Presença Portuguesa na cidade de São Paulo: os eventos em datas comemorativas na Casa de Portugal de São Paulo

June 24, 2017 | Autor: L. Rodrigues Gonz... | Categoria: Portugal (History), Imigração, Eventos, Associativismo
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Presença Portuguesa na cidade de São Paulo: os eventos em datas comemorativas na Casa de Portugal de São Paulo LEANDRO RODRIGUES GONZALEZ FERNANDEZ∗ Aqui serão abordados dois grandes marcos na história de Portugal: o dia 22 de abril conhecido como dia do descobrimento e o dia 10 de junho, em que comemora-se o dia de Portugal, Camões e das Comunidades Luso Brasileiras. Será realizado um esforço no sentido de tentar explicar as origens dessas datas comemorativas, como elas foram e são tratadas pela comunidade portuguesa e seus descendentes no Brasil. Cabe destacar também como data importante os eventos comemorativos dos 500 anos de descobrimento do Brasil por Portugal, bem como retratar as opiniões dos acadêmicos sobre a data e os festejos realizados à época na Casa de Portugal. O sentido da comemoração e, consequentemente, das datas comemorativas se associam à memória fazendo com que haja o sentido de continuidade entre passado e presente. (...) “comemorar” significa afinal dar vida à morte ou, por outras palavras, ao recordar aquilo que sucedeu, a nível pessoal, local, nacional ou transnacional, deseja-se valorizar um acontecimento ou uma personalidade, procurando avivar a memória presente e fazer com que ela se prolongue no futuro.(...) (ANDRADE & TORGAL, 2012:19)

As comemorações possuem igualmente um sentido de memória, mas não se relacionam com a história, se constituem como recurso para o fortalecimento de uma comunidade imaginária e no reforço ao nacionalismo, buscando a noção de pertencimento, identidade. Nesse sentido as datas comemorativas são imbuídas por ideologias do próprio presente. Nas comemorações, como xamãs da história, invocamos o passado. Qual passado? Não qualquer um! Mas um passado preciso, circunstanciado, necessariamente parcelar, recortado a partir das representações do presente, modelagem ideológica que o reduz às suas mínimas expressões apropriáveis, escoimadas as dimensões que poderiam comprometer a estabilidade do presente que, por esta via, estabelece as bases da aliança indissolúvel entre passado, presente e futuro. (ARRUDA, 1999:7)

Doutorando em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), orientado pela Profª Drª Maria Izilda Santos de Matos. Bacharel e Mestre em Turismo pelo Centro Universitário Ibero-Americano e Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi. Professor efetivo do curso superior de Tecnologia de Gestão em Turismo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Bolsista CAPES. ∗

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O próprio surgimento dessas datas comemorativas é marcado por ideologias. Um exemplo é o surgimento do próprio dia 10 de junho em Portugal (...) se em Portugal, pelas próprias características da sua história milenária e do processo complexo da fundação da nacionalidade e da formação precoce de fronteiras, não existe propriamente um “dia da independência”, criou a República, na sua fase mais nacionalista, o dia de Portugal ou da “Raça”, 10 de Junho, que surgiu no âmbito das comemorações de Camões de 1924, para além de existir – desde o início do regime republicano, com antecedentes na Monarquia – um dia dedicado “à autonomia da pátria”, 1 de Dezembro. (ANDRADE & TORGAL, 2012:45)

E a fase mais nacionalista da República correspondeu a um período de crise, ocasião propícia à eleição de mitos e heróis. E em 1925 é que a data passa a ser comemorada em nível nacional. (...) Camões continuava, pois, como a expressão do génio português e fonte da garantia de uma regeneração. Daí que o seu culto cívico reafirmasse a identidade da “Raça” que nele tinha encontrado a plena manifestação. Estas comemorações decorreram, assim, sob o signo da “Festa da Raça” designação cada vez mais utilizada para apreender colectivamente os valores de um povo (no sentido de “Nação”) ou mesmo os feitos épicos dos seus heróis. Embora a lei de 1925 não consagre a expressão – é a “Festa de Portugal”, já o referimos -, J. Fernando de Souza, nas páginas do seu jornal A Época, preconizou que o dia 10 de Junho, porque dedicado a Camões, passasse a ser considerado “Dia da Raça Portuguesa”, designação que se fixará e irá mesmo manter-se até ao fim do Estado Novo. (ANDRADE & TORGAL, 2012:78-79)

Quanto aos feriados, o Estado Novo quis manter a mesma postura laica da República, ora privilegiando alguns à outros. E com o 10 de Junho não foi diferente, sendo utilizado como memória simbólica apenas em alguns momentos. Mas quando utilizado serviu para ressaltar as características nacionalistas do regime aos feitos patrióticos ressaltados na obra de Camões. Quanto ao 10 de Junho, e apesar de ser considerado o “dia de Camões”, mas também o “dia de Portugal” ou o “dia da Raça”, não teve, até certa altura, uma importância muito significativa na memória do Estado Novo. Ao contrário do que veio a ser interpretado, à direita e à esquerda, o termo “raça”, que já aparece no vocabulário republicano, não era necessariamente associado a uma noção “racista”, embora o fosse a uma noção “nacional” ou mesmo “nacionalista”, dado que “raça” tinha o sentido de uma Nação exemplar, de que era modelo o nosso grande poeta Camões, autor de Os Lusíadas , o nosso imortal poema épico que cantava a Pátria e a descoberta de “novos mundos” (ideia que ainda hoje vai surgindo no sentimento de alguns portugueses). Introduzida no final da República, mas consolidada na Ditadura Militar, a noção de dia festivo, e depois feriado, estava afinal ligada a uma afirmação nacionalista de liberais, mas sobretudo de republicanos, não tanto o centenário do hipotético nascimento de Camões, 1924, mas sim no centenário de sua morte, 1880. No entanto, a sua estátua mais significativa, a do largo do Chiado, é anterior a esse centenário, pois foi lançada a

