Preservação da Arte Contemporânea Case Study Sushi na Relva

May 22, 2017 | Autor: Sónia da Rocha | Categoria: Arte Contemporanea, Preservação
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Caso de Estudo: Jorge Ramos, Sushi na Relva, 2003 Sónia da Rocha, Universidade Católica A análise deste caso de estudo pretende comentar o estado actual de conservação da obra “Sushi na Relva”, de Jorge Ramos, artista plástico que vive na cidade do Porto, e relacionar a intencionalidade do autor com as acções de conservação propostas. Ao longo deste relatório percorreremos um caminho simples que parte da descrição dos materiais e da técnica utilizada, passa pela análise do estado da obra identificando os aspectos da obra que nos merecem atenção no âmbito da conservação, e termina nas acções de intervenção preventiva e correctiva sugeridas pelo artista e pela autora do relatório com base na bibliografia disponibilizada em aula. Ainda no âmbito deste caso de estudo, e fonte incontornável para as nossas conclusões, é realizada uma entrevista ao artista, através da qual se pretende identificar a intenção do autor no que respeita à conservação da sua obra além de se detalhar a técnica e materiais utilizados.

Segundo a opinião do Prof Doutor José Guilherme de Abreu1 a ciência de restaurar e preservar obras de arte constitui uma verdadeira arte só por si, com a presente análise deste caso de estudo visa-se chamar a atenção para a problemática da conservação preventiva e curativa da arte contemporânea. Este tipo de arte caracteriza-se por ser realizada com materiais e suportes pouco habituais, que poderão trazer questões importantes quando se trata da sua substituição ou reparação pois a leitura da obra poderá alterar-se, e isto poderá constituir um problema para o artista ou para a instituição que a possua. A ciência do restauro, que pretende ser menos correctiva e mais preventiva nos dias que correm, tem que se adaptar a esta nova realidade e respeitar a intencionalidade autoral sempre que possível junto dos artistas vivos ou dos familiares quando estes já não se encontram entre nós. Este estudo é realizado com base em teorização que foi abordada nas aulas de Princípios de Conservação no âmbito do Curriculum deste Mestrado, bem como em alguns exemplos dados por Maria Jesus Ávila2 no 5º Boletim da apha3. Aqui serão levantadas as questões que se referem ao estado actual da obra, aos problemas já existentes e respectiva hipótese para a sua solução, bem como hipóteses de

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acções que constituam meios de conservação preventiva que sirvam de barreira para as fragilidades que a obra apresenta.

1. Descrição técnica: A obra em estudo é constituída por um suporte que é um painel de platex de 90x90 engradado com uma estrutura também de madeira, a toda a volta, que lhe dá suporte e consistência. Não se tratam de partes de madeira aproveitadas mas sim uma peça inteira de 90x90. A técnica utilizada é a técnica mista: pintura a acrílico com colagens por cima. A camada de preparação é feita com cola branca, alvaiade e água, apesar das medidas dos materiais não estarem controladas, sabemos da boca do artista que este preparado tem pouca água e muita cola branca, pelo que resultou num preparado muito consistente e por isso pouco plástico e de fácil quebra ao toque. Contudo, por cima desta camada de preparação a obra levou uma enorme capa de cola branca, com a intenção por parte do autor de proteger de eventuais fissuras e dar consistência ao preparado anterior. Depois de seca a camada de preparação e a cola branca, o artista pintou os vermelhos e os azuis do fundo, e depois foram feitas as colagens que vemos na obra a olho nu e no final pintou o caixilho a preto e aplicou a cola branca.

Figura 1. Fotografia com luz rasante onde se percebem algumas texturas.

Através da luz rasante percebemos que estas camadas preparatórias foram colocadas sem qualquer preocupação em obter uma superfície lisa, muito pelo contrário, as rugas e texturas foram todas aproveitadas pelo artista e foram até provocadas, de certo modo. Estas consistências e relevos só se lêem com luz rasante. A imagem que nos é visível a olho nu é o resultado de cobrir com tintas acrílicas muito diluídas (camadas pictóricas) as camadas de base preparatória, ao que posteriormente foram coladas uma série de pedacinhos de pepal autocolante (cuja aderência não é muito forte), e foram ainda colados com cola branca uma série de pedacinhos de tubos plásticos provenientes da

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protecção plástica do fios de cobre de electricidade, e que se podem encontrar em qualquer loja desta especialidade. A peça não foi emoldurada nem envernizada, o tratamento final de protecção às camadas pictóricas utilizado foi a cola branca, utilizada para criar volumes e aderência por baixo e por cima das colagens. O principal objectivo do artista foi proteger as colagens de eventuais situações de perda de aderência entre os materiais da colagem e a pintura acrílica, conseguiu também um brilho mate, sem reflexos e muito transparente.

2. Problemas de conservação da peça 2.1. Condition Report Descolamento de um tubinho de plástico.

Descolamento do papel autocolante. Descolamento de um tubinho de plástico. :: Princípios de Conservação de Arte Contemporânea :: Mestrado em Arte Contemporânea 2007/08 :: Sónia da Rocha em análise à obra “Sushi na Relva” do artista Jorge Ramos.

2.2. Vistas de pormenor:

Fig. 2. Pormenor de marcas na camada pictórica, Fig. 3. Pormenor de tubinho levantado a descolar. deixadas pelo artista, pela retirada intencional de tubinhos de plástico para mudar a leitura da obra durante a sua execução. Resultado da sua técnica sem estudo preparatório onde se vão colando e retirando materiais.

