Balzac. Jorge é o grande retratista da vida baiana, sobretudo da vida popular baiana; até das intrigas, das fofocas baianas. De tudo isso ele é o grande narrador. Na opinião do professor, a obra de Jorge é tão próxima da Bahia que aqueles que não a conhecem, após ler

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Jorge Amado, passam a ter uma visão bem real do estado. Sim, porque Jorge descreveu-o com minúcias: a vida de seus habitantes, os acontecimentos, a pequena história, o relacionamento baiano, as crenças, todo esse enredo; enfim, a comédia baiana. Segundo o escritor Carlos Ribeiro, Jorge Amado foi não apenas o romancista baiano mais importante do século XX, do ponto de vista do alcance de sua obra, mas um autor que criou, através de suas histórias e personagens, uma representação imaginária da Bahia, que se sobrepôs à própria realidade. Afirma Ribeiro: Sua força criadora se multiplicou e se expandiu para outras áreas: na música, no cinema, nas artes plásticas, na sociologia, na antropologia. A valorização da cultura negra e das classes populares, a ênfase na importância da miscigenação, tudo isto tem um valor muito grande, mesmo que sujeito a uma releitura com base em novos pressupostos. Todos podem contribuir para a preservação da memória de Jorge Amado. O professor Edivaldo Boaventura acredita que a melhor maneira de valorizar o trabalho de Jorge Amado é ler sua obra, analisando, publicando e estimulando todas as atividades que visem à perpetuação da sua memória, além de contribuir comparecendo à programação cultural da Fundação Casa de Jorge Amado e participando dela, por ser a Fundação um espaço destinado a preservar a memória do escritor. “Eu acho que a Casa de Jorge Amado está para a Bahia como a casa de Pablo Neruda está para Santiago do Chile”, diz. O escritor Carlos Ribeiro, além de sugerir a leitura da obra de Jorge Amado como forma de retribuição, por parte da sociedade, por tudo o que ele fez para a cultura da Bahia,

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lembra a pressão política: “Pressionar as autoridades no sentido de preservar e respeitar o seu legado e, sobretudo, lendo e estudando seus livros”. O autor de “Gabriela, Cravo e Canela”, “Dona Flor e seus Dois Maridos”, “Tereza Batista Cansada de Guerra”, “Tieta do Agreste” e tantos outros títulos tornou a Bahia conhecida mundialmente. Jorge Amado, junto com Carybé, Dorival Caymmi e Pierre Verger, criou a baianidade, ou, como prefere Myriam Fraga, “eles não criaram a baianidade; eles lançaram para o mundo o que já existia aqui.” Por isto, supõe-se que o povo baiano tenha, de alguma forma, uma dívida para com a memória do escritor que tanto se dedicou a registrar a vida e os costumes desse povo. Vida longa à memória de Jorge Amado!

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Jorge Amado e a União Brasileira de Escritores (Carlos Souza) Em meio às comemorações do centenário do grande escritor brasileiro, Jorge Amado, que nasceu no dia 10 de agosto de 1912, a União Brasileira de Escritores – UBE, núcleo Bahia, não poderia deixar de lembrar que além de levar o nome do Brasil, sobretudo da Bahia, para o mundo, o autor de Gabriela, foi um dos fundadores da UBE do Rio de Janeiro. A ata de criação da instituição que confirma o fato está disponível no site da UBE/RJ: “Quarenta e cinco escritores estiveram presentes a reunião (...) que constituiu a sessão de instalação da UBE. Por quarenta e um votos foi eleita a seguinte diretoria: Presidente – Peregrino Júnior; vice-presidentes: Jorge Amado, Osório Borba e Dinah Silveira de Queirós”. No mesmo dia, Jorge recomenda uma parceria com a UBE de São Paulo, para a realização do Congresso Brasileiro de Escritores. Jorge Amado também deu sua contribuição para a criação do Dia Nacional do Escritor, data celebrada em 25 de julho. Em 1960, na qualidade de vice-presidente da UBE/RJ, Jorge realiza junto com o então presidente da época Peregrino Júnior, o I Festival do Escritor Brasileiro. A data do evento, 25 de julho, acabou se tornando, através de um decreto governamental, o "Dia do Escritor Brasileiro", devido ao sucesso da ação. Para os baianos é um motivo a mais para celebrarmos os 100 anos dessa personalidade que dedicou sua vida às letras, contribuindo para inserir o Brasil no cenário internacional através de sua obra, que foi editada em 55 países e traduzida para 49 idiomas. A UBE/BA, que ressurgiu em 2010 e segue os princípios de Jorge, que era um homem de visão e tinha o espírito da coletividade e da generosidade com aqueles que ainda eram iniciantes no mundo literário, se junta ao “Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus”, que neste ano de 2012 homenageia o centenário de Jorge Amado, para prestar um

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tributo a um dos maiores escritores brasileiro de todos os tempos. O fruto do Prêmio resultou neste livro, que agora está em suas mãos, após ser lançado na XXII Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Vida longa a obra de Jorge Amado. Salve Jorge! Carlos Souza é natural de Mairi–BA. Jornalista, profissional de marketing e escritor. Atua na área de assessoria de imprensa para escritores, instituições culturais e artistas em geral. É coordenador da União Brasileira de Escritores (UBE), Bahia. Autor do livro “Revolução Pessoal – Seu Próximo Desafio” e organizador da obra “Carta ao Presidente – O que deseja o brasileiro no séc. XXI”, além de ter participação em mais de uma dezena de antologias literárias.

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BAHIA! (Clarissa Damasceno Melo) Eis que, no tardar da hora, fui tomada por uma incrível tristeza, fina e doce. Podia-se ouvir, horas atrás, no meu quarto, som de oguns do candomblé. Melodia sincopada e viril. Ika adobale ae. Foi só chegar ao último capítulo do livro em meu colo que os sons tornaram-se ensurdecedores. Ika adobale ae. Ika adobale ae. Ika adobale ae! Mas, quanto mais altos eram os sons, mais emudecida eu ficava. De biquinho no canto de boca, fitava as últimas folhas do livro, a me tirar o fôlego. A cor escarlate da capa envelhecida misturava-se ao suor e ao sangue que escapavam de minha testa. Nem Nanã, em seu santo amor, acalmaria a aflição do meu peito. Tal prazer estava por um fio de acabar. E depois que eu virasse a última página, terminasse a última linha, estaria acabando um namoro de cinco dias. Jamais fui capaz de amar assim. Os Olhos de Xangô eram capazes de brilhar na doce desesperança de perdurar eternamente em meu colo. E estava ali, dando suas últimas respiradas antes de a última folha acabar. Comecei, então, a ler devagar, decodificar lentamente letra por letra. Pulava as sílabas, uma a uma, e as voltava, na decadente ilusão de ter o livro e o prazer por mais alguns segundos. Cheirar a folha amarelada de tempo. Ter nas mãos a pura Salvador. Abraçá-la e agarrá-la. Traduzi, dias antes, a saga de toda uma nação resumida em um só lugar: Bahia de todos os santos, de todos os oguns. Bahia de cheiro doce. Bahia do céu claro até o entardecer. Porque, quando cai a noite, logo na virada do sol em lua, Salvador cheira a dendê. Bahia escuta afoxé. Bahia joga capoeira. Eu sou Bahia e o Brasil inteiro também é. E fui mais Bahia quando o livro de capa vermelha caiu em minhas mãos. Senti-me adoecer de febre doida quando cheguei ao último parágrafo. Dor de cabeça latente, taquicardia pesada, sudorese exacerbada. Dor aguda no peito. Fechei o livro só para adiar seu fim. Foi ridículo, sei, mas a ilusão de tê-lo vivo por mais tempo era ainda doce. Tão doce quanto minha

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relação com Pedro Archanjo. Os sambas de roda agudos em minha mente ainda, três linhas e só. Respirei fundo ao respingar da profunda coragem. Era o fim de um relacionamento sério! Enchida de tristeza e devoção, li os últimos caracteres do amor mais profundo. E... o fim chegou. Chorei. Esmurrei o ar, enchida de misticismo e amores. Dor e prazeres. Todos os níveis de estranhas sensações. Era a Bahia encarnada dentro e fora de mim. Agora, o vácuo que o vazio traz. Na confluência de identidades idênticas, ouvi dizer de amores. A igualdade racial, religiosa e social. No crespo cabelo de Pedro, encontrei encantos no balançar de todo corpo que é vindo da Bahia. O marchar do dia-a-dia. A ginga nivelada de fronte ao medo. A sabedoria simples de um povo misturado e singelo. Na fritura doce do acarajé, todo o amor do mundo. Houve só um nome para escrever os milagres dessa Tenda: um amado, Amado Jorge. Clarissa Damasceno é natural de Itabuna, mas foi criada em Itajuípe, sul da Bahia. Foi selecionada na última edição do concurso de contos de Valdeck Almeida de Jesus com a crônica "O apocalipse". Entrou na seleção de duas outras antologias, obteve o terceiro lugar no concurso "Minicontos para Dickens", dentre outros projetos. Tem 16 anos de idade e é estudante do terceiro ano do Ensino Médio.

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Uma crônica (possível) sobre Jorge Amado (Crispim Santos Quirino) Esta história pode ser real, leitor... Era domingo, 22 horas e 7 minutos do dia 6 de maio de 2012, quando recebo um e-mail do editor e escritor Roberto Leal, convidando-me para participar do seu mais novo livro, C’alô & outros poemas, que seria publicado na próxima sexta-feira, dia 11 de maio, às 19 horas, na Biblioteca Pública do Estado da Bahia, nos Barris, Salvador, mais especificamente no espaço Quadrilátero da Biblioteca (um quadrado mesmo). Tudo isso para informar a você, amigo leitor, que meu dia já acordara tarde, pois o tempo corria à solta. E você deve estar se perguntado o que tem a ver com isso. Certamente, nada - respondo. Mas vale dizer que, nesse tempo da informação, qualquer notícia é válida, como os pombos sem correios... Fui ao evento literário. Participei dos recitais. Comi, bebi. Fiz o que a arte poética me determinava fazer. Fiz! E, depois de tantas bebidas e arte, conheci, mais uma vez, o escritor baiano Valdeck Almeida (além de outros: Carlos Souza, etc.), que me deu o seu cartão pessoal e um convite para participar do Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus que homenageia o escritor baiano Jorge Amado. Fiquei feliz! A poesia estava presente, os amigos também... E, passandose as sucessivas horas, ou melhor, segundos, pude notar a busca por uma realidade poética que ultrapassava as fronteiras do saber, não obstante os deuses, ou seja, não bastando pensar e viver apenas, mas praticar, na ação mesma que as palavras exigem do leitor e do criador. Você entende, amigo leitor? Sim, você mesmo! Não se procure ou finja desconhecer-se! Não disfarce o pensamento! É pra você essa mensagem. Ademais, a falta de participação do grande público baiano, carcomida pelas músicas e banalidades atuais baianas, da grande imprensa baiana e de representantes estatais fizeram-se notados. Tudo isso, ainda assim, leitor, era poesia. Crônica!? Talvez, mas, ainda sim, crônica poética... E mais: já em casa (balanceado pela memória e pelo tempo, como faz o vento nos coqueiros dessa Bahia), relendo e revendo o convite

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feito pelo escritor a mim, este pobre e simples homem do povo, a quem as palavras escrevem, mando-lhe uma crônica, escrita de maneira torta, para os tortos do Estado (tão compromissados), de forma a registrar nossa singela homenagem ao dono de Tieta do Agreste. Tão tarde pelo presente. Isto ocorreu aproximadamente às 15 horas do dia 12 de maio de 2012. E, assim, pergunto ao leitor: Será que você conhece o homenageado? E as crianças de hoje, conhecem? Como são elas e ele? Quantas obras? Como “é” você, leitor? São perguntas que eu, Felipe de Rubempré, poeta e escritor baiano, pergunto, de forma a não criar espanto, como faz um caçador em plena mata brasileira, querendo capturar seu passarinho. E, ao final de tudo, tento escrever um pequeno e simbólico poema, para homenagear o centenário do nascimento do escritor, em 10 de agosto de 2012. Mas quem é mesmo ele?... O LUTADOR Quantos anos serão precisos para descrever Jorge Amado? Quantos amores, desejos, prédios, imagens, flores, praias e trem? Quantos amigos, guerreiros, quantos? “Rebeldes” em seus 1923 pensamentos. Matuto branco-mulato-homem. Raízes de todas as horas. Homem de esquinas e becos e ruas e vielas tortas... Esse é o nosso amado. Bendito seja seu canto, sua roupa de gala, seu barco a vela, sua humanização. Ó Bahia de nosso São Jorge! Ó irmãos vingados! Adeus para o eterno. Um forte e fraterno adeus. Aquele das mulheres nuas e estrelas falantes, das casas de barro e meninos traquinos, dos ventos e cores carnavalescas, da Bahia.

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Ó irmãos da terra! Ó alma de nossos desejos! Adeus irmãos vingados. Adeus eterno baiano. Adeus (Amado). Felipe de Rubempré Crispim Santos Quirino é natural de Maragogipe, interior do Recôncavo da Bahia, bacharelando em Museologia pela UFRB, poeta, ator, professor e escritor. Nascido em 20 de novembro de 1984, escreve desde os treze anos. Está para publicar seu primeiro romance, O Mistério de Eduardo, pela Editora Òmnira. Participou do “Caruru dos 7 poetas” na histórica cidade da Cachoeira, além de escrever nos jornais “O Guarany” e “Tribuna Popular”.

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Obá de Xangô (Danilo Souza Pelloso) Oba de Xangô no Ilê Opó Afonjá Filhos da Bahia no belo cantar iemanjá No “Compadre de Ogum” o romance Amado Jorge do escrever fascinante. “Capitães da Areia”, “Tieta do Agreste” Idas e vindas no glorioso e belo Nordeste “Farda, Fardão, Camisola de Dormir” Entre versos e prosas Jorge Amado sentir. Suntuosa cultura no apreciar da poesia Querida Bahia como estar contigo gostaria Esmerada escrita Memorial do Inferno. Terra de todos os Santos Nos escritores grande encanto Jorge Amado e Valdeck Almeida, como ler os quero. Danilo Souza Pelloso é luceliense, engenheiro, fiscal, perito. Livros publicados: “Um Olhar de Desespero e Infidelidade”, pela Giz Editorial. Participação em Antologias da Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Beco dos Poetas, Litteris, Sapere, Andross, Literata, entre outras. Colunista do jornal Gazeta Regional. Sites: Sombrias Escrituras, Celeiro de Escritores e Nossa Lucélia.

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A Construção Econômica e Social de Jorge Amado: o País do Carnaval, Cacau e Suor; Capitães da Areia; Os Velhos Marinheiros. (Denílson da Silva Araújo) A literatura brasileira fez parte de minha infância pobre. Quando ainda criança, minha mãe lia os maravilhosos romances de Jorge Amado para que eu e meus irmãos não ficássemos tão defasados culturalmente em relação às outras crianças que tinham acesso ao frágil sistema educacional brasileiro. Meu pai, um velho comunista - se não o fosse, seria um “Velho Marinheiro”. Apesar de sua pouca formação escolástica, amarrou, com várias cordas, seus filhos ao mundo mágico da literatura brasileira, em especial, à obra de Jorge Amado. Como “Os Velhos Marinheiros” – de Amado – que, em sua ingênua torpeza profissional, ordenara aos sarcásticos marinhos que amarrassem o barco sob o seu comando com todas as cordas possíveis, salvando-o da deriva que o vendaval causara aos demais, em certo cais da Bahia, meu pai salvara-nos da dura realidade da Baixada Fluminense, dos sofríveis anos da ditadura militar, dos esquadrões da morte, dos tóxicos fluídos e da farta prostituição dos menores de idade. Nestes termos, éramos todos “Capitães da Areia” e, como capitães das ruas da Baixada Fluminense, não pudemos viver outra vida senão aquela que a práxis cotidiana impusera-nos a viver. Diferentemente de muitos amigos que não resistiram aos infortúnios de uma vida de privações, fui salvo pela literatura Jorge Amadiana. Horas a fio lendo a vasta obra de Jorge Amado não apenas me tirou das ruas, mas permitiu-me enxergar o “País do Carnaval”, do “Cacau” e do “Suor” de forma absolutamente distinta da que me ensinavam nas ruas e na precária Escola Estadual do Bairro da Chacrinha, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A partir desses três livros de Amado, resolvi ser diferente. Queria poder ajudar os outros adolescentes a entender o mundo como ele se apresentava, mas de forma crítica. Entendê-lo para mudá-lo. Como Jorge Amado, queria ensinar a pensar. Fui absolutamente

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possuído por um sentimento de compreensão e mudança. Queria, como Jorge Amado, ensinar o país a se apaixonar por si mesmo. Ensinar aos brasileiros amar ser brasileiro. Ao nordestino, amar ser nordestino. Com este pensamento passei a me dedicar aos estudos. Após um excelente curso de Segundo Grau, ingressei na Universidade Federal com apenas um pensamento: ensinar os jovens brasileiros a amar esse país e seu povo. Tornei-me professor de Formação Econômica do Brasil. O mais espetacular de tudo isso é que ainda hoje acompanho a literatura de Jorge Amado: ou será o contrário? Minhas áridas aulas de Formação Econômica tornam-se plumas ao vento com os exemplos que subtraio d’O País do Carnaval, Cacau e Suor; de Tereza Batista Cansada de Guerra; de Capitães da Areia; de Farda, Fardão Camisola de Dormir; Jubiabá; e de tantos outros clássicos do Professor Jorge Amado. Mas, a vida não é só dureza. Por esta razão, Jorge amado a encantou e doou-lhe doçura com suas mulheres. Ah... Quão lindas são as mulheres de Amado! Queria tê-las todas: a irreverente Tieta do Agreste; a fogosa Dona Flor e Seus dois Maridos; a poderosa e encantadora Tereza Batista; e ela, a Deusa - Gabriela, Cravo e Canela. Não me lembro de outro autor que tenha doado tanta dedicação às mulheres nordestinas, às brasileiras. Jorge Amado era assim, confundia-se com seus livros. Falava do povo; das festas religiosas da Bahia; das cachaças nas ruelas, nos guetos e no cais de Salvador; de suas economias de exportação; dos poderosos Santos populares, que na Bahia sempre fizeram milagres... Lembro que a dor dos negros e do povo baiano sempre foi menor do que sua alegria, seus ritmos e suas artes em geral: isso é um milagre. Com Jorge Amado aprendi que na Bahia, como em todo o Brasil, o povo resistiu: a todos, a tudo. Por fim, registro que estou pronto para a vida. Quero continuar com Jorge Amado e perto do meu povo. Juntos, Jorge e eu, continuaremos insistindo em um Brasil mais justo, mais limpo das imoralidades das elites conservadoras. Lutaremos por um Brasil colorido de negros, brancos, índios

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e de tantas outras cores, como verde, azul, branco e amarelo. Ficaremos aqui no Nordeste. Ficaremos aqui no Brasil. Denílson da Silva Araújo é natural de Campina Grande-PB. Professor de Economia da UFRN, publicou o livro “Dinâmica econômica, urbanização e metropolização no Rio Grande do Norte (1940-2006)”, que lhe conferiu o Prêmio Nelson Chaves de melhor tese de Doutorado do Norte-Nordeste, em 2009. Está prestes a encerrar seu primeiro romance, que pretende publicar ainda este ano.

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Quero ser um Jorge Amado (Dhiogo José Caetano) Jorge Leal Amado de Faria, o nosso eterno Jorge Amado. Um homem que, de forma literária, descreveu momentos em versos, sentimentos, poemas... Sua arte o eternizou ou vice-versa. Um poeta do Brasil, no entanto, reconhecido no mundo todo. Nos seus belos textos, deixou registrada sua sincera cortesia e nobreza de espírito... Ao longo da sua existência, cultivou o amor e assim colheu respeito, reconhecimento e sucesso. A sua obra lírica é plenamente recheada de emoção e marcada por um acentuado romantismo. De forma plena, manifestou solidariedade à humanidade e lutou pelos direitos dos injustiçados, Transformando sua vida em versos, prosas, rimas, poemas, duetos, acrósticos e liberdade de expressar sentimentos. Sentimentos vividos de forma coletiva e profundamente partilhados no dia-a-dia. Uma trajetória ricamente literária. Quando eu crescer, quero ser um Jorge Amado. Um homem que divinamente poematizou momentos, sonhos, medos, ideias, lembranças e mundos. Um escritor que marcou a sua geração, os seus valiosos escritos são verdadeiros testemunhos do tempo e das emoções de uma grande poesia. Amado revolucionou ricamente o teatro, o cinema e a televisão. Um ser homenageado, que recebeu o prêmio Lênin da Paz. Amado construiu uma história poética e narrou o existir através dos poemas. Indubitavelmente quero ser um Jorge Amado.

JORGE AMADO O FILÓSOFO Salve e salve Jorge Amadol! Ser que possui uma vasta bagagem intelectual.

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Sabedoria e talento se misturam em um único ser. Poeta por natureza. Um artista pelo destino. O senhor das palavras e das letras. Um homem conhecedor do mundo e dos sentimentos à sua volta. Um ser maioral e com propriedade para falar suas ideias. Um talento global, que traz emoção e saudades a cada novo enredo. Ter o dom da palavra, um privilégio de poucos, E você faz parte desta minoria que utiliza o dom de falar Para mudar o mundo e as pessoas à sua volta. Jorge Amado, salve, salve meu herói. Dhiogo José Caetano é natural de Uruana-GO. Graduado em História pela UEG - Universidade Estadual de Goiás. Tem diversos trabalhos e artigos publicados na Web-artigo, Recanto das Letras, Jornal o Povo, Jornal O Dia, Canto dos Escritores, Overmundo, Minha Praia é Cinema, Poetas Livres, Portal Literal, e em outras revistas como: Revista Factus e Partes. Também faz parte do projeto da Nova Coletânea, Rocco, Abralie, Publicações Iara, Encantos do Brasil II, da Mandio Editora, Novos Poetas, da Editora Videira, Prêmio Valdeck Almeida de Jesus, Editora Celeiro, Tecido Verbal, Editora Literacidade, Poesia Encanta, Canapé, Litteris, Palavras Sem Fronteiras. É colunista dos blogs: Poetas Brasileiros, Mar de poemas, Sociedade dos Poetas Mortos, Debates Culturais, entre outros. Artista revelação 2011 pela Interarte, em parceria com a Academia de Letras de Goiás. O seu objetivo é continuar a caminhada em direção ao ensinar e aprender, corroborando para a publicação de diversos textos, livros, artigos e poemas; construindo uma caminhada em busca de conhecimento. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1318205190902971

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É Páscoa Ter-te Amado (Diogo Cantante) Se te sei em Salvador derramado Pelas penas d´andorinha afamada, Sei que a vida tua, tal ave amada E bem assim pelo mundo aclamado, É dádiva fiel já proclamado, Gato malhado, mia dor reclamada, Prometida asa gentil declamada Em mocho piador, rouxinol plagiado. Ó, andorinha, andorinha Sinhá, Que lei é do amor dona e senhora? Qual existência em vida cremado Dessa poesia melhor se fará? Não há um tempo com gente nem hora! É Páscoa, é Páscoa ter-te Amado! Aveiro, 16-Abril-2012 Diogo Cantante, poeta de Aveiro, nasceu na apelidada Veneza de Portugal em 1978. Foi menção honrosa no VI Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus - 2010 e 2º Lugar no Prêmio Literário Letras da Primavera 2011. Sua obra pode ser consultada em antologias de relevo nacional, como são exemplo as antologias Poiesis e Poética da Editorial Minerva, em boletins culturais e antologia do Círculo Nacional d´Arte e Poesia e no acervo de Bibliotecas Municipais. Blogue pessoal: www.diogocantante.blogspot.com

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Jorge Amado e Grilo em: Os Felizes 100 anos de um Baiano Arretado (Diogo Rocha Braga) Jorge Amado, um baiano arretado, o filho do "coronel" João Amado de Faria e de Eulália Leal Amado. Ele nasceu no dia 10 de agosto de 1912, em Itabuna, a cidade de Ilhéus, a terra da Gabriela Cravo e Canela. Uma jovem morena, de olhos verdes cor mel, tão lindos quanto a visão do céu ao entardecer. Os dois cresceram juntos e se tornaram amigos inseparáveis, e foram aventurar a vida em Salvador, por causa de um desejo de João Jorge que ainda te conto... Jorge Amado tinha um sonho, escrever um livro com uma linda narrativa de amor: Os Felizes 100 Anos de um Baiano Arretado. A história de um dançarino e uma baiana. Queria que o romance se desenrolasse nas praias de Salvador e, ao mesmo tempo, mostrasse a influência do candomblé nessa cidade. A terra dos Orixás e de uma religião cuja devoção simboliza a essência dos moradores daquela região - o Largo do São Maciel, o Pelourinho. Para escrever esse livro, Jorge resolveu passear pelas ruas do Pelô, de modo a entender sua realidade e saber das “manias” dos frequentadores locais: os filósofos de balcão, os repentistas da Praça Tereza Batista, as baianas de acarajé e também os padres das igrejas, além da história de Diogo Grilo, personagem folclórico do Carnaval da Bahia. Subindo as íngremes ladeiras das ruas do Pelourinho, Jorge Amado, encontrou os amigos Vadinho, Dona Flor, Tieta, Antônio Balduíno e Tereza, sentados em uma mesa de bar, numa tarde ensolarada, conversando sobre carnaval, cantando o sucesso de Nelson Rufino, ”Até A Próxima Paixão”, batendo palmas e batucando a caixa de fósforos, para animar a vida na Praça Tereza Batista. Até que de repente, Jorge Amado pergunta: - Meus amigos, sobre que assunto vocês estão falando? É sobre o carnaval? Ao que Antônio Balduíno, Dona Flor, Vadinho, Tieta e Tereza respondem:

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- Estamos falando sobre as danças do carnaval e de Diogo Grilo, um menino inteligente e agitado, um personagem folclórico da história da nossa Bahia, adepto às crenças do candomblé e muito bom de dança. Quando, ele chega na praça do Pelourinho, liga o som, toca o pagode e começa a dançar, rebolar seu corpo escultural e bater palmas. Todo mundo que está andando pelas ruas próximas àquele som e também os moradores dos casarões de arquitetura barroca e neoclássica - rococó, param o que estão fazendo e correm curiosas para as janelas a fim de ver o que é aquilo. Era o insight para Jorge começar a escrever seu livro. Na manhã seguinte, Jorge começa a escrever as primeiras páginas do livro “Os felizes 100 anos de um Baiano Arretado”, no escritório de casa, sentado em uma cadeira de palha e com os braços franzinos sobre a mesa de madeira maçaranduba. Jorge Amado, recordando-se das cenas que tinha presenciado com os amigos Antônio Balduíno, Dona Flor, Vadinho, Tieta e Tereza, materializa aquelas cenas para as páginas do livro. Jorge inicia o livro com a história de amor de Diogo Grilo e Gabriela, um casal que nem o tempo não foi capaz de separar. Descreve como eles se conheceram na praia até o dia do grande encontro e da concretização desse amor, numa roda de samba na Praça do Pelourinho. Diogo Grilo, marinheiro experiente, estava de folga. Caminhava sem camisa, usando um bermudão florido, pelas areias da praia de Vilas do Atlântico para relaxar e sentir o gosto adocicado do beijo da brisa marinha quando, de repente, ouviu o seguinte grito de Vadinho: - Chega aqui, moço! Gabriela está se afogando, o mar está muito perigoso e eu não posso ir até lá salvá-la porque não sei nadar. Além disso, a correnteza está muito forte e pode me levar. Dona flor atalhou: - Diogo Grilo, se você entrar no mar, tenha cuidado porque esse mar é traiçoeiro e pode te dar um sopapo. Foi o que aconteceu com Gabriela, que, ao entrar no mar, estava com a água batendo na cintura e, de repente, se

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desequilibrou com o forte sopapo que tomou. Foi o suficiente para se afogar. Diogo Grilo, após ouvir esse relato, falou: - Vadinho e Dona Flor, não se preocupem. Eu vou salvá-la, sou marinheiro, devoto de Iemanjá e as boas vibrações do amor há de nos guiar de volta para a terra. Ele entra no mar de barco e segue remando até onde é possível chegar, por causa das fortes correntezas. Nas proximidades do Triângulo das Bermudas, onde não é mais possível navegar, Diogo Grilo pula na água e inicia as primeiras braçadas, mas não sai do lugar. A correnteza é muito forte, ele engole água, mas não desiste. Segue em frente, braçada a braçada, dizendo: “Gabi, aguente firme que eu vou salvá-la!” Gabriela, já com a água ultrapassando o seu pescoço e sem poder falar, acena com a mão, como quem diz: “Tô aqui, Di, vem me salvar!” Quando Diogo Grilo já se aproximava de Gabriela para resgatá-la, começa a cair uma chuva forte; o mar fica mais agitado e um redemoinho revolve as águas, dificultando ainda mais a situação. Ele tem outra ideia, decide mergulhar, pelo fundo do mar, onde a força da correnteza é menor, para chegar até Gabriela. Porém, a água é muito escura no fundo, e isto o impede de avistá-la. Determinado, Diogo Grilo começa a rezar para Mãe Estela de Oxóssi, a Mãe Menininha, e para Iemanjá, a Rainha do Mar. Pede que elas o abençoem e acalmem as águas do mar, fazendo com que ele consiga nadar até Gabriela. E assim Diogo Grilo começa a reza: - Minhas queridas mães, rainhas do mar, por favor, eu lhes imploro para acalmarem as correntezas das águas do mar, levando embora esse redemoinho, permitindo-me salvar a minha Gabriela. Terminada a prece, o mar ainda continuava agitado. Mas Jorge não desiste e torna a rezar: - Minhas mães, Iemanjá, rainha do mar, e Oxossi, símbolos da resistência, por favor, não me abandonem nesse momento em que tanto preciso de vocês. Após vinte minutos, já no final da tarde, o mar começa a acalmar. Diogo Grilo diz: “Obrigado, queridas

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santas, por atenderem às minhas preces!” Depois disso, apesar de todo o cansaço, ele nada até Gabriela, envolve-a em seus braços e leva-a até o barco. A chuva cessara, a noite já aparece iluminada, exibindo um céu cheio de estrelas. Grilo rema o barco até o raso, pega Gabriela e carrega-a nos braços até a areia, onde deita suavemente aquele corpo dourado. Gabriela abre seus lindos olhos verdes e pergunta assustada: - Onde estou, Diogo Grilo? O que houve? Grilo responde: - Tenha calma, Gabriela. Respire. Agora está salva. Vou contar-lhe tudo: você estava tomando banho na praia de Vilas do Atlântico quando uma onda lhe deu um sopapo, lhe derrubando e fazendo você se afogar. E eu fui salvá-la, minha amada. Após ouvir o relato de Diogo Grilo, Gabriela falou: - Oh, meu Deus! Que linda história! Estou sem palavras – sorriu. – Não sei como posso agradecer-lhe por este ato de bravura, Diogo Grilo. Diogo Grilo respondeu sereno: - Não precisa fazer nada, Gabriela. Só o seu sorriso, emoldurado por esse lindo olhar oblíquo de cigana, já me basta. Gabriela retruca: - Nada disso, você é uma pessoa a quem serei eternamente grata. E, por seu ato de bravura, merece muito mais! Gabriela dá um beijo na bochecha de Diogo Grilo e diz: “Até amanhã, meu querido amigo!” Ela segue para casa; no trajeto fica se perguntando: “O que outra coisa poderia fazer para agradecer a Diogo Grilo?”. Ao chegar em casa, na Praça Pedro Arcanjo, abre a porta, deixa o chinelo de couro na sala e anda até a cozinha. Abre a geladeira, pega um copo de suco de cacau e prepara pão com queijo, presunto e requeijão cremoso. Após o lanche, caminha lentamente até o banheiro, onde toma um demorado banho. Enxuga-se numa toalha branca, com rosas bordadas, veste uma camisola cor de rosa, a preferida de Diogo Grilo, e vai se deitar na rede. O sono não chega e ela

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decide andar pela varanda, esperando que o cansaço chamasse pelo sono. Gabriela anda a noite inteirinha na varanda, de um lado para outro, e nada de o sono vir. Olha então para o céu e, como numa prece, pede conselhos à lua para conquistar Diogo Grilo: - Dona Lua, me diga: que faço para conquistar esse marinheiro? E a lua responde: - Convide-o para fazer o que ele mais gosta: dançar. A Lua está dando aqui este recado porque quer ver feliz essa amiguinha. Afinal, sinto por ela muita simpatia. Gabriela agradece: - Muito obrigada, Lua! Você é demais! Deu-me de presente esse rapaz. Amanhece o dia. Gabriela, seguindo os conselhos da Lua, decide sair e procurar Diogo Grilo. Quer convidá-lo para dançar. Não demora a avistá-lo sentado na Praça Pedro Arcanjo, tocando violão e recitando uma poesia sobre a Liberdade. Não querendo irromper sua performance, espera ele terminar. No final, ela bate palmas e pergunta: “Você vai fazer o quê hoje à noite, Diogo Grilo?” E ele responde: “Nada até momento, estou livre como um pássaro que voa pelo céu estrelado, como um gato que vaga sossegado pela noite.” Gabriela não perde tempo e vai direto ao ponto: “Já que você não tem nada marcado para hoje à noite, que tal ir dançar um forró comigo?” Diogo Grilo diz: “Sim, Gabriela eu adoraria ser conduzido por você, por suas mãos de fada. Encontramo-nos aqui na Praça Pedro Arcanjo, às 20h.” Gabriela, uma jovem serelepe e ingênua, em seu vestido curto, cor de manga florido, responde em voz baixa para si mesma: “Que maravilha! A felicidade pousou na minha vida. E essa noite será linda!” A noite não tarda a chegar. Diogo e Gabriela encontram-se no local combinado. Gabriela sorri e, com ar de felicidade e muita coragem, estende a mão para Diogo Grilo e, em tom poético diz: “Vamos dançar forró, meu

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fofinho!” Diogo Grilo responde: “Sim, minha lua prateada do sertão!”. E começa a música: Eu vou fazer um leilão, Quem dá mais pelo meu coração, Me ajude a voltar a viver, Estou aqui tão perto, Me arremate pra você No mesmo ritmo, um olha fixo para o outro. Os corpos se juntam ao som do forró. Dois passos pra cá, dois pra lá, e Diogo sussurra no ouvido de Gabi: “Amor, óia que isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais...” E ela confirma: “É mesmo, mas pode ficar ainda melhor; pode ficar perfeito, meu Di, se você criar coragem e me der um beijo de novela, igual ao de Jorge Amado em Zélia.” Diogo Grilo se anima: “Gabriela, seu pedido é uma ordem! Vou te beijar, te ninar, namorar e, no final dessa música, dizer, sem medo de errar, - Gabriela, contigo quero casar, e nem o tempo e a distância vão nos separar.” Ao ouvir tão linda declaração, Gabriela cora de emoção e responde: “O que mais quero é um beijo teu, sentir teu corpo, te acariciar. Ai, Diogo, como eu te desejo, está escrito em meu olhar. Teu sorriso é um paraíso e nele quero estar. Vamos nos casar.” Na semana seguinte, vésperas de carnaval, Diogo Grilo e Gabriela se casaram na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Gabriela, moça bonita, inteligente e sensual, confessa: - Agora te conto, Diogo Grilo, meu baiano arretado. Meu segredo, meu dengo, meu desejo é você. Para lhe provar isso, faço qualquer sacrifício, vou voando até o céu e pego até uma estrela cadente para lhe ofertar. Em troca, quero apenas ter o seu lindo sorriso, meu Grilo. Receba com carinho a sua musa dos lábios de mel, a sua Gabriela. E assim os dois foram felizes para sempre, para mais de cem anos, em Salvador, cidade da Bahia de Jorge, terra de um baiano romântico e sensual. Esta é a história de Jorge Amado e Grilo em: Os Felizes 100 anos de um Baiano Arretado. Em sua pele, aventuras e palavras, Diogo Grilo, o

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personagem de Jorge Amado, foi muito amado por Gabriela e agraciado com a felicidade platônica, concedida pelos os encantos dos Orixás. Se você quer ser feliz e aprender a complexa arte de amar, basta embarcar na literatura Amadiana, nas aventuras de Diogo Grilo e no amor. E que tenha uma sorte igual à de Zélia e Jorge!