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sua primeira pedra em 1862 e inaugurada em 9 de Outubro de 1867. O Ultimatum (Janeiro de 1890) e a sua “geração republicana” são reveladores afinal desse sentido nacionalista e imperialista que se reafirmou no Estado Novo, sob influência dos nacionalistas fascistas – em que (a nosso ver) Portugal se integrou -, embora sob a forma de um imperialismo defensivo e de um “nacionalismo brando”. Foi esta vertente nacionalista e imperialista que fez com que muitos salazaristas mantivessem a linha republicana e jamais tivessem pensado na mudança do regime, do hino ou da bandeira, mudança que, de resto, se reduz, no caso da bandeira, ao nazismo, que ocupa um lugar especial nos “fascismos genéricos”, bem distinto do caso modelar do fascismo italiano, que afinal deu nome a este sistema político. (ANDRADE & TORGAL, 2012:108-109)

Após a Revolução dos Cravos, devido a radicalização do processo revolucionário, o 25 de Abril passou a ser considerado em 1975 como o “Dia de Portugal”, “retirando esta celebração ao 10 de Junho, demasiado “comprometido”, como vimos, com a política colonial do Estado Novo.” (ANDRADE & TORGAL, 2012:129) Em 1977 o Dia 10 de Junho passa a ser dedicado também às comunidades portuguesas no estrangeiro, começando aí sua modificação. Um ano depois, em 1978, volta a abrigar o significado de Dia de Portugal, visto que arrumaram um destaque especial para o 25 de Abril como o “Dia da Liberdade”: Assim, pelo decreto-lei nº 39-A/78, considerando-se que esta data “histórica” representava “a libertação de Portugal e do povo português da feroz repressão de um regime totalitário e antidemocrático e o começo de um tempo novo, que restituiu aos Portugueses a liberdade e a democracia”, devia “ser anualmente comemorada com dignidade e relevo correspondente ao alto significado que assume para o Portugal renovado”. Nestes termos, pelo artigo 1º, “O Dia 25 de Abril passa a designar-se Dia da Liberdade, devendo ser comemorado em todo o País, ao nível das comunidades locais, por forma a dar a devida projecção à data histórica do 25 de Abril”. O decreto-lei nº 39B/78 começava por afirmar que o 10 de Junho “Dia de Camões e das Comunidades, melhor do que nenhum outro, reúne o simbolismo necessário à representação do Dia de Portugal”.Justificava depois: “Nele se aglutinam em harmoniosa síntese a Nação Portuguesa, as comunidades lusitanas espalhadas pelo Mundo e a emblemática figura do épico genial”. E concluía: “Daí que, de ora avante, o dia 10 de Junho passe a ser o Dia de Portugal”. Pelo artigo 1º, a sua celebração passava a ser dedicada “a Portugal, a Camões e às comunidades portuguesas no estrangeiro” e, pelo artigo 2º, a ser comemorado, quer em Portugal, quer junto destas. (ANDRADE & TORGAL, 2012:132-133)

Daí explica-se a denominação para o 10 de junho no Brasil e, mais especificamente, na Casa de Portugal em São Paulo como “Dia de Portugal, Camões e das Comunidades LusoBrasileiras”.

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Levando em consideração que o citado decreto-lei data de 1978, optou-se examinar fontes documentais que retratassem as comemorações do dia 10 de junho na Casa de Portugal a partir da década de 80 do século XX até a primeira década do século XXI. A biblioteca da Casa de Portugal disponibiliza um vasto acervo proveniente de revistas e jornais cujos públicos-alvo são compostos por portugueses erradicados em São Paulo e seus descendentes. O acervo é composto por clippings de notícias elaborados pela própria bibliotecária da instituição, mas também por acervos completos dessas revistas. Para o levantamento descrito a seguir foram realizadas análises de conteúdo das reportagens dos eventos que ocorreram na Casa de Portugal contidas em acervos de duas revistas: Raízes Lusíadas1 e Naus2. Embora as edições das revistas tenham sido contemporâneas no período entre os anos de 1994 e 2004, no levantamento realizado nas duas encontraram-se apenas nove reportagens sobre eventos nas ocasiões de 10 de junho: cinco na revista Naus e quatro na revista Raízes Lusíadas. No quadro elaborado a seguir resultante da análise das reportagens é possível distinguir as publicações, datas das mesmas e da ocorrência dos eventos, bem como as manchetes das notícias. Quadro 1 – Reportagens sobre o Dia 10 de Junho PUBLICAÇÃO

DATA DO EVENTO

MANCHETE

Raízes Lusíadas, número 1, junho de 1984, p.11 Raízes Lusíadas, número 1, junho de 1984, p.16-17 Raízes Lusíadas , Ano 3 número 9 - Junho/ Julho/ Agosto – 1986 , p. 21

10/06/1980

Camões e o Amor de Portugal

10/06/1984

Evocação de Camões

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Banquete do Dia da Comunidade Luso-Brasileira

Raízes Lusíadas, Ano 14 número 73 – Setembro/ Outubro – 1997, p.19

08/06/1997

Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas

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Revista extinta circulou entre 1984 e 2004. No acervo da Casa de Portugal constam quase todos os números da revista. 2 Editada em São Paulo desde 1994, cujos exemplares podem ser pesquisados na biblioteca da Casa. Essa revista ainda se mantém ativa no mercado editorial.

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Revista Naus , número 45, junho Artistas Expõem de 1999, p. 8 Revista Naus, número 81 – julho 21/06/2002 Ivan Lins e Carlos do Carmo se de 2002, p.8 apresentam na Casa de Portugal Revista Naus, número 116 – Casa de Portugal comemora o julho de 2005 Dia de Camões Revista Naus, número 135 – 09/06/2007 Antigos Tunos de Coimbra na 2007, p.18 Casa de Portugal Revista Naus, número 135 – 14/06/2007 Sessão Solene encerra Dia de 2007, p.14 Portugal Fonte: Acervo das revistas Naus e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.

A primeira edição da revista, no ano de 1984, traz duas reportagens sobre eventos ocorridos em comemoração ao dia 10 de junho: uma em 1980 e outra no ano corrente da edição. A reportagem de 1980 noticiava a dissertação do Professor João de Scantemburgo3 a respeito de Camões e o amor. Já a de 1984 relata uma sessão solene que destaca a presença de diversas personalidades do cenário político e social para a Casa de Portugal: Participou como orador o Dr. José Albino da Silva Peneda, presidente da Coordenação da Região Norte de Portugal, os Srs. Dr. Rui Assis e Santos, Cônsul de Portugal em exercício, Com. Hermenegildo Lopes Antunes, presidente da Casa de Portugal, Dr. Braga Dias, diretor do Instituto de Comércio Externo de Portugal, Vereador Antonio Carlos Fernandes e o Dr. Vieira Pereira, responsável pelo turismo oficial português do Brasil. (RAÍZES LUSÍADAS, 1984:16-17)

Dentre essas personalidades de destaque se nota a quantidade de representantes, no Brasil, de órgãos ligados aos interesses de Portugal, tais qual o Instituto de Comércio Externo de Portugal, o cônsul e o responsável pelo turismo oficial português. Denota-se que o evento, além de seguir um ato oficial português de comemoração do Dia de Portugal numa comunidade estrangeira, ainda conta com o prestígio nesta cerimônia de representantes oficiais de órgãos que servem ao governo de Portugal no Brasil. E o destaque do fato na reportagem apenas reafirma o propósito da solenidade de servir a um ato oficial português. Logo, infere-se que os eventos, ou parte deles, realizados na Casa de Portugal, revelam os interesses, imagens, identidades e mensagens que Portugal intenciona representar para o Brasil.

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Brasileiro nascido em 31 de outubro de 1915, falecido em 22 de março de 2013. Foi jornalista, professor e escritor, integrante da Academia Brasileira de Letras e da Academia Paulista de Letras. Publicou mais de 30 livros. Trabalhou em diversos meios de comunicação e teve seu próprio jornal por 6 anos, Correio Paulistano.

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A reportagem de 1986 sobre as comemorações da ocasião revela um banquete ofertado pelo Conselho da Comunidade Portuguesa do Estado de São Paulo4 a autoridades representantes do governo português no Brasil realizado nas dependências da Casa de Portugal. Tal qual a reportagem anterior, destaca a presença do cônsul geral de Portugal no Brasil e mais a ilustre presença do casal “Sr. e Sra. Com. Valentim dos Santos Diniz”. È importante destacar sempre o título de comendador cedido pelo governo português devido ao reconhecimento que tal personalidade obteve em território brasileiro ajudando a divulgar as origens portuguesas. Já a reportagem sobre a comemoração da data em 1997 ressalta além das personalidades, o destaque da ocasião na mídia televisiva brasileira e portuguesa, bem como revela conteúdos culturais representativos: No dia 8 de junho, a Casa de Portugal de São Paulo realizou um magno evento com a participação do fadista português Carlos do Carmo, do cantor brasileiro Ivan Lins e do grupo Tuna Acadêmica do Porto, antecedidos pela apresentação do Grupo Folclórico da Casa de Portugal. O megaevento foi apresentado por Otávio Mesquita (perfil SBT), sendo transmitido pelo RTP (canal de televisão português) (...)(RAÍZES LUSÍADAS, 1997:19)

Esses conteúdos culturais visam representar a cultura portuguesa dando destaque a várias facetas de suas identidades: o Grupo Folclórico da Casa de Portugal traz à tona a imagem do tradicional, a Tuna Acadêmica do Porto5 apesar de cantar músicas consagradas entre o público compõe um misto de coro com instrumentos de corda, apresentam-se em trajes formais trazendo uma variação do popular ao erudito. Já o cantor português Carlos do Carmo6 se apresentando ao lado de Ivan Lins representa a união de dois intérpretes muito respeitados em seus respectivos países, bem como a união de Portugal ao Brasil pelo viés cultural.

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Fundada em 17 de fevereiro de 1981 essa associação originou o atual Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo. 5 Grupo musical orfeônico ligado a Universidade do Porto, composto somente por homens, existente desde o século XIX. 6 Fadista muito reconhecido em Portugal, ganhador de prêmios e homenagens por sua atuação junto à música portuguesa, nasceu a 21 de dezembro de 1939 em Lisboa. Filho de um empresário com a consagrada fadista Lucília do Carmo, conviveu com o gênero musical desde a infância. Estudou Hotelaria, tendo aprendido por conta disso diversos idiomas. Apresentou-se em países dos cinco continentes, inclusive na Casa de Portugal de São Paulo.