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Jorge Amado, um caso de amor com Bahia (Diogo Rocha Braga) Jorge Amado, um baiano admirado pelas águas de Iemanjá, a Rainha do Mar, nasceu em Itabuna no dia 10 de agosto de 1912. Neste lugar ele se criou e aprendeu a amar Gabriela Cravo e Canela, a menina dos lábios de mel. Foi assim que começou história de amor, que o tempo não apagou. Ilhéus era, numa manhã de domingo, em 29 de fevereiro de 1932, de Jorge Amado. O marinheiro do barco, Jorge, cavaleiro da esperança, aporta na Praia do Cristo, localizado ao norte da cidade, desce da proa e caminha lentamente pela orla. Sente boas energias, o doce beijo dos ventos e o forte calor da Baía de Todos os Santos, até que, de repente, tem uma visão arrebatadora. O corpo esquentou, o coração trepidou sem sossego diante daquela aparição deslumbrante, de formas esculturais. E disse Jorge: “Minha nossa! Estou sem palavras! É algo que não se explica, se sente.” Encantado com aquele rosto angelical, moldado pelo sopro divino dos ventos, decidiu ir até ela. Mas o que lhe diria? Pensou em perguntar-lhe seu nome, onde morava e se já tinha namorado. Lentamente, se aproximou e fixou seu olhar no dela. Em seguida, pegou em suas as mãos delicadas, emolduradas pela luz da lua, acariciou-as e, gaguejando, com a boca tremendo e corpo suando, perguntou-lhe: “Meme-nii-na li-lindaa, qua-qual é o... o... o te-te-teu no... noonome? O-onde vo-você mora? Já tem na-na-morado?” Ela respondeu: “Gatinho, acalme-se, deixe de tanto nervoso. O meu nome é Gabriela Cravo e Canela, moro aqui na região e não tenho namorado, pois sou muito tímida.” Após ouvir essas palavras, Jorge agradeceu aos céus e a cumprimentou: “Prazer em conhecê-la, minha linda flor!”. Já mais à vontade, fez o seguinte convite: “Gabi, você teria coragem de ir comigo passear em Salvador?” Hesitante, ela disse: “Posso responder depois, Jorge?” Ele assentiu: “É claro, Gabi. Você tem todo o tempo do mundo.” Gabriela pensou: “Minha felicidade está ali, quero é ser feliz. Então, sem medo de errar, irei com o Jorge a qualquer lugar.” Na

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manhã seguinte, Gabriela deu sua resposta: “Se é em nome do amor, vou contigo para Salvador.” Após ouvir isso, Jorge ficou paralisado, sem palavras. E Gabriela desatou-se a rir, chegando a corar de tanta alegria. Na manhã seguinte, uma sexta-feira da Paixão, Jorge e Gabriela viajam de barco para Salvador e chegam à noite no Porto da Barra. Alojam-se em um hotel. Quando Jorge menos espera, Gabriela o surpreende dizendo: “Hoje a noite é nossa, vamos passear nas estrelas.” Deslumbrado com tanta beleza, admirando a roupa cor de rosa da amada, com um coração ao lado esquerdo, bordado com as iniciais J&G, Jorge se rende: “Gabi, faça o que quiser, sou todo seu.” E os dois corpos se fundem, entre cálidas trocas de carícias, beijos ardentes e palavras indolentes. O amor se materializa sob as luzes das estrelas e o brilho da lua, em sua forma mais sublime. O dia amanhece e o casal de namorados vai passear pelos pontos turísticos de Salvador e também marcar a data do casamento. O local escolhido foi o Largo São Maciel, no Pelourinho, palco de igrejas suntuosas, de arquitetura barroca, neoclássica e rococó. Lugar onde os estilos transbordam a beleza, perfeito para celebrar a união dos pombos. E, nesse momento, Jorge dá mais uma prova de amor a Gabriela. Ele escolhe a igreja de Nossa Senhora dos Rosários dos Pretos e também acerta a data e o horário do casório com o padre Diogo dos Milagres para celebrar a união do casal. Tudo fica acertado para um domingo do dia 26 de fevereiro de 1933, às seis horas da tarde. Depois de tudo resolvido, saem dali felizes. Jorge para num barzinho para tomar tubaína e comer pastel enquanto Gabriela desfila pelas ruas, faceira em seu vestido amarelo de estampa floral. É quando surge Pedro Bala e assobia - “Fiu Fiu!”. Ousado, acaricia os cabelos dela. Jorge, que, sentado no bar, assistia a tudo, levanta-se e vai até lá: “Opa! Colé, meu brodi? Ela é minha mulher, não mexa com ela não, senão isso vai acabar em confusão.” Ignorando as palavras do namorado da moça, Pedro Bala sapeca um beijo na face de Gabriela. Jorge não se conteve. Arremessou uma cadeira em direção a Pedro Bala, que, ao perceber o

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poderoso chute que vinha em sua direção, agilmente se esquivou, valendo-se da ginga que aprendera na roda de capoeira, e disse: “Rapaz! Você não é homem não. Venha lutar comigo! Se você vencer, deixo a moça em paz. E, se eu ganhar, vou chamá-la para casar.” Jorge tira a camisa e fica frente a frente com Pedro Bala. Começa a luta. Pedro Bala acerta um chute no peito de Jorge, que cai para trás e depois se levanta, acertando uma meia lua de compasso, golpe de capoeira, no rosto do adversário. Pedro Bala cai. Neste momento, começa a chover. Jorge vai em direção a Pedro Bala e pede que ele peça desculpas pelo transtorno causado, estendendo-lhe a mão para tirá-lo daquele aguaceiro. Porém, é surpreendido por Bala, que desembainha um facão da cintura e diz: “Agora eu lhe mato e com Gabriela me caso.” Sem hesitar, acerta Jorge com o facão, ferindo-o no peito de raspão. Jorge leva a mão sobre o ferimento e olha para o sangue. Em seguida, passa a língua na mão e ameaça: “Cabra safado, vou te quebrar em dois!” Dito e feito, Jorge dá uma estrela, postando-se ao lado de Pedro Bala, e aplica uma bênção chute potente de capoeira - no queixo do sujeito. Pedro Bala desmaia e é socorrido pelas pessoas que assistiam à luta. Jorge, apesar do cansaço da luta, corre em direção a Gabriela e pergunta: “Você está bem, meu amor?” E ela responde: “Sim, meu anjo, vamos para a nossa casa, eu vou cuidar de você.” Chegando em casa, Gabriela prepara uma compressa, colocando-a carinhosamente sobre o rosto de Jorge, para estancar o sangue e aliviar os hematomas. Passam-se dias e noites. A data do casamento se aproxima, faltam apenas dois dias. Jorge confabula consigo mesmo: “Tenho que estar impecável para o dia do meu casamento. Quero impressionar Gabriela, que vai estar muito linda.” No dia 25 de fevereiro 1933, Jorge vai para a barbearia de Dona Flor cuidar de seu visual, fazer barba, cabelo e bigode. O resultado final é um sucesso, Jorge ficou muito bonito. Consegue até a arrancar alguns sinceros elogios das meninas que passavam pela barbearia. Enfim, chega o grande dia: 26 de fevereiro. Um dia perfeito, sem chuva ou neblina. Jorge se casa com Gabriela na Igreja de

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Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, sob o canto dos pássaros e a bênção do Padre Diogo dos Milagres. E são felizes para sempre. Amar é viver em harmonia, sintonia com a Bahia, terra de axé, paz e amor, que juntos conspiram a favor dos enamorados. Bahia, terra de encantos, de belos e singulares momentos, assim como foi o do casamento de Jorge com Gabriela, criaturas que o destino juntou. Diogo Rocha Braga é jornalista formado no Centro Universitário Jorge Amado. O gosto pela poesia começou em 1998, quando cursava a sétima série e começou a participar de concursos literários, tanto no colégio em que estudava como no Circuito Mendel de Poesias, com a prosa poética “Liberdade”. Em 2003, incentivado por Jorge Portugal, começou a desenvolver um trabalho sobre João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e Gilberto Freire.

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A contribuição de Jorge Amado para a Literatura Brasileira (Domingos Ailton) O escritor mais lido e traduzido da literatura brasileira do século XX, Jorge Amado, é o que melhor define a miscigenação como face multicultural do povo brasileiro. Sua produção literária tem experimentado um processo de reavaliação por parte da critica universitária, sendo objeto de pesquisas, monografias, dissertações, teses e debates em congressos nacionais e internacionais. Tais estudos e discussões contribuem para quitar parte da dívida que o meio acadêmico universitário tem com o ficcionista baiano. Para o doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo, Eduardo de Assis Duarte, as representações identitárias presentes na obra do autor baiano ecoam as vozes da classe, gênero e etnia submetidos o pensamento e às praticas dominantes. Essa perspectiva de abordagem, segundo ele, “além de tocar na espinha dorsal de uma narrativa sempre voltada para o outro, permite por isso mesmo estabelecer uma ponte entre a figuração das lutas da mulher, do negro e dos espoliados em geral, com o inegável fenômeno de democratização da leitura protagonizada por essa ficção, cujo horizonte recepcional se ampliou de modo absolutamente inédito entre nós”. A popularidade de Jorge Amado não está veiculada apenas ao sucesso das adaptações de suas obras para o cinema e a televisão como alguns imaginam. Logo no início de sua carreira literária, em 1993, o romance Cacau, o segundo de sua autoria, esgotou uma edição de 2.000 exemplares em apenas 40 dias. A produção literária amadiana, que tem tido uma contínua empatia popular, é fundadora, na opinião de Eduardo de Assis Duarte, no sentido de vem contribuindo para nada menos que a constituição da literatura brasileira – entendida como conjunto de relações entre autor, obra e público, tal como preconizado por Antônio Candido. Isso possibilitou que no século XX fosse formado um público para as nossas letras.

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O doutor em Teoria da Literatura e Literatura pela USP indaga: “O que teria motivado gerações e gerações de leitores em todo país a se voltarem tão intensamente sobre um conjunto de narrativas tido por muitos como de discutível valor estético? Mais que isto, a se identificarem com figuras e ações representadas a ponto de transformar o autor não apenas num personagem, mas numa verdadeira instituição?” Para ele a simples afirmação Jorge Amado colocaria o povo como personagem para ganhá-lo como leitor é simplória e não responde a indagação. Eduardo de Assis Duarte entende que mais do que a presença permanente dos explorados do campo e da cidade nos romances amadianos, importa, primeiramente, prestar atenção à forma com que são representados e à linguagem dessa representação. Jorge Amado, que reconheceu inúmeras vezes a influência do cinema em suas narrativas, utilizou, de acordo com Duarte, estratégias da linguagem cinematográfica em sua produção literária, o que possibilitou trazer para a literatura os aficionados do cinema. Assim, os dramas dos espoliados e as falas da margem surgem pontuados pelo clima de ação e heroísmo tão ao gosto do público que se politizava e exigia direitos sociais, da mesma forma que se divertia com Carlitos e se comovia com coups de theâtre protagonizados por Antônio Balduíno ou pelos Capitães da areia. Romance social que reflete a realidade brasileira Jorge Amado inaugura uma nova etapa da literatura brasileira ao colocar o excluído como personagem principal e escreve um romance social a ponto de ser quase um tratado sociológico da realidade brasileira. A respeito dessa dimensão da produção literária amadiana, escreveu o crítico José Paulo Paes: “Li Cacau pela primeira vez no começo da adolescência; foi por seu intermédio que descobri então poder a literatura ser, mais do que veículo de entretenimento, uma via privilegiada de descoberta do mundo; no caso, especificamente, da realidade brasileira.”

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Em Cacau e Suor; Jubiabá e Capitães da areia; Terras do sem fim e São Jorge dos Ilhéus; Seara Vermelha e Os Subterrêneos da liberdade o que vemos predominar são as falas saídas da periferia social e econômica do país, não importa se das ruelas escuras de Salvador ou das terras onde plantava no sul do Estado a civilização do cacau. Representava-se a pobreza em suas diferentes matrizes – lupen, proletária, campesina, recobrindo-a quase sempre com as cores do romance heroificador. Este, por sua vez, liga-se ao ardor militante empenhado em denunciar, sim, a exploração capitalista ou o regime “semifeudal” dominante nas fazendas, mas voltado também parta a elevação do “herói positivo” em sua trajetória rumo à consciência e à transformação social. Segundo Fábio Lucas, doutor em Economia Política e História das Doutrinas Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais, diferentemente do romance de costumes, que restringe a um relato parcial ou fragmentado da sociedade, romance social pretende reter os choques que as contradições dialéticas oferecem no seio da totalidade. A figura do latifúndio e da propriedade privada da terra como determinante da desigualdade social somente ingressará na motivação literária graças a um grupo de escritores que passou a ser designado de “romancistas do Nordeste”. A historiografia de nossas letras concede o título de primazia a José Américo de Almeida, cujo romance, A bagaceira, data de 1928. Mais com Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Amando Fontes que se firma a popularidade do Nordeste. Conforme Fábio Lucas, Jorge Amado define a marca literária que pretende imprimir como nota explicativa escrita no romance Cacau: “Tentei contar nesse livro, com um mínimo de literatura para um máximo de honestidade, a vida dos trabalhadores das fazendas de cacau no sul da Bahia”. O “mínimo de literatura” seria seu compromisso estético, enquanto o “máximo de honestidade” apontava para o compromisso ético. Jorge Amado impôs-se literariamente sob os princípios do realismo socialista. A expressão “realismo socialista” começou a aparecer nas publicações no

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início da década de trinta. Em 1932 as obras de Máximo Gorki, tido como fundador do realismo socialista, já haviam sido consagradas. E ainda ecoava a voz poética de Vladimir Maiakósvski, incorporada à tradição da literatura de protesto. Alexei Tostoi propôs dar à nova arte o nome de “realismo monumental”. Também a indicar-lhe o nome de “realismo heróico”. Jorge Amado aponta para as leis de exploração do trabalhador, cujo estado de dependência será perturbado. Seus mecanismos são autoreproduzitivos. Desse modo, o ficcionista baiano ingressou na critica social. Daí por diante, essa crítica será a tônica dos seus romances. O que há de novidade neles é a engenhosidade do relato, a locução simples, acessível ao grande público. Jorge Amado consegue, finalmente, conciliar a capacidade narrativa com os propósitos pedagógicos da denúncia da condição social do trabalhador. Em decorrência da narrativa libertária de sua produção literária, o romancista foi perseguido, preso e teve seus livros queimados em praça pública durante o Estado Novo (ditadura de Getulio Vargas). Um legado para a cultura afrobrasileira Deputado constituinte em 1946, Jorge Amado é autor do projeto que estabelece a liberdade de culto no país e livra os rituais afro-brasileiros das contínuas perseguições policiais, mas é sobretudo a partir da década de 60 que seus romances passarão a tratar com mais ênfase da questão racial e a defender o respeito à diferença étnica e enaltecer a cultura afro-brasileira como expressão legítima do saber popular, tendo negros e mulatos como personagens centrais. Conforme Eduardo de Assis Duarte o discurso ainda marcado de etnocentrismo, que ressaltava primeiramente o vigor físico de Honório (O país do carnaval) ou Balduíno (Jubiabá), cede lugar à representação da luta dos negros baianos por terem reconhecido seu direito a uma outra religião ( em Os pastores da noite) e, mesmo, a verem-se respeitados como detentores de uma outra cultura (em Tenda dos milagres).

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Assim, o romance de Pedro Anchanjo adota 25 anos depois, a perspectiva “politicamente correta” frente a outro étnico, que a centralidade da perspectiva de classe obscurecera em Jubiabá com outro social. Todavia, há nuances. Se tal centralidade não via diferença entre proletários brancos, negros ou mestiços, em Tenda dos milagres ocorre, em paralelo a elevação da raça negra, um elogio à miscigenação brasileira e ao cadinho cultural brasileiro, em certa medida tributário das teses de Gilberto Freire relativas à democracia racial. Para o estudioso Fábio Lucas, a maior contribuição de Jorge Amado sobre as relações raciais do Brasil consiste no registro que perpetrou da cultura mestiça, com agregação positiva ao nosso processo histórico. Dentro do seu engajamento político, Jorge Amado retorna ao projeto de identidade nacional, que vinha sendo elaborado ao longo de nossa história. E o faz incorporando as personagens de Roger Bastide, em prefácio à novela A morte e a morte de Quincas Berro Dágua (1961), chamou de os “vagabundos da liberdade”, assim como a camada de negros e mestiços emprestam novo colorido à arte de viver. Pedro Anchanjo, personagem de Tenda dos milagres (1969), assim expressa sobre o país: “Se o Brasil concorreu com alguma coisa válida para o enriquecimento da cultura universal foi com a miscigenação – ela marca nossa presença no acervo do humanismo, é a nossa contribuição maior para a humanidade”. Tal pronunciamento oferece consequência inestimável para avaliação do projeto nacional de Jorge Amado, que manifesta especial preferência pelo romance Tenda dos milagres e pela personagem Pedro Anchanjo. No depoimento a Alice Raillard o romancista observa, referindose a Tenda dos milagres: “É na verdade uma reescrita de Jubiabá mas outra conotação. Trata da questão da formação da nacionalidade brasileira, a miscigenação, a luta contra o preconceito, principalmente o racial, e contra a pseudociência e pseudoerudição europeísta”. Mais adiante acrescenta: “De meus livros, é o meu preferido, cuja temática mexe comigo. Talvez Pedro Anchanjo seja, de todos os

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meus personagens, o mais completo. Questões importantes são abordados através dele, o não-sectarismo, a consciência de que as ideais não devem consumir o homem. Quando lhe perguntaram como ele conseguia ser materialista e ao mesmo tempo exercer funções no candomblé, respondeu: ´Meu materialismo não me limita´. Contam também que Caetano Veloso perguntou Jorge Amado se ele já tinha visto algum milagre nos terreiros de candomblé e o escritor respondeu: “Já vi muitos milagres do povo”. A partir dessa expressão Caetano Veloso compôs a música “Milagres do Povo”, que foi trilha sonora da minissérie Tenda dos Milagres, que revela em versos traços do autor e do seu romance afro-brasileiro: Quem é ateu e viu milagres como eu Sabe que os deuses sem Deus Não cessam de brotar, nem cansar de esperar E o coração que é soberano e que é senhor Não cabe na escravidão, não cabe no seu não Não cabe em si de tanto sim É pura dança e sexo e glória, e para Para além da história Ojuobá ia lá e via Ojuobahia Xangô manda chamar Obatalá guia Mamãe Oxum chora lagrimalegria Petálas de Iemanjá Iansã-Oiá ia Ojuobá ia lá e via Ojuobahia Obá A sensualidade do romance Gabriela A primeira edição do romance Gabriela, cravo e canela completou 50 anos em 2008. A obra, que foi adaptada para uma nova versão da teledramaturgia brasileira neste ano de 2012 pelo roteirista Walcyr Carrasco, é a mais popular do

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escritor baiano e marca um novo estilo de literário de Jorge Amado chamado de romance sensual. “Toda crítica aponta o romance Gabriela, cravo e canela (1958) como marco de mudança de rumo na temática de Jorge Amado. Digamos que, daí por diante, a força da atração se deslocou da justiça social para concentrar na aspiração da liberdade. E o fermento da nova cosmovisão se transpõe do romantismo sentimental e visionário para a exploração do riso e do sonho como atributos despressores do ser humano”, afirma o teórico Fábio Lucas. Gabriela é entre os livros de Jorge Amado o mais famoso. Só no primeiro ano de sua publicação, teve seis edições. No exterior, já foi publicado em mais de 30 idiomas e até hoje é a obra do ficcionista baiano mais traduzida e citada. Para Jorge Araújo, escritor e professor de literatura, a partir de Gabriela Jorge Amado começou a imprimir uma fisionomia mais contemporânea a sua ficção, absorvendo novas formas de ver a realidade. Jorge Araújo, que é autor do livro Dionísio & Cia na moqueca de dendê: desejo, revolução e prazer na obra de Jorge Amado, diz que a sensual mulata revela no prazer a dimensão da liberdade: “Gabriela é uma filha de Eros. Ela é a sexualidade sem travas, sem obediência à gramática social. É o prazer como instância da liberdade humana”. Para Eduardo de Assis Duarte em Gabriela, é a primeira vez em sua obra que Jorge Amado coloca a mulher como epicentro narrativo e a ascende a verdadeiro mito sexual. Hoje, Gabriela é dessas personagens que têm alcance extra-literário, figurando no próprio imaginário como símbolo de impetuosidade e erotismo. No entanto, sua construção está lastreada em várias figurações anteriores de um feminino que tinha sempre destacada sua força – Linda, em Suor; Livia, em Mar morto, Mariana, em Os Subterrâneos da liberdade – ou denunciada a condição de objeto sexual – Maria do Espírito Santo, em Suor; as três irmãs prostitutas, em Terras do sem fim; Marta, em Seara Vermelha. A partir de Gabriela a presença da mulher ganha uma outra dimensão. Se nos anos 30 e 40 o romance vai

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representar a emergência dos trabalhadores enquanto sujeito político, a partir dos anos 50 será a vez da mulher ocupar o centro da cena. Com as transformações econômicas vividas desde então, a mulher brasileira vem para o espaço público com uma intensidade inédita de forma cada vez mais numerosa, fenômeno este que não passará despercebido a Amado. Em “Gabriela, cravo e canela”, na opinião de Eduardo de Assis Duarte, ”a mulher existe, sim, como objeto erótico a insuflar a fantasia de quantos a conhecem, mas junto com esse objeto desejado, existe nela um vigoroso sujeito desejante que, pela fidelidade a Eros, se afirma enquanto tal a ponto de trocar o casamento pelo prazer e a segurança do lar por um momento de gozo. E, se vista por outro ângulo, a personagem condiz com a nova mulher trabalhadora operosa, não se deixa reduzir a meã força de trabalho. Assim, ela surge com mais complexidade e inteireza que a musa carioca (Garota de Ipanema). Gabriela não é só objeto. Jorge Amado consegue revelar a sensualidade da mulher do sertão, representada por Gabriela, fruto da miscigenação que ele enaltece. Uma mulher que não está a procura de terras e jóias, mas que ama intensamente a liberdade, a diversão e o prazer sexual. A personagem Gabriela conseguiu permanecer no inconsciente coletivo da população a ponto de que quando uma morena ou uma mulata sensual passa pelas ruas da Bahia, ouve-se dizer: “É uma verdadeira Gabriela”. Eduardo de Assis Duarte aponta que o romance estabelece uma síntese da luta das mulheres contra o preconceito, uma vez que “trata de representar as diversas etapas da trajetória feminina em busca da realização pessoal e da superação do machismo. As personagens Ofenísia, Sinhazinha, Glória, Malvina e Gabriela simbolizam diferentes momentos desse processo. Se as duas primeiras secam ou fenecem por seus amados – a romântica Ofenísia morre de um amor não correspondido e a Sinhazinha é assinada por adultério – as três últimas de um modo ou outro, conseguem ultrapassar a submissão à ‘lei não escrita’ que reduzia a mulher a propriedade masculina. Malvina foge em busca de

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auto-afirmação; e Gabriela trai e renega o casamento sem ser por isso punida. Nas últimas décadas seguintes, essa figura feminina impetuosa e agente do próprio desejo encarna-se em Dona Flor, em Tereza Batista, em Tieta”. Gabriela expressa uma sensualidade que toda mulher gostaria de ter. Ela é também a mulher sensual que todo homem gostaria de ter ao seu lado. Portanto, Gabriela que tem o cheiro de cravo e a cor de canela é a síntese de sonhos e desejos de mulheres e homens. Fonte: Cadernos de Literatura Brasileira. Número 3, Março de 1997. Jornal A Tarde - Caderno 2 - 28/02/2008

Domingos Ailton é escritor, jornalista, professor, mestre em Memória Social e Documento e membro da Academia de Letras de Jequié e da União Brasileira de Escritores.

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Amado foi Jorge, que desenhou suas raízes escrevendo! (Domingos Alberto Richieri Nuvolari) Jorge Amado sempre explorou os mais diversos aspectos da vida baiana. A violência pela posse da terra e suas consequências sociais, a exemplo do que ocorreu na colonização em áreas do Sul da Bahia, destinadas aos cacauicultores, foi notoriamente mostrada em “São Jorge de Ilhéus”, em “Gabriela, Cravo e Canela” e em “Terras do Sem Fim”. Os personagens típicos das ladeiras de Salvador foram retratados em “Tenda dos Milagres”, em “Capitães de Areia”, em “Mar Morto”. Seus ideais políticos são marcados em “Os Subterrâneos da Liberdade”, em “O Cavaleiro da Esperança”. As sedutoras mulheres, baianas quentes e fortes, convivem em “Tieta do Agreste”, em “Dona Flor e seus Dois Maridos”, e também em “Gabriela” e muitas outras obras enraizadas neste solo forrado de um lado pelo cacau e de outro pela caatinga, que convivem quase lado a lado. Cenas típicas de dificuldade, que se encontra em qualquer lugar do Brasil, mas fortemente concentrada no nordeste. Uma vida seca, rude, violenta, mas também muito sensual. Enfim, um órfão do morro, passando a cria da casa barrenta e, no futuro, um vadio, lutador de boxe, trabalhador rural, artista de circo. Baldo é fruto de Jubiabá, que, em seus vários episódios, mostra um povo baiano colorido, alegre e praticante do santo que encarna a alma dessa raça. Sua paixão ou sua fixação amorosa pela filha dos benfeitores, que cedo desaparece de sua visão e volta tempos depois, já uma Lindinalva bastante sofrida, degradada pela vida rude junto a Barreiras, um advogado sedutor. Mas, além de mostrar a vida simples e romântica de seu personagem, sugere seu lento amadurecimento rumando à consciência política, uma das características do realismo socialista, pintado de cores sensuais e com o odor apimentado do tão suado cenário baiano. Não distante dali, um líder que todos chamam de Pedro Bala, é o chefe de um grupo de meninos de rua, abandonados e marginalizados, que aterrorizam a cidade de Salvador. Nasce então “Os Capitães de Areia”. Bala, com

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seus longos cabelos loiros e uma cicatriz no rosto, lidera o grupo, e também, um dia, é capturado pela polícia e muito castigado no interior daquele antro de crueldade que é o Reformatório. Escapa mas já sai dali enfraquecido, e o grupo acompanha a sua degradação, que vai aos poucos se desfazendo. Pedro Bala então deixa de ser o líder dos Capitães de Areia e se torna um líder revolucionário comunista. Escrito na primeira fase da carreira do autor, o romance mostra as suas grandes preocupações sociais. A segunda metade do século já se iniciou, assim como a segunda fase do modernismo, e contempla a cidade de Ilhéus com o desenrolar de mais um romance de Jorge, “Gabriela Cravo e Canela”. De um lado, Mudinho está destinado a acelerar o desenvolvimento da cidade, e, de outro, Nacib, em seu bar Vesúvio, se vê sem a cozinheira e comprometido na entrega de refeições. Inesperadamente, chega à cidade Gabriela, que vai suprir a falta do Vesúvio, e inicia-se aí um romance entre Nacib e sua bela cozinheira. Enquanto isto, Mudinho mede forças com o governador. Gabriela é tão querida que todos a querem pra si, “perfume de cravo, cor de canela”. Então, o esperto Nacib casa-se com ela, mas esta adaptação é muito difícil para a moça, que se deixa flagrar com outro. Nacib anula o compromisso dos dois. Mudinho colhe sucesso em seus projetos e, junto com Nacib, fazem uma sociedade num restaurante. Muito há de contexto neste livro, que, a cada capítulo lido, faz crescer um enorme gosto em começar o próximo. Amado nunca foi primoroso em suas construções literárias, nas normas gramaticais e ortográficas. O linguajar baiano e o vocabulário local deleitam-se em seus textos. Em contrapartida, o leitor pode se preparar para degustar um texto saboroso e suculento, que transpira o odor do trópico, do calor e da vida picante. Suas histórias são tramadas sobre o povo simples e rude, numa língua que esse povo fala e entende. “A Morte e a Morte de Quincas Berro D'Água” analisa e critica toda a sociedade. O romance acontece em Salvador e gira em torno da boemia, não tão qualificada, dos arredores do cais do porto. É nítido aqui o realismo mágico,

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existe uma mistura de realidade e sonho; racionalidade e loucura; amor e desamor; rancor e ternura. Joaquim Soares da Cunha, personagem principal, sempre foi um bom funcionário público, pai de família exemplar, até o dia em que se aposentou. Depois do evento, jogou tudo para o alto: a família, o respeito, os amigos, a tradição e migrou para a malandragem, para o alcoolismo e a jogatina. A história se desenvolve até sua morte e, mesmo no velório, seus amigos resolvem levá-lo para um último passeio no submundo onde vivia e, diante de uma tempestade, seu corpo cai ao mar. Morre ao renunciar à família. Morre na solidão de seu minúsculo quarto imundo. Morre ao cair ao mar, e assim não deixa qualquer testemunho físico de sua passagem pela vida. Ainda na segunda fase do modernismo, Flor e Vadinho dão vida à “Dona Flor e seus Dois Maridos”, que já inicia com a morte de seu personagem Vadinho, marido infiel, cheio da doce lábia, tipo espertalhão, jogador nato e muito, mas muito, malicioso, e, ao mesmo tempo, extremamente adorável. Mas aparece Teodoro, que é totalmente diferente, e sua união com Flor se concretiza. É no aniversário de casamento de Flor que Vadinho surge para ela, e só para ela, nu, como Flor sempre gostou, e a vida a três tem início. Por fim, o romance termina com Flor andando feliz com Teodoro de um lado e Vadinho (nu, como sempre) do outro, pelas ruas de Salvador. Em um melodramático folhetim, nasce “Tieta do Agreste”, uma pastora de cabras do agreste, que é expulsa de lá pelo próprio pai. Volta depois de anos, rica graças à sua vida fácil. Seus personagens são inesquecíveis, o livro é engraçado e sensual. Jorge Amado usa e abusa das expressões e do folclore regionais, criando uma narrativa muito envolvente. Amado, de vez em quando, se faz de personagem, expondo seus próprios palpites nesta inesquecível trama. Assim nasceu Jorge, assim viveu Jorge, assim morreu Jorge. Sempre ligado às questões sociais, ao linguajar do baiano ajeitado, em sua forma errada de escrever, mas com a forma certa de falar.