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Um recurso muito utilizado em diversas das reportagens sobre os eventos ocorridos na Casa de Portugal é o uso de adjetivos para exaltar o acontecimento. Conforme observa-se na reportagem supracitada a Casa de Portugal realizou “um magno evento” e “O megaevento foi apresentado por Otávio Mesquita”. Tal propósito visa ressaltar ainda mais a audiência e a frequência do público ao jornal e aos próprios eventos, bem como exaltar os realizadores. A presença da mídia televisiva portuguesa e brasileira também foi ressaltada na reportagem, reforçando ainda mais a importância do evento e consolidando o lugar como representante oficial da cultura portuguesa no Brasil, marcado pelo status e que dignifica a presença portuguesa em São Paulo. A revista Naus noticiou que em detrimento das comemorações do Dia de Portugal em 1999, organizou-se uma exposição de arte em faiança7 no Salão de Artes da Casa de Portugal. Em 2002 a mesma revista noticiou mais uma apresentação que reuniu Carlos do Carmo e Ivan Lins no espetáculo “Um abraço luso-brasileiro”. Já em 2005 foi realizada uma solenidade em homenagem a todos os professores de língua e literatura portuguesa, em “reverência a seu fundador, Camões”. Verifica-se aqui a exaltação da figura de Camões, realizada de forma heroica e mitológica, atribuindo-lhe a fundação da Língua Portuguesa. No ano de 2007 foram realizados dois eventos em comemoração ao Dia de Portugal. Em 09 de junho apresentaram-se os Antigos Tunos da Universidade de Coimbra8. Já no dia 14 de junho se encerraram as comemorações daquele ano com um sessão solene que contou com a execução dos hinos nacionais de Portugal e Brasil pela orquestra Bachiana Jovem. Após diversos discursos, encerrou-se o evento com a execução de músicas clássicas da mesma orquestra sob a regência do maestro João Carlos Martins.

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Forma de cerâmica branca e mais porosa que necessita de posterior processo de vitrificação. Menos resistente que a porcelana e muito utilizada em Portugal. 8 Associação sem fins lucrativos composta por antigos e novos estudantes da Universidade de Coimbra que se reúnem por espontânea vontade com o propósito de praticar a arte musical. O grupo compõe uma orquestra, um grupo de tangos e um de variedades e fados.

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Entre as nove reportagens encontradas no levantamento realizado junto às duas revistas mencionadas sobre as comemorações na Casa de Portugal à data de 10 de junho, se analisadas apenas as manchetes, nota-se que em apenas quatro delas estão uma referência direta a ocasião por uma de suas três possibilidades: Dia de Camões, Dia de Portugal e Dia das Comunidades. Já em duas delas encontramos apenas uma referência a Camões sem mencionar data, enquanto em três delas se evidencia mais o conteúdo artístico do evento que a data comemorativa. Tal constatação permite inferir que nos meios de comunicação voltados ao público lusodescendente se destaca mais a data comemorativa ou o a temática “Camões” do que o conteúdo cultural. Por meio da análise realizada foi possível notar que os conteúdos culturais são sim exaltados nos textos levantados, mas sempre como oportunidade proporcionada pela data comemorativa que remete primeiramente ao patriotismo ou origens portuguesas. No Brasil, o ensino de História desde o ensino fundamental ressalta o dia 22 de abril como o do descobrimento, dia em que os portugueses acham o continente americano aonde mais tarde viria a se tornar o Brasil. Em Portugal, durante muitos anos a data a este fato foi atribuída a 3 de maio9, embora já se tenha conhecimento do 22 de abril. Embora Portugal tenha como um período áureo de sua história as grandes navegações que culminaram com a descoberta da existência do Brasil, os eventos realizados acerca desta data comemorativa na Casa de Portugal em São Paulo não é o momento mais festejado. Pois conforme demonstra o quadro abaixo, o número de reportagens levantados sobre a ocasião é menor do que as nove identificadas para as comemorações do dia 10 de junho, somam apenas seis. Se for levado em consideração que o ocorrido em 1999 foi noticiado duas vezes, uma em cada veículo de comunicação levantado, o número cai para cinco. Quadro 2 – Reportagens sobre o Dia 22 de Abril 9

“Não se apresentam muito óbvias as razões que levaram à escolha deste acontecimento e, mesmo, da data que lhe era atribuída. Com efeito, como é sabido, a armada de Pedro Álvares Cabral avistou terra brasileira a 22 de abril de 1500. Parece, no entanto, que uma tradição de séculos tinha considerado a descoberta como tendo ocorrido naquela data e daí que, ainda em 1912, se continuasse a associar, em alguns sectores, a chegada ao Brasil ao dia 3 de Maio, embora, em termos historiográficos, a documentação disponível já não permitisse este erro de cronologia” (Luís Oliveira Andrade & Luís Reis Torgal, “Feriados em Portugal” , p.70-71). Ver Fernando Catroga, História da História em Portugal (sécs. XIX-XX), Lisboa, Círculo de Leitores, 1996, vol II, p.330.