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Domingos Alberto Richieri Nuvolari é brasileiro, formado em Física, Eletrônica, Cientista Social e violinista. Escreve desde os 16 anos, tendo participado de diversos concursos e obtido várias premiações locais. Participação em oficinas de criação poética. Sua linha de atuação é a poesia, o conto e a crônica.

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Uma Nova Salvador e Jorge Amado (Ed Carlos Alves de Santana) Se o célebre escritor baiano Jorge Amado vivo estivesse, certamente o tema para suas obras estaria na criatividade baiana ditada pela lei da sobrevivência. Lei esta que torna os adultos crianças, com seus carrinhos ruidosos, cada vez mais próximo da representação de carros de verdade, porém em escala menor. Jorge se entusiasmaria com o poder de chamar a atenção que estas geringonças têm. São mais uma “venda ambulante”, neles encontra-se uma diversidade de mercadorias que até assusta: cigarros, balas, cafezinho, CDs, DVDs piratas, os últimos lançamentos da produção audiovisual nacional e internacional. Caro Jorge Amado, esses minitrios elétricos encantariam até Dodô e Osmar. O senhor ficaria estupefato com a criatividade propagandística dos vendedores de balas nos “buzus”, que se valem das maiores estratégias para venderem seus queimados. Acredito que seu novo livro se chamaria “A Bahia de todos os Carrinhos e Baleiros Expressos”. Grande Amado, nesta sua terra proliferaram-se temas para a escrita de romances, crônicas, artigos e tudo mais, lugar de uma riqueza sem igual. Sei que, dentre as várias coisas que hoje existem, uma que não lhe agradaria mesmo é a qualidade das músicas de certos artistas desta época em que lhe escrevo, Jorge. Esta gente, na falta desesperada de uma criatividade que sobra em muitos, apela para a baixaria de toda ordem, pornografias e apologias ao mau gosto. Jorge Amado, a Salvador de hoje mudou muito em relação ao seu tempo, seus “Capitães da Areia” tornaram-se perigosos e usuários de drogas, que, no desespero do vício, roubam constantemente, não livros, mas carteiras de senhoras. O caríssimo escritor teria uma temática rica para sua escrita: bonita, triste, e assustadora. Como sabemos, a sociedade é reflexo de seu tempo, e este é o reflexo da segunda década do século XXI, tempo em que vivo e

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escrevo. O senhor se encantaria se estivesse vivo, com vários escritores deste tempo. A Bahia teve Jorge Amado, e este partiu deixando saudades. Hoje temos um leque gigantesco de talentos a se proliferar: escritores, poetas, jornalistas e grandes amantes e incentivadores da arte literária, que chegam a arcar, dos seus próprios bolsos, com o sonho de se publicar livros de maneira independente. A Bahia está de parabéns. Tivemos Jorge Amado como um modelo de persistência e talento a seguir. E hoje o elegemos nosso mestre nesta pequena homenagem. Ed Carlos Alves de Santana é artista plástico, mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia. Blog: http://espacodoed.blogspot.com

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Salvador de um Amado Jorge (Edweine Loureiro) Foi um negro. O mar brabo, vento batendo que era uma desgraça. Do barco os homens faziam o que podiam. Jogaram corda, salva-vida. E nada. Sinhá Matilde chorava feito uma doida, vendo o marido se bater contra as ondas. Mas o que se podia fazer? Dois marujos ainda tentaram se atirar, o almirante que não deixou. Disse que era perigoso, o mar brabo daquele jeito. Foi então que apareceu o negro. E, sem pedir licença pro almirante, foi logo se atirando. O sinhô precisava ver. O homem mergulhou, e quando voltou foi com Sô Jorge nas costas. Rápido assim, já tavam os dois em bordo. Sô Jorge salvo, com a graça do meu bom Deus. Mas que os homens em bordo tavam aperreados, ah, isso tavam! De onde diabo havia aparecido aquele negro, homem de Deus? Já tavam mais de mês a bordo e ninguém nunca tinha visto o preto. Aí, sem mais nem menos, lá aparece o homem e salva Sô Jorge… Mas o pior ainda tava por vir, Sinhô Capitão: quando o almirante buscou o negro pra recompensar, quem disse que alguém encontrava?… O homem tinha sumido, Sinhô Capitão! Assim, feito visagem! Procuraram por tudo que é lado… e nada, Sinhô Capitão! As mulheres se benziam, os homens tudo de boca aberta. E não era pra menos! Até agora acho que o diabo do homem era mesmo visagem! Nomidopaidofiodoespri… Ė, Sinhô Capitão: contando assim ninguém acredita. Mas aconteceu. Mais café, Sinhô Capitão? Nonsinhô – ninguém nunca mais soube do negro! Sô Jorge?… Ah, esse tá bem. Só não sei se tá é bom da cabeça! Diz que agora virou escritor! E isso não é nada: diz que vai escrever um livro sobre o homem que salvou ele! O sinhô já viu uma coisa dessa, Sinhô Capitão? Agora nós, os pretos, vamo tudo virar livro! Cá pra nós, viu, mas o Sô Jorge tem cada ideia que vou lhe contar!… Tem certeza que não quer mais café, Sinhô Capitão? Feito agorinha. Edweine Loureiro é advogado, professor de Idiomas e reside no Japão desde 2001. Autor premiado em diversos concursos

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literários no Brasil, foi um dos autores selecionados no VII Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus. É autor do livro “Clandestinos (e outras crônicas)”, publicado pelo Clube de Autores e AGbook em 2011.

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Seu Jorge da Bahia (Elson Carvalho Alves) Enquanto isso, no país do carnaval, o cacau era, como sempre, cultivado com o suor. A encosta do morro nem era tão íngreme e a vista do mar era muito bonita. Jubiabá, mesmo cansado, não conseguia parar de pensar naquele mar morto, dominado por capitães de areia que viviam à procura da famosa estrada do mar, aquela que lhes traria a fortuna. Nem queriam eles saber o ABC de Castro Alves, o cavaleiro da esperança que advogou a liberdade daqueles que foram trazidos de suas casas para as terras do sem fim, escravizados e sem direitos, sem conhecer as graças de São Jorge dos Ilhéus. Condenados a viver na Bahia de Todos os Santos, trabalhando dia e noite na seara vermelha em que suas vidas se transformaram. Mas... Lá ia ele, matutando e matutando, um fio de pensamento levando a outro, como as nuvens caminhando no céu azul, dominado pelo Astro Rei, que insistia em ser visto. Ele ia para a labuta com o amor do soldado que sabe ter que passar pela guerra para chegar ao mundo da paz. Pelo menos, os caminhos entre os pés de cacau davam sombra, eram os subterrâneos da liberdade onde ele podia se refugiar do sol inclemente. E, entre um fruto dourado e outro, ia nosso herói pensando, relembrando os causos da vida dos que circulavam pelo recôncavo que, como uma mão fechada, prendia a quase todos num ir e vir de barcos e labores. Lembrava-se da Gabriela Cravo e Canela, uma menina-mulher que tanto ardia quanto perfumava a vida de todos os homens do lugar. Lembrava-se do estranho causo do funeral do Quincas Berro D'Água, que os velhos marinheiros contavam quase todas as vezes em que, como pastores da noite, arrebanhavam a todos com suas estórias das coisas que aconteciam nesta Bahia de Todos os Santos. Estórias sim, porque não dava pra saber se eram, de fato, histórias, de tão ricas e fantasiosas que eram. Como a da devassa Dona Flor e seus dois maridos, um deles morto, mas ainda capaz de assanhar a mulher. E o que dizer da

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tenda dos milagres, onde a Tereza Batista, cansada de guerra, achou descanso depois de se aconselhar, acreditem ou não, com o gato malhado e a andorinha sinhá? E o que dizer da estória da Tieta do agreste, que, de tantos amores e noites com muitos amantes, nem sabia mais se, de farda, fardão ou camisola de dormir, os arroubos de paixão carnal se deram? E, mesmo assim, ainda fez parte do recente milagre dos pássaros acontecido em terras de Alagoas, nas ribanceiras do rio São Francisco. E o menino Grapiúna, que na dividida entre a bola e o goleiro, ficou de fora do campeonato da Tocaia Grande e, só pra se vingar, causou o sumiço da santa, numa história de feitiçaria, de fazer muito marmanjo se cobrir dos pés à cabeça, mesmo nas noites mais quentes do verão? Tudo isso passeava pela cabeça do nosso herói, entre um fruto dourado e outro, por entre os caminhos sombreados dos pés de cacau, nas encostas do morro que mirava o mar. A vista era imensa lá de cima, o mar parecia uma grande bandeja, lisinho, polido e brilhante... Uma bandeja que tanto trazia como levava coisas e pessoas; o mar não responde a ninguém. E, pensando no mar, ele achava que um dia aprenderia o ofício, a navegação de cabotagem, e ficaria rico. Provaria, finalmente, que não era verdade o que o metido do Nacib dizia da descoberta da América pelos turcos. Elson Carvalho Alves é natural de Salvador-BA e atualmente reside em São Paulo. Tecnólogo em Mecânica, pós-graduado em Gestão de Projetos, é autor de vários ensaios e poesias, que prefere chamar de “escritos”. Estes são publicados, há alguns anos, por conta própria em seu blog: www.elsonalves.wordpress.com

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O Destinado e o Destinatário (Eulália Cristina Costa e Costa) A vida de Jorge Amado nos remete à obra de um também grande escritor: Machado de Assis, O Destinado. Jorge Amado foi um homem simples que se destacou no cenário literário, no cinema, teatro e na televisão. Tanto sua vida como algumas de suas obras se confundem em um mesmo ponto: literatura-sociedade, pois é portadora ou refletora do mundo social. A sociedade foi seu principal instrumento de fazer literatura, pois sempre abordou vários papéis do indivíduo enquanto cidadão e ser neste universo. Apesar de terem suas distinções, Machado de Assis prima pelos temas urbanos e Jorge Amado pelo regionalismo, ambos perduram ao longo do tempo. Suas obras retratam, além do regionalismo, as contradições, sentimentos; valores éticos, morais e religiosos, dúvidas e os grandes amores de seus personagens, com encontros e desencontros, afinidades múltiplas, que se encaixam no grande enredo de um mundo, imaginário ou real, tecido de forma inteligente e primorosa. Jorge Amado foi um destinado de Deus para a literatura, e nós, seus admiradores e leitores, fomos agraciados como destinatários de um conhecimento ímpar e de uma leitura agradável, que só através dos livros poderemos alcançar. Eulália Cristina Costa e Costa - Graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela UEMA, pós-graduada em Saúde da Família, funcionária pública federal e escritora. É pós-graduada em Vigilância Sanitária – UEMA e associada à Abrasco. Possui alguns artigos científicos publicados. Tem dois livros publicados: "Uma viagem fascinante" – 2009, Editora Vermelho Marinho, da Usina de Letras; e “Antítese do tempo” – 2011, Corpos Editora, de Porto-PT (impresso e e-book). Possui algumas poesias publicadas na coletânea “10 anos da Usina de Letras”, em sites diversos (Recanto das Letras, CBJE, Protexto, Versos e Acordes) e antologias. Participou de vários concursos literários. Previsto para 2012 o lançamento do e-book “Metamorfose Poética”.

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Web site: www.recantodasletras.com.br/autores/lalia

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Homem da Terra, do Céu e do Mar (Gil Nascimento) Jorge Amado, sonhador por excelência, amava a sua Bahia como ninguém. Da terra fértil ele nasceu e se criou com dignidade, terra de gente de fibra. Quando a palavra ainda exercia um poder maior, lá estava ele querendo alçar voos. Do céu, podia extrair as fantasias sexuais e as cafajestadas dos seus personagens, que nos fazem sorrir, pensar, delirar e até sentir um certo desejo também. Este era o verdadeiro Jorge, conhecido mundialmente como “o homem das letras, da poesia e do amor”. Seus livros são cativantes, os leitores se envolvem de tal forma, que chegam a vivenciar a vida daqueles personagens. Foi qualificado como polêmico na política e nos seus escritos, só que não se curvou diante das intempéries. O amor era o seu fraco, a família em primeiro lugar. Adorável por natureza, a simplicidade o dominava, e assim ele tocava a sua vida, como num passe de mágica. Falar de Jorge é falar também do mar, de onde conseguia extrair somente o belo. Tentava, de todas as formas, transmitir o amor por onde passava. Brincava com ele como se brinca de picula, criava personagens hilariantes. Espalhou amigos por toda parte e os conservou. Amizade para ele era coisa sagrada. Jorge, feiticeiro do bem, podemos assim chamá-lo. Deixou-nos um grande legado. Ainda em tempo, foi reconhecido pela Bahia e mundialmente. Este será sempre o nosso Jorge, cheio de enigmas, cheio de amor. Gil Nascimento, natural de Pau Brasil, é formada em Contabilidade na cidade de São Paulo. Lançou seu primeiro livro “Acreditar…” em Salvador, 19 de novembro de 2006. Participou das Bienais de São Paulo em 2008 e 2010, com coletâneas organizadas pelo escritor, jornalista e poeta Valdeck Almeida de Jesus. Livro: “Diário do Escritor (coletâneas)”, 2010 e 2011, organizado e lançado pela Litteris Editora, Rio de Janeiro. Participou de coletânea, promovida também pela Litteris Editora, homenageando os cem anos do cantor Noel Rosa, em 2011. Bienais em Salvador e Belo Horizonte, 2009. Dois Varais Literários

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em Jundiaí-SP. Coletânea “Brasil e Portugal, Elos Poéticos”. Cinco Cadernos Literários, organizados pelo GACBA. Coletâneas da Revista “ArtPoesia”. Membro do Grupo de Ação Cultural da Bahia, na Fundação João Fernandes da Cunha, Salvador-BA. Filiada à Câmara Bahiana do Livro.

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Julien e o Amado Amigo Jorge (Gustavo Zevallos) O avião parou no aeroporto de Salvador e os passageiros afobados já começavam a ficar de pé nos corredores, antevendo o anúncio de que as portas da aeronave seriam abertas. Julien fazia parte deste grupo de impacientes obstinados. Remexia-se no assento do meio com uma vontade mal camuflada de xingar a senhora que se encontrava na poltrona do corredor. Passados alguns minutos, que demoraram horas, estava ele desembarcado, suando em bicas, mas com um sorriso carimbado no rosto branco de estrangeiro. A conversa com o taxista foi relaxante e serviu para que ele descobrisse que o seu português temperado com francês de Marselha estava dando para o gasto. A recomendação do motorista foi caprichar mais no sotaque para impressionar o sexo oposto. Quem sabe alguma morena bonita não ia querer ter uma experiência internacional... Julien foi direto ao Pelourinho e começou a admirar a cidade que só tinha conhecido em fotos e textos. Na rua, capitães de areia faziam de pedaços de paus velhos espadas para um duelo infantil. Enquanto isso, chupavam laranjas ou pediam esmola. Adultos e crianças em um mesmo corpo. Que o Senhor do Bonfim os proteja! Ziguezagueando a esmo pelo calçamento irregular, parou para comer o acarajé de uma baiana concorrida. O aglomerado de transeuntes, que precisava de muita boa vontade para ser chamado de fila, acabou se transformando em um bate-papo de novos amigos. Os temas se alternavam entre política, futebol (o Bahia havia goleado na véspera e a cidade amanheceu tricolor) e fofocas. De todos os tópicos, sem dúvida, a vida alheia era o mais interessante para Julien. O francês se deleitava ao saber das intrigas que eram comentadas com detalhes minuciosos. Se não fossem as juras de que era verdade ou um raio podia atravessar a cabeça do sujeito-orador, ele até começaria a duvidar... Foi assim que soube que Flor, viúva de Vadinho, recebia a visita

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toda noite do espírito do falecido. E que Teresa Batista tinha saído do brega... Sem falar na história de como Antônio Balduíno havia nocauteado um estrangeiro metido a besta com um tapa de mão aberta. A baiana do acarajé até riu, dizendo que Julien devia prestar atenção, pois ele tinha os mesmos cornos do galego alemão que apanhou. Inútil explicar para a moça a geografia europeia... Julien concordou em um ‘sim’ com baba de dendê. E a noite foi chegando... E a brisa acariciando os corpos que tinham sentido o calor do dia na pele. Julien agora tinha vários conhecidos porretas com quem trocava ideias sem se preocupar com o tempo, que parecia se arrastar sem pressa naquela terra. Em algum momento, impreciso e misterioso, ocorreu o mais banal dos milagres. Julien conheceu uma mulher e a previsão do taxista, que devia ser pai de santo nas horas vagas, se concretizou. Julien se lembrou de caprichar no sotaque francês e cometeu alguns erros de português de propósito, só para que a baiana lhe corrigisse. Entre goles de cerveja gelada, descobriu que, quando a morena sorria, a Bahia se iluminava. E, numa dessas aulas de português improvisadas, recebeu um beijo de língua para ver se ajudava na dicção. Julien ficou mudo e abestalhado... Mas a madrugada avançou e ele se recompôs a tempo de descobrir, entre gritos maiores do que os do boêmio Quincas ao beber água, que existem sensações indescritíveis, mesmo para o melhor escritor. Julien lembra diariamente dos lábios carnudos e do corpo delgado, mas não do nome da mulher. Para ele, ela sempre será Gabriela. Com o cheiro do cravo e a cor de canela - como teria lhe dito seu amado amigo Jorge, o primeiro a contar-lhe sobre a mágica Bahia... Gustavo Zevallos é baiano de nascimento e coração, mas vive hoje em São Paulo. Trabalha com marketing e lançamento de produtos, tendo escrito um livro sobre as inovações brasileiras. No terreno artístico, faz teatro e escreve sempre que pode. Tem três filhos, Isabella, Victor e Caroline, e é apaixonado por uma linda morena, de nome Adriana, mãe de uma menina chamada Gabriela.

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O Queridinho dos Baianos (Isadora Sabar) Jorge Amado foi um dos maiores representantes da cultura baiana, explicava detalhadamente o cotidiano do povo da Bahia, deixando explícita a sensualidade e a malandragem dos seus personagens. A convivência e a dedicada observação do comportamento dos baianos foi sua grande inspiração para a criação de suas obras. A perfeição das histórias contadas em seus livros facilitou a produção de ilustrações, filmes, novelas, minisséries, e até história em quadrinhos, dando vida aos seus inesquecíveis personagens e expandindo a cultura baiana, mostrando coisas que só o povo baiano faz. Há quem diga que Jorge Amado é o melhor escritor da Bahia, afinal ele não tinha vergonha de mostrar o cotidiano deste povo. Essa autonomia, também chamada de ousadia, quebrava os tabus impostos pela sociedade. A sexualidade e o jeitinho baiano de solucionar os problemas relatados fluíam no imaginário do leitor, pois, diante de tanta fidelidade ao real, fica fácil fechar os olhos e visualizar a cena lida. Até mesmo num livro infantil, feito para o seu filho João Jorge, quando este completou um ano de idade, não se desprendeu desta característica própria, quando, ao falar do vento, cita: “A caçoada predileta do Vento é meter-se por baixo da saia das mulheres, suspendendo-as com malévola intenção exibicionista. Truque de seguríssimo efeito nos tempos de antanho, traduzindo-se em risos, olhares oblíquos e cobiçosos, contidas exclamações de gula, ahs! e ohs! entusiásticos.” (O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá). Contudo, muitas de suas obras foram expressas em ilustrações famosas do artista plástico Carybé, em espetáculos teatrais, em superproduções de filmes, novelas e minisséries, e até em história em quadrinhos, sem contar as suas conquistas, como o privilégio de fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Não é estranho que o leitor se pegue sorrindo pelo canto da boca ao ler uma obra de Jorge Amado, principalmente se for um baiano. A identificação com a

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própria realidade se torna engraçada quando atuada por uma outra pessoa; serve para refletir sobre as atitudes que foram tomadas e as consequências causadas após o episódio. Em 2012, voltou à moda falar de Jorge Amado, pois, se estivesse vivo, estaria completando 100 anos de idade, e isso mostra que suas obras estão imortalizadas. Apesar da grande homenagem feita durante o carnaval de Salvador, algumas instituições educacionais ficaram receosas de explorar o tema, não apenas pela exibição do corpo nu de um ator que representava Vadinho, do livro “Dona Flor e seus Dois Maridos”, em plena avenida, em cima de um trio elétrico, mas principalmente pelas limitações básicas que torneiam o processo educativo das crianças. Ainda assim, tem havido uma grande procura pelo mais novo filme “Capitães da areia”, de Cecília Amado, inspirado na obra de seu amado avô, com trilha sonora do renomado Carlinhos Brown, que mostra as dificuldades dos meninos de rua de Salvador, que continuam as mesmas desde a criação do livro. O fato é que, até hoje, não surgiu nenhum escritor que falasse do povo baiano com tanta fidelidade. Observar e fazer críticas ou comentários sobre o cotidiano do povo não documenta a sua realidade cultural. As histórias contadas por Jorge esclarecem perfeitamente o comportamento do povo, de forma engraçada e sem perder o drama das dificuldades vividas pelos seus personagens. A população está carente de novas obras com este perfil. Enquanto isso, Jorge Amado vem liderando no gosto popular baiano e se destacando entre os escritores brasileiros. Isadora Sabar é natural de Salvador, graduada pela Escola de Belas Artes, pós-graduada em Tecnologia da Informação e apaixonada pela capital baiana e pelas manifestações culturais existentes nela. Faz parte de um povo criativo e muito feliz, por isso sua atitude não poderia ser diferente. Desenha, pinta, canta, dança, escreve, é movida pela arte e pelo prazer que a arte lhe proporciona.

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Um pedaço mar (Janio Felix Filho) Quem conheceu? O Filho de João Amado de Faria e de D. Eulália Leal, que nasceu no dia 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, distrito de Itabuna-BA. Quem não conheceu? O menino, que viu seu pai ser ferido numa tocaia dentro de sua própria fazenda. Eu falo do menino cuja família é obrigada a deixar a fazenda e se estabelecer em Ilhéus, por conta da epidemia de varíola. Eu falo da família, que, em 1917, muda-se para a Fazenda Taranga, em Itajuípe, onde o pai do menino volta à lida na lavoura de cacau. Eu falo do menino alfabetizado pela mãe, aquele menino de Ilhéus. Eu falo de um jovem menino: estudante do Ginásio Ipiranga, morador do casarão Pelourinho, repórter do Diário da Bahia, o escritor e poeta do mar. Quem ainda não ouviu? Do carismático escritor – Jorge Amado –, o morador de Ipanema, amante do mar. Que teve seu primeiro livro publicado em 1931. O segundo, “Cacau”, dois anos depois, com tiragem de dois mil exemplares, capa e ilustrações de Santa Rosa. O livro esgota-se em um mês; a segunda edição sai com três mil exemplares. Entre a primeira e a segunda edição de “Cacau”, Jorge tem acesso, através de José Américo de Almeida, aos originais de "Caetés", romance de Graciliano Ramos. Empolgado com o talento do escritor alagoano, viaja para Maceió só para conhecê-lo, iniciando uma amizade que duraria até a morte de Graciliano. Conhece também José Lins do Rego, Aurélio Buarque de Holanda e Jorge de Lima. Torna-se redator chefe da revista "Rio Magazine". Casa-se em dezembro, em Estância, Sergipe, com Matilde Garcia Rosa. Juntos, eles lançam, pela Schmidt, o livro infantil “Descoberta do Mundo”. E na tranquilidade de Petrópolis, em 1958, escreve "Gabriela, Cravo e Canela", um dos seus livros de maior sucesso. O livro, publicado em agosto, esgota 20 mil exemplares em apenas duas semanas; até dezembro venderia mais de 50 mil exemplares. Sai o disco "Canto de

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Amor à Bahia e Quatro Acalantos de Gabriela, Cravo e Canela", trazendo leituras de Jorge Amado e música de Dorival Caymmi. No ano seguinte, "Gabriela" coleciona prêmios: Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro; Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; e Luiza Cláudio de Souza, do Pen Club, são alguns deles. O romance ultrapassa a casa dos 100 mil exemplares vendidos. Recebe, em Salvador, do Axé Opô Afonjá, um dos mais altos títulos do candomblé, o de Obá Orolu (também receberam tal distinção o compositor Dorival Caymmi e o artista plástico Carybé). "Obá, no sentido primitivo, é um dos doze ministros de Xangô", explica Jorge Amado. Funda a Academia de Letras de Ilhéus. Lança, na revista Senhor, do Rio de Janeiro, a novela "A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água"; a ideia inicial era que esse texto, de 98 páginas datilografadas e escrito em dois dias, integrasse o romance "Os Pastores da Noite". Naquela mesma publicação sairia o conto "De como o Mulato Porciúncula Descarregou o seu Defunto". E assim, eu vos digo: quem não conheceu este escritor brasileiro? Jorge Amado, o andarilho do mundo inteiro, o escritor e poeta dos mares brasileiros, amado e lembrado nos países do mundo inteiro, cem anos após seu nascimento. Pelo povo sempre será lembrado. Janio Felix Filho é natural de Jaru-RO. Escritor, poeta, contista, romancista, tem várias obras publicadas no estado Pará, dentre as quais se destacam: “Vida de Colono”, “O Amor que toda Mulher Sonha Ter”, “Minhas Lembranças”, “Paraíso Dividido” e “Flores de um Jardim”, este publicado em dezembro de 2011 pela a editora Protexto, em Curitiba-PR, disponível no site: www.protexto.com.br/livraria.php. No prelo: “Entre o Sol e a Escuridão”.

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Crônica de uma paixão anunciada: Jorge, amado! (Josafá de Orós) Estou só. Jamais estive tão só. Estou só, mas não me sinto solitário. Desço a viela mais íngreme do Pelourinho. Procuro um quiosque para sentar um pouco, tomar um conhaque, descansar, pensar. Quem sabe até escrever sem compromisso. Amanhã não tenho que publicar nada mesmo! No meu caminhar lento, de reprente, sou surpreendido por uma plaquinha simples e improvisada: Cantinho da Guia. Emburaco. É um barzinho discreto. Apenas um garçon vejo de soslaio à minha direita, logo na entrada. Antes que me falasse, tomei os primeiros degraus de uma escada à esquerda. Escada de um possante e maduro jatobá, com um discreto mas instigante cheiro de álcool. Escada não tão cuidada quanto merecida. Subi-a como um ancião, lentamente. Chegado o último degrau, me deparei com cinco mesinhas tímidas. Todas alinhadas e abaixo das janelas largas, que davam para um outro sobrado posto à frente e, lá embaixo, o calçamento colonial desgastado pelo tempo. Grandes lascas de pedra bem polidas pelos viandantes. Espelhos negros disformes engolindo imagens. A passos lentos, me chega o garçom, que eu havia visto, com cadernetinha à mão: - Boa tarde senhor, o que deseja? - Um conhaque, por favor... - Tem escolha por algum conhaque, senhor? - Um Calvado, querido. Desejo cidra... - Tá certo, senhor! Com licença. - A propósito, como se chama o amigo? - Paulo, Sr. Paulo. Após a lenta virada do garçom em direção à escada, um estranho vulto me toma de assalto os sentidos e me convida a uma imediata manifestação de escrita. Meu sangue enlouquece nas artérias, como um atleta diante da medalha amarela e dos milionésimos de segundos que lhe restam.

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Vi Jorge Amado a me olhar focadamente, numa extraordinária calma. Senti cheiro de perfumes e ouvi a pronúncia suave e pausada de um cordão de personagens de dezenas de obras do escritor itabunense. Assim como uma chamada escolar à espera do bordão: “Presente!” Gabriela, Tio Álvaro, Padre Cabral, Mestre Manoel, Quincas, Comandante Vasco Moscoso de Aragão, meritíssimo Dr. Alberto Siqueira, Zé Canjiquinha, Chico Pacheco, e ia ficando longe, Leminhos, Zequinha Curvelo, Roberto Veiga Lima, Maria Clara, Antonio Balduino, Romualdo, Mariinha, Zé Grandão, Arminda, Viriato, ia sumindo aquela voz como uma luzinha azul, um foquitezinho, Negro Pastinha, Cabo Martim, Cazuza, a gorda Margarida, o Doutor Carmino, Doralice, já ouvia apenas o som branco dos dentes da memória, muito, muito longe. Tudo isso era o amor sobrando, a saudade doendo muito. Vinha também a meada de fios claros, seu ouro branco e seu cheiroso cacau, o chegadão da vida real: Zelinha, Vincicius, Ferreira de Castro, Graciliano, Josué Montello, Fanny, Lu e Misette, Alceu Amoroso, João Condé, Carybé, Santa Rosa, Raquel, Niemeyer, sem fim. Essa tessitura, suave como um mantra, era em sua própria voz. Uma luz tomando os túneis negros e sanfonados da minha audição. Suavemente, aqueles nomes se seguiam até, depois de mais de cem destes, desaparecer sutilmente qualquer som, qualquer ruído, por mais suave que fosse. Continuaram os aromas sutis desenhando aquela tarde e a penumbra azulada marcando o horizonte. Uma paisagem doce e levemente morna foi conformando um fino risco a tomar as arestas de uma palavra agreste que teimava em mostrar sua cara, arredondando-a ao domo, para assentá-la ao ritual. Não tive escapatória. Fui tomado por dentro! Víscera a víscera. Então, apanhei meu caderno de anotações na mochila que estava dependurada no espaldar da cadeira. Do bolso da mesma camisa da noite anterior, retirei minha caneta de estimação, segurei a dose que já estava sobre a mesa e entrei de cabeça na escrita que segue abaixo. Dei-me tarde a leitura de Jorge. Muito tarde, talvez. Agora mesmo, imaginem só, estou terminando “O País do

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Carnaval”, sua primeiríssima obra, lançada em primeira edição em 1931. Outras obras li, “Cacau” e “Suor” vieram para mim – ao que parece, como veio para a pena de Jorge. Foram leituras seguidas. Primeiro “Cacau”, depois “Suor”. Sem mesmo que eu soubesse como foram escritas. Vieram, como a mando! Mando, em bom sentido, claro. Lembro agora que o primeiríssimo mesmo não foi “O País do Carnaval”, como a deusa Mnémosine, enganada, sugeriu, mas sim “A Morte e a Morte de Quincas Berro D´água”. Depois, porque se amostrou de primeiro na estante, veio “O Menino Grapiúna”, e só em seguida aquele que havia dito ter sido a minha primeira relação de leitor com o romancista baiano. Agora que me dou conta de mim mesmo. Como minha paixão está crescendo por Jorge! Semana passada, cá com os meus botões, pensei: na próxima vez que for à Bahia, quero passear por aquelas ruelas que deram às mãos de Jorge tanta faina e prazer, que, nos variados cheiros, nas inusitadas e provocantes imagens fizeram Jorge, desde jovem, produzir tantas maravilhas. Quero ir porque desejo, ainda, que isso se manifeste de outras maneiras – impossível manifestar-se aos modos do próprio Jorge, em seu universo. Parece óbvio demais que haverá de manifestar-se de outras maneiras, mas conservarei os fios condutores, me esforçarei para tanto! Fazendo isso, poderei sentir, deixar entrar pelos meus poros as substâncias que produziram nele, às vezes como e de todo, acontecimentos reais, os germes dessa ficção grandiosa e, ao mesmo tempo, lançadas, como foram, simples como o palavreado da rua. Conformação quase dialetal. Uma ficção gerada na fricção de sua laboração com a realidade mais nua e viva. Quero beirar e beijar o gênio dessa percepção que alimentou o mundo com tantas traduções sobre um Brasil real e cheio de sonhos. Um Brasil de dores e Dolores. Dolores, nas esquinas, a macerar seu feijão-fradinho, as pitadas do tempero mais forte, o camarão seco e Acará, o azeite de dendê quente bufando. As bolhas cheias de imaginação.

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Dolores a fritar seus deliciosos acarajés. Sua colher de pau de umburana para lascar a pimenta mais pungente, como que intentando provocar os sentimentos, as paixões, os ânimos, depois do passeio cáustico entre papilas maceradas ou neófitas. Brasil e Bahia de Marias das graças com suas desgraças esboçadas a estiletes, marcando-lhes os rostos! Um Brasil enlaçado em favores, odores, coisas podres. Um Brasil de maquinações inescrupulosas e cheias de combustíveis, como armadilhas bem vivas levando o país as mais profundas desordens, desde os seus latifúndios infames que desenham as misérias seculares da nação. Misérias que ainda hoje desorganizam nossas riquezas reais e simbólicas, misérias que desorganizam nossas gentes. Um país com tantas diferentes gentes. Maleáveis gentes a se extragarem com as bacharelices atuais, do semnúmero de conselhos, dos juizes babados, anacrônicos e deslavados. Gentes lindas, corajosas, inventivas, trabalhadoras, mas também outras, gentes macunaímicas, joãos sem braços, gentes cheias de trejeitos e escárnios que, muitas vezes, nos envergonham tanto. Um país Jorge, cheio de auroras, e também com seus poentes. De ocasos coloridos, mas ocasos. Descidas. Pelourinhos. Manchas. País de futuro e apaixonante. E nessa hora a palavra apaixonante me faz lembrar quão apaixonadamente respondeu Stefan Zweig ao acadêmico Mucio Leão, as quedas que este publicamente nutria por ele. Aliás, incomum e com superior brilho, sempre foi essa capacidade daquele apaixonado austríaco de Salzburgo, que viveu na cidade de Petrópolis e tomou o Brasil como nação maravilhosa. Zweig disse ali naquele manifesto de puro amor: Permiti-me falar alguns instantes sobre mim mesmo, a fim de recordar com gratidão os fatos que me sucedem em relação à vossa terra. O Brasil sempre foi para mim um país mágico. Em criança, tinha orgulho de colecionar e colar em meu álbum os

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bonitos selos postais; quando rapaz, lia com entusiasmo as maravilhas sobre a beleza desta cidade, sobre vossa cultura especial e incomparável, e sobre a originalidade de vosso país. O guia de ruas e mistérios, Bahia de Todos os Santos, vejo a maturidade com que Jorge se relaciona com o belo e com o cruel, o estético e o tétrico, o horrendo, o medonho. Também que são os seus olhos assim embevecidos que iluminam as aventuras da caneta, muitas vezes sem pruridos, descendo o Beco da Carne Seca ou deposta no Terreiro de Jesus. Nas sacadas desses belos sobradões é que Jorge se estatela com a tessitura da miséria que habita esses antros que no passado foram os palácios das maiores ostentações. O Brasil. O Brasil parece que sempre estará condenado a viver esse gerúndio que nunca estabelece o seu marco. Um destino no liquidificador. Liquidifica a dor. Um país construido a ferro e a fogo com sua grossa elite a fazer clarões em nossas matas, obscurecendo, com densa fumaça negra, os seus próprios horizontes. Na próxima vez que for à Bahia de Jorge Amado, vou tomá-la de assalto. Primeiro chego de mansinho. Depois volto todo colorido. Talvez não traga a fita do Senhor do Bonfim. Não quero abadás com insígnias brutas. Quero voltar todo rico de Jorges e de Carybés. Estes, sim, eu os quero. São figuras grandiosas, insuperáveis e universais, são suas belezas sem fim. Belezas travestidas de pessoas tão simples e bonitas. Já me sinto enorme apenas em poder mencionar esses nomes em minha parca escritura. Fico de peito inflado! Muito me orgulho de ter nascido no mesmo país desses monstros belos. Carybé, Argentina, Amado, Brasil... Quero encontrá-los para um duelo de palavras, riscos e tintas, e aí, juntos, redescobrirmos o Brasil pelas suas potências, principalmente estéticas, muitas vezes perdidas ou mal aproveitadas.

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O Brasil das grandes riquezas. Dos pescadores de xaréu! De mandingas! Oferendas! Encruzilhadas! Dos feitiços negros. Abarás e vatapás! Acarajés! Dos terreiros bem coloridos! O poder de posse dos atabaques excitando os transes. Cadê o Mestre Pastinha? O gingado da boa capoeira? Quero uma prosa de Brasil. Prosa de labor criativo, de suor pela coragem e de cacau pelo prazer culinário. Um Brasil que venha de outros modos se explicitar para si próprio e para o mundo. De lombo de burros transportando a riqueza de poucos e a miséria larga e profunda de tantos! Ruelas de prostitutas com os horizontes falindo em seus olhos! De velhos e de grandes amigos no carteado! Fumantes inveterados! Sifilíticos! De grandes sonhadores largados à própria sorte! De miseráveis entulhados, lançando missivas intestinas ao nada! De muitas alegrias! De grandes tristezas apregoadas aos seus destinos! Oh, Jorge como foi grande o pedaço que me faltou com a sua morte! Como foi um dia triste para mim! Como aquela dor me provocou os sentidos! As pedras que montaram o meu calado para uma navegação segura estavam ocas. Bem vazias! Quando vejo fotos suas com os nossos grandes referentes, digo referentes modernos, fico tão orgulhoso. Com Sartre e Simone, na Bahia de 1960; com o genial Neruda, em Paris de 1971; em sua simplicidade, com Ferreira de Castro, recebendo, também em Paris, o prêmio Latinidade; com Anna Seaghers, num lanche em Berlim; com o nosso mais antigo e sólido comunista Niemeyer, num transatlâtico em 1973; e com Zélia, sempre. Esse amor de sorrisos que sempre comoverá o mundo! Vejo você sempre abraçado ao mundo! Amado personificou em sua obra um dos grandes esforços, mais que nacionais, pela justiça social. Não tem escapatória. No nome, a insígnia; e na efígie, Jorge, só amado!

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Josafá de Orós é natural de Orós, Ceará, mas mora atualmente na estância Poiésis, município de Lagoa Seca, depois de ter vivido por 40 anos no município de Campina Grande, ambos no Estado da Paraíba. É pintor, escultor, muralista, gravador, poeta. Foi articulista na imprensa paraibana, onde publicou dezenas de artigos e ensaios sobre estética, filosofia, sociologia, artes etc. Graduado em Sociologia. Participou de vários certames literários onde publicou obras poéticas.

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Um Jorge Amado (Júlio César Freid’Sil) Jaz na lembrança um centenário O capitão de areia, lendário escritor Reconhecido, literário, imortal Ganhou respeito internacional E até hoje prevalece o seu valor Lutou com coração vermelho na bandeira Elegeu-se pelo partido comunista Advogado dessa gente brasileira Labutou também como jornalista A Gabriela, Dona Flor, Tieta e Tereza... Morenice, que da memória não sai Ainda que de outra maneira Doce amor, a fiel companheira, O presente de Deus é a Zélia Gattai De Ilhéus? Então salve a Bahia Emergiu com o talento que lhe nutria Fez de Tenda dos Milagres referência Assinou seu nome no Candomblé Recebeu a coroa de Obá Ilê Axé Ôpo Afonjá Axé, mestre Amado, Axé. Júlio César Freid’Sil, 42 anos, é carioca, escritor, poeta, compositor e militar, tem dois livros publicados: “Uma Nova Aventura” e “Um Beija-Flor”. Participa de oito antologias poéticas e uma de crônicas. Graduado em Pedagogia.

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As Mulheres de Amado (Karline da Costa Batista) A figura da mulher ativa e insubordinada eclodiu como consequência direta da Revolução Francesa e do Socialismo, manifestada enfaticamente nos anos 60 e 70, registrando-se o crescente interesse literário pelo tema. Entretanto, anteriormente às décadas feministas, deparamonos com a presença desta mulher-sujeito em obras de Jorge Amado, assinalando um claríssimo manifesto precursor. Compete salientar que, ao revelar a existência dessa cultura de afirmação feminina atrelada ao texto amadiano, menciona-se, unicamente, enquanto processo em construção, cabendo por mérito do autor o ato de propiciar às mulheres o legítimo papel de sujeito ao protagonizar cenas do cotidiano. Resgatando-a em meio ao contexto social, histórico e cultural, vislumbra-se a apresentação realista de uma condição já existente a transpor para a Literatura um ser despido de todo simbolismo, dando-lhe voz e autonomia. Dessa forma, Amado escreve sobre a menina que se transforma em mulher, adentrando a vida adulta a partir do instinto de sobrevivência. Dialoga trazendo o eu-feminino destituído de caricaturas, concebendo um perfil psicológico complexo e instigante. Reveste a personagem de significados, afastando-a positivamente da concepção da mulher-objeto. No romance Capitães de Areia, por exemplo, Dora, ao enfrentar os problemas e dificuldades, amadurece precocemente e, quando atinge esta posição, assume automaticamente o papel de mãe, chefe do lar e esposa, concentrando no seu íntimo um modo de agir voltado para o coletivo. Esta mulher independente e madura vive em função do outro, fomentando o princípio social da coletividade que tanto impregna as personagens amadianas. Constantemente nos deparamos com uma representatividade humanizada, uma substância feminina a buscar segurança no matrimônio e satisfazer os seus desejos carnais, simplesmente porque entende o ser humano como indivíduo complexo - isto simbolicamente demonstrado na relação bígama de Dona

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Flor. Amado trata a vida a dois recorrendo à situacionalidade e ao linguajar contemporâneo, numa encenação tendenciosa ao realismo machadiano em estilo sui generis. Retrata, desse modo, a mulher que ama e é amada, que concebe o casamento enquanto relação afetiva e que se indispõe quando algo não lhe agrada. Em Mar Morto, a insubmissão de Lívia perante a realidade torna-a senhora do seu destino, agente de transformação, apesar de subordinada às leis do acaso. Nutre a esperança amparada à força de vontade, num misto de mito e realidade coerente a sua consciência coletiva. Não se mantém alheia às inadequações do meio em que vive e procura assumir o comando da sua vida em um movimento contínuo, porque sabe das fatalidades e dos lutadores. Importa mencionar ainda que as mulheres de Amado emprestam ao enredo uma perspectiva moderna, materna, profissional, sensual e feminina, permeada de conceitos ideológicos que surgirão somente no século XXI. Dentre outros aspectos, impressiona a leitura pelo posicionamento de gêneros orientados pelo princípio da igualdade, denotando a atualidade de sua escrita. Karline da Costa Batista, natural de Aracati (CE), é escritora e graduanda do curso de Letras pela Universidade Federal do Ceará. Conquistou o 2° lugar no I Prêmio Alt Fest! de Poesia (PE), o 3° lugar no III Prêmio Literário Legislativo (RS), dentre outros, com participação em três antologias de poesia. Suas obras estão disponíveis no blog Fênix http://anancara.blogspot.com.

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“NEM O ÓDIO, NEM A BONDADE”: JORGE AMADO E A LUTA PROLETÁRIA NO ROMANCE CAPITÃES DA AREIA (Léa Costa Santana Dias) RESUMO Quando, nos anos trinta, Jorge Amado inicia a carreira de escritor, ainda que a ideia de Nordeste já estivesse amadurecida, a Bahia não era visualizada no cenário nacional como pertencente a essa região. Jorge Amado, então, transforma as páginas de seus romances num mecanismo de apresentação da Bahia a brasileiros e baianos. São várias as Bahias apresentadas em linguagem – e sob perspectivas distintas. Em Capitães da areia (1937), o que se representa é a Bahia de meninos pobres, abandonados e violentados, que lutam pela sobrevivência. O narrador se faz máscara do autor, um intelectual de esquerda, membro do Partido Comunista, que fala em nome de seus personagens para defender a ideologia política em que acredita. “Nem o ódio, nem a bondade. Só a luta” – é o que Amado preconiza a partir da voz de Pedro Bala, menino infrator elevado à condição de herói militante da causa proletária. Palavras-chave: Jorge Amado; Capitães da areia; narrador; baianidade; luta proletária. ABSTRACT When, in the 30’s, Jorge Amado initiates his career as a writer, although the notion of Northeast already existed, Bahia was not seen as part of this region at that time. Jorge Amado then uses the pages of his novels to introduce Bahia to its inhabitants and to the rest of the country. Several Bahias are represented through language – and from different perspectives. In the book Captains of the sand (1937), Bahia is shown as a place of poor, abandoned and

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abused boys struggling for survival. The narrator in this book is the author in disguise, a leftist intellectual, a member of the Communist Party, who speaks on behalf of his characters to defend the political ideology in which he believes. “Neither hate nor goodness. Only the fight” – this is what Jorge Amado advocates through Pedro Bala’s voice, a transgressive boy made a militant hero who supports the proletarian cause. Keywords: Jorge Amado; Captains of the sand; narrator; Bahianness; proletarian fight. Quando, nos anos trinta, Jorge Amado inicia a carreira de escritor, ainda que a ideia de Nordeste1 já estivesse amadurecida, a Bahia não era visualizada no cenário nacional como pertencente a essa região. Jorge Amado, então, transforma as páginas de seus romances num mecanismo de apresentação da Bahia a brasileiros e baianos. São várias as Bahias apresentadas em linguagem – e sob perspectivas distintas. Em Capitães da areia (1937), o que se tem é a Bahia de menores infratores, representados pelo narrador de forma simpática, o que faz o leitor acreditar, de imediato, que não há bandidos no trapiche, mas crianças pobres, abandonadas e violentadas, que lutam pela sobrevivência e anseiam por carinho: “Todos procuravam um carinho, qualquer coisa fora daquela vida: o Professor naqueles livros que lia a noite toda, o Gato na cama de uma mulher da vida que lhe dava dinheiro, Pirulito na oração que o transfigurava, Barandão e Almiro no amor na areia do cais” (AMADO, 2011, p. 44-5). Ao longo da narrativa, são feitas referências aos dramas comoventes vivenciados pelas crianças – todas com idades entre oito e dezesseis anos (Ibidem, p. 9), geralmente sem nome nem sobrenome, identificadas apenas por apelidos –, ao mesmo tempo em que se destaca que seus defensores também sofrem humilhações e/ou acusações. Por meio dessa estratégia discursiva, o narrador realça a situação de exclusão e abandono das crianças, conduzindo o leitor a

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conjeturar que se cometem crimes, fazem-no porque lhes faltam amor, respeito e compreensão. Sendo assim – nos sugere a narrativa –, uma vez oferecido amor aos meninos, não mais haveria razões para que praticassem delitos e infrações à ordem civil. Hipótese logo desmentida no texto pela experiência do personagem Sem-Pernas, que opta pela marginalidade, conquanto tenha tido a chance de desfrutar da atenção e cuidados de uma família. Para ganhar a confiança do leitor, o narrador destaca as circunstâncias hostis em que vivem as crianças, bem como o desamor e o tratamento degradante a que muitas vezes são submetidas. Observemos alguns desses momentos. Num restaurante, mesmo dispondo de dinheiro para pagar a conta, as crianças não são atendidas devidamente (Ibidem, p. 53). Embora com ingressos, porque vestidas de farrapos, não são aceitas em parques de diversões (Ibidem, p. 63). Quando levadas ao Reformatório, que deveria fornecer meios para que fossem aceitas socialmente, “são tratadas como feras” (Ibidem, p. 18). Os espancamentos e castigos físicos que recebem tornam-nas ainda mais revoltadas (Ibidem, p. 18). “O diretor de lá vive caindo de bêbedo e gosta de ver o chicote cantar nas costas dos filhos dos pobres”, denuncia dona Maria Ricardina, mãe do menino Alonso, que quase morreu vítima das torturas recebidas (Ibidem, p. 16). Porém, considerada pelo diretor do Reformatório como “uma mulherzinha do povo” (Ibidem, p. 19), a senhora tem sua queixa ignorada. Entra em cena, então, e a favor dos meninos do trapiche, o padre José Pedro, que recebe do diretor do Reformatório a acusação de “falso vigário de Cristo” (Ibidem, p. 20), igualando-se, em relação aos insultos sofridos, às crianças às quais protege. Por outro lado, por mais honesta que possa parecer a representação do drama dos espoliados, estes aparecem e permanecem silenciados no decorrer do romance. Há um outro a falar por eles – o narrador, máscara de ainda um outro, o autor, que faz de sua obra um instrumento de legitimação da ideologia em que acredita, transformando a militância política em seu maior personagem. Para que

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possa emergir a voz do escritor, um intelectual de esquerda, membro do Partido Comunista, ele mesmo inserido na categoria de excluído2, não do ponto de vista econômicosocial, mas do ponto de vista intelectual, é que são apagadas as vozes dos personagens marginalizados que compõem a narrativa. Segundo Roland Barthes, é característico ao escritor falar em nome de outrem (BARTHES, 1999, p. 33). Todavia, por ser a literatura um lugar onde se interagem e se entrechocam perspectivas sociais distintas, convém ser considerada a perspectiva desse outro que fala “em nome de”. Conforme alerta Regina Dalcastagnè, refletindo sobre o processo de representação na literatura contemporânea, Um dos sentidos de “representar” é, exatamente, falar em nome do outro. Falar por alguém é sempre um ato político, às vezes legítimo, frequentemente autoritário – e o primeiro adjetivo não exclui necessariamente o segundo. Ao se impor um discurso, é comum que a legitimação se dê a partir da justificativa do maior esclarecimento, maior competência, e até maior eficiência social por parte daquele que fala (DALCASTAGNÈ, 2008, p. 80). Sendo Jorge Amado um homem culto, sua voz traz em si mesma um distintivo de autoridade. Mas é pertinente destacar que, quando ele fala, pronuncia-se o intelectual de esquerda e não os capitães da areia ou outro grupo qualquer representado em linguagem. Não se trata de questionar a idoneidade do autor na busca pelo outro e/ou pelas peculiaridades da realidade que representa. O que está em questão, ainda segundo a perspectiva teórica de Dalcastagnè, é “a diversidade de percepções do mundo, que depende do acesso à voz e não é suprida pela boa vontade daqueles que monopolizam os lugares de fala” (Ibidem, p. 79). Por isso, a autoridade de quem fala pelo outro é passível de questionamentos. O que não significa condenar o autor por representar grupos diferentes daquele de sua proveniência, mas que “a representação não dispensa a necessidade da presença do outro” (Ibidem, p. 96).

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Ao falar em nome desse sujeito capaz de se expressar em sua própria voz, silenciando-o e mantendo-o silenciado em favor de sua ideologia política, Jorge Amado transforma o maniqueísmo num traço constitutivo do romance Capitães da areia. É assim que, comprometido com o propósito de fazer ressoar a voz do escritor em prol da causa comunista, o narrador representa os pobres e humildes como bons e portadores de atitudes nobres; e os ricos e abastados como desumanos, cruéis e perversos. Desse modo, as condições subumanas a que são submetidos os meninos do trapiche são atribuídas às ações e/ou omissões dos homens ricos: “[...] enquanto tudo não mudasse, os meninos não poderiam ser homens de bem. [...] o padre José Pedro nunca poderia fazer nada por eles porque os ricos não deixariam” (AMADO, 2011, p. 108). O próprio padre José Pedro não é um religioso qualquer, mas um homem de origem humilde que trabalhara como operário durante cinco anos numa fábrica de tecidos (Ibidem, p. 71), e que sofreu perseguições por parte da Igreja, por tê-lo considerado semelhante a um comunista (Ibidem, p. 151). Sua magreza e sua batina rasgada é que despertam a confiança dos meninos (Ibidem, p. 75). Também não é por acaso que Jesus, enquanto personificação do bem, é representado nu e pobre, assim como o menino Pirulito (Ibidem, p. 110). Ainda no âmbito do religioso, merece destaque o tratamento dado pelo narrador ao orixá Omolu, especialmente quando este resolve castigar os homens ricos por sua soberba, mandando “a bexiga negra para a Cidade Alta, para a cidade dos ricos” (Ibidem, p. 139). Para surpresa da entidade, os homens ricos estavam protegidos com a vacina, sua desconhecida: “Omolu não sabia da vacina, Omolu era um deus das florestas da África, que podia saber de vacinas e coisas científicas?” (Ibidem, p. 139). E para intensificar ainda mais o conflito, uma vez enviada a doença, não mais se poderia impedir que se espalhasse e atingisse também os homens pobres, protegidos do orixá. Contudo, a inexorabilidade de suas ações não o impede de se comover

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com o sofrimento de seus filhos e traçar estratégias para livrá-los da desgraça. É o que nos revela a narrativa: Mas como a bexiga já estava solta (e era a terrível bexiga negra), Omolu teve que deixar que ela descesse para a cidade dos pobres. Já que a soltara, tinha que deixar que ela realizasse sua obra. Mas como Omolu tinha pena dos seus filhinhos pobres, tirou a força da bexiga negra, virou em alastrim, que é uma bexiga branca e tola, quase um sarampo (Ibidem, p. 139). Conforme se percebe, é intenção da entidade proteger os homens pobres, tidos como explorados pelos homens abastados, estes sim merecedores da punição. Por outro lado, se Omolu marca “seus filhinhos” com o alastrim no intuito de protegê-los da morte (Ibidem, p. 156), o narrador por vezes os condena. É o que ocorre com Almiro, um menino vítima do alastrim, aparentemente punido pelo narrador com a morte por ter resistido a ir para o lazareto e por ter pedido ao grupo ao qual pertencia para mantê-lo no trapiche, apesar dos riscos de contaminação que seu desejo representava. “Eu sou um do grupo” (Ibidem, p. 142) era ao mesmo tempo o argumento de Almiro e seu grito por socorro, pois sabia que do lazareto poucos sairiam com vida. Da mesma forma poderia ter agido Boa-Vida, outro menino enviado ao lazareto, caso tivesse tentado fugir da clausura e morte longe do trapiche. Porém, “para não contaminar os outros” (Ibidem, p. 156), mantendo uma postura inversa à assumida por Almiro, é o solidário Boa-Vida quem se apresenta voluntariamente ao lazareto, onde encontra a cura de sua enfermidade, contrariando suas expectativas e as de seus companheiros. São duas maneiras distintas de se relacionar com o outro que dão a seus protagonistas desfechos também distintos: enquanto Almiro parece punido com a morte por ter colocado o eu acima do outro; Boa-Vida, por razões opostas, parece recompensado. Assim, tanto na condenação de Almiro, quanto na recompensa concedida a Boa-Vida, o que parece sobressair, através da voz do

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narrador, é o ideário do pensador de esquerda autor da narrativa. No texto, são várias as situações que apontam o “outro” como destino dos capitães da areia. É por causa desta solidariedade ao grupo, por exemplo, que o menino SemPernas se recusa a viver ao abrigo da família de dona Ester, optando por continuar na marginalidade. Afinal, para ele, só fazia sentido aquilo que pudesse mudar o destino de todos. E isso o convívio com uma família de classe média não lhe possibilitaria, pois esta comodidade significava partilhar do estilo de vida burguês, que ele considerava abominável. Todavia, dentre os personagens menores infratores do texto, é Pedro Bala quem melhor encarna a missão de eleger o “outro” como destino. Pelo “outro” ele abandona a marginalidade das ruas e se integra à marginalidade revolucionária, no sentido de estar sempre correndo o risco de ser preso em razão de sua luta em favor da causa operária. Por isso Jorge Amado projeta o líder dos capitães da areia além do trapiche ao qual está/esteve circunscrito, transformando-o em sua máscara, que não apenas ilustra, mas também denuncia as injustiças a que são sujeitados excluídos sociais de categorias diversas. Através de Pedro Bala, Jorge Amado se amalgama ao povo que representa, ao mesmo tempo empenhando-se em sua conscientização política e incitando-o a intervir na transformação da sociedade. Nesse sentido, a voz de Pedro Bala, da qual se apropria Jorge Amado, funciona como um drible à censura que, dentre outros atos questionáveis, condenou a serem queimados em praça pública inúmeros exemplares de Capitães da areia. É por meio dela – a voz de Pedro Bala – que Jorge Amado preconiza a máxima que a violência incendiária da Ditadura do Estado Novo não conseguiu apagar: “Nem o ódio, nem a bondade. Só a luta” (Ibidem, p. 228). Porque o ódio e a bondade tiraram dois soldados da batalha: Sem-Pernas e Pirulito. Ambos mortos. O primeiro, sob o aspecto corpóreo, por ter cometido o suicídio, após uma curta existência em que predominaram o ódio, o desespero, o tédio, o rancor e a descrença em si mesmo e

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na humanidade; o segundo, sob o aspecto espiritual, por ter renunciado aos prazeres da vida terrena para se dedicar, como padre, à prática da bondade cristã. À margem da vida – um por estar morto, e o outro por ser um asceta –, os dois personagens poderiam buscar a igualdade “no reino do céu” (Ibidem, p. 94). Mas, para Pedro Bala (e também para o militante Jorge Amado), não havia justiça nessa possível recompensa: “[...] já tinham sido desiguais na terra, a balança pendia sempre para um lado” (Ibidem, p. 94). Preferível, então, agarrar-se à vida real e lutar a favor de ações coletivas e populares. Se, por terem sido incapazes e/ou não terem tido oportunidade de agir em benefício da coletividade, Almiro e Sem-Pernas parecem punidos pelo narrador; Pedro Bala, por razões inversas, parece aclamado. Se a abnegação de Boa-Vida em proveito do bem comum garante-lhe “uma estrela no lugar do coração” (Ibidem, p.156), mas ainda a tem por merecimento o “camarada” Pedro Bala, que aparece no texto adornado de heroicidade e, portanto, protegido pelo povo perante o qual se apresenta como representante e defensor. Nos jornais de classe – que eram impedidos de circular livremente, tal como a obra Capitães da areia durante um determinado período –, assim se descreve a trajetória militante e heroica de Pedro Bala: [...] os jornais de classe, pequenos jornais, dos quais vários não tinham existência legal e se imprimiam em tipografias clandestinas, jornais que circulavam nas fábricas, passados de mão em mão, e que eram lidos à luz de fifós, publicavam sempre notícias sobre um militante proletário, o camarada Pedro Bala, que estava perseguido pela polícia de cinco estados como organizador de greves, como dirigente de partidos ilegais, como perigoso inimigo da ordem estabelecida. [...] No ano em que todas as bocas foram impedidas de

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falar, no ano que foi todo ele uma noite de terror, esses jornais (únicas bocas que ainda falavam) clamavam pela liberdade de Pedro Bala, líder da sua classe, que se encontrava preso numa colônia. [...] E, no dia em que ele fugiu, em inúmeros lares, na hora pobre do jantar, rostos se iluminaram ao saber da notícia. E, apesar de que lá fora era o terror, qualquer daqueles lares era um lar que se abrigaria para Pedro Bala, fugitivo da polícia. Porque a revolução é uma pátria e uma família (Ibidem, p. 262). Por outro lado, assim como não é aleatória a heroicização de Pedro Bala, sendo ele máscara do autor, também não é aleatória a escolha do povo enquanto personagem. Para Eduardo de Assis Duarte, Jorge Amado transforma as classes populares em personagem para ganhá-las enquanto leitoras e mantê-las atentas aos dramas dos espoliados (DUARTE, 1997, p. 89). Nesse sentido, conforme Fábio Lucas, a obra amadiana possui um caráter eminentemente político e militante, apresentando como propósito primeiro a inclusão dos excluídos sociais (LUCAS, 1997, p. 105, 113). É o que se percebe em Capitães da areia, sobretudo no momento em que Pedro Bala transita da malandragem à militância política e “encontra, nas lutas sociais e trabalhistas, o caminho para desaguar de modo mais coerente a revolta contra o sistema que o marginaliza” (DUARTE, 1996, p. 114). E ao se fazer máscara do autor, um intelectual de esquerda, militante da causa comunista e proletária, que fala em nome de seus personagens para defender a ideologia política em que acredita, o narrador de Capitães da areia envereda pelas trilhas do maniqueísmo, responsável tanto pela atribuição da maldade aos ricos e abastados, quanto pela suavização dos crimes cometidos pelos órfãos do velho trapiche abandonado. Sendo uma obra marcada por tais peculiaridades, a princípio pode-se

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imaginar haver nela uma predisposição ao essencialismo, a sugerir a existência de um conjunto cristalino e autêntico de características partilhadas por todos os integrantes do grupo. A esse respeito, mesmo circunscrita a outro contexto de discussões, facilmente nos vem à memória a assertiva de Kathryn Woodward: “[...] a celebração da singularidade do grupo, que é a base da solidariedade política, pode se traduzir em afirmações essencialistas” (WOODWARD, 2008, p. 34). Todavia, a simbiose entre maniqueísmo e essencialismo não se corporifica no romance Capitães da areia. Para além da singularidade e da solidariedade ao grupo, afloram crises e fissuras várias. A título de exemplificação, retomemos o drama vivido por Almiro ao ser acometido pelo alastrim. Enquando o menino soluçava de medo de ser levado ao lazareto, onde provavelmente encontraria a morte – que de fato acaba ocorrendo –, seus companheiros, iguais na pobreza e na miséria, não se solidarizaram nem se compadeceram com seu sofrimento. Neles, quase em unanimidade, prevaleceu a ânsia desesperada pela preservação da vida, conforme se pode inferir a partir de certas expressões do pensamento do personagem Sem-Pernas: “Tu vai por bem ou por mal e leva teus trapos. Vai pro inferno, que a gente não vai ficar com bexiga por você. Por amor de você, xibungo [...]” (AMADO, 2011, p. 141). Gente, se ele não quiser sair, a gente bota ele pra fora debaixo de porrada. Senão, tudo vai morrer de bexiga, tudo [...]” (Ibidem, p. 142). São estas sentenças sintomáticas de instantes de crise na estrutura maniqueísta do romance, que direcionam o leitor a pôr em xeque a bondade, a solidariedade e o compromisso com o coletivo enquanto singularidades inerentes aos capitães da areia. Mesmo entre soluços, lágrimas e pavor diante da iminência da morte, somente após a intervenção de Pedro Bala é que Almiro consegue desvencilhar-se da

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violência dos outros componentes do grupo, numa ação que demarca o caráter de liderança do personagem elevado, ao final da narrativa, à categoria de herói militante da causa proletária. No texto, são inúmeras as tentativas do narrador para minimizar a gravidade dos atos ilícitos cometidos pelos órfãos do trapiche, sobretudo através do realce dado à sua condição de pobres, abandonados e violentados. Em relação a Pedro Bala, convém ao projeto político e estético do autor a heroicização romanesca do personagem. Um dos pontos altos desse processo refere-se ao momento em que o garoto salva do estupro coletivo a menina Dora, com quem posteriormente viveria uma breve história de amor, interrompida pela morte da heroína, desfecho tão comum em narrativas românticas, com as quais, sob este aspecto, o romance Capitães da areia parece dialogar. Mas também no personagem máscara do autor irrompem fissuras em sua composição maniqueísta. O futuro herói proletário, que impediu a violação do corpo de uma menina que buscou abrigo no velho trapiche abandonado, é o mesmo garoto que tinha por costume “derrubar no areal”, para a prática de sexo não consentido, meninas negras e menores (Ibidem, p.39). Como ato aleatório e insuficiente para macular a configuração heroica de Pedro Bala é que aparece representado no texto o estupro anal de uma menina virgem de quinze anos, identificada apenas como “negrinha”, “que pretendia reservar seu corpo para um mulato que a soubesse apaixonar” (Ibidem, p.88-9). Não sendo reprovadas pelo narrador as ações violentas imputadas às meninas, a estas, contraditoriamente, é que se atribui a responsabilidade pelos abusos sofridos. A respeito da menina virgem, suas andanças tarde da noite num local impróprio para “moças e mulheres de respeito” atenuam o crime de Pedro Bala. Minutos antes da violação de seu corpo, são as seguintes as indagações do narrador: Para que tinha vindo de noite, para que se arriscara na areia do cais? Não sabia que a areia das docas é a cama de amor de todos os malandros, de todos os ladrões, de todos os marítimos, de todos os Capitães da Areia, de todos os que

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não podem pagar mulher e têm sede de um corpo na cidade santa da Bahia? (Ibidem, p. 88). Além de não ser diretamente responsabilizado pela prática do estupro, Pedro Bala é descrito pelo narrador como alguém que se comove ao se reconhecer como o causador do sofrimento de uma menina indefesa. Segundo Eduardo de Assis Duarte, “consuma-se a violência sexual, mas sobrevém um fluido sentimento humanista de ‘justiça entre iguais’, comum nas representações amadianas da marginalidade” (DUARTE, 1996, p. 115). É o que se pode inferir a partir do seguinte trecho da narrativa: [...] Ela chorava e aquele choro foi angustiando Pedro Bala [...] Pedro baixou a cabeça, não sabia o que dizer, não tinha mais desejo nem raiva, só tristeza no seu coração [...]. Ela soluçou mais alto, ele foi chutando areia. Agora se sentia mais fraco que ela [...]. Primeiro ele ficou parado, depois deitou a correr no areal e ia como se os ventos o açoitassem, como se fugisse das pragas da negrinha. E tinha vontade de se jogar no mar para se lavar de toda aquela inquietação, a vontade de se vingar dos homens que tinham matado seu pai, o ódio que sentia contra a cidade rica que se estendia do outro lado do mar, na Barra, na Vitória, na Graça, o desespero da sua vida de criança abandonada e perseguida, a pena que sentia pela pobre negrinha, uma criança também. (AMADO, 2011, p.912, grifos meus). Nesse instante da narrativa, sob a ótica do narrador que traduz o pensamento do personagem com o qual se identifica, não mais se trata da relação pérfida entre vítima e algoz. Criança abandonada, tanto quanto a menina que violentara, Pedro Bala irmana-se a esta na miséria e na pobreza, embaralhando as fronteiras entre o bem e o mal,

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tornando entrelaçadas a criminalidade e o heroísmo, como se estivesse a conduzir o leitor a lhe ser simpático e a celebrar, acerca das identidades, seu caráter instável, contraditório, fragmentado, inconsistente e inacabado. NOTAS 1. O termo Nordeste, usado inicialmente para designar a área de atuação da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), criada em 1919, passou a representar toda a parte Norte do Brasil sujeita às estiagens e, portanto, merecedora de atenção especial do poder público (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2001, p. 68). 2. Jorge Amado sofreu retaliações durante a Ditadura do Estado Novo. Em relação ao romance Capitães da areia, sua primeira edição teve inúmeros exemplares queimados em praça pública, e uma segunda edição só se tornou possível em 1944. O escritor foi preso pela primeira vez em 1936, acusado de ter participado, um ano antes, da Intentona Comunista. Em 1947, já fora do âmbito do governo Vargas, seu mandato de deputado federal foi cassado. Em 1948, devido à perseguição política, exilou-se em Paris. Sua casa no Rio de Janeiro foi invadida pela polícia, que apreendeu livros, fotos e documentos.

REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2. ed., Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana / São Paulo: Cortez, 2001. AMADO, Jorge. Capitães da areia. 10. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2011. BARTHES, Roland. Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva, 1999. DALCASTAGNÈ, Regina. Vozes nas sombras: representação e legitimidade na narrativa contemporânea. In: DALCASTAGNÈ, Regina (org.). Ver e imaginar o outro: alteridade, desigualdade, violência na literatura brasileira contemporânea. São Paulo: Horizonte, 2008, p. 78107. DUARTE, Eduardo de Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia. Rio de Janeiro: Record / Natal, RN: UFRN, 1996.

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DUARTE, Eduardo de Assis. Classe, gênero, etnia: povo e público na ficção de Jorge Amado. In: Cadernos de Literatura Brasileira: Jorge Amado. São Paulo: Instituto Moreira Sales, n. 3, março de 1997, p. 88-97. LUCAS, Fábio. A contribuição amadiana ao romance social brasileiro. In: Cadernos de Literatura Brasileira: Jorge Amado. São Paulo: Instituto Moreira Sales, n. 3, março de 1997, p. 98-119. WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença; a perspectiva dos estudos culturais. 8. ed., Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 07-72.

Léa Costa Santana Dias é natural de Euclides da Cunha–BA. Professora de Literatura Brasileira da Universidade do Estado da Bahia. Doutoranda em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Bahia. Mestra em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Especialista em Estudos Literários pela UEFS.

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Bahiano Romancista (Lénia Aguiar) Em todos os séculos existe um escritor ou poeta que se destaca. E, no século XX, foi Jorge Amado o escolhido. Nasceu no verão de 1912, no dia 10 de agosto, em Itabuna, Bahia. Os pescadores trabalhavam nessa altura. Alguns verões passaram e ele cresceu. Tornou-se um escritor, escreveu grandes romances, baseados na sua terra, mencionando as dificuldades passadas. O seu primeiro romance, O País do Carnaval, foi publicado em 1931, e vendeu mais de mil exemplares, sendo feita uma 2ª edição. Em 1935, publicou um romance que destacava a vida dos negros na Bahia, Jubiabá, e teve um grande impacto. Deu origem a uma radionovela em 1946, a duas peças teatrais, e foi adaptado para o cinema e para a TV, com produção franco-brasileira, sendo transmitido na França. Em 1936, publica o romance Mar Morto, que foi escrito em quinze noites, depois de ele sair da prisão por motivos políticos. Recebe o Prêmio Graça Aranha no mesmo ano. Esse romance foi traduzido para diversas línguas, além de transformado em radionovela, em 1940, e adaptado para o cinema, em 1957. Dorival Caymmi fez uma música sobre esse tema. Em 1937, saiu a público Capitães de Areia. Além de muitas traduções, também foi adaptado para telenovela, em 1989, representado em três espetáculos de dança, na década de 80 - dois deles estrangeiros -, e esteve no cinema em 1971. Recentemente, estão a preparar um novo filme. Em 1956, saiu para o mercado o romance Gabriela, Cravo e Canela. Além de várias edições, também foi traduzido para inúmeras línguas e adaptado para telenovela na década de 80. Em 1966, chega às livrarias o romance Dona Flor e seus Dois Maridos. Foi exibido em cinema no ano de 1976, assim como adaptado para minissérie de TV em 1977 e representado no teatro. Ganhou destaque não só pela história como também pelo conteúdo gastronômico da Bahia.

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Em 1977, foi publicado o romance Tieta do Agreste, que apresenta o dia-a-dia de uma Bahia renovada, com a influência da cultura hippie e as ameaças das novas indústrias. Teve direito a uma minissérie na TV em 1990, com a atriz Betty Faria como protagonista. Anos depois, fizeram um filme baseado nessa famosa obra. Em 1984, surge o romance Tocaia Grande, que falava da construção de um povoado no início do século, de suas gentes e da história da sua cidade. Foi traduzido em diversas línguas estrangeiras e, em 1995, teve adaptação para novela de TV. Embora queira destacar o romancista que ele foi, é importante salientar que estudou Direito no Rio de Janeiro na década de 30, foi jornalista e político. Porém, sua faceta de escritor o elevou, principalmente depois de se tornar romancista. Não existe outro escritor como ele no Brasil. Vendeu milhares de livros e ganhou o Prêmio Camões em 1994. A obra teve versões em braille e em áudio para cegos. É hoje considerado o melhor romancista e o maior escritor brasileiro do século XX. Vinte e cinco romances deu a conhecer ao mundo, embora também tenha escrito poemas, contos, crônicas, biografias, autobiografia, memórias e livros infantis. Em 1986, inaugurou-se em Salvador da Bahia, a Fundação Casa de Jorge Amado, que mostra as diversas obras literárias do autor, quer em livros, quer em manuscritos, revistas, traduções e fotografias. Lénia de Fátima Nunes Aguiar é natural da Ilha Terceira, arquipélago dos Açores, Portugal. É escritora de prosa e poesia, entrevistadora em part-time. Já publicou um livro de poesia, “Amor Oculto”, em maio de 2010. Já participou da VI e da VII Antologias Valdeck Almeida de Jesus, com o poema “Refletindo”, em 2010, e com a crônica “O Renascer de uma Escritora”, em 2011. Já foi premiada em diversos concursos literários, no Brasil e em Portugal.

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Leitor brasileiro honrado carrega consigo o Jorge Amado (Lucas Expedito Claro Prado) Jorge Amado, o maior escritor romancista do século XX no Brasil, e um dos maiores do mundo. Sua posição de autor era pelo povo miserável, explorado, oprimido, e contra quaisquer inimigos desse povo. Trouxe para a nossa literatura uma pitada gostosa do povo baiano. “Afinal, somos mulatos, pela graça de Deus!” – disse, certa vez, pois admirava a miscigenação racial brasileira e levava exuberantemente bem o humor a qualquer exemplo de preconceito. Sua adolescência em Salvador e, mais tarde, o contato com aquela vida popular seriam entrelaçados e marcados nas suas obras. Participou da vida literária de Salvador, e depois foi um dos fundadores da Academia dos Rebeldes, grupo de jovens escritores que se opunha ao Modernismo e que desempenhou uma função importante e revolucionária nas letras baianas. Entretanto, Jorge é considerado modernista da segunda fase, pois, no final das contas, procurou a mesma coisa, a renovação literária e as modifcações na sociedade. Em 1931, começou as suas publicações, primeiro livro foi “O País do Carnaval”. Durante a década de 1930, no Rio de Janeiro, estudou na faculdade de Direito (UFRJ), e lá participou de reuniões regadas de discussões polítícas e de artes. Quando jornalista, interferiu na política ideológica do comunismo, como outros de sua geração. Suas obras dão destaque as várias questões, como a falta de justiça social, a política, a crença, as tradições e a sensualidade. Pela literatura ele propagou suas ideias sobre esses temas. Politicamente, em 1945, eleito deputado federal pelo PCB, sofreu fortes pressões políticas. Foi autor da garantia da liberdade religiosa. Segundo ele mesmo declarou, era materialista, todavia, tinha simpatia pelo candomblé e disse certa vez: “Não sou religioso mas tenho assistido a muita mágica. Sou supersticioso e acredito em milagres. A vida é feita de acontecimentos comuns e de milagres.” Milagres

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responsáveis por várias leis que beneficiaram a cultura. Na Academia Brasileira de Letras, em 1961, foi eleito para a cadeira de número 23, suas obras foram traduzidas para quase 50 idiomas. Jorge Amado escreveu contos, biografias, peças e até mesmo um guia de viagens. Morreu aos 88 anos, em seu grande lar, na terra brasileira, exatamente em Salvador. Mas a morte não foi tão importante diante desse grande homem. Afinal, além da vida está a arte, e além desta a eternidade. Deixou registrado seu talento, sua escritura, sua arte na nossa literatura brasileira. E, para as novas gerações de leitores e escritores do nosso idioma, deixou em páginas, a magia de seus personagens: Vadinho que era o vadio; Teodoro Madureira, ao contrário, que era mais “maduro”; o mulato Pedro Archanjo, de Tendas dos Milagres (1969), uma espécie de intelectual do povo afrodescendente da Bahia, sem contar as suas lindas protagonistas femininas: Dona Flor e Gabriela, que, entre outras, são uma exaltação ao erotismo e heroínas valentes e fortes. Enfim, foi premiado no estrangeiro e no Brasil. Obrigado, Jorge Amado, pelo que fez à nossa literatura. Exerceu a função perfeita da vida e da leitura, conforme retrata o livro “Capitães de Areia” (1937), da beleza contida na verdade simplória. Assim, permanecerá importante para o nosso Brasil. “Escrever é transmitir vida, emoção, o que conheço e sei de minha experiência e forma de ver a vida.” (Jorge Amado) Lucas Expedito Claro Prado é natural de Taiaçu-SP, escritor, poeta, jornalista e publicitário. Participa de três antologias de poesias e crônicas, e, em 2012, serão lançadas mais duas antologias poéticas com sua participação. Graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, curso que concluirá em 2013.

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Homenagem acróstica ao centenário do escritor (Lúcia Amélia Brüllhardt) Jubiloso dos cem anos Ocorre neste ano de graça Rogamos a Deus por ti e tua Gattai, Zélia esposa amada Enriqueceste a cultura Amante da Literatura Muitas alegrias nos deste As tuas obras não morreram Dominam todo o Nordeste Os bons não morrem, adormecem. Lúcia Amélia Brüllhardt, Suíça - Nordestina, diplomada em Contabilidade, Estética Internacional e Teologia. Além de autora, cantora e compositora, é Fundadora Presidente da ONG internacional MADALENA'S, através da qual vem lutando há mais de uma década contra a exploração sexual e o tráfico de seres humanos no circuito Suíça-Brasil. O Livro "Da Lama do Nordeste à Fama da Europa" foi lançado em 2009 na IV Bienal em Recife-PE, com a segunda edição lançada na Livraria Varal do Brasil 2012, na Suíça.

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Jorge Amado, escritor sem igual (Marcelo Canto) Investigou a Bahia. Criador de romances que retratam o povo baiano, seus encantos, suas terras, seus corações. Sua Bahia era-lhe a própria vida, o entusiasmo de escrever. Parece que sua vida se confundia com toda a gente dessa terra, com os costumes, folclores, características próprias. O que dizer de suas obras? Sabe-se que são ricas, belas; romances escritos com maestria, que até hoje contagiam gerações passadas, presentes e futuras do povo brasileiro, dos povos estrangeiros. Segundo fonte da Internet, seus livros foram traduzidos em 55 países e em 49 idiomas. Várias adaptações em filmes e novelas, com destaque para “Gabriela, Cravo e Canela”. Quem há de se esquecer do romance entre o moço Nacib e Gabriela? Da cena daquela mulher brejeira subindo no telhado, sob os olhares cobiçosos dos moços e do povo curioso, dando uma espiada na moça de cabelos longos, então interpretada por Sônia Braga? De fato, Jorge Amado foi um escritor sem igual. Ganhador de vários prêmios literários, cultuou o povo da Bahia e suas regiões, como bem ilustra “Terras do SemFim”. Além disso, investigou o universo urbano, e mais que isso, o que estava escondido nas entranhas do submundo das cidades baianas, como na história do menino de “Capitães da Areia”, seu drama, sua luta e sua condição humana, circunstâncias que só Jorge Amado pode descrever. Sem dúvida, seu estilo literário ganhou o mundo. Mas Amado também foi um atuante político. Optou pelo comunismo, talvez pelo desejo de um mundo igualitário; um mundo em que não houvesse o terror que, como todos nós sabemos, gera o capitalismo mordaz, cruel e discriminatório. Um mundo que ele sonhava para a sua terra, para o Brasil e para o povo brasileiro. Enfim, creio que Jorge Amado foi um escritor completo, sua obra está imortalizada nos anais da Bahia; do povo baiano; duma terra de gente brava e de pessoas que

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não se entregam; de pessoas boas, honestas, desonestas; de homens, mulheres e crianças que riem, choram, sofrem, enfim, gozam a sua vida. Verdadeiramente só posso pensar uma coisa: Jorge Amado ganhou com a Bahia e a Bahia tem muito a agradecer a Jorge Amado, pelo seu carisma e pela extensão de seu acervo literário. Viva a cultura e cultue-se Jorge Amado para sempre! Marcelo Allgayer Canto nasceu em 1963 na cidade de Porto Alegre. É Bacharel em Administração de Empresas pela PUC-RS e sócio da União Brasileira de Escritores. Atualmente, também é funcionário público federal. Além disso, participou de diversas Antologias Literárias e Coletâneas. É autor do livro “Algum escrever poético” (Scortecci Editora).

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O Imaginário “Amadiano” (Márcio Santos Sales) “Jorge Amado é o escritor baiano mais conhecido e mais lido no mundo”, disse certa vez o historiador Cid Teixeira em uma entrevista para uma rede de televisão de Salvador. Não haveremos de discordar dessa afirmação, porém, cumpre que analisemos alguns dos motivos que levaram o “velho Jorge” a despertar o interesse da comunidade internacional de tal forma, a ponto de ter as suas obras traduzidas para mais de quarenta idiomas. Não é exagero afirmar que a Bahia retratada nos livros de Jorge Amado nutriu e continua a nutrir o imaginário não só de brasileiros, mas também de estrangeiros, de uma baianidade totalmente inventivada pelo olhar arguto do velho escritor. Várias imagens permeiam a mente de leitores baianos e “turistas” no tocante, principalmente, ao homem e à mulher negra baiana. Quem leu a obra Gabriela, por exemplo, nunca deixará de vê-la como arquétipo da sensualidade feminina baiana e, ao mesmo tempo, talvez, o negro “Baldo”, da obra Jubiabá, seja símbolo da malandra e viril negritude da Bahia. Ainda hoje, objetiva-se entender a tal “baianidade amadiana”, pois, segundo ela, “Gabrielas”, “Balduínos” e, talvez, “Pedros Archanjos”, se misturam, diariamente, nas subidas e descidas da ladeira do Taboão. E é por meio dela (da baianidade) que os órgãos de turismo não cessam de vender, como material exótico, o “paraíso amadiano” – a Bahia – que encanta baianos, não baianos e estrangeiros. Enxergar a cultura do outro como elemento exótico sempre foi uma marca no comportamento do homem europeu, que, desde a descoberta da América, nutre curiosidade acerca dos seus habitantes, enxergando neles, bárbaros sem fé, lei ou rei. O que Jorge Amado faz, em algumas de suas obras, é nada mais que oferecer um “banquete” de exotismos aos seus leitores, principalmente os estrangeiros. Quem não ficaria impressionado com a promíscua relação entre Antônio Balduíno e as mulheres na “Cidade da Bahia”? Ou com a animalizada libido de Gabriela,

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e até mesmo com a bestialidade contida no comportamento do “velho macumbeiro” Jubiabá? É lícito afirmar, portanto, que o sucesso editorial do velho Jorge, em algumas plagas estrangeiras, ocorre não só pelo seu talento inegável, mas também pelo fato de boa parte das suas obras estarem intimamente ligadas a uma certa “correspondência” ao imaginário estrangeiro. O negro, personagem marcante em quase todas as obras amadianas, apesar de alguns figurarem como heróis nas tramas, continuam a carregar características negativas, como a promiscuidade, bestialidade, agressividade etc., historicamente apontadas pelos brancos, acometidos por uma ideia de superioridade racial, como sendo inerentes à raça negra. Podemos perceber, ainda, que a Bahia retratada no cinema e nas telenovelas possui, na maioria das vezes, uma aura amadiana, quer seja na descrição dos seus espaços, quer na caracterização dos seus personagens, tornando, assim, a baianidade um conceito elaborado e cimentado pelas obras do “bom e velho Jorge”, que, mesmo tendo escrito os seus textos há algumas décadas, as ideias ali contidas continuam a permear o nosso imaginário e a forçar uma identificação com elementos que, muitas vezes, nos são alienígenas. Por fim, uma possível explicação para uma tradução em série das obras de Jorge Amado no exterior, talvez, seja o fato de os estrangeiros ainda encontrarem, em algumas obras do escritor, elementos que continuam a reforçar a já tão presente ideia de inferioridade cultural do afrodescendente em relação aos outros povos, bem como a corroborar com uma visão do negro, cada vez mais carregada de estereótipos, que o torna um ser, por natureza, exótico. Márcio Santos Sales é baiano, natural de Salvador, professor, poeta e escritor. Mantém um blogue de nome "aextensãodosaber", onde publica poesias artigos e textos. É graduado em Letras, com especialização em Inglês, mestre em Estudos de Linguagem e mestre de capoeira Angola. Tem textos publicados em periódicos impressos e eletrônicos da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

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Centenário de uma eternidade chamada Jorge (Maria da Conceição Braga de Castro) Pensava em versos, escrevia em rimas e me deixava ser perseguida pela poesia. Meu coração, no entanto, afoito e desenfreado, me atiçou à prosa, ao ver o edital que me impulsionava a escrever sobre Jorge Leal Amado de Faria, cuja obra sempre fora para mim uma grande poesia. Obedecendo aos seus ditames, não tive dúvidas: arriscarme-ia a vestir sentimentos com roupas de crônica para homenagear esse ícone da literatura brasileira e universal, a quem procurarei não emprestar adjetivos, para não me tornar pequena nesse mister. De fato, adjetivos imputáveis a Jorge Amado não são construídos, são espontâneos e nascem já se multiplicando nos leitores, a cada uma de suas linhas lidas. Aliás, a multiplicação parece ser uma constante na vida do escritor, bastando que se observe a espantosa cifra de quarenta e nove traduções de sua obra, feitas em quarenta e quatro países distintos. Multiplicativo também era o número de amigos que se rendiam à inteligência, fluência e sensibilidade de Jorge, encantando-se e aconchegando-se à sua família, e até mesmo ampliando o seu núcleo. Exemplos disso são o cantor Dorival Caymmi e o artista plástico Carybé, cuja condição de irmãos por afinidade sempre foi declarada por Jorge Amado. E, por falar em família, como aqui olvidar o nome de Zélia Gattai? Esposa e companheira fiel de Jorge, que caminhou ao seu lado em todos os momentos, até o seu falecimento em 6 de agosto de 2001, ocorrido nesta cidade de Salvador? Em reforço à minha tese, constato que até o local de nascimento do literato ensejou senão multiplicidade, ao menos a duplicidade de registros históricos. De fato, até hoje disputam Ilhéus e Itabuna a posição de berço do famoso escritor. Isso, em função da assertiva de que nascera na Fazenda Auricídia, e que esta, à época, pertencia ao município de Ilhéus. Contudo, o seu registro civil foi feito no

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povoado de Ferradas, pertencente a Itabuna e, portanto, esta seria a real detentora do privilégio e honra. Multiplicou ainda Jorge Amado o senso de consciência de realidade social da época, quando, em todas suas obras, esteve atento a esse despertar. Exemplo disso é que, comprometendo-se com os “ásperos tempos” que conheceu, denunciou a triste condição em que viviam os “Capitães de Areia”. Ah... Mas tudo começou mesmo foi com o “País do Carnaval”... “Ali” nasceu, viveu e orgulhou a sua terra o homem que, acreditando no “Cavaleiro da Esperança” e nos "Milagres dos Pássaros”, passeou na inocência do "Gato Malhado e da Andorinha Sinhá” sem, contudo, se despojar da sensualidade de “Tieta do Agreste” e de “Gabriela Cravo e Canela”. A terra do “Cacau”, que parece ter atraído para si toda a riqueza e beleza nos frutos, nos presenteou com esse escritor, que, mais que um “Canto de Amor à Bahia” (disco gravado por seu amigo Dorival Caymmi), significou uma inspiração literária capaz de fazer delirar em devaneios e conduzir nesses sonhos à bela “estrada do mar”, e por que não dizer, a real e interior “Descoberta do Mundo”. Os inúmeros prêmios conquistados por Jorge Amado nada mais foram que o reconhecimento do seu “Suor” e talento, já que foi um dos poucos romancistas brasileiros que viveram exclusivamente dos direitos autorais de suas obras. Imbuída do espírito dos “Pastores da Noite”, fiz uso destas parcas palavras para fazer com que o papel, as letras e as tintas se orgulhassem em saber que Jorge Amado era eles, vestidos e embelezados de singular e vasta cultura, romance, prosa e poesia. Mas o fiz somente para eles, porque o resto do mundo já sabe... E nós, brasileiros, já nos orgulhamos. Dancemos, pois, em festa, de mãos dadas com as letras e os calendários, aplaudindo a obra de Jorge, que ad eternum vivificará a nossa cultura, por muitos e múltiplos centenários...

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Maria da Conceição Braga de Castro é natural de Salvador-BA, graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Como poeta, participou da Antologia-Blog do Osvandir e publica seus textos nos site: www.textolivre.com.br - Recanto das Letras.

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O Empolgante Universo Literário do Escritor Jorge Amado (Maria das Graças Evangelista Santos) Explorar o universo literário de Jorge Amado é, com certeza, empolgante. E por que não dizer instigante? O rico conteúdo de suas inúmeras obras, as características regionais de seus temas e personagens encantaram leitores de todo mundo. Aproveitando o ensejo da comemoração de seu centenário que está sendo comemorado neste ano de 2012, não poderia deixar passar a oportunidade de falar deste escritor excepcional e de sua grandiosa obra. Assim, parto da premissa que, neste ano, muitas homenagens serão prestadas ao ilustre escritor, homenagens bem merecidas, pelo seu incansável trabalho diante de tantas lutas travadas em prol da literatura brasileira e baiana, em especial ao longo de sua brilhante trajetória literária, tanto a nível nacional como internacional. Mergulharei um pouco no universo pessoal do escritor. Seu nome: Jorge Amado de Farias. Local de nascimento: Itabuna-BA. Vivenciou sua infância entre Itabuna e Salvador. Escolaridade: Colégio Antônio Vieira e Ginásio Ypiranga, no qual aflorou sua veia de escritor, com a criação do jornalzinho "A Luneta", distribuído aos seus primeiros leitores, que foram os colegas, amigos e parentes. Trabalhou como repórter aos 14 anos, formou-se em Direito no Rio de Janeiro. Escreveu seu primeiro romance, "O País do Carnaval", em 1931; foi deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, ocupou a cadeira n.° 23 da Academia Brasileira de Letras. Foi um escritor bastante laureado, recebeu inúmeros prêmios e honrarias, nacionais e internacionais. Foi casado, por 56 anos, com a escritora Zélia Gattai (1916-2008). Suas obras são de intenso conteúdo, no tocante ao estudo da História do Brasil e, em especial, da Bahia, por enfocar o período áureo do Cacau, principal fonte de economia da antiga capitania de São Jorge dos Ilhéus, entre meados do século XIX até o meio do século XX. As transformações sociais ocorridas na Bahia nos anos 1920, o

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impacto econômico com a abertura dos portos para grandes navios, o declínio político da era dos coronéis daquela época. Sou grande admiradora das obras amadianas e, em especial, do romance “Mar Morto” (1966). Li e amei “Gabriela Cravo e Canela” (1958), maravilhosa; “Dona Flor e seus Dois Maridos” (1966), espetacular; “Tieta do Agreste” (1977), deslumbrante; e tantas outras obras que me fascinaram, as quais não são aqui enumeradas porque o espaço é demasiadamente pequeno. Falar das obras de Jorge Amado com rigor daria muitas páginas. Como não dá para centrar muito em muita coisa, só posso dizer que ele foi ultrabrilhante em sua vida literária, escreveu muito e deixou ao seu público um rico legado de grandiosas obras. Pena que nos deixou. O dia 26 de junho de 2001 foi um dia bastante sofrido para o grandioso Jorge Amado. Ele é internado com crise de hiperglicemia e sofre uma fibrilação cardíaca. Consegue uma melhora rápida, porém passa mal novamente, fica hospitalizado, vindo a falecer em 6 de agosto do mesmo ano, às 19h30min, na cidade de Salvador, aos oitenta e oito anos de idade. A seu pedido, teve seu corpo cremado, e suas cinzas foram espalhadas em torno de uma mangueira em sua residência no Rio Vermelho. Jorge Amado se foi deste mundo, mas deixou de herança para seus inúmeros leitores inesquecíveis livros, que serão sempre lidos e eternizados no mais profundo recôndito de nossos corações. Maria das Graças Evangelista Santos é natural de Salvador-BA. Professora, poetisa e funcionária pública estadual. Participou de algumas coletâneas editadas pela Federação Bahiana de Escritores, como “Vozes Aladas” (1993), “Lume” (1989) e “Topo do Mundo” (1988), dentre outras. Menção Honrosa no Concurso Internacional de Poesias - CEPA (1992). Destaque Especial no XIX Concurso Nacional de Poesias. Brasília - Revista de Circulação Nacional. Almeja lançar um livro solo.

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Brasil, para mim, tem fragrância de cravo e canela. (Maria Fernanda Reis Esteves) Decorria o ano de 1978. Na época, com 18 anos, eu frequentava o então Liceu de Setúbal, numa conjetura política marcada pela recente conquista da liberdade, a Revolução dos Cravos, em abril de 1974. Poder-se-ia dizer que, se eu era jovem, a democracia em Portugal era ainda uma criança a ensaiar os primeiros passos, pelas mãos do primeiro-ministro, Dr. Mário Soares, um dos rostos mais significativos das lutas políticas no tempo do chamado fascismo, encetado pelo emblemático Dr. António Oliveira Salazar, que, durante quatro décadas, dispôs do destino da Nação e do seu povo humilde e trabalhador e, mais tarde, no tempo do Estado Novo, sob a égide do seu sucessor, Dr. Marcelo Caetano. Escusado será dizer que de política eu não entendia nada e estava naquela idade em que importante era o enamoramento, melhor dizendo, os namoricos e o despertar da sexualidade. Para quebrar a monotonia das vidas rotineiras, ao fim de um dia de estudos ou de trabalho, as famílias, nessa altura, reuniam-se em torno do televisor, aparelho exibido com orgulho no seio da classe média, cuja imagem, apesar de ainda ser em preto e branco, se revestia de magia e alimentava os sonhos e a fantasia daqueles que o ostentavam nos seus lares. Não sendo minha pretensão escrever uma crônica que ilustre uma época específica da história de Portugal, é sim minha intenção contextualizar um fenômeno que liderou os gostos e interesses de toda uma Nação sedenta por alargar horizontes, na descoberta de um mundo rico em diversidade cultural. A Rádio Televisão Portuguesa (RTP), na altura o único canal televisivo, apresentava em horário nobre, entre 20h30min e 21h, impreterivelmente, episódios diários da primeira telenovela brasileira a ser exibida em terra lusa "Gabriela Cravo e Canela", da autoria do grande escritor baiano, Jorge Amado. Malvina e Jerusa faziam as delícias

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das jovens da minha idade e até as senhoras mais maduras suspiravam ao ver o idílio amoroso das suas personagens e o charme do bigodinho do Dr. Mundinho, sempre impecavelmente penteado. Desengane-se quem julgue que as audiências eram predominantemente femininas, o fato é que não se via viva alma nas ruas durante esse período, não havia homem que não emitisse opinião sobre o episódio passado e as rolinhas dos coronéis. Gabriela, que não gostava de sapato, simbolizava para nós, meninas de família, a imagem da autenticidade e liberdade inadaptada aos modelos impostos pela sociedade, ingênua, sexy e apaixonada por Seu Nacib. Outras telenovelas vieram a seguir, mas, como não há amor como o primeiro, ainda hoje associo estas imagens, que guardo no relicário da minha juventude, aos bons e velhos tempos que mudaram a minha vida, ao som da Rita Lee cantando "No Escurinho do Cinema" e ensaiando o charmosérrimo sotaque brasileiro. Brasil para mim tem fragrância de cravo e canela. Maria Fernanda Reis Esteves é autora de "Canteiros de Esperança" (poesia), editado em 2009; "4 Folhas de 1 mesmo Trevo" (romance), editado em 2010 – ambos pela Temas Originais; "Cont(r)o_versus" (poesia e prosa), editado em 2011, Editora Lua de Marfim. Tem no seu currículo vários prêmios literários em Portugal e no Brasil, e participou de várias coletâneas portuguesas e brasileiras. É Confreira (Cappaz) por Portugal.

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Saberes e sabores em Dona Flor (Maria José de Oliveira Santos) Por que Jorge Amado alimenta suas personagens? Em primeiro lugar, porque a função de alimentar é importante, já que vivem e precisam de alimentos, sentem fome e comem. Uns mais saborosos que outros, bem verdade, pois cabe a Amado alimentá-los ou deixá-los na condição de necessitados ou não. Isto porque suas personagens cumprem o projeto do escritor: ficar ao lado dos desfavorecidos. E, para que isto aconteça, se faz necessário o outro lado da medalha: os nababos e bem nascidos que desfrutam de mesas fartas. Em “Dona Flor e seus Dois Maridos”, a tônica reside na culinária baiana e seus diversos sabores. Sendo híbrida – mestiça na linguagem usada por parte da crítica –, essa culinária pode se apresentar ora negra, quando usa o dendê, ora cabocla, quando usa a farinha, ora portuguesa, ao utilizar o azeite nos saborosos pratos feitos na cozinha da Escola de Culinária Sabor e Arte. As personagens, no seu ritual de alimentação, revelam-se pela forma como comem ou se servem da comida. Logo, influenciam nas personalidades – o modo de olhar para um prato de moqueca e sentir seu cheiro dá à recepção leitora uma ideia do perfil da personagem. Pela narrativa, paira esmero e cuidado no preparo dos pratos e do ambiente onde acontece o degustar do alimento: flores sobre a mesa, folhas de eucalipto espalhadas pelo chão, toalhas perfumadas e engomadas compõem o cenário das famílias da Cidade Alta, representadas no romance. O papel da comida em Dona Flor aparece como elemento articulador de segmentos sociais: a fartura e a variedade encontrada nas mesas das residências do Centro Histórico contrapõem-se às residências da beira do cais, que contam com a sorte do dia: o peixe é o alimento diário. Flor, em especial, usa ingredientes exóticos nas suas receitas. Assim, o uso da pimenta, pimentão, alho, cebola, cominho, azeite e dendê acendem em Vadinho o tesão para bolinar Dona Flor e nas suas alunas de culinária.

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Dona Flor ensina sobre o que se come e como se come na Bahia. No romance, Jorge Amado apresenta receitas ensinadas por Dona Flor: bolo de puba, guisado e vatapá “ardente”, tão ardente quanto seu corpo de viúva honesta, e o principal de suas iguarias: moqueca de siri mole. Até no velório amadiano tem o que se comer: a noite toda a comida é servida, desde o cafezinho acompanhado com bolachas até o cuscuz com ovos, àqueles que ali permanecem. Jorge Amado usou dos sabores da culinária baiana para sugerir o relacionamento de Dona Flor com Vadinho e Doutor Teodoro. Cada prato no lugar e na hora certa. Mas, a mesa da Escola de Culinária, nem sempre se coadunava à mesa da casa de Dona Flor, esposa do farmacêutico, que, comedido e meticuloso, não se aventurava em todos os sabores apresentados na narrativa. Jorge Amado, escritor que intrigou a crítica especializada pelo modo como povoou seus romances, intrigas, amores e afazeres, trabalhou com os sabores baianos que vagueiam constantemente no imaginário do seu povo e, quase sempre, no imaginário do povo brasileiro e estrangeiro. Jorge Amado cumpriu à risca seu projeto ao lado do povo, que nem sempre teve/tem condições de degustar os pratos preparados com esmero. Daí a riqueza de sua ficção carregada de magias e encantos. Maria José de Oliveira Santos, docente da UNEB-CAMPUS II, natural de Alagoinhas, Mestra em Letras, apresenta pesquisas sobre Jorge Amado. Venceu a quarta edição do Concurso Bahia de Todas as Letras com o ensaio “Um caso de amor na Cidade de Salvador da Baía de Todos os Santos. Vadinho versus Dona Flor versus Teodoro Madureira”.