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PUBLICAÇÃO Raízes Lusíadas, Ano 9 - número 41Maio/ Junho – 1992, p.23 Raízes Lusíadas ,Ano 13 - número 66 – Julho/ Agosto – 1996, p.19 Raízes Lusíadas, Ano 14 - número 72 – Julho/ Agosto – 1997, p.5

DATA DO EVENTO 22/04/1992

MANCHETE Semana da Comunidade Luso Brasileira

21 e 22/04/1996

Casa de Portugal: recitais de música

22/04/1997

Dia da Comunidade Brasileira

Revista Naus, número 32, maio\ 1998, p.8

22/04/1998

As Comemorações no Dia da Comunidade

Luso-

Conselho da Comunidade LusoBrasileira no Estado promove solenidade Revista Naus, número 43 abril\99, p.13 22/04/1999 A Festa do Brasil e Portugal Fonte: Acervo das revistas Naus e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor. Raízes Lusíadas, Ano 16 - número 84 – Julho/ Agosto – 1999

22/04/1999

Ao analisar as manchetes das notícias, em três delas, referentes aos anos de 1992, 1997 e 1998, encontram-se referências ao dia da Comunidade Luso-Brasileira, o qual explanado anteriormente como título oficial da data comemorativa do 10 de junho em Portugal. Os conteúdos dessas três notícias revelam que as datas desses eventos foram o dia 22 de abril, data comemorativa atribuída ao descobrimento. E mais instigante é o fato de o ano de 1997 possuir notícia de um evento comemorativo para o 10 de junho conforme levantamento explanado no quadro 1. Ou seja, estranha-se o fato de ocorrer outro evento no mesmo ano fazendo menção ao 10 de junho e realizado a 22 de abril. Poder-se-ia atribuir ao ocorrido um erro jornalístico, mas considerando-se que o veículo de comunicação é especificamente voltado para a comunidade luso-brasileira, dificilmente ocorreria. A frequência também descarta a hipótese de erro, que pode acontecer uma vez, mas não por três vezes. Ao contrário do ano de 1997, os anos de 1992 e 1998 não registram notícias de eventos ocorridos em 10 de junho, o que poderia indicar a comemoração do 10 de junho na data de 22 de abril, o que mais uma vez reforça a análise de que o dia de Portugal é mais comemorado e importante para a Casa de Portugal se comparado ao dia do descobrimento. Partindo para uma análise mais apurada das reportagens, a de 1992 registra em verdade a manchete “Semana da Comunidade Luso-Brasileira” para eventos ocorridos em 22 de abril e

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em 25 de abril. Trata-se de uma parte da revista que reuniu pequenas notas de diversos eventos ocorridos, em locais diferentes. Infere-se que foi a forma que o responsável editorial encontrou para registrar vários acontecimentos em espaço reduzido. Coincidiu que dois desses eventos ocorreram na mesma semana, na Casa de Portugal. Justifica-se essa análise pelo fato de 22 de abril não ser muito comemorado e tampouco o 25 de abril, que apesar da importância atribuída a data em Portugal, possui número reduzido de eventos que mencionem a ocasião na Casa de Portugal em São Paulo. Ainda com foco de análise na mesma notícia, o conteúdo revela nas duas ocasiões apresentações de músicos portugueses. Detendo-se apenas no ocorrido em 22 de abril, a notícia destaca que: “(...) à noite, às 21 horas, na Casa de Portugal, apresentaram-se 2 pianistas portugueses: Álvaro Teixeira Lopes, nascido no Porto, e Fausto Alves, natural da cidade de Espinho.” (RAÍZES LUSÍADAS, 1992:23) A reportagem de 1996 destaca a realização de dois recitais de música, um no dia 21 de abril e outro no dia 22 de abril, ambos com a participação de membros do Departamento de Música ECA/ USP. A notícia destaca ainda a presença de personagens de destaque na comunidade luso-brasileira, mas sem mencionar data comemorativa. A reportagem de 1997 é uma das que traz na manchete uma alusão ao Dia da Comunidade. Seu conteúdo não cita nenhuma data comemorativa e relata a apresentação de mais uma pianista, Marina Brandão10, bem como a homenagem durante um jantar a Dr. Marcelo Rebelo de Sousa11. Sobre o homenageado em questão, faz-se aqui um destaque por sua escolha, revelando que a Casa de Portugal possui igualmente uma orientação política de centro-direita, embora se auto intitule uma instituição apolítica.

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Pianista brasileira cujo repertório se baseia em composições de músicos brasileiros e portugueses. Professor Catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, político português que desde 1974 integrou o PSD (Partido Social Democrata) de orientação centro-direita. Destaca-se em sua biografia relações de proximidade com Marcelo Caetano, personagem político muito próximo a Salazar e atuante no Estado Novo, padrinho de casamento de seus pais. 11