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Jorge (para sempre) Amado (Maria Letra) Gostaria de direcionar este meu texto, não propriamente para as obras de Jorge Amado - informação acessível a qualquer pessoa através das várias fontes de pesquisa de que dispomos -, mas sim para o homem que ele foi, seu valor humano e aquilo que possa ter feito dele um exemplo para todos nós, independentemente de crenças religiosas ou ideologias políticas. Interessa-me mais este lado da sua vida, na medida possível de análise do que o sofrimento, que inegavelmente deve ter suportado, possa ter feito dele, transformando-o ou mesmo exacerbando nele o ser humano que tanto admiro. Há dois pontos que sempre me intrigaram em Jorge Amado: a sua ideologia política e o seu grande interesse pelo universo mágico da Bahia. Isto não significa, porém, que condene um ou outro, mas aguça a minha curiosidade sobre “Quem era Jorge Amado”. Homem de grande humildade, ele escrevia sobre vidas reais, dando-nos a conhecer características de personalidades que criava e que representavam a realidade que o cercava. Aí podemos detectar, de imediato, a sua grande capacidade de análise e a sua enorme sensibilidade. Este fato, aliado às duas vertentes - “ideologia política” e “universo mágico da Bahia” -, levou-me a recorrer a alguém que teve a honra de conhecê-lo de perto e cuja inegável idoneidade e capacidade de análise merecem o meu maior apreço. Trata-se do jornalista português Alfredo Mendes, que assim me escreveu o seguinte sobre o escritor: Jorge Amado retratou a realidade do povo daquele Estado, o seu amar, o seu sofrer, o seu alegrar, criando tipos humanos imorredouros. Digamos, então, que se tratou, em versão brasileira, do nosso neorrealismo, encarnado por Soeiro Pereira Gomes e Alves Redol. Não admira, assim, a sua militância comunista. Porém, bebedor de tudo quanto à volta de si gravitava, sempre seria um homem livre, logo, de

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livre pensamento. Cortou com o partido comunista, alinhando-se, porém, ao lado dos injustiçados. Mas sem rancores ou facciosismos, porquanto sempre foi um humanista. Despreocupado, senhor de um fino sentido de humor, fez-se andarilho, mergulhando no pulsar do povo. Tendo ganhado um prémio de jornalismo, tive a oportunidade de escolher um destino TAP. Não hesitei: São Salvador da Bahia - mátria e barro de Amado. Mas... como ir à fala com ele? Calhou ter um amigo que, por seu turno, era amigo de um senhor de Lisboa amigo dele. Daí a sugestão: leve-lhe uma caixinha com pastéis de Belém que ele se derreterá em amabilidades. Assim fiz. Cheguei ao hotel da Bahia e telefonei para casa do escritor. Do outro lado do fio, Amado agradeceu a oferta, informando-me que iria mandar à recepção o motorista para pegar na lambarice. E pronto. Dever cumprido, com algum amargo de boca, reconheço. Eis quando, passado um ou dois dias, ligam da recepção para me informarem de que tinha ao telefone o escritor Jorge Amado. De pronto atendi, surpreendido. Afinal, o medo que se nos apodera de que o mito, o ídolo, a pessoa que tanto admiramos não corresponda, no contacto pessoal, à imagem que dela fizemos, não tinha razão de existir. Amado, em voz arrastada, meiga, quase suplicante, pedia-me desculpa por não me ter logo recebido e que seria uma honra que o visitasse em sua casa, na Rua da Alagoinha. Com minha mulher, lá fomos de camioneta até àquela morada, com justificada ansiedade e redobrada alegria. E, veja só, num instante, sem saber quem nós éramos, se ricos, pobres, se remediados, qual a nossa profissão, Jorge Amado inverte a situação e passa ele a engrandecer-nos, a louvar-nos. Com uma T-shirt coçada, de velhos calções e uns chinelos rascos, afofa-se no sofá, pergunta pela festa de Amarante, pelos bolinhos de ovos da Lai Lai, pelos

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doces de Viana do Castelo de seu amigo Natário, pergunta pelas vindimas no Alto Douro. Depois, tendo a indescritível simpatia da mulher ao lado, a Zélia Gattai, a quem, amorosamente, chama essa bruxa aí, oferece-nos livros seus, autografa-os e fica até perplexo por conhecermos as suas obras. E torna a agradecer a visita, a nossa cortesia. Tivemos a sensação, nítida sensação, de já nos conhecermos há muitos anos, de estarmos em casa de uns tios do Brasil. Zélia afaga a cara de minha mulher: "Então, querida, está gostando daqui? Ainda não está moreninha, não". Beija-a, mostra-lhe peças de artesanato português, enquanto Amado continua a falar de Portugal, da Bahia e dos seus santos, pais-santos. Depois, pede-me um favor: que levasse um cheque para entregar a um amigo de Lisboa, por conta de uma dívida. E, pachorrento e bonacheirão, com toda a naturalidade passou a explicar. Quando o seu motorista fez anos de casado, ofereceu ao casal aniversariante uma viagem de núpcias pela Europa. Eles deslumbraram-se pelas capitais do Velho Continente e, quando chegaram a Lisboa, já nem dinheiro tinham para dormir ou almoçar, quanto mais para embarcar no avião. Telefonaram, aflitos. Ao que Jorge Amado, divertido, ligou a um amigo de Lisboa que os foi buscar, instalou-os num hotel com tudo pago, comprandolhes, dias depois, passagem aérea para o Brasil. Lá para o fim da tarde, o casal mostra-nos o jardim, descreve-nos as árvores, deixa-se fotografar, fotografa-nos. E, emocionados, cheios de calor humano, descem a escadaria (um suplício para Amado, agarrado a uma discreta bengalinha), despedindo-se de nós com um até sempre, dizendonos que, a partir dali, passávamos a ter casa, a casa deles na Bahia. Enfim, um dia encantador, vivido em família, em que as estrelas foram as visitas - que esse foi o desejo de um homem amado.

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Maria Letra nasceu em Coimbra, em 20 de setembro de 1938. Estudou no Porto, onde fez os cursos comercial e liceal. Estudou no Instituto Britânico, The Riley Institute, e no Instituto Francês. Aos 22 anos, foi para o Reino Unido, tendo estudado no ”West London College”. Foi secretária de direção, tradutora técnica durante 20 anos e empresária. Começou a escrever poesia aos 13 anos, tendo publicado o livro “Meus Caminhos de Cristal”.

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O Amor do Amado (Maria Luiza Falcão) Jorge Amado, consagrado autor de incontáveis obras, é o brasileiro mais publicado em todo o mundo: seus trabalhos foram editados em 55 países e vertidos para 49 idiomas e dialetos. É, com certeza, modelo na arte de escrever. E, no seu contar, é também um grande historiador contemporâneo. Farta é a descrição de momentos históricos do Brasil, na Bahia de todos os tempos, sua gente e costumes, suas terras de lutas, perdas e conquistas. A evolução da pátria tem também sabor de cacau, cheiro de cravo e cor de canela. Inspirador de tantos neoescritores, Amado exerceu no próprio lar esta graça divina, contrariando o dito popular de que “em casa de ferreiro, o espeto é de pau”. Já experiente e famoso, encontrou Zélia, que o conhecia só da muita leitura que teve. Paulista de nascimento, filha de família italiana, onde a formação nas escolas era destinada aos filhos homens, cabendo às mulheres o simples conhecimento das letras, Zélia teve a sorte de nascer num berço onde a leitura era não só presente como estimulada. Veio daí sua cultura. Mas diante do escritor renomado, ela bem se sentia pequenina. O amor, porém, foi maior e uniu os dois. Com o convívio, a aptidão de Zélia para contar histórias se fez clara. E eram muitas: da família, de tempos idos, da vida dela com os irmãos, peripécias de menina e moça, do amor do pai por automóveis e corridas, do sofrimento em tempos de repressão política... Tudo, no dizer de Zélia, ganhava um colorido especial, a singela beleza natural de quem fala com o coração. De tanto ouvir, Jorge propôs: “Por que você não escreve tudo isso que vive contando?” “Escrever, eu?”, pensou Zélia. Com certeza, isso era mais uma das brincadeiras do marido. Onde já se viu uma pessoa de tão pouca instrução atrever-se a tal. E justo ela, mulher de homem tão famoso e culto... Qual! Brincadeira de Jorge, na certa!

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Mas não foi. Ele continuou insistindo e ela, face ao desafio, deu início à sua obra. Timidamente, começou a alinhavar seus “causos” de família. Levou tempo para se despir do pudor e mostrar ao marido suas primeiras linhas. Nervosa e angustiada, aguardou a resposta. Mas ele gostou. Não só gostou como incentivou. Nascia aí, aos 63 anos, a escritora, a autora de “Anarquistas graças a Deus”, mais tarde adaptado para minissérie de televisão. O sucesso da Gattai, de ideias e estilo próprios, dispensou o sobrenome famoso de Jorge e conquistou seu próprio espaço. Daí pra frente, muitos vieram. Agora, já contavam a história deles, da mulher casada com o escritor internacionalmente conhecido, das viagens, dos muitos amigos, das dificuldades vividas no exílio em terras estrangeiras, dos apertos da mãe buscando, no modesto quarto de hotel naquelas paragens geladas, um lugar para secar as fraldas do filho pequenino... Passa também pela chegada de Jorge à Academia Brasileira de Letras. Um total de nove livros de memórias, três livros infantis, uma fotobiografia e um romance. Alguns traduzidos para o francês, o italiano, o espanhol, o alemão e o russo. O que começara de forma tímida e despretensiosa transformara-se, aos poucos, na própria obra biográfica de Jorge Amado e Zélia Gattai. Ela mesma considerava-se, modestamente, uma auxiliar do marido, revendo seus textos, datilografando alguns manuscritos - não raro, torcendo pelo desenrolar das tramas... Uma escritora, fotógrafa e memorialista brasileira, militante na política nacional junto ao marido, numa união de cinquenta e seis anos. Na Academia, em 2001, ocupou com orgulho e emoção a cadeira patronímica de José de Alencar, pertencente, em primeiro lugar, a Machado de Assis, e agora deixada vaga por Amado, o seu amado Jorge. Ele nos deixou aos 88 anos e ela em 2008, com 91 anos.

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Jorge Amado lançou a semente e, ainda em vida, colheu os frutos. Agora, também ele era casado com uma escritora famosa. Maria Luiza Falcão, mineira de coração e moradia, escritora e artista plástica, delegada da APPERJ em Belo Horizonte, autora de “Afonso” e “Minas – contos Gerais 1” (publicados), “Afonso – um brasileiro das Minas Gerais” e “Diário” (inéditos), diversos textos para teatro (infantil, jovem e jovem/adulto) montados e inéditos, participações em antologias, premiações em vários concursos literários.

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Primeiro Dia em Salvador (Marilene Maria de Oliveira) Duas horas de voo de uma terça-feira. Céu de brigadeiro. Era julho na capital baiana. Fugira da pauliceia desvairada, da fadiga do trabalho, traçando com o aeroplano um risco de São Paulo a Salvador. Lá de cima, olhei ansiosa para a cidade como quem vai encontrar um namorado virtual pela primeira vez. Esse namorado era a Bahia de Jorge Amado, cujos livros eu devorara na adolescência, a despeito das ressalvas feitas por acadêmicos. Não fazia nem um ano que seu cantador desencantara e suas cinzas adubaram uma mangueira no Rio Vermelho, mas eu sabia que o encontraria em cada canto daquela cidade-axeizada. Mal cheguei ao hotel, quis ir até o Pelourinho, visitar a casa a ele dedicada. Subi lentamente a ladeira, olhando para seus sobrados grudados, com pinturas feitas pela chuva e pelo mofo. A Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, onde, segundo me contaram, só rezam mulheres que já foram do candomblé. Entardecia, as ruas estavam movimentadas. Um olor de ácido úrico subiu por minhas narinas. Encontrei o terreiro mais acima, onde estava uma das primeiras faculdades brasileiras e imaginei Padre Vieira dali fazendo seus famosos sermões; depois, passei pela estátua do bispo Sardinha, devorado eucaristicamente pelos índios, segundo Oswald, iniciando uma história brasileira pela antropofagia: era isso, eu fora ali deglutir um pouco do axé da cidade para restaurar em mim o sentido da liberdade e da alegria de viver. Cheguei ao Elevador Lacerda e da murada avistei lá embaixo o Mercado Modelo, feito templo românico, e o mar de onde se sai para as ilhas, e a Lua feiticeira iluminando amantes com sua tinta de pintar estrelas. Olhei para baixo e vi o Sem-Pernas pulando desesperado, impingindo-se uma última dor para que ninguém mais o machucasse, para que a maldade do mundo não pudesse alcançá-lo, para que os maus se comessem uns aos outros. Desci e fui ao Mercado, com suas cabalísticas sete portas, lugar do sagrado e do profano, chão de encontros

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interpessoais e multiculturais. Estátuas, totens, colares, fitas, roupas, comidas, berimbaus, tudo à vista para se regalar. Fechei os olhos para sentir melhor os cheiros, os sotaques e a aura do lugar. De algum lugar bem distante, da memória ancestral, ouvi soando os atabaques. Via baiana com suas rendas e tabuleiros vendendo acarajé, tapioca, inhame assado, comida dos deuses e dos terreiros, com a graça e destreza de Dona Flor. E foi em uma banca, em meio a tantas outras, que vi a figura dardejante: com sua roupa vermelha, suas espadas empunhadas e seu chapéu de prata. Imponente, eu o vi dançando altivo e belo como um rei: “um deus que dança entre os homens”, segundo minha filha. E, nesse momento, o caos se fez cosmos e eu soube então que Jorge me trouxera para uma viagem mística, para poder ficar em paz com minha guerra. Marilene Maria de Oliveira nasceu em São Paulo (SP) em 08.08.1968. Casada, mãe de dois filhos. Bacharel e Licenciada em Letras pela Universidade de São Paulo. Tem interesse especial por literatura, história e pesquisa na área de cultura africana e religiões como candomblé e umbanda.

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“Sem-Pernas”: o retrato de muitas crianças baianas (Marilene Oliveira de Andrade) O romance “Capitães da Areia” de Jorge Amado, escrito na década de 30, retrata com muita precisão as histórias de crianças órfãs, que viviam em condições sub-humanas e habitavam um trapiche construído nas areias de uma das praias de Salvador. Trata-se de uma produção literária de alto quilate, visto que aborda questões relacionadas aos problemas econômicos, sociais, familiares e políticos emergentes daquele período. Como narrador observador, o autor colocava-se atento a esses problemas enfrentados por um grupo composto por mais de cem crianças. Detentor de um senso crítico denunciativo, Amado (2002) utilizava-se da linguagem literária para revelar à sociedade as situações deploráveis nas quais viviam aquelas crianças abandonadas, que, consequentemente, tornavam-se rebeldes, marginalizadas e delinquentes. Eram meninos e meninas órfãs, na mais tenra idade e encontravam na rua a escapatória para tentar driblar a miséria, o abandono e a ausência familiar; cometiam violência, praticavam furtos, roubos para sobreviver e assim, eram vistas com muito desprezo e repúdio pela sociedade. Na narrativa em foco comprova-se claramente uma verdadeira “desigualdade moral ou política”. Crianças marcadas pela violência, pelo abandono, pela dor da orfandade. Amado (2002) já traçava um prognóstico dos problemas que a sociedade contemporânea também iria enfrentar, porém, estão numa proporção muito maior, em relação ao sofrimento das crianças amadianas. Para ter-se um breve conhecimento da obra em discussão, tomar-se-á como exemplo, o Sem-Pernas – tinha esse apelido por ser manco de uma perna –, um dos personagens mais marcantes da trama. Sua trajetória foi bem delineada no bando. Desde o trapiche – local onde habitava – aos mais variados espaços físicos por onde transitava. Era capaz de despertar a atenção de todos, devido às suas várias configurações comportamentais: de garoto malvado, irônico, a pobre-coitado sentimental e frágil;

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um exímio arquiteto em planejar furtos, como afirma Amado (2002, p. 29): “[o] Sem-Pernas, que vinha combinar um detalhe da questão dos chapéus”. Juntamente com o seu companheiro Pirulito, pretendiam adentrar o cinema e roubar os chapéus das pessoas que estavam ali. O Sem-Pernas possuía uma imensa capacidade de dramatizar cenas comoventes para atrair e sensibilizar as pessoas, quando queria usufrutuar de alguma situação. Segundo Amado (2002, p. 110) “[o] Sem-Pernas nada dizia, apenas secava com as costas da mão as lágrimas fingidas”. Possuidor de um temperamento às vezes melancólico, era capaz até de simular choro e inventar histórias emocionantes. De comportamento antitético, ora se apresentava como perverso e cruel, ora sensível e misericordioso. Agindo assim, tornava-se um indivíduo particularizado. Suas atitudes irônicas, sarcásticas e malvadas configuravam uma espécie de autorrealização; um subterfúgio para esconder a sua fragilidade humana. Agindo dessa maneira, era capaz de suprir as suas necessidades emocionais. Destarte, “[...] rindo, e ridicularizando, era que fugia da sua desgraça. Era como um remédio” (AMADO, 2002, p. 30). A figura da mãe ausente gerava muitos distúrbios de ordem psíquica e emocional no Sem-Pernas; deixava-o triste, inquieto e, ao mesmo tempo, perverso. A busca constante pelo afago materno revelava sua carência afetiva e a necessidade do preenchimento do vazio familiar. “O adolescente deve realizar uma série de lutos. O primeiro é o da ‘mãe-refúgio’, que traz consigo o luto do estado de bemestar ideal da união com a mãe (MARCELLI e BRACONNIER, 2007, p.184). A relação mãe/filho é fundamental para o desenvolvimento de diversos aspectos – afetivo, cognitivo e social – na vida de uma criança. Toda a sua trajetória foi marcada pela dor, pela angústia, pela raiva e pelo desejo de vingança; tinha ódio mortífero da polícia. Queria um lar, uma mãe para acolhê-lo nos braços e dar-lhe a proteção e o amor de que tanto necessitava. Seu final foi infeliz, suicidando-se no momento

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em que fugia de uma perseguição policial, precipitando-se em um muro. Referências: AMADO, Jorge. Capitães da areia. Ilustrações: Poty. 108 ed. Rio de Janeiro. Record, 2002. BRACONNIER Alain; MARCELLI; Daniel. O problema do agir e a passagem do ato. In: ______. Adolescente e psicopatologia. Trad. Fátima Murad. 6 ed. – Porto Alegre: Artimed, 2007, p. 81-100.

Marilene Oliveira de Andrade é natural de Varzedo-BA. É professora, cabeleireira, graduada em Letras Vernáculas, Pedagogia, especialista em Estudos Linguísticos e Literários, membro da Academia de Letras do Recôncavo, contista, cronista, poetisa, colunista do site Voz da Bahia, autora dos livros: “Quando o coração fala mais alto”, “Confissões da alma ao encontro do sol” e “Versos em ressonâncias”. Vencedora de concursos de redação, poesia e integra diversas obras literárias.

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O Mais Amado de Todos (Marina Fernanda Veiga dos Santos de Farias) Sou daquelas almas que sabe valorizar quando é necessário, até porque somos meros mortais, propensos ao erro. Não posso esquecer-me de valorizar o que é meu, minha terra, minhas origens, mas, claro, sempre devemos louvar o que não é nosso, mas é daqueles que o amam. E ser Amado não é fácil, principalmente quando desde o nascimento você carrega este título. Ter os cabelos brancos, talvez de pensamentos furtivos das lembranças de suas histórias de menino em Itabuna na Bahia, viu? Seu jeito “moderno” já indicava quem seria amado nesse Brasil. Foi jornalista, e talvez perdido na política, encontrou-se nas letras de todas, nas terras, nas mulheres, no doce encanto de narrar histórias. Ele representou a sensualidade brejeira do interior, das infidelidades e peripécias de uma vida boêmia, menores abandonados, sempre sem esquecer o que lhe era digno e maior, sua Salvador. Seu talento beirava a perfeição. Suas pinceladas literárias encantam seus conterrâneos e o Brasil inteiro. Seu toque divinal atravessa fronteiras, emociona e nos reverencia com tal grandeza. Sua Terra, seus amores, Zélia. Não podemos esquecer a sua musa, força, incentivadora. Zélia Gattai, com toda a sua doçura, tornava-o Amado, mais do que qualquer outro. Zélia sabia como entender os pensamentos obscuros de Jorge, e ainda saber quais as suas inspirações. Ai, o Amor! Como é Amado! Marina Fernanda Veiga dos Santos de Farias, estudante de Comunicação Social - Rádio e TV da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), estagia na Rádio Timbira, a pioneira do Maranhão. Tem interesse por literatura, comunicação, cibercultura e redes sociais.

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Jorge Leal Amado de Faria (Neva Scarazzati de Oliveira) Jorge Leal Amado de Faria, baiano, célebre jornalista, escritor, político, cidadão, do lar e muito mais, que, com muito orgulho, afirmamos, não faria, mas fez e realizou nessa obra perene o legado de verdadeiro gênio da cultura nacional. Enredos que serviram como inspiração no meio televisivo, teatral e musical, nas letras das escolas de samba, extraídos da nossa cultura nacional e apreciados tanto no Brasil como no exterior, que traduzidos percorreram o mundo. Com espírito ecumênico, conseguiu a liberdade religiosa e na política a aprovação da lei de direitos autorais, dos quais ele sobreviveu. Como brasileira, sinto-me orgulhosa de ti, Jorge Amado, e parabenizo-te por teu centenário que por ora transcorre. Que tua obra seja uma luz de cultura nacional e internacional para sempre! Neva Scarazzati de Oliveira é natural de São Paulo, graduada em Pedagogia, professora, escritora e poetisa. Participou de três coletâneas poéticas.

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O namoro (Nubia Estela) Tudo começou de repente, na Bahia... Eu olhei pra ele, ele olhou pra mim, nos apaixonamos à primeira vista. Era mês de Iemanjá, foi por acaso que o encontrei numa livraria. Ele estava parado ali, tão bonito, tão irresistível; logo no primeiro momento me apaixonei por seu estilo. Eu o via todo dia, no mesmo lugar, parado, me olhando, me envolvendo. Ele era tão fascinante, dizia coisas tão lindas, não foi difícil gostar dele. Acabei não tendo como escapar, acabei tendo que vê-lo todos os dias... Levei-o para casa. Era de manhã, de tarde, de noite... O pessoal não aguentava mais minha paixão por ele. Mas não adiantava brigarem, eu ficava com ele todos os dias. Eu me apaixonei, sim, e daí? Queria vê-lo todos os dias, queria viver perto dele, ninguém haveria de nos separar... Ele dizia tantas coisas maravilhosas, que eu chegava a dormir no sofá. Nosso namoro dura uns três meses e acho que vai longe essa paixão pela obra de Jorge Amado, que me encantou naquela livraria da Bahia, por isso vivo a lê-lo apaixonadamente! Amado meu... Amado meu, que se revelou para mim num simples escrito, hoje sinto tua saudade, avassaladora, destruidora, quase não posso suportá-la. Mas me lembro de ti através de teus livros, de teus escritos, finos, jocosos, que me levam até um lugar indescritível, sou a própria Tieta, ou, quem sabe, a faceira Gabriela Cravo e Canela, a enlouquecer os homens com sua calcinha quase toda à vista. Amado, estejas onde estiveres, sei que estás com sua Gattai... Abraçadinho, na rede, escrevendo coisas do céu... Continua, meu amado, continua a deliciar-nos com tuas invenções, com teus personagens incomuns. Será que agora o teu personagem principal é um anjo? Acho que serão as estrelas a fonte de tua inspiração, ou, quem sabe, tua Gattai... Amado meu, fica em paz... Fica com Deus, eu

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aqui fico com tua obra para me consolar... Adeus, Jorge Amado! Nubia Estela é natural de Contenda-PR, artista plástica, cronista, poetisa, formou-se na FAP, tem uma menção honrosa em Lisboa; Primeiro Lugar, na categoria ‘crônicas’, em São José dos Pinhais; premiada com uma viagem aos Estados Unidos em São Paulo. Publicações na Gazeta do Povo, Tribuna Regional e O Estado do Paraná.

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Jorge, o Amado (Olmira Daniela Schaun da Cunha) A literatura chora a perda de mais um ilustre escritor. Entre tantas lágrimas, sempre nasce a esperança no mundo de novos escritores carregados de extrema criatividade e habilidade para recompor a trama literária do Brasil. Pois é, deveria ser assim, mas poucos estão aptos, prontos e têm influência. Quantos como Jorge ousam sair de suas “ocas” interiores e desfrutar do que o mundo tem a oferecer, ir à frente na peleja, com destemor, enfrentando os “nãos”, as críticas, impondo-se mesmo sabendo que teria tudo para perder e dar errado? Possivelmente, o que ele tinha era dom. Sim, era! E é! E será para sempre. Memórias de um homem baiano, que nasceu e guardou em sua grandeza a simplicidade de um “mainha” e “meu Rei”, mas que, por impulso de um coração aventureiro e próspero, não contente, quis mais e obteve mais e para sempre será mais. Quando jovem, como tantos que vejo transitar pela rua, tinha na caneta e no papel a arma da liberdade e o maior tesouro do céu. Enquanto muitos trocavam sua vida por caprichos mundanos, Ele escrevia esses caprichos e os tornava sucesso. Histórias de homens e mulheres comuns foram vendidos por Jorge. Temas que são corriqueiros hoje em dia eram bem trabalhados na mão do oleiro das palavras. Traição, morte, cultura, agreste e nordeste, temas que percorreram sua trajetória e são marcas na memória de muitos brasileiros, de muitos estrangeiros de um povo que leu e viveu Jorge. Seu suor está em cada letra de suas obras e o mérito de suas conquistas espelha-se na vitória sobre o fracasso, a dor, a covardia e o medo. Atributos nobres foram conservados para Ele, que morreu cedo diante da enormidade de seu talento, para que nunca mais fosse esquecido. Deus conserve que tantos outros Jorges nasçam, cresçam, escrevam e envelheçam, que ponham no papel marcas de um povo brasileiro sofrido, mas honesto, trabalhador e vencedor. Seu nome é nome de santo,

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guerreiro vencedor da vida, e, como amante do candomblé, Jorge é a garra de Ogum, e, bíblico, era João, mas que Deus me perdoe. Salve Jorge o Amado! Olmira Daniela Schaun da Cunha é gaúcha, nascida em 1980. Escreve desde os nove anos de idade. Começou na poesia e, aos 29 anos, aventurou-se pela primeira vez na Literatura Infantil, embora a poesia e a crônica sejam sua maior paixão. Professora de formação, é apaixonada pela leitura e pela escrita, não poderia estar em outra área que não fosse a literatura. Classificada no V Concurso Literário Ferreira Gullar, teve sua poesia "Sinestesia", publicada na Antologia "Emoções Repentinas" da Editora Assis, em 26.02.2012. Em breve, pretende lançar mais alguns de seus trabalhos, dentre eles: “Desabafo” e “Era uma vez Mariana".

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Carta a Jorge Amado (Paula Alves) Prezado Amado, (desculpe-me a redundância da repetição com que o visito em jeito de adjetivação de um vocativo chamativo, visado). Não me lerá certamente e, no entanto, todo um íntimo do seu pensamento ficou gravado para a eternidade nas formas de registro que a escrita e tradução lhe permitiram. Prezado Amado, ainda não lhe conheço o âmago, pois ainda não o consumi inteiro. Não confesso aqui uma mea culpa porque o prezado Amado tem chegado a mim gabrielo, tieto, cravo, açúcar, canela, sinhando, intermitente, malhado. A juventude permite-me sonhar e planear a sua plena leitura para o ir sorvendo, assim devagarinho. Amado, permite-me o seu nome prezado? A noção de finitude diz-me, contudo, que não há tempo para ler tudo aquilo que podemos acolher no nosso espírito. Como leria Amado, prezado Amado? A noção de leitura prende-se a uma rebeldia do espírito, talvez. Como distinguir então o rebelde acadêmico entre os rebeldes? Como conseguir filtrar os grãos de areia e escolher sua capitã leitura? Sabe? Consigo sentir saudades de um tempo que não vivi, esse tempo com que se premiou a sua existência... Suponho que, à época, um íntimo retrato só se mostraria à fundação da família. Hoje, sem barreiras, à frente de um computador, chega-me facilmente um bafo visual do que foram partes da sua vida, episódios de um mundo com outras gentes, outras destrezas, outras escritas, outras necessidades presentes. Outras críticas a um lamecha jovem, considerado pouco profissional na escrita. Concordaria com elas, Amado? Ou remeter-se-ia ao desprezo do cinismo? O que levaria um amado (des)prezado a deixar de ser rebelde? Apenas um mundo que não fosse necessário consertar e, todavia, volte a este tempo agora! Acredite: vai querer escrever de novo, vai querer usar o poder da palavra, quebrando, requebrando, dançando, rebeldando. Hoje não

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vai ter que bater à porta de ninguém com a sua mão física, pode estar aqui sentado a abraçar o mundo todo, sorvendo o mundo todo, desnudando todo o mundo do mundo todo, onde estamos todos. Amado, vou declinar-me em frente ao ecrã para ver o filme que sua neta produziu, a Cecília (perdoe-me a familiaridade), lembra? Qual o filme? Os capitães! Isso mesmo, aceita pipoca? Paula Alves é natural de Lisboa, Portugal, estudou Línguas e Literaturas Modernas e teve o privilégio de estagiar tradução no Parlamento Europeu, em Luxemburgo. Publicou alguns poemas em 3 Prêmios Literários Valdeck Almeida de Jesus e na antologia Ecos Machadianos, do movimento cultural Artpoesia, tendo mais recentemente participado do Varal Antológico II, sob organização de Jacqueline Aisenman, com um conto.

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Jorge Amado e o Cinema (Quitilane Pinheiro dos Santos) Embora seja visto como mais uma forma de se registrar acontecimentos ou de narrar histórias, o Cinema pode ser entendido como Arte. Diante da afirmativa anterior, convém recorrer a Lotman (1978, p. 32), que entende que “[...] se a arte é um meio de comunicação particular, uma linguagem organizada de forma particular”, então todo sistema organizado que serve de meio de comunicação e que se utiliza de signos poderá ser considerado como um ‘texto’. Assim, é possível afirmar que a obra literária sempre caminhou lado a lado com o cinema, desde o seu surgimento; em contrapartida, quando se trata de uma adaptação cinematográfica de um texto literário, geralmente há um descrédito prévio por parte do público em relação ao filme. Há uma alegação de que o original, em forma de narrativa, possui uma riqueza insuperável de elementos e possibilidades de interpretação, coisa que a película cinematográfica não conseguiria estabelecer. Percebe-se que o cinema e a narrativa escrita são linguagens distintas, devido à adaptação ser a recriação de uma obra literária enfatizando algumas de suas características da narrativa: [...] toda adaptação, para o autor, é uma violentação, uma violência contra o autor. Em geral elas reproduzem algumas linhas mestras da obra original e transmitem a muita gente que não pôde ler o livro as idéias [sic], as emoções que o autor faz passar em seu livro, alguma coisa do que ele queria dizer (AMADO apud RAILLARD, 1990, p. 278).

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Convém dizer que a narrativa literária é constituída por vários elementos, formando a estrutura da obra, através da criação dos personagens, dando-lhes consistência, vida, alma e sangue. Então, o livro é um trabalho composto por diversas coisas e situações, que se transcreve no decorrer de toda literatura; enquanto a adaptação de um livro limita-se a semelhanças da sua essência. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que algumas narrativas amadianas desenvolvem-se tais quais um roteiro de cinema: de uma cena para outra há cortes e fusões que dão um ritmo cinematográfico ao texto – fenômeno que ocorre ao longo de toda narrativa; com esse efeito de película, várias obras foram levadas para o cinema, dentre elas: Tieta do Agreste; Dona Flor e seus Dois Maridos; Gabriela, Cravo e Canela; Tenda dos Milagres; Seara Vermelha; Capitães da Areia; Jubiabá; Pastores da Noite; e Terras do Sem-Fim. Observa-se que o interesse em transportar a narrativa amadiana para uma película cinematográfica não é inédito. Mas isso não quer dizer que qualquer livro de Jorge Amado possa ser sucesso de adaptação: O escritor baiano, porém, está longe de ser contemplado com boas adaptações. [...] a exceção, entre os livros adaptados de Amado, seja Dona Flor e Seus Dois Maridos, [...] que ainda hoje é um dos sucessos de bilheteria do cinema nacional (MEIRELES, 1995, p. 8). Avellar (1998) acrescenta ao dizer que as adaptações de Amado provocam repercussões nacionais e internacionais, considerando como “a menina dos olhos entre os autores nacionais”. Mas não é receita garantida: pode resultar em obras-primas como Tenda dos Milagres e origem ao filme nacional de maior público em toda a história (Dona Flor e seus Dois Maridos, que também ganhou adaptação nos

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Estados Unidos). Mas foi também origem de catástrofes completas, como a versão ítalo-brasileira de Gabriela. Presume-se que o sucesso ou o fracasso da adaptação das narrativas amadianas esteja relacionado à forma com que o diretor cinematográfico irá recriar o universo representado no romance através das imagens e, consequentemente, transmitir para o público a natureza da obra literária amadiana. Perdas referentes à adaptação Uma perda referente ao processo de adaptação pode ser identificada no personagem Nacib, de Gabriela, Cravo e Canela, que no romance é um brasileiro que possui descendência árabe, mas que no cinema passou a ser um imigrante italiano. Na adaptação para a televisão, o mesmo processo ocorreu, uma vez que Nacib, na obra em questão, seria um árabe legítimo que teria vindo para o Brasil. Um ponto importante no romance pode ser notado em relação às várias discussões deste personagem sobre a questão da nacionalidade, uma vez que devido à força de sua cultura familiar, ele se sente meio imigrante e meio brasileiro. Toda essa controvérsia se perde, porém, quando se tem um Nacib inteiramente estrangeiro e ‘não-misturado’. Já no que diz respeito a Dona Flor e seus Dois Maridos, a perda está na eliminação de todo o namoro entre Vadinho e Flor. No filme, a recordação do primeiro casamento começa com a noite de núpcias. Ocorre que o namoro do livro continha cenas-chave referentes à caracterização da relação estabelecida entre ambos. Na adaptação, foram-se incorporado cenas dentro do período do casamento. Desta forma, o espectador que, porventura, tivesse lido o livro antes de ver o filme teria a impressão que todo o affair entre Vadinho-Flor estaria sendo “compensado”. Diante de um fato como esse, é bem provável que um suposto espectador-leitor assuma uma postura definitiva

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sobre a questão: ou abomina o livro e enaltece o cinema ou a TV, ou vice-versa. Ganhos referentes à adaptação No que tange aos ganhos estabelecidos dentro do processo de adaptação, vale ressaltar que os personagens e cenários da obra amadiana de tal modo e em tal intensidade transformaram-se em elementos de exotismo que arrebatam espectadores pelo mundo afora. A maior parte das obras de Amado retrata a região da Bahia, seja através de imagens de mulheres sensuais, de comidas exóticas, ou de malandros delinquentes e amorosos. A musicalidade do povo baiano, suas lendas e tradições também são elementos transpostos às suas obras. Numa adaptação cinematográfica, se ganha muito em relação à visualização de todo o universo baiano/brasileiro representado, uma vez que, numa película cinematográfica, podemos conciliar, a um só tempo, imagem e som. Dois bons exemplos disso foram as adaptações de Dona Flor e seus Dois Maridos para o cinema e de Gabriela, Cravo e Canela para a televisão.