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Em 1998, a reportagem da revista Naus noticiou que em 22 de abril ocorreu uma Sessão solene, em seguida houve Orquestra da Câmara Filarmônica de São Paulo, com regência do maestro Keniichi Yamakawa. Já as reportagens de 1999 referem-se a um mesmo evento. No entanto, a análise de ambas trazem diferentes elementos. As próprias manchetes já indicam diferentes formas de se abordar o assunto. A revista Raízes Lusíadas intitula a reportagem de “Conselho da Comunidade Luso-Brasileira no Estado promove solenidade” e revela a ocorrência do show de Ivan Lins com Paulo de Carvalho12. A revista Naus intitula em sua manchete sobre o mesmo evento “A Festa do Brasil e Portugal”. Seu conteúdo, no entanto, revela as intenções comemorativas das ocasiões: referese ao Dia da Comunidade Luso-Brasileira, portanto ao 10 de junho. Menciona também como data comemorativa o 22 de abril, bem como os 499 anos do Descobrimento do Brasil, informando sobre a realização do show de Ivan Lins com Paulo de Carvalho. Como indica a própria manchete, se tratou de uma festa para Brasil e Portugal. Encontra-se aqui, pela primeira vez, um sentido na união das duas datas, 22 de abril e 10 de junho, em um mesmo evento: a alusão ao descobrimento do Brasil como uma festa para o país e a alusão ao dia da Comunidade como uma festa de portugueses em território brasileiro. O fato de mencionar os 499 anos do Descobrimento do Brasil, subliminarmente já indica uma pré-elaboração de festejos para o quinto centenário ligado a ocasião. Essa manchete pressupõe também que a data inspira comemorações aos brasileiros e ao Brasil por serem descobertos. Trata-se portanto de uma visão muito eurocêntrica e oficial, não compartilhada com a postura mais crítica verificada na historiografia. A formação do povo brasileiro (RIBEIRO,1995) se dá na junção de três grandes matrizes que garantem a mestiçagem: índios, habitantes da terra encontrada pelos brancos europeus, com a introdução do africano utilizado como mercadoria e força de trabalho para colonizar o novo mundo. 12

Manuel Paulo de Carvalho Costa é um cantor, músico e compositor português, nascido em 15 de maio de 1947 em Lisboa.

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A influência da obra supramencionada das Ciências Sociais reafirma a crítica à utilização do termo ”descobrimento”, termo utilizado geralmente para um lugar até então inabitado, desconhecido e desprovido de civilização13. Talvez tenha sido essa a primeira impressão dos navegadores quando chegaram a terras de Vera Cruz. E embora não se possa negar a superioridade tecnológica dos europeus no século XV, também não se deve negar a existência de um modus vivendi próprio dos habitantes que aqui foram encontrados. Ainda na mesma obra se comenta o choque cultural estabelecido do encontro entre a forma de viver dos índios com o português de espírito colonizador e ávido por lucro. Para o índio certamente esse choque seria o fim de seu modo de viver. Para Portugal, o momento histórico das grandes navegações tornou-se um símbolo mitológico, visto que representou um período de protagonização política na Europa sem precedentes, cujas realizações culminaram na descoberta de novos territórios que foram alvo de disputas por outras nações. Esse mito foi imortalizado na obra “Os Lusíadas” do literário Luís de Camões, autor considerado como um dos principais representantes da literatura portuguesa. O próprio autor passa a ser considerado um símbolo do nacionalismo português, possuindo data comemorativa em sua memória. Ainda sobre a acepção crítica da utilização do termo descobrimento, já consagrada pela historiografia e incorporada coletivamente, aparece também na comissão instituída em Portugal na ocasião dos preparativos para a comemoração do V centenário do descobrimento do Brasil. (...) Em novembro de 1986, foi instalada a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP), que desde o início de seus trabalhos se caracterizou pelo espírito crítico, ao reconhecer que a própria palavra “descobrimento comporta um evidente enviesamento do eurocentrismo” (MATOS, 2000:329)

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Não se credita a utilização do termo ao autor. Mesmo porque a crítica ao termo descobrimento é anterior. Pra se ter uma ideia, a obra de Peregalli (1994) “A América que os Europeus Encontraram” já alertava para a questão, revelando prévia utilização do termo na historiografia.

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O mesmo não se pode afirmar sobre a comissão correlata criada no Brasil para a mesma ocasião, porém com cerca de dez anos de atraso em relação a comissão portuguesa, somente em 16 de junho de 1997 começam os trabalhos, no Brasil, para as comemorações. E ao contrário de Portugal, manteve em suas diretrizes a utilização da palavra “descobrimento” apesar das reservas existentes em relação a utilização do termo. A Comissão brasileira não viu problema no emprego do termo. (...) A questão do “descobrimento”, onde se reconhece o possível corolário eurocêntrico que a expressão encerra, mas insiste que a “mera troca de nomes” não desmontará os mitos construídos, que preservar o termo descobrimento não significa aceitar o eurocentrismo e que a Comissão poderá apoiar projetos “que procurem ampliar o conhecimento daquela realidade e que poderão levar à própria superação do conceito do descobrimento14(ARRUDA,1999:31)

Voltando ao caráter da Comissão portuguesa, Portugal se despe definitivamente da roupagem colonialista, deixando de lado a exploração colonial realizada durante muitos séculos, para assumir uma postura em relação às ex-colônias de país parceiro e interlocutor na União Européia. Da existência dessa comissão, cuja convivência intelectual de seus mentores levou ao surgimento de muitos projetos, nasceu um projeto maior, intitulado de Exposição Internacional de 1998 em Lisboa com a temática voltada para os Oceanos. A ideia de trazer um evento do porte da Exposição Mundial revela um projeto social, econômico e cultural maior. Objetiva dar visibilidade a Lisboa e Portugal, como cidade cosmopolita, moderna e capaz de abrigar um megaevento ao mesmo tempo que se transforma urbanisticamente, inserindo-se no contexto de cidade global. A Exposição Mundial de 1998 em Lisboa possuiu um caráter estratégico de dar visibilidade ao local no cenário global, possuiu um caráter cultural e também urbanístico, capaz de transformar uma região degradada da cidade em espaço permanente de lazer e cultura para a população.

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Cabe ressaltar que o “Descobrimento” não é um conceito em si, apenas um substantivo dado a um momento histórico imbuído da visão colonizadora.

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Com o caráter anticolonialista e de olho no futuro que a Comissão organizadora dos 500 anos do Descobrimento assumiu e revalorizou, sutilmente, o caráter desbravador do povo português conforme a historiografia do Estado Novo tanto ressaltou. (...) Revaloriza, nas entrelinhas, sem assumir explicitamente, a idéia de fomento, tão cada à historiografia do estado Novo, pois o exercício do novo papel pressupõe enfatizar um certo paternalismo, que teria levado as colônias a se transformarem em nações independentes, aproximando o universalismo dos descobrimentos com o mundo da Globalização. Neste contexto, mais uma vez, torna-se indispensável nublar as rupturas traumáticas, muito especialmente as guerras coloniais tão recentes, aplicando nas feridas abertas o lenitivo das promessas inscritas no futuro, muito especialmente, no fortalecimento da comunidade que fala português, dispersa por cinco continentes, comunidade pensada como solidária, mas necessariamente diversa, com diferentes sensibilidades perante a história, mas que, através da Lusofonia, poderá criar um futuro comum. Mais uma vez, foi necessário reforçar as apostas no presente, exorcizando os fantasmas do passado que continuam a rondar a mãe-pátria (ARRUDA, 1999: 28-29)

Isso explica a escolha do tema Oceanos como temática da Exposição Mundial de 1998 e símbolo das comemorações, visto que sua dimensão ecológica remete a uma áurea moderna e globalizada, mas sem deixar também de lado o passado histórico das grandes navegações presente nas novas formas de se relacionar com suas ex-colônias. Por sua vez a Comissão brasileira criada para as comemorações não deixou de utilizar o termo descobrimento, como ressaltado anteriormente, além de caracterizar a nação “pela pluralidade étnica e pela diversidade cultural”, propondo ainda a reflexão sobre trajetória da nação no decurso dos 500 anos e as realizações do povo brasileiro. O mito da pluralidade étnica aplaina o reconhecimento das diferenças sociais existentes. Pressupõe-se que a identidade brasileira é formada por um caldeirão étnico (branco, negro, índio), inserido num clima tropical, ressaltando a mestiçagem e sobretudo a cordialidade. (...) Presentes estão, nesta elaboração intelectual, os fundamentos ontológicos lastreados na mestiçagem solidária de Gilberto Freyre, na sexualidade extremada de Paulo Prado, na heroicidade sem caráter de Mário de Andrade, na malandragem tática de Roberto da Matta, na perene cordialidade de Sérgio Buarque de Holanda (...)(ARRUDA, 1999:33-34)

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Sobre as diferenças sociais presente no cotidiano brasileiro de maneira muitas vezes ostensiva fica impossível discordar dos argumentos de Marilena Chauí15 questionando os motivos das comemorações, visto que convivemos com uma sociedade autoritária e violenta. O fato é que as comemorações brasileiras se deram de várias formas, mas suas principais ações em Santa Cruz Cabrália – BA, local que aportou a esquadra de Pedro Álvares Cabral, foram a criação de um parque histórico, com a construção de um monumento e de instalações para os índios16 lá residentes e para o comércio de artesanato, e a preparação de uma infraestrutura para receber visitantes. Cabe destacar a atuação da Casa de Portugal de São Paulo nas comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil. Identificou-se no levantamento realizado junto á revista Naus duas reportagens que mencionaram as comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil, uma sobre um evento ocorrido em fevereiro e outra sobre um evento ocorrido em março de 2000. A reportagem sobre o evento ocorrido em fevereiro de 2000 foi intitulada de “Né Ladeiras17 na Casa de Portugal” (NAUS, 2000:9). A notícia revela o título do show da cantora fadista e 15

Por conservar as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade brasileira é marcada pelas seguintes características: 1 – estruturada segundo o modelo do núcleo familiar senhorial, disso decorre, de um lado, a recusa tácita (e, às vezes explícita) para fazer operar o mero princípio liberal da igualdade formal e, de outro, a dificuldade para lutar pelo princípio socialista da igualdade real: as divisões sociais são naturalizadas em desigualdades postas como inferioridade natural(...). Essa naturalização, que esvazia a gênese histórica da desigualdade e da diferença, permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência, pois estas não são percebidas como tais; 2 – a indistinção entre o público e o privado não é uma falha ou um atraso que atrapalham o progresso mas é, antes, a forma mesma de realização da sociedade e da política: não apenas os governantes e parlamentares se transformam em “donos do poder”, mantendo com os cidadãos relações pessoais de favor, clientela e tutela e praticam a corrupção sobre os fundos públicos(...); 3 – por estar determinada, em sua gênese histórica, pela “cultura senhorial”, nossa sociedade tem o fascínio pelos signos de prestígio e de poder, como se depreende do uso de títulos honoríficos, sem qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição ( o caso mais corrente sendo o uso de “doutor” quando, na relação social, o outro se sente ou é visto como superior e “doutor” é o substituto imaginário para antigos títulos de nobreza) ou da manutenção de criadagem doméstica cujo número indica aumento (ou diminuição) de prestígio e de status (...) (CHAUÍ, 2000:38-39) 16 A grande crítica ao redor desse projeto se situa no fato do evento ter sido organizado pensando mais na infraestrutura turística deixada enquanto legado para a região de Porto Seguro – BA do que na elucidação dos atos históricos. Os índios que vivem hoje na região foram trazidos de outras localidades do país como forma de compensação ambiental, inserindo-os num contexto teatralizado. Criou-se um museu e uma área para a venda de artesanatos aos turistas, o que dá a sensação de que os habitantes da terra foram respeitados e incluídos dentro do processo dos 500 anos de existência da nação. 17 Batizada por nascimento de Maria de Nazaré de Azevedo Sobral Ladeiras em 10 de agosto de 1959, natural do Porto, encontra-se em atividade artística desde 1974 quando compôs o grupo musical Brigada Victor Jara, que