REFERÊNCIAS AMADO, Jorge. Dona flor e seus dois maridos: romance. 52. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. ______. Gabriela, cravo e canela. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1987. ______. Gabriela, cravo e canela: crônica de uma cidade do interior. 85. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2001. ______. Tieta do agreste pastora de cabras: romance. 26. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. ______. Jorge Amado: seleção de textos, notas, estudos biográficos e críticos e exercícios por Álvaro Cardoso Gomes. São Paulo: Abril Educação, 1981.

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AVELLAR. Marcello Castillo. Adaptar ou não, eis a questão. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 8, 15 nov. 1998. BATAILLE, Georges. O Erotismo. 3. ed. Lisboa: Antígona, 1988. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1994. GOLDSTEIN, Ilama Seltzer. O Brasil best seller de Jorge Amado. São Paulo: SENAC, 2003. LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Lisboa: Editora Estampa, 1978. MEIRELES, Adalberto. Jorge Amado no cinema. A Tarde, Salvador, p. 8, 04 abr. 1995. RAILLARD, Alice. Conversando com Jorge Amado. Rio de Janeiro: Record, 1990. SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1998.

Quitilane Pinheiro dos Santos, natural de Salvador-BA. Administradora e professora, graduada em Administração, Letras Português/Inglês, especialista em literaturas e mestranda em Ciências da Educação com linha de pesquisa em literatura amadiana.

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Capitães de Areia e Concreto (Renata Leone) Os raios da lua iluminavam o viaduto que abrigava os garotos do asfalto. O sujo de suas roupas fundia-se ao piche das ruas sem trapiche, apenas trapos. Privados de tudo, furtavam para sobreviver. Os capitães das areias de Amado mergulhavam nas águas da Bahia, os nossos do concreto armado inalavam fumaça dos escapamentos, nutriam-se de vícios, delirantes, delinquentes, santos, heróis ou apenas frutos de uma caótica sociedade. Os transeuntes, os pedidos, os trocados e as traquinagens. A vida transcorria entre os grandes edifícios, os homens de gravata, os pastores que gritavam nas praças a palavra divina, as mulheres da vida com o vermelho dos batons, os apitos que convocavam os funcionários ao trabalho, os intermitentes telefones dos escritórios, os passos apressados e cadenciados, as luzes, o balé giratório dos automóveis, metrópole em movimento, para alegria dos homens de dinheiro. Mas quando a noite caía, as vozes silenciavam e o barulho esmorecia. Quantos talentos desperdiçados, talvez um professor, um poeta, um sambista para cantar as dores do nosso povo, mas que, entre ilusão e realidade, estavam ali como equilibristas da vida, convivendo com a fome, a doença e todo tipo de privação. E o desfecho de suas vidas só era promissor na letra do escritor que reinventava o futuro, trazendo esperança, amor, alegria e sorte. Coração bondoso e idealista de seu Jorge! Renata Leone é natural de São Paulo, escritora, poetisa, graduada em Direito. Participou de cinco coletâneas poéticas, um e-book lançado em Portugal e uma Bienal internacional do livro.

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Um país descrito por Jorge (Renata Rimet) Um país que se intitula do carnaval e não poupa o seu último pé de cacau, desperdiça o suor dos seus homens, que fogem desinformados, buscam defesa e proteção na igreja, no terreiro ou nas forças de um mar que, aos poucos, se mostra morto, sem forças para controlar o que o menino Jorge denunciou desinibido, na esperança que algum Balduíno levantasse em meio aos oprimidos, feito capitão ainda que de areia, não para roubar o seu sustento, mas para defender o que é direito. E não seria o fim dos tempos, nem tampouco o fim do mundo, pedir proteção a São Jorge e uma graça bem forte, de alcance ao subterrâneo do mundo, que liberte, mesmo por milagre, Gabrielas, Terezas e Tietas, numa tenda de milagres reais, sem fim, em que mulheres fossem tratadas feito flores e não se cansassem de guerras e falta de amor. Nada é segredo e, nesta grande seara de palavras citadas, tudo fora escrito, esculpido em livros por diversas nações, pena nosso povo sofrido tão pouco ter lido, não ter se percebido como personagem principal. Se assim não fosse, quem sabe o povo nordestino tivesse agora suas terras verdejantes, diante de alertas que se vão por um século de solo rachado e pés no chão. Sabe-se lá o rumo desta prosa se de vermelho a seara do sertanejo fosse tão somente os lábios de tantas outras morenas a serem descritas, em verso e prosa, por aqueles que continuam a saga e empunham caneta, a revelar enredos e desenhar a própria história. Renata Rimet é paulistana radicada em Salvador. Administradora, educadora e poeta, publicou o “Um Pouquinho” (poesias, 2009), tem prefaciado algumas obras e participado de coletâneas e antologias, além de participar da coordenação do Projeto Fala Escritor.

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Homenagem a Jorge Amado (Roberto Augusto de Piratininga Ferrari) Quero, através destas poucas palavras, te enaltecer e agradecer pela imensa contribuição à nossa literatura. No mês de agosto, dito de má sorte, como afirma a sabedoria popular, tivemos o prazer de ter recebido nosso grande Jorge Amado. Nasceu no dia 10. Dentre as inúmeras qualidades que possuía, Jorge tinha o poder de iluminar qualquer ambiente por onde passasse; Jorge emanava uma luz tão forte, característica das pessoas que vieram a este mundo para transmitir o amor! Jorge nasceu na Bahia e ambos se mereceram e se amaram profundamente. A paixão pela Bahia foi exaltada em seus livros, tornou sua terra conhecida no mundo inteiro, desvendou seus costumes e tradições, e despertou no mundo a curiosidade sobre o misticismo baiano, além de enaltecer suas belezas naturais. Jorge sempre se considerou um contador de histórias e criou personagens que ficaram para sempre em nossas mentes. Sempre foi considerado um homem simples, humilde e muito simpático, reconhecido e aclamado por todas as classes sociais. Jorge, se vivo estivesse, iria completar 100 anos. Os escritores não morrem, ficam eternizados, ele e Zélia comemorariam este aniversário na casa do Rio Vermelho, ao lado de grandes amigos, entre eles Carybé e Caymmi. Enquanto a cidade o homenageia, com as batidas dos atabaques, com a cadência do samba, com os trejeitos das morenas, iguais ao de Tieta, com grandes goles de cachaça servidos nos bares, onde novos Quincas passeiam e vigiam a noite, e nas cozinhas onde outras Donas Flores preparam uma moqueca de siri-mole bem apimentada. Pelas ruas e ladeiras de Salvador, os capitães de areia, os Vadinhos, gigolôs, travestis, pais de santo, filhas de santo, Tietas, comemorariam esta data tão marcante que é o

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nascimento de Jorge Amado bebendo cachaça e comendo acarajé. Para ti, só posso, como poeta, oferecer um canto: Se pudesse, agradeceria aos céus, Por terem enviado tal escritor, Jorge Amado, Descobridor da Bahia, dos seus mistérios, Dos seus encantos, Através de Tietas, Vadinhos, com toda a sua malandragem, Donas Flores, ensinando culinária com toda inocência, Morenas, tais quais Gabriela, com cheiro de cravo e gosto de canela, Dos meninos de Capitães da Areia e, enfim, na Tenda dos Milagres, Onde o maior deles foi você ser brasileiro, Jorge, que foi amado até no nome. Muito Obrigado! Roberto Augusto de Piratininga Ferrari é natural de São PauloSP. Escritor, poeta e apresentador, tem dois livros publicados: “Sublime Amor” e “Ventos da Paixão”. Participa de cinco antologias de poesias. Graduado em Engenharia Civil. Menção honrosa em diversos concursos de poesia. Tem um livro no prelo e pretende lançá-lo em 2012. É membro da ABACH e já foi homenageado em vários eventos.

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Jorge Amado em O Ser Brasileiro (Roseli Princhatti Arruda Nuzzi) Jorge Amado, jornalista, romancista e memorialista, nasceu na Bahia, na Fazenda Auricídia, em Ferradas, Itabuna, Bahia, no dia 10 de agosto de 1912, e faleceu em 6 de agosto de 2001, na cidade de Salvador, Bahia. São temas das suas obras os problemas e as injustiças sociais, o floclore, a política, crenças, tradições e a sensualidade do povo brasileiro, que contribuiram para a importância do Ser Brasileiro. Com 49 livros publicados, suas obras são direcionadas ao nacionalismo brasileiro. Foi casado com Zélia Gattai, escritora, que o sucedeu na Academia Brasileira de Letras. Teve dois filhos: João Jorge e Paloma. Escritor profissional, viveu exclusivamente dos direitos autorais de seus livros. É representante do modernismo regionalista (segunda geração do modernismo). Recebeu vários prêmios literários no estrangeiro e no Brasil. E é o autor brasileiro mais publicado em todo o mundo: sua obra foi editada em 55 países, e vertida para 49 idiomas e dialetos. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 6 de abril de 1961, ocupando a cadeira 23. Escreveu “Farda, Fardão, Camisola de Dormir”, para retratar os casos dos imortais da ABL. Trocou cartas com escritores, poetas e intelectuais de seu tempo, dentre eles: Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato, Gilberto Freyre, Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, José Saramago, Juscelino Kubitschek, François Mitterrand e Antônio Carlos Magalhães. Estas cartas mostram como o escritor recebia os pedidos, apresentava pessoas umas às outras - nessa época, as pessoas se comunicavam por via postal. Uns de seus maiores sucessos brasileiros, reconhecido internacionalmente, foi o filme “Dona Flor e seus

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Dois Maridos”, livro publicado em 1966, que retrata a vida boêmia de Salvador, na década de 40. A trama se inicia com a morte de Vadinho, um boêmio, jogador e alcoólatra, que morre em pleno carnaval de rua, fantasiado de baiana. Deixa viúva Dona Flor, a quem explorava e que era apaixonada por ele. Ela trabalha ensinando culinária em sua escola “Sabor e Arte” e acaba se casando novamente com um farmacêutico que não a satisfaz. Mas eis que, de repente, surge o espírito do falecido marido e passa a atormentá-la. Somente ela o vê e consegue realizar as mesmas coisas que faziam na cama em vida. O grande dilema de Dona Flor era: manter-se fiel ao novo marido ou ceder ao Espírito de Vadinho? Os romances de Jorge Amado são fantásticos, fazem com que o leitor aprecie o Brasil com todos os seus contrastes e contradições. Outro grande sucesso foi a novela “Gabriela, Cravo e Canela”, inspirada na obra publicada em 1958, que retrata a sociedade cacaueira na década de 20, em Ilhéus, com seus dramas, jagunços, prostitutas e coronéis. Jorge Amado estará no coração dos brasileiros eternamente, pois suas obras são imortais. É ele a maior referência do que é Ser Brasileiro neste país abençoado por Deus. Roseli Princhatti Arruda Nuzzi é natural de São Paulo-SP. Escritora, poetisa e professora, tem participado de antologias de contos, crônicas e poesias. Graduada em Letras e Pedagogia, pósgraduada em Supervisão Escolar, Educação Especial e Inclusiva, Psicopedagogia e Orientação Educacional e Pedagógica.

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Jorge Amado – para o Mundo Artístico-Cultural, o Maior e Mais Popular Escritor Brasileiro de Todos os Tempos (Silas Correa Leite) Com o povo aprendi tudo quanto sei, dele me alimentei e, se meus são os defeitos da obra realizada, do povo são as qualidades porventura nela existentes. Porque, se uma virtude possui, foi a de me acercar do povo, de misturar-me com ele, viver sua vida, integrar-me em sua realidade. Quem não quiser ouvir pode ir embora, minha fala é simples e sem pretensão [...] (AMADO, Jorge. Os Pastores da Noite) Para os experts em literatura, de um modo geral, estamos entre Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade como os maiores e melhores escritores brasileiros de todos os tempos. Mas, de literatos ditos populares mesmo no mundo inteiro, acrescentamos a esses nomes os de Érico Veríssimo, de Porto Alegre, e, principalmente, Jorge Amado, da Bahia. Sim, Jorge Amado com sua literatura que fica entre crítica social, um lado belamente exótico, e mesmo o lado bat-macumba do norte-nordeste brasileiro, mais a sensibilidade louca de suas personagens arrancadas de becos, bordéis, bares e ruas. Foi esse Brasil popularesco que Jorge Amado ventilou nas plagas do mundo inteiro, porque, certamente, é o escritor brasileiro mais lido de todos os tempos, e, decerto, infinitamente melhor do que Paulo Coelho e até Luis Fernando Veríssimo. Enquanto Érico Veríssimo fica entre O Tempo e o Vento e Incidente em Antares, como duas obras primas, do nível de Dom Casmurro, Macunaíma, Vidas Secas e Grandes Sertões Veredas, Jorge Amado, com mais de trinta livros, pontua no cenário bibliográfico mundial com clássicos extremamente difundidos e populares, como Dona Flor e seus Dois

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Maridos, Os Subterrâneos da Liberdade, Morte de Quincas Berro D’Água, Seara Vermelha, Gabriela Cravo e Canela, Capitães da Areia, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra, Tieta do Agreste, entre outros. Todos eles vendendo o Brasil moreno-tropical, sensual, exótico, terras do sem-fim, com suas plagas de muito sol, latifúndios de cacau, praias e becos, cultos afros, crendices e prosopopeias que cativaram, mais, seduziram leitores de centenas de países do mundo, muitos deles virando temas musicais, minisséries, novelas e até mesmo filme, inclusive em Hollywood. A biografia de Jorge Amado é bem extensa e muito bem retrata seu potencial criativo sem igual, e que, num resumo imediato, podemos relatar assim, em rápidas pinceladas: - Jorge Amado, o maior representante do ciclo do romance baiano, nasceu na Bahia, em 1912. É o romancista brasileiro mais lido no Brasil e no mundo. Com livros traduzidos para diversos idiomas, suas obras refletem a realidade dos temas, as paisagens, dramas humanos, secas e migrações, êxodos, sensualidade e rituais afros. Escritor desde a adolescência, Jorge Amado segue o estilo literário do romance moderno. Em seus livros existe o domínio do físico sobre a consciência. Suas personagens geralmente são plantadores de cacau, pescadores, artesãos e gente que vive próximo ao cais, em Salvador, capital da Bahia. O estilo do autor também é conhecido como “romances da terra” e seus livros possuem uma linguagem agradável e de fácil compreensão. Suas obras literárias conquistaram não só os falantes da língua portuguesa como de outros idiomas: inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, etc. O literato Jorge Amado morreu em Salvador (Bahia), em 6 de Agosto de 2001, poucos dias antes de completar 89 anos de idade. Em 1994, viu sua obra ser reconhecida com o Prêmio Camões, o chamado Prêmio Nobel da Língua Portuguesa. É também o autor mais adaptado da televisão brasileira, verdadeiros sucessos televisivos como Tieta, Gabriela e Tereza Batista são criações suas, além de Dona Flor e seus Dois Maridos. A obra literária de Jorge Amado conheceu inúmeras adaptações para cinema, teatro e televisão, além

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de ter sido tema de várias escolas de samba do Brasil, o que o consagrou. Seus livros foram os mais traduzidos do Brasil, existindo também exemplares em braile e em fitas gravadas para cegos. Mesmo dizendo-se materialista, era simpatizante do candomblé, religião na qual exercia o posto de honra de Obá de Xangô no Ilê Opó Afonjá, do qual muito se orgulhava. Amigos que Jorge Amado prezava no candomblé são as mães de santo: Mãe Aninha, Mãe Senhora, Mãe Menininha do Gantois, Mãe Stella de Oxóssi, Olga de Alaketu, Mãe Mirinha do Portão, Mãe Cleusa Millet e Mãe Carmem. Com Rachel de Queiroz, Jorge Amado é representante do modernismo regionalista, a segunda geração do modernismo. Segundo Dorine Cerqueira (Professora de Literatura, jornalista e ensaísta): O estilo de Jorge Amado caracterizase por dois modos opostos: a crueza da linguagem e o tratamento poético do tema. O duramente realista e o de clima de poema, pois sua força poética está principalmente na conjugação do tema com a concepção das coisas populares que vivem animicamente em seus romances. Para Miécio Táti, o autor corre o risco de vir a jogar “artisticamente” com o sofrimento alheio, de tal forma que a simpatia do leitor seja levada a interessar-se mais pela “expressão poética do fato”, do que pelo “próprio fato”. O escritor confessa, contudo, que continua comprometido com o povo e que seus livros “buscam servir à transformação da sociedade. Em sua obra, Jorge Amado dá ênfase aos problemas sociais. É considerado um escritor de grande talento

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narrativo e de grande força sociopoética, “um contador de estórias”, como ele mesmo se achava. Sua linguagem é rica de elementos populares e folclóricos, e de grande conteúdo humano, em uma narrativa descontraída e oralista. O escritor é um dos representantes do regionalismo brasileiro, e seus romances documentam a passagem de uma sociedade agrária para a industrial, e ainda trazem a preocupação com os problemas coletivos, ambientando suas narrativas no quadro rural e urbano da Bahia, sua terra. Sua obra, por estas e outras faces, é importante para a compreensão de nossa realidade social e histórica. Jorge Amado escreveu sobre a infância abandonada e delinquente, meninos de rua (Capitães da Areia); a miséria do cais do porto da cidade (Mar Morto); os retirantes da seca, o cangaço (Seara Vermelha); a exploração do trabalhador urbano e rural (Cacau) e o coronelismo latifundiário (Cacau; Terras do Semfim; São Jorge dos Ilhéus; Gabriela, Cravo e Canela; Tocaia Grande); denunciou a discriminação racial, abordando a vida do povo, a participação política, cultural e social das camadas humanas (Tenda dos Milagres; Pastores da Noite), entre outros temas, que aborda com talento e preciosidade. O autor fixa ainda toda a atmosfera de encantamento e mistério da cidade de Salvador, da Bahia de Todos os Santos: os orixás, os pais de santo, as rezas em nagô para Iemanjá, Oxóssi, Oxalá, os negros e as populações operárias, os saveiristas do recôncavo baiano, os pardieiros do velho Bairro da Sé, com seus malandros e suas prostitutas. Enfim, o mundo mágico da Bahia. Num processo intertextual, Jorge Amado entrelaça a fantasia na realidade da vida do povo baiano, e todas as crendices parecem se transformar numa força superior às teorias, força atávica, mitos que a inteligência do escritor assimila, como personagens ativos e presentes. Ele interpenetra, às vezes, o mito e a realidade, criando um clima sobrenatural e grandemente poético, como em Mar Morto - Iemanjá, Oxóssi, os demais orixás e as mães de santo – ou em Jubiabá - nos despachos, em todos os feiticeiros, no poder milagroso das ervas, no olho da ruindade, nos cabelos perfumados da princesa de Aiocá, em Iansã, Exu e Ogum, no lobisomem, na

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caipora e nas mulas-de-padre, na macumba, no candomblé e na poesia da cidade negra, numa bonita e preciosa intertextualidade. Talvez o mais "Amado" Jorge entre os brasileiros de todos os tempos, segundo Edoardo Pacelli, que dele muito bem diz: [...] do encontro de mundos tão diferentes como o do índio, o do africano e o latino, temperado por óleo de dendê baiano, nasce o estilo de Jorge Amado. A novidade e a diversidade deste grande autor brasileiro são tão luxuriosas que alcançam um estado de espírito tão longe do estado recorrente de triunfo, orgulho e exaltação intelectual, característico da literatura ocidental. Com Jorge Amado, as letras brasileiras enriqueceram a humanidade que experimentou e reviveu sua obra de arte, num gozo mental que acompanha o ato da cognição, da assimilação dos temas apresentados, tão novos e diferentes, tão profundamente misteriosos e místicos que provocam o desejo de viver numa vida mais intensa e radiante, moral e espiritualmente. A prosa de Amado domina os leitores pela tendência destes a identificar-se e submeter-se voluptuosamente. Conseguindo criar um mundo próprio - completo em si, com configurações convincentes e atmosfera espiritual, sem se esquecer das problemáticas sociais -, Jorge Amado trata seus heróis e heroínas de modo plástico, dando sensações e

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vitalidades novas, deixando o leitor se identificar com uma energia maior. Descrevendo os estados de espírito e tensões, alegrias e tristezas, aspirações e decepções de seus personagens, a literatura de Jorge Amado e, com ela, a literatura brasileira, tornou-se universalmente conhecida e reconhecida, desvelando ao mundo a riqueza do patrimônio cultural do Brasil e da Bahia, a grandeza de seus escritores, a maravilha do mundo encantado do interior, a luta para a libertação dos oprimidos e dos sofridos; das minorias que são maiorias rejeitadas e ignoradas, afastadas pelo ambiente em que vivem. Mais que crítica social, pode-se chamar as páginas literárias de Jorge Amado de construção social. Poderse dizer que Jorge Amado representa o desvão da noite da cultura brasileira esquecida e ignorada, tornando-se o nascer da aurora de uma nova literatura, de um mundo, até então, perdido; recuperando uma geografia de tristezas e alegrias, um mundo de lembranças e realidades, ensinando aos leigos a aprender as paisagens, a escutar os ventos, a regressar a um universo sofrido e arcaico mas que, igualmente, reluz beleza. Tadeu Luciano Siqueira Andrade (UNEB) de Jorge Amado diz: A obra de Jorge Amado não descreve apenas a vida do povo humilde da

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Bahia, mas, acima de tudo, uma revelação de classes sociais marginalizadas e com falares estigmatizados. Como disse Antonio Cândido, a obra de Jorge Amado é “uma ida ao povo.” E nessa ida, encontramos o falar dos pais e mãesde-santo em cultos aos orixás, quando sofriam a perseguição imposta pela polícia nos terreiros de candomblé. O falar dos grevistas, exigindo respeito e dignidade humana, liderados por Pedro Bala. O falar dos capitães da areia que, mais tarde, ressoaria na Candelária e em outras partes do Brasil. O falar das prostitutas, vítimas da sociedade preconceituosa, em que a mulher ainda é explorada. O falar dos saveiros, tangidos pelas águas da Baía de Todos os Santos, despedindo-se das mulheres no cais. O falar de muitas Gabrielas, Terezas e Tietas que, com guerra, conquistaram os seus espaços no contexto social. O falar autoritário dos coronéis em Ilhéus. O falar sangrento na disputa pelas terras do cacau. O falar do negro discriminado que aqui chegou e constituiu grande parte de nosso patrimônio cultural. Todos os falares da gente simples e humildes que, vivendo de forma trágica, sem esperança e numa sociedade opressora constituiu os personagens vivos e atuantes. É assim que se constitui a obra de Jorge Amado: Escritor do povo, muito bem mostra o

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que povo tem bom, inspirado pelo povo e escrevendo para o povo. Autor dos mais respeitados na literatura brasileira, desde os anos trinta, Jorge Amado é sucesso de crítica e de público. Sua obra explora os mais diferentes aspectos da vida baiana: a posse violenta da terra, com as consequências sociais, como ocorreu na colonização da zona cacaueira do Sul da Bahia, está imortalizada em: Cacau; São Jorge de Ilhéus; Gabriela, Cravo e Canela; e Terras do Sem-Fim. Os tipos folclóricos das ladeiras de Salvador estão presentes em: Tenda dos Milagres; Capitães da Areia; e Mar Morto. A literatura engajada, comprometida com a ideologia política do autor, ganha destaque em Os Subterrâneos da Liberdade e O Cavaleiro da Esperança. Os perfis de mulheres extraordinárias que comovem e seduzem despontam em: Tieta do Agreste; Dona Flor e seus Dois Maridos; Gabriela Cravo e Canela, dentre tantas outras obras. Há um proposital descompromisso do autor com o registro formal da chamada ‘norma culta’; para se entender melhor, o comentário que se faz constantemente sobre seu ‘estilo’. Jorge Amado já se autoproclamou "um baiano romântico e sensual". É o que a crítica costuma rotular de ‘contador de histórias’. Não segue, intencionalmente, o rigor da técnica de construção literária e nem dá a mínima para as normas gramaticais e ortográficas. Incorpora à língua escrita termos e expressões típicos da língua regional e de sua Bahia idolatrada. Seus textos saborosos transpiram trópico, calor, vida. Suas histórias são tramadas sobre o povo simples e rude, numa língua que esse povo fala e entende. Centra-se na fixação dos tipos marginalizados para, por intermédio deles, analisar e criticar toda a sociedade amoral. A ação dá-se, basicamente, em Salvador e gira em torno da boemia nas cercanias do cais do porto. Jorge Amado é isso: vox populi. A voz do povo retrazida da rua com suas sequelas sociais, seus enredos de amargurados entre boêmios, entre seus guetos e rituais, suas dívidas sociais impagas, uma rica cultura afro-tupi-luso. Ele retratou o povo que bem conheceu de cheiro e floração,

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olhar astuto. A miscigenação humana no letral, na carga de personagens que cheiram a povo, trazem as mazelas políticas e socioculturais na alma dessa humana gente. Não é à toa que muito bem ganhou o mundo, da Ásia à Rússia, levando a oralidade brasileira em literatura com feição de gente de qualquer lugar, carregando nossas características geográficas de colonização de exploração, da escravatura, das casas grandes e senzalas, passando pelo carnaval, cantilenas de terreiros, mais a gente com a cara de todo ser, de marinheiros e trabalhadores explorados, de ermos, uma visão comunitária do microespaço baiano que ele levou ao mundo em obras modernas, populares, gigantes. Amado pelo povo, leitores em potencial, disfarçadamente meio que “odiado” por parte da intelligentsia burguesa midiática de pseudoletrados e acadêmicos de ocasião, chulos, críticos e reacionários que não avaliam Jorge Amado num contexto lógico-sequencial histórico, mas num tendencioso prisma marxista que, na verdade, referendava sua obra como verdadeira, realista, social, contundente, pontuada de ironia, humor, musicalidade, mais tambores, cheiros, credos, o canto do povo, de seu tempo, de seu meio, de seu lugar, de sua aldeia, origem, terra-chã, terra-brasilis, brasileirinhos e brasileiríssimos. A cara de Jorge Amado é a cara do Brasil. Nada mais do que um autor-identidade desses cafundós praieiros até os sertões gerais em um Brasil S/A, que ele divulgou, difundiu, retratou, delatou, mostrou a cara deslavada de mestiços, quase brancos, quase pretos, terras sangrentas dessas nossas tantas áfricas utópicas que Caetano Veloso mais à frente cantou. O Haiti sempre foi aqui? Jorge Amado é a cara do Brasil em suas páginas de rostos, de ritos, de paisagens e de personagens cheirando a chão. Um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, o mais popular. No entanto, tem essa cara do Brasil. Trouxe o Brasil com essa cara para as lides do sul, do planeta Terra, da história literocultural do mundo moderno. Essa cara do Brasil de mestiços, quase brancos, quase pretos, ironia, humor.

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Silas Correa Leite é natural de Santa Itararé das Artes/Augusta Sampa. Publicou “O homem que virou cerveja”, por ocasião do “Prêmio Valdeck Almeida de Jesus de Literatura”. Autor de “PortaLapsos” (poemas) e “Campo de Trigo Com Corvos” (contos). Blogue: www.portas-lapsos.zip.net

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O Evangelho segundo Jorge Amado (Silvia Helena Machuca) Assim como Funes, o memorioso de Borges que padecia de certas limitações incuráveis por ter nascido em Fray Bento, eu, nascida em Artemis, vilarejo com não mais de 500 pessoas, de rua de terra e gente de incômoda ignorância, estava também fadada a restrições que a pobreza me prometia como favas contadas. Tudo o que eu sabia do mundo não escapava dos limites territoriais daquela porção interiorana de São Paulo, onde se misturavam italianos, espanhóis, portugueses e alguns poucos japoneses, estratificados em, basicamente, três classes sociais não muito distintas: pobres, paupérrimos e miseráveis. Ali aprendi a ter medo de negros, a ser católica e a aceitar o fato de que a vida pouco tinha a nos oferecer, e que, no fim das contas, mulher era feita para casar, procriar e viver sem sonho. A lista dos pecados me foi apresentada logo na pia batismal, e no topo dela lideram os desejos carnais, que na adolescência tanto clamavam por espaço. O corpo, pelas formas que ia tomando, era pecado praticado a céu aberto, coisa abjeta de que não se podia ter outro sentimento senão vergonha. Mas ali, aos doze anos, na biblioteca minguada da escola, toquei pela primeira vez na obra de Jorge Amado, e o verbo se fez vida na voz Gabriela, Cravo e Canela. Era um volume de capa linda, que exibia o desenho de uma mulata de vestido branco colado ao corpo e cabelo desgrenhado, andando por uma rua onde se via ao fundo sobrados brancos de telhados amarelos e a torre de uma igreja. Na contracapa, o velho bonachão que me apresentou a outros brasis, além daquele formado por italianos, espanhóis, portugueses e japoneses. Que me apresentou a outra realidade, a outros sotaques, outros sabores, outros prazeres, outras crenças e a gente ainda mais miserável do que as que eu conhecia. O Evangelho, segundo Jorge Amado, me ensinou que preto era gente como eu, como minha mãe, como meus

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irmãos. Que meu corpo adolescente não representava qualquer pecado, e que os desejos que se despontavam eram comuns a todos os seres, e podiam ser experimentados sem que o céu me castigasse. Um novo Brasil foi se me apresentando através de Pedro Bala, Vasco Moscosa de Aragão, Tieta, Dona Flor e tantos outros pelos quais passei a nutrir profunda amizade. Tornaram-se meus amigos. Talvez, mais Gabriela do que todos os outros. Não sei se por ser a primeira, ou se por ser tão desprovida de preconceitos, se por me mostrar que o amor, o afeto, o prazer podem estar desvinculados da sagrada instituição do casamento, talvez por tudo que aprendi longe do catecismo enfadonho que me era imposto aos sábados à tarde. Naquele minúsculo pedaço paulista, não conseguia imaginar comida mais saborosa que macarronada com porpeta e polenta com frango até começar a sonhar com moqueca de siri mole, vatapá, caruru, acarajé, azeite de dendê. Tantas outras revelações foram se me apresentando através de J.A. As fazendas de cacau e seus meios cruéis de trabalho, que me pareciam tão diferentes dos canaviais paulistas, e que depois descobri que escondiam em seus alojamentos a mesma pobreza e exploração contada em Cacau. Jorge Amado foi ao mesmo tempo demolidor e arquiteto do meu espírito. Destruiu dogmas, construiu conceitos, desconstruiu paradigmas, e, ao fim de tudo, me mostrou com sua obra e sua vida, que não existe padrão nem limite ao humano. Se para Gabriela o casamento foi um grilhão, para ele e sua inseparável Zélia, foi bemaventurança. Que dele seja eterno o reino dos escritos, da prosa e da poesia. Silvia Helena Machuca é natural de Piracicaba-SP, mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP, advogada militante, escritora amadora. Em 2011, teve duas obras selecionadas em concurso

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literário: o conto “A Hora do Ângelus” – 10º lugar no concurso promovido pela Universidade Metodista de Piracicaba; e a crônica “Baiano da Porra” – 6º lugar no concurso promovido por Valdeck Almeida de Jesus.