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atribui sua presença a comemoração dos 500 anos do Descobrimento. Fora a motivação colocada pela reportagem, não houve nenhuma novidade em relação ao que geralmente é feito na Casa de Portugal, como se pode perceber pelo exposto até o momento. Já a reportagem sobre o evento ocorrido em março de 2000 intitulou-se “ Casa de Portugal abre mostra Brasil 500”(NAUS,2000:9). Essa mostra foi composta por trajes do século XVI e réplicas de porcelanas quinhentistas. A abertura da exposição contou com a participação de figurantes da Companhia de Teatro Cenas e Letras de São Paulo que se caracterizaram com os trajes18. Destaca-se também o fato da reportagem mencionar o apoio do Instituto Camões para a realização do evento. Fora a mostra Brasil 500 ocorrida em março de 2000, o outro evento que menciona a comemoração do V Centenário do Descobrimento do Brasil, não difere do que normalmente ocorria na Casa de Portugal. Nesse sentido, apesar da mostra versar sobre o passado, não deixa de trazer um conhecimento, ao passo que o outro evento persegue a mesma imagem de um Portugal moderno concatenando-se assim com a visão comemorativa da Comissão Portuguesa para a ocasião, a de veicular a imagem de um Portugal moderno19. O que não se deve estranhar, pois como demonstrado até o momento, a Casa de Portugal em São Paulo encontra-se sempre em posição de igualdade de pensamento com Portugal, visto que se destina a ser um representante do país em território paulistano. Além das reportagens sobre os eventos noticiados na mídia impressa dirigida aos lusodescendentes, foi realizado levantamento nas atas das reuniões dos anos de 1999 e 2000 com a finalidade de identificar como a Casa de Portugal se preparou para as comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil. Em anexo a ata da reunião da diretoria realizada em 10 de agosto de 1999 destaca-se uma atribuição diferenciada de funções dos diversos diretores por conta da previsão do aumento do também se apresentou na Casa de Portugal em momento que a cantora já estava estabelecida em sua carreira solo, no aniversário da Casa de Portugal em 1999 e na Ceia de natal em 2001. 18 As indumentárias expostas são do Museu Nacional do Traje de Lisboa. A exposição durou de 16 de março a 22 de abril de 2000. 19 “Um Portugal que se quer desenvolvido, democrático e europeu, transparece no esforço em transmitir modernidade, de valorizar a dimensão científica dos descobrimentos, “a precursora aplicação de critérios de racionalização e de gestão planificada”, que se traduziu na preparação meticulosa, na execução racional, na ação estratégica que revaloriza o significado de Sagres” (...). (ARRUDA,1999, p. 29-30).

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número de solicitações por parte da Casa20, seja para prestigiar eventos de outras entidades, seja para abrigar eventos em suas dependências ou até mesmo a maior demanda pelo Grupo Folclórico da Casa de Portugal que possam surgir pelas comemorações ligadas aos 500 anos do Brasil. Chama a atenção o fato de constar em ata a menção a uma restauração realizada na estátua de Pedro Álvares Cabral, na área externa ao Parque do Ibirapuera em São Paulo, financiada pelo presidente do Grupo Pão-De-Açúcar, Sr. Valentim dos Santos Diniz, visto que tradicionalmente é feita uma solenidade em frente ao monumento promovida principalmente pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo onde a Casa de Portugal apenas atua como convidada. Talvez o assunto tenha tomado uma atenção maior pela Casa justamente pelas comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil. Na ata da reunião da diretoria do dia 18 de abril de 2000 foi repassada a programação realizada junto ao monumento no dia 22 de abril como parte das comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil, denotando assim maior atenção com esse evento em virtude das comemorações do referido centenário. REFERÊNCIAS: ANDRADE, Luís Oliveira & Torgal, Luís Reis. Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012. ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º Centenário do Descobrimento do Brasil: comemorar, celebrar, refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1999. CASA DE PORTUGAL. Livro de Atas da Diretoria 10.10.96/08.08.2000. CHAUÍ, Marilena. Uma Sociedade Autoritária e Violenta. Projeto História, São Paulo, número 20, abril/2000. MATOS, Maria Izilda Santos de. Comemorar, Celebrar, Refletir? In Projeto História, número 20, abril 2000. PEREGALLI, Enrique. A América que os Europeus Encontraram. São Paulo: Atual, 1994. 20

Tal preocupação denota-se no trecho reproduzido a seguir: “ A necessidade de levar a cabo, a programação vigente até ao final de 1999 e desde já a elaboração da programação das comemorações dos 500 Anos Brasil, deixa clara a urgência de se criar uma estrutura para coordenar a programação e a realização/ produção dos eventos culturais agendados e a agendar(...)” in: “Livro de Atas da Diretoria 10.10.96/08.08.2000”, verso da página 75.

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Revista Naus, números: 32, 43,53, 81, 116 e 135. Anos: 1999-2007. Revista Raízes Lusíadas, números: 1, 9, 13, 14, 16, 41 e 73. Anos:1984-1999. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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