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Jorge Amado: uma Breve Análise Biográfica (Silvio Parise) Quando paramos para calmamente analisar esse grande vulto de nossa literatura, logo notamos que o exímio romancista nasceu verdadeiramente dotado. É o que geralmente acontece com os excelentes escritores, pois encontram sempre algo que desperta a sua atenção, para assim se espelharem, o que naturalmente não podia faltar em Jorge. E, embora ainda seja até hoje muito discutido por alguns biógrafos o local certo de seu nascimento, o que evidentemente sabemos é que ele foi registrado no povoado de Ferradas, pertencente a Itabuna-BA. No entanto, outros biógrafos indicam que o seu nascimento ocorreu na Fazenda Auricídia, à época, município de Ilhéus-BA, que, por sua vez, devido ao crescimento, teve sua área incluída no município de Itajuípe, com a emancipação do distrito ilheense de Pirangy. Sabe-se, no entanto que, no dia 10 de agosto de 1912, nasceu Jorge Leal Amado de Faria, aquele que se tornaria o maior escritor brasileiro de ficção romancista. Os biógrafos citam como a razão para as dúvidas quanto ao lugar certo de seu nascimento uma praga de varíola que ocorreu na região aproximadamente um ano após o seu nascimento, obrigando a família deixar a Fazenda e se estabelecer em Ilhéus, onde ele viveu a maior parte de sua infância, lugar que lhe serviu de inspiração na construção de vários romances. Alguns anos depois, foi residir no Rio de Janeiro, na altura, capital da república, onde estudou na Faculdade de Direito da então Universidade do Rio de Janeiro, hoje Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi, portanto, ali, durante a década de 1930, que Jorge Amado, agora jornalista, envolveu-se com a política ideológica, tornando-se comunista, como muitos de sua geração. Observo serem temas constantes de suas obras os problemas e as injustiças sociais, a política, o folclore, as crenças e tradições, como também, a sensualidade do povo brasileiro. Durante as tumultuosas décadas de 1940 e 1950, Jorge Amado viveu alguns anos no exílio. Inicialmente na

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Argentina e no Uruguai (1941 e 1942), em Paris (1948 a 1950) e em Praga (1951 e 1952). Em 1945, foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), passando a sofrer fortes pressões políticas. Como deputado, votou a favor da emenda de número 3.165, do deputado carioca Miguel Couto Filho, emenda que proibia a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer idade e de qualquer precedência. Embora se julgasse materialista, era simpatizante do candomblé, religião onde exercia a posição de honra de Obá de Xangô no terreiro Ilê Opó Afonjá, do qual muito se orgulhava e onde tinha muitos amigos, que eram pais de santo ou mães de santo. Esta experiência viria a influenciá-lo na representação do modernismo regionalista (segunda geração do modernismo). Escritor profissional (viveu exclusivamente dos direitos autorais de seus livros), cujo estilo - o romance ficcional - garantiu-lhe prestígio mundial. Com 49 livros publicados, Jorge Amado tornou-se o autor mais adaptado da televisão brasileira, com verdadeiros sucessos, como Tieta do Agreste; Gabriela, Cravo e Canela; Teresa Batista Cansada de Guerra (criações suas), além de Dona Flor e seus Dois Maridos e Tenda dos Milagres. Suas obras conheceram inúmeras adaptações para o cinema, teatro e televisão, além de terem sido tema de escola de samba por todo o Brasil. Teve seus livros traduzidos em 55 países, em 49 idiomas, com alguns exemplares editados em Braille e em fitas gravadas para os deficientes visuais e cegos.

PRÊMIOS RECEBIDOS: Internacionais: Prêmio Stalin da Paz (Moscou, 1951); Prêmio de Latinidade (Paris, 1971); Prêmio do Instituto Ítalo-LatinoAmericano (Roma, 1976); Prêmio Risit d'Aur (Udine, Itália, 1984); Prêmio Moinho, Itália (1984); Prêmio Dimitrof de Literatura (Sofia, Bulgária, 1986); Prêmio Pablo Neruda, Associação de Escritores Soviéticos (Moscou, 1989); Prêmio Mundial Cino Del Duca da Fundação Simone e Cino Del

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Duca (1990) e Prêmio Camões (1995) - o Nobel da Língua Portuguesa. No Brasil: Prêmio Nacional de Romance do Instituto Nacional do Livro (1959); Prêmio Graça Aranha (1959); Prêmio Paula Brito (1959); Prêmio Jabuti (1959 e 1995); Prêmio Luísa Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil (1959); Prêmio Carmen Dolores Barbosa (1959); Troféu Intelectual do Ano (1970); Prêmio Fernando Chinaglia (Rio de Janeiro, 1982); Prêmio Nestlé de Literatura (São Paulo, 1982); Prêmio Brasília de Literatura - conjunto de obras (1982); Prêmio Moinho Santista de Literatura (1984); Prêmio BNB de Literatura (1985). TÍTULOS RECEBIDOS: Jorge Amado recebeu títulos de Comendador de Grande Oficial nas Ordens da Argentina, Chile, Espanha, França, Portugal e Venezuela, além de ter sido feito Doutor Honoris Causa por dez universidades no Brasil, Itália, Israel, França e Portugal. O título de Doutor pela Sorbonne, na França, foi o último que recebeu pessoalmente, em 1998, em sua última viagem a Paris, quando já estava doente. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 6 de abril de 1961, ocupando a cadeira 23, cujo patrono é José de Alencar. OBRAS: - O País do Carnaval, romance (1930) - Cacau, romance (1933) - Suor, romance (1934) - Jubiabá, romance (1935) - Mar Morto, romance (1936) - Capitães da Areia, romance (1937) - A Estrada do Mar, poesia (1938) - ABC de Castro Alves, biografia (1941) - O Cavaleiro da Esperança, biografia (1942) - Terras do Sem-Fim, romance (1943) - São Jorge dos Ilhéus, romance (1944)

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- Bahia de Todos os Santos, guia (1945) tradução francesa: Bahia de Tous les Saints Gallimard, Paris (1979) - Seara Vermelha, romance (1946) - O Amor do Soldado, teatro (1947) - O Mundo da Paz, viagens (1951) - Os Subterrâneos da Liberdade, romance (1954) - Gabriela, Cravo e Canela, romance (1958) - A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água, romance (1961) - Os Velhos Marinheiros, ou O Capitão de Longo Curso, romance (1961) - Os Pastores da Noite, romance (1964) - O Compadre de Ogum, romance (1964) - Dona Flor e seus Dois Maridos, romance (1966) - Tenda dos Milagres, romance (1969) - Tereza Batista Cansada de Guerra, romance (1972) - O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, contos infantojuvenis (1976) - Tieta do Agreste, romance (1977) - Farda, Fardão, Camisola de Dormir, romance (1979) - Do Recente Milagre dos Pássaros, contos (1979) - O Menino Grapiúna, memórias (1982) - A Bola e o Goleiro, literatura infantil (1984) - Tocaia Grande, romance (1984) - O Sumiço da Santa, romance (1988) - Navegação de Cabotagem, memórias (1992) - A Descoberta da América pelos Turcos, romance (1994) - O Milagre dos Pássaros, fábula (1997) - Hora da Guerra, crônicas (2008) Jorge Leal Amado de Faria (Jorge Amado) foi casado com Zélia Gattai, também escritora, que o sucedeu na Academia Brasileira de Letras (ABL). Tem dois filhos: João Jorge, sociólogo e Paloma. Faleceu em Salvador no dia 6 de agosto de 2001. O autor também gostava de se comunicar com os amigos através de carta. Existem mais de cem mil páginas no processo de catalogação, que se encontram guardadas num

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acervo separado da Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador. Mas estas só poderão tornar-se públicas cinquenta anos após sua morte. Segundo a poetisa Myriam Fraga, que coordena a Fundação desde a sua criação, essa foi a vontade dele, a qual deixou por escrito. Silvio Parise é natural do Rio de Janeiro. Poeta, escritor, contista, compositor, filósofo, tradutor e missionário cristão sem denominações. Publicou 10 livros poéticos e participa de mais de 70 Antologias nacionais e internacionais. Alguns dos prêmios recebidos: 9th Brazilian International Press Award, com a coletânea Brava Gente Brasileira em Terras Estrangeiras – Vol. II (2006). Membro do BEA/UBENY – Brazilian Endowment for the Arts/União Brasileira de Escritores de New York. Participou da Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro em 2003 e 2009. Site: www.myspace.com/silvioparisepoetry

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Linguagem literária: uma análise da obra Tieta do Agreste de Jorge Amado (Solange Gomes da Fonseca) Muitos escritores possuem a característica de “misturar” a ficção à história, fazendo com que o leitor se interrogue se aquilo que está lendo ocorreu de fato ou se é simplesmente a imaginação do escritor, embora saibamos que o gênero textual já prepara o leitor para a interpretação. No caso de Jorge Amado, o autor busca fatos reais para (re)contar a proposta de Tieta do Agreste - Pastora de Ovelhas - através do questionamento de verdades estabelecidas. O autor (re)cria uma história sociocultural no Agreste. Os estudos relativos à disciplina de Literatura sempre suscitaram muitas discussões em torno da linguagem literária recheada por metáforas, para diferenciar da narrativa histórica, por sua subjetividade, pela ambiguidade, ao compartilhar com seus leitores certos discursos. Na literatura não há a objetividade dos relatos históricos, muito menos o comportamento com a verdade. Contudo, o leitor estaria preparado para aceitar audácias históricas, ou seja, o leitor deve aceitar que o escritor não deva passar por nenhum teste convencional de realidade. Para isso, o questionamento das “verdades” sobre a linguagem literária constitui o desenvolvimento prático de uma consciência linguística crítica ou uma prática de intervenção que pode contribuir na educação linguística de todos os leitores e fornecer-lhes o conhecimento para iniciar mudanças em suas próprias práticas discursivas e nas práticas discursivas de sua comunidade. Mas, uma vez que toda mudança social passa por uma mudança discursiva, é preciso desestabilizar os elementos de ordem discursiva para provocar uma reconfiguração na ordem do discurso atual num texto literário. A literatura e a vida real não são a mesma coisa, mas estão relacionadas. Falar do romance aqui destacado, portanto, significa também falar da vida real. A projeção das manifestações populares em obras eruditas, literárias, musicais e teatrais constitui um dos aspectos da apropriação

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da cultura do povo, que dá tom, ainda que de forma incipiente, da introdução do romantismo no Brasil (segunda metade do século XIX), vindo a ter um período de maior incrementação no modernismo (a partir da segunda metade do século XX). Todavia, estas formas modernas convivem com os textos dos romances tradicionais, alguns dos quais têm sido coletado em performances juntamente com as modernas. A coleta dos romances tem registrado a ocorrência espontânea das performances dos romances tradicionais nas seguintes ocasiões: - narrado por mulheres em reuniões familiares ou de vizinhança, com a motivação explicitamente lúdica, embora com o sentido educativo implícito; - em rodas de amigos, no cenário do Agreste, onde o pai tinha a figura ríspida do dono, e a filha (Tieta) tinha de obedecê-lo para o convívio familiar. Jorge Amado, conhecido internacionalmente, relata a opressão do negro, do pobre e do trabalhador nas zonas urbanas, tendo sido esta obra, de forte apelo social, transformada em novela e filme. Tieta do Agreste nos mostra como um dos poetas mais sensíveis capta o feminino e o exprime traduzindo, com riqueza de estilo, todo o seu romantismo sensual, ao enfatizar o amor, a força da carne e do sangue que arrasta seus personagens para um extraordinário clima lírico/dramático. Embora, de forma a aprofundar depois, enfocando as figurações de que a mulher se reveste em “Tieta do Agreste” na tentativa de flagrar o fundamental do feminino e descortinar a presença da mulher no imaginário do autor. Ao estilo cru, Jorge Amado tempera esse romance com uma das cenidade frequente, tanto na linguagem quanto nos atos dos personagens (Amado, 1979, p. 581). Tieta do Agreste foi um romance que documentou problemas reais da sociedade brasileira e que tem como pano de fundo a vida e os costumes de uma cidadezinha do interior da Bahia que ultrapassou apenas o seu limite cultual por ser a terra natal do ilustre escritor e poeta Jorge Amado.

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Essas considerações mostram que não se pode dissociar a cena enunciativa de uma história narrativa, de um ficcionista, de um universo, o qual é constituído por vários campos – político, religioso, filosófico, científico, entre outros. Cada campo é formado de vários espaços que são os chamados interdiscursivos. Portanto, a noção de situação enunciativa na obra não apresenta uma mesma face quando se trata de textos literários e quando se refere a intercâmbios linguísticos ordinários (interação comunicativa entre os interlocutores). Observamos na obra Tieta do Agreste, a importância da performance dessa literatura, inclusive o fato de a obra do ficcionista Jorge Amado ter sido alvo de adaptação em linguagem televisiva, cinematográfica e teatral, e por sua performance ultrapassar fronteiras locais e nacionais, ganhando leitores de múltiplas nacionalidades que visitam a região, através do imaginário ficcional e, depois, motivados por essa mesma literatura, tornam-se turistas. No entanto, como forma de ampliar as perspectivas do texto, a literatura tem uma inter-relação, através do foco cultural e complementaridade numa perspectiva comunicacional. A literatura é enfatizada pelo autor, uma vez que esconde, sob a aparência da simplicidade, toda a complexidade humana, com suas tragédias e seus romances, em que pontilham passagens de ódio, amor, doença, morte, felicidade, drogas, traição, dinheiro e outros. Todas as obras-primas da literatura foram obras-primas de complexidade: a revelação da condição humana na singularidade do indivíduo. O autor alerta, também, para o papel que a metáfora exerce nos contextos literários, a qual fornece a precisão que a língua puramente objetiva ou denotativa não pode fornecer. A história de Tieta do Agreste surge como revés das narrativas fundadoras de nossa cultura que cristalizavam um centro ocupado pelo pai, o homem, o dono, a lei, a ordem; enquanto a mulher/mãe fica à margem, representando o polo negativo. Por isso, Jorge Amado tomou os devidos cuidados na construção de seu texto, elencando na situação oportuna

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as marcas linguísticas para que o interlocutor pudesse se orientar no momento da interpretação do enunciado textual. As vozes dos personagens não são produzidas ou compreendidas em um vácuo (...). A cada voz corresponde um personagem, um agente social; a voz expressa o modo como está organizada a posição do personagem na sociedade. Os personagens sociais, juntos, fazem o tecido da sociedade, e o texto societal é o resultado mais ou menos bem-sucedido da representação do entendimento do personagem acerca dessa organização societal. Diante disso, vale lembrar que a construção dos sentidos estará sempre ligada ao modo como o texto se encontra linguisticamente construído, das sinalizações que lhe oferece, bem como à mobilização do contexto relevante à interpretação. A obra de Jorge Amado revelou para o Brasil e o mundo a adequação da língua das classes estigmatizadas pelas elites culturais e sociais, descrevendo o modo de viver de uma gente que ansiava por liberdade. A linguagem considerada como obscena encontrou aproveitamento no uso da língua, marcado pelos fatores situacionais. Esta foi uma das razões que mais influenciaram na repercussão das críticas acerca da linguagem amadiana. Eram palavras conhecidas por todos e que apareciam com naturalidade nos textos, reproduzindo o falar das classes menos favorecidas. Jorge Amado deu autenticidade à língua, especialmente na modalidade oral, não vacilando em quebrar os preconceitos. Nos tempos de perseguição e opressão à expressão do pensamento, o autor, munido de ousadia e consciência política, retratou fielmente os costumes, dando expressões literárias ao linguajar do povo. O reconhecimento da modalidade do signo linguístico no contexto da enunciação aponta o caráter dialógico da linguagem e a historicidade da língua e dos usos que dela se faz. É nessa perspectiva que entendemos as palavras trabalhadas metaforicamente no romance Tieta do Agreste. É nesse sentido que a obra literária só faz representar um real exterior que define um contexto de prática social. O

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gênero de discurso aparece como uma atividade social de um tipo particular, que se exerce em circunstâncias adaptadas, com protagonistas qualificados e de maneira apropriada sobre o momento e o lugar a partir dos quais o autor enuncia os acontecimentos culturais e sociais do interdiscurso, como o que está caracterizado na situação enunciativa da obra Tieta do Agreste. A partir do exposto, percebe-se uma relação entre a situação enunciativa da literatura com a formação societal na comunicação verbal, predominante na obra literária. Diante de tudo isso, acreditamos que todas essas reflexões só poderão beneficiar a amplitude de compreensão da abordagem literária dentro do romance Tieta do Agreste do romancista Jorge Amado, por sabermos que a linguagem literária é um fenômeno que agrega muitas teorias, as “problemáticas” de uma interpretação. Solange Gomes da Fonseca nasceu em 08.04.1955. Formada em Letras (Licenciatura plena em Português/Literatura) pela Universidade de Ciências e Letras - SUAM, no ano de 1979, na cidade do Rio de Janeiro. Especialista na Linguagem, pela Faculdade Internacional do Paraná - FACINTER, no ano de 2004. Professora/pesquisadora da Educação. Ex-membro do Grupo de Pesquisa: Linguagem e Cultura na Universidade Federal do Paraná, onde frequentou por dois anos e meio curso na área da Pragmática Linguística, e onde se apresentou na Semana de Letras com o tema "A representação das estratégias de polidez por estudantes da educação de jovens e adultos (EJA): suas implicações no ensino de língua portuguesa". Tem vários artigos sui generis construídos, após preliminares de pesquisa de campo empírica.

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Jorge Amado (Varenka de Fátima Araújo) A arte em Salvador é mesmo apaixonante, quer queira, quer não. Em todos os pontos da cidade a arte está presente. Ah! Os muros estão sendo coloridos por grafiteiros. O aerógrafo é difícil de manusear, o artista tem de ter maestria no desenho e na pintura. Essa técnica começou com um jovem americano que pintava os muros e paredes dos túneis de Nova York. No muro da Biblioteca Monteiro Lobato, na praça Almeida Couto, local onde a arte explode, há um painel feito em homenagem ao escritor Jorge Amado (1912-2012), pela comemoração dos 100 anos do seu nascimento. Jorge saiu de Itabuna para o mundo, foi jornalista e advogado. Lutou e fez carreira política, foi deputado federal. Mas gostava das letras e adorava escrever; primeiro, um livro de contos, depois os romances. Suas personagens eram intensas, as mulheres tinham seus santos e eram sedutoras; os homens e os enredos eram tipicamente regionais. Jorge foi amado e amou a vida. Casou-se com a escritora Zélia Gattai Amado; o casal teve dois filhos, Paloma e João Jorge Amado, que lhe deram netos e bisnetos. Jorge Amado foi um homem simples e gentil. Parava para dar autógrafo e conversava com seus leitores, sempre atencioso. Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas, levando nossa literatura aos quatro cantos do mundo. Varenka de Fatima Araújo é cearense e reside em Salvador-BA. Membro da Academia de Cultura da Bahia. Figurinista, funcionária pública, formada em Direção Teatral, artista plástica, dançarina, poetisa e escritora. Participou de trinta e cinco antologias. Publicou: “Ela em versos” (Celeiro de Escritores, 2011), “Fatos e Retratos, Contos e Crônicas” (Celeiro de Escritores, 2012), tem textos nos projetos ArtPoesia, Prêmio Valdeck Almeida de Jesus, Varal do Brasil e Cappaz. Blog: www.varenkadefatima.blogspot.com

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Passeio utópico com Jorge Amado (Vó Fia) Ler e escrever sempre foi uma preferência minha, e comecei cedo a ler romances. Mas, durante meus primeiros encontros com a leitura, esbarrei em uma dificuldade quase intransponível. No interior faltavam livros, eram muito caros, e bibliotecas só existiam nas cidades grandes. Porém, para minha felicidade, um amigo de meu pai passou a me emprestar livros de sua coleção, e, entre eles, encontrei o grande Jorge Amado, com quem inventei um passeio, já que cada texto me levava a algum lugar diferente. E Jorge caminhava comigo, com ele caminhei por todos os seus cenários; a cada livro eu me sentia na Baia, nas ruas e praias de Salvador, jogando capoeira com os Capitães da Areia ou no bar do turco Nacib, em Ilhéus, me deliciando com os quitutes de Gabriela, quem sabe saboreando a moqueca de siri mole de Dona Flor, depois de passar pela Tenda dos Milagres. Durante muito tempo, fiz e refiz esse passeio utópico lendo e relendo a grande obra de Jorge Amado. E, depois de tantos anos passados, ainda me emociono com os textos desse baiano genial e inesquecível. Saravá, meu companheiro de passeios e de sonhos! Que Iemanjá permaneça eternamente a seu lado, saudoso Jorge Amado. Vó Fia (Maria Aparecida Felicori) nasceu em Nepomuceno-MG, é coautora de três antologias: “Varal Antológico”, “Varal Antológico 2” e “Antologia Brasilis”, esta editada na Espanha. Colabora com seus contos e poemas em vários sites.

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Axé, Babá... (Zeca São Bernardo) Natário firmou a pontaria, visando à testa de Venturinha. Em mais de vinte anos não errara um tiro. Com sua licença, Coronel. (fragmento de Tocaia Grande) Falar ou escrever sobre qualquer grande autor é sempre um privilégio, mesmo sendo algo difícil de fazer. Mas tem lá suas compensações, pelo debate de ideias e de ideais que sempre gera. De todos os autores brasileiros que são sumidades no mundo literário, seja este mundo literário o chão que alguns têm como consagrado de algumas academias de letras ou algum botequim bem ali, naquela esquina, nenhum é mais citado que Jorge Amado. Nenhum é tão controverso, debatido, comentado, citado pela pluralidade de seu regionalismo moderno ou, como queiram alguns, já pós-moderno, contanto que se afigure em tal interpretação a figura desse mestre do romance como representante maior desse período e generoso distribuidor de seus frutos... Estes sim, talvez, quem sabe, realmente, sagrados! Bom, se a figura desse grande mestre representa tudo isso, entre tantas outras coisas, fica uma pergunta: por que é tão mal compreendido? Neste ano, do centenário de seu nascimento, Jorge Amado continua sendo mal interpretado, ou tem em seus críticos o repasto manso do chamado romance romântico. Aquela historinha que fala muito ao nosso coração, tendo como pano de fundo situações que bem podem ser tidas como secundárias, uma guerra por exemplo. Se é que se pode, em nossos dias, assumir esse exemplo sem o prejuízo do politicamente correto e, assim, gerar outra polêmica insignificante sobre contextualização. Fato é - ou antes, assim me parece ser - que há romances em quaisquer circunstâncias que se possa pensar, seja para atender à necessidade de diversão das massas ou procurar induzir a reflexão, e, ainda, dentro das mais

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diversas e cabíveis formas, todas absolutamente válidas. Afinal de contas, Nietzsche nos fez o favor - entre tantos outros - de explicar por que precisamos de autores ruins, e Schopenhauer muito bem nos lembrou por que não devemos perder tempo com livros vazios. Opacos, morbidamente perdidos no vórtice, no quase eterno vai e vem da falta de conteúdo, calcinados na verborragia e incensados pelos insensatos, cujo único mérito, quando muito, é nos servir de sonífero, e assim podemos substituir algum calmante leve para casos esporádicos de insônia. Mas, cuidado! Faltamnos dados científicos que alertem para o quanto esse hábito pode prejudicar a saúde humana. E, certamente, mais cedo ou mais tarde, algum novo grande cientista alemão dedicará seu precioso tempo a alguma pesquisa sobre o assunto, que pode resultar na cura de alguns males, como azia matutina ou mesmo constipação crônica. Tereza Batista, Jubiabá, Miguel Archanjo, Gabriela, Seu Nacib, Pedro Bala, entre tantos outros que não poderiam faltar nessa breve relação, estão bem vivos e, por ocasião das comemorações do centenário de Jorge Amado, nos convidam para um novo diálogo com a obra do autor, que bem pode ser levado para o lado da crítica social. Os problemas são praticamente os mesmos, à exceção da varíola, substituída por outras doenças e outras epidemias que não deixam de gerar mortos, mesmo que menos. Os problemas sociais continuam bem diante de olhos: preconceito racial, religioso, socioeconômico; o vilipêndio do futuro que já nasce natimorto, graças ao abuso sexual ou à prostituição como única saída para pôr alguma coisa no estômago. A eterna questão mal resolvida de nossa herança cultural africana, que parece estar um pouco fora de pauta, e da qual a grande maioria se envergonha quando, na verdade, deveria se orgulhar. Enfim, todo livro admite inúmeras possibilidades de leitura - salvo aquelas situaçõesproblema citadas logo acima. E com a obra de Jorge Amado o mesmo se dá, de maneira clara e visível. Cabe a cada um, ou à sua sensibilidade, determinar ‘como ler’ e não apenas ‘o que ler’ com acréscimo ou perda, parcial ou total, do

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aproveitamento do conteúdo, e nisso reside boa parte da genialidade do autor. Se, num primeiro momento, fala a nosso coração numa bonita história de amor, noutro nos coloca frente a frente com a prostituição, ou com o abuso de poder (seja ele fruto da má - e por que não dizer péssima distribuição de renda ou da violência do coronelismo calcado na visão atávica e retrógrada do poder como posse hereditária, o que é, de certa forma, uma herança real dos tempos das capitanias hereditárias, que avançou sertão adentro e de lá teima em sair com sobrenomes de famosos políticos que transformam o povo em objeto de seu uso, prazer e descarte), ou, ainda, com a nossa costumeira indiferença pelo outro. Há centenas de capitães da areia, alguns no concreto, no asfalto, como se diz no Rio, outros nas portas dos shoppings em São Paulo. Há ainda os que vagam pelas areias perdidas das paradisíacas praias de Salvador e outros tantos lugares do Brasil. Muitos se perguntam por que Jorge Amado não foi agraciado com o Nobel - boa pergunta - e a resposta mais provável redunda no fato de a academia que concede essa honraria máxima ser dirigida, orquestrada, administrada por homens; e o homem tem essa estranha característica: a de cometer erros e, em algumas vezes, a nobreza de repará-los ou de demonstrar alguma simpatia por quem consegue dar esse segundo passo. Sem prejuízo de tudo o que foi escrito ou ainda será, acredito que falar em regionalismo nos dias de hoje é ir na direção contrária da convergência de mídias. Um fato inevitável, sobre o qual não seremos nós a dar pareceres com algum peso real; uma vez que o estamos vivendo, não dispomos de isenção para tanto. Mas, quem sabe um dia desses, num futuro talvez próximo, alguém dedique algum tempo para escrever algumas linhas (creio que bem melhores que estas) propondo a interessante questão da pluralidade do homem frente à singularidade de sua própria língua, que, mesmo sendo rica e bela, como o português, nos impõe certos limites e dá tanta dor de cabeça aos tradutores. E possa, seguidamente, com propriedade maior, nos lembrar de que, por mais que tente, o homem é sempre

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o homem e algumas coisas além das pedras, e são realmente iguais em todas as partes. Logo, esse tal regionalismo passará a ser muito mais um recurso próprio, característico e intrínseco a determinados autores e/ou a determinadas épocas. E que esses mesmos autores, célebres, aclamados, na verdade estavam totalmente isentos desse parco e ultrapassado conceito de fronteiras geográficas ou políticas. Falando assim a todos nós, que nos dizemos tão humanos, graças aos nossos limites e valores, tão humanos. Ou dizer por aí que Jorge Amado morreu! Talvez seja verdade, talvez não, cada um acredita no que quer. Mas a atualidade de sua obra me leva a crer que não, que, na realidade, ele se tornou ancestral, como fundamentam tão bem os cultos de matrizes africanas no Brasil, embora partilhemos o mesmo espaço, só que de maneira diferente, própria a cada um e a cada circunstância. Como bom baiano, muito bem educado, alguém o chamou e seus mais velhos lhe ensinaram que quando alguém chama não se deve fazer a pessoa esperar! Pelo contrário, corre-se logo para ver de que se trata... Axé, Babá! Muita paz, muita luz, modupé axé Olorum! Bem se vê que ele não se esquece dos homens e se dedica a fazê-los sempre melhores, e alguns poucos são escolhidos para nos lembrar disso hoje, amanhã e sempre!! Zeca São Bernardo é natural de São Bernardo do Campo, cidade da qual adotou parte do nome para compor seu pseudônimo mais conhecido. Escreve há quase seis anos e deste breve período tem vinte e três participações em antologias distintas, por diferentes casas editoriais e pelo país afora. Destaque para os contos “O preço” e “A desculpa”, que receberam menções honrosas em sua categoria e integram, respectivamente, as antologias do VII e VIII Prêmio Missões e para o conto “Falcão Negro continua em perigo!”, selecionado com mérito no concurso internacional de prosa, arte e poesia da Academia de Artes I l Convívio (Sicília/Itália). E, ainda, para o poema “Tesouros de um pirata, no fundo de um quintal”, premiado em terceiro lugar na edição 2005 do célebre e disputado Prêmio Cataratas ( Foz do Iguaçu-PR).

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VIII PRÊMIO LITERÁRIO VALDECK ALMEIDA DE JESUS – REDAÇÃO – APOIO: UNIÃO BRASILEIRA DE ESCRITORES – NÚCLEO BAHIA EDIÇÃO EM HOMENAGEM AO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE JORGE AMADO (1912-2012) 1 - O Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus visa estimular novas produções literárias e é dirigido a candidatos de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil ou no exterior, desde que seus trabalhos sejam escritos em língua portuguesa. 2 – As inscrições acontecem de 1.º de janeiro a 30 de maio de 2012, através do e-mail [email protected] (crônicas, artigos e resenhas de até 50 linhas, acrescidos de minibiografia de até 5 linhas e dos dados do autor - endereço completo, com CEP e telefone para contato, incluindo DDD). Os textos devem ser anexados ao e-mail como arquivo em formato de documento do Word (.doc, .docx ou .rtf). Inscrições incompletas serão desclassificadas. O prazo de entrega será baseado na data de postagem do e-mail. NÃO SERÃO ACEITAS INSCRIÇÕES PELOS CORREIOS. 3 - A obra não precisa ser inédita e deve versar sobre a vida e/ou obra Jorge Amado. Serão aceitos, também, textos sobre escritores e poetas malditos, esquecidos, não editados há muitos anos, sejam de Angola, Brasil, Cabo Verde, GuinéBissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Serão aceitas, também, redações sobre temas africanos, Copa do Mundo de Futebol de 2014 e sobre escritores de outras partes do mundo, desde que os textos sejam escritos em língua portuguesa. Cada autor responderá perante a lei por plágio, cópia indevida ou outro crime relacionado ao direito autoral. A inscrição implica concordância com o regulamento e cessão dos direitos autorais apenas para a primeira edição do livro, bem como autorização para divulgar nome e/ou imagem do autor em qualquer meio de comunicação.

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4 - Uma equipe de escritores fará a seleção de apenas um texto por autor. A premiação é a publicação do texto selecionado em livro, em até seis meses, contados a partir do encerramento das inscrições. Sugere-se que os escritores selecionados criem um blog gratuito ou usem seus blogs pessoais, após a divulgação do resultado do concurso, para dar visibilidade ao trabalho de todos os participantes. Os casos omissos serão decididos soberanamente pela equipe promotora. Os textos serão devidamente revisados, estando sujeitos a correções e ajustes, sempre com base no Novo Acordo Ortográfico. Serão eliminados do concurso os autores que não responderem aos e-mails da comissão para aprovação/desaprovação das correções. 5 - O autor que desejar adquirir exemplares do livro deverá fazê-lo diretamente com a editora ou com o organizador do Prêmio. Os primeiros dez classificados receberão um exemplar gratuitamente. Os demais também poderão receber, ficando esta decisão a critério da organização do evento e da disponibilidade de recursos financeiros. MODELO DE FICHA DE INSCRIÇÃO: Paulo Pereira dos Santos Rua Santo André, 40 – Edf. Pedra – Apt. 201 35985-999 – Portão Belo Horizonte-MG (31) 3366-9988, 8877-8999 Modelo de minibiografia: Paulo Pereira dos Santos é natural de Santana-PB. Escritor, poeta e jornalista, tem dois livros publicados: “Antes de tudo” e “Até amanhã”. Participa de cinco antologias de poesias. Graduado em comunicação social. Menção honrosa em diversos concursos de poesia. Tem dois livros no prelo e pretende lançá-los em 2012.

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Projeto publicado no site do PNLL do Ministério da Cultura Lançamentos: 1ª Antologia: Bienal do Livro da Bahia, em abril/2005 E 2007; 2ª Antologia: III Corredor Literário da Paulista, em outubro/2007; 3ª Antologia: Na 20ª Bienal do Livro de São Paulo e na 3ª Feira do Livro de Sergipe, em 2008 e na 9ª Bienal do Livro da Bahia; 4ª Antologia: Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em setembro de 2009 e no Espaço Castro Alves, num grande shopping da Bahia; 5ª Antologia: Bienal do Livro de São Paulo, em 21.08.2010; 6ª Antologia: Bienal do Livro do Rio de Janeiro, em 03.09.2011 e 02.11.2011 na 10ª Bienal do Livro da Bahia; 7ª Antologia: Bienal do Livro do São Paulo, em agosto de 2012;

MAIS INFORMAÇÕES: VALDECK ALMEIDA DE JESUS TEL: (71) 8805-4708 E-MAIL: [email protected] Site do Organizador: WWW.GALINHAPULANDO.COM

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