Como podemos ver pelas imagens supra, o impacto visual, e nomeadamente cromático, desta peça acontece muito por força das suas colagens, quer dos pedacinhos dos tubos de plástico, quer das fitas adesivas. Isto significa que a eventual falta, no futuro, de alguns destes tubinhos coloridos, ou o actual destacamento dos mesmos, provocará uma leitura diferente da obra.

Figura 4 e 5: pormenor do destacamento por falta de aderência da fita adesiva utilizada

Nestas duas imagens podemos analisar o início do processo de destacamento das fitas adesivas que, na perspectiva da leitura da obra4, é tão grave como o destacamento da camada pictórica, uma vez que nesta obra as fitas adesivas que foram recortadas e coladas são o que lhe dão a expressividade cromática em contraposição com as finas camadas de acrílico que lhe dão a base. O suporte não apresenta qualquer problema, trata-se de um painel de madeira inteiro sem fissuras e em bom estado de conservação.

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3. Intervenção no âmbito de conservação curativa sugerida pelo artista: Dada a diversidade de materiais utilizados no caso em estudo, a participação autoral é crucial para a recolha de informação sobre a obra visando acções correctivas e preventivas. No que respeita às acções correctivas, e de acordo com a intenção do autor sugere-se: 3.1. Correcção das actuais lacunas através da introdução de cola branca entre a peça a descolar e a camada pictórica, depois de uma limpeza profunda à superfície pictórica; 3.2. Aumento da aderência nos locais que podem eventualmente vir a descolar através de nova cobertura de toda a peça com cola branca. É fundamental que se realize um novo registo fotográfico caso se venha a realizar estas acções correctivas e que junto da obra circule sempre o registo desta intervenção, pois documentar todos os tratamentos de conservação poderá ser muito útil em eventuais intervenções posteriores.

4. Conservação curativa: “acções directas levadas a cabo sobre os bens culturais com a finalidade de retardar futuras deteriorações”5

Realizando este estudo da obra Sushi na Relva, os seus donos têm metade do caminho trilhado para a sua boa conservação, uma vez que estamos a documentar a obra. Ficando a saber tudo sobre os materiais e técnicas utilizados pelo autor, bem como qual a sua intenção e significado, em qualquer altura se poderá realizar pontualmente, e apenas se necessário, acções de conservação da obra com uma maior facilidade. Foi realizada uma documentação fotográfica da peça com luz normal e rasante. A foto com luz transmitida não tem relevo pois apenas permitiu perceber que se trata de um suporte em madeira, bastante hermético e sem fissuras, pelo que se trata de uma imagem a negro. É importante também, como de resto nos indica o modelo de Carol Stringari, equacionar e prever a futura degradação e eventuais problemas que possam surgir na obra ao longo do tempo. No caso exposto a obra está pendurada desde Dezembro de 2006, na parede do hall de entrada de uma residência, onde não existe abundante luz natural directa, o que significa que a sua iluminação artificial deverá ser realizada com lâmpadas especificamente para este efeito, que são as lâmpadas sem raios infravermelhos e ultravioletas, uma vez que este tipo de raios destroem ao longo do tempo os pigmentos da camada cromática. Nesta habitação não se fuma pelo que não existe o perigo de os acrílicos absorverem as micro partículas que as cinzas libertam.

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Há que ter particular atenção ao manuseamento da obra e os seus eventuais transportes, uma vez que a camada de preparação realizada pelo artista é demasiado compacta e depois de seca parte com facilidade, é pouco plástica, os cantos da obra e as zonas que a delimitam são as mais frágeis, tendo inclusive o artista realizado já uma acção correctiva na parte que habitualmente fica em contacto com o chão no seu atelier quando a obra não estava pendurada (entre a sua criação em 2003 e Dezembro de 2006). Neste local onde está exposta hoje a obra está livre de humidades, encontra-se pendurada numa parede interior feita em tijolo. Poderá constituir um perigo para a obra a localização da residência no centro da cidade do Porto (R. do Almada) numa zona de extrema poluição e cujo edifício não possui ar condicionado que possa renovar e filtrar o ar que circula dentro da habitação. Neste local não se prevêem alterações bruscas de humidade relativa nem de temperatura.

5. Metodologia. Para a sugestão destas intervenções foi realizada uma entrevista com o autor no sentido de saber se concordava com as intervenções sugeridas, ou ainda se entendia que a sua obra se deveria degradar pois poderia ser esse o seu objectivo, a criação de uma leitura efémera que se vai alterando com o tempo. No ponto 7 transcrevemos o alinhamento previsto para as questões a colocar ao artista, o conteúdo que consideramos pertinente foi descrito ao longo deste artigo e em anexo num formato digital (CD aúdio) poderá ouvir-se a conversa original.

6. Considerações finais. O SIMBOLISMO O significado e a intenção desta obra é, segundo Jorge Ramos, chamar a atenção do mundo dos conceitos de instantaneidade e morosidade. Através do trabalho conceptual destas duas ideias, Jorge utiliza o simbolismo de uma polaróide, vendo-a como resultado da utilização de um electrodoméstico (conceito de máquina que visa facilitar as nossas vidas tornando-as mais rápidas e instantâneas) para o confrontar com a morosidade de se confeccionar o Sushi, trabalho de preparação e realização que pressupõe paciência, tempo e dedicação. Jorge chama a nossa atenção para o facto de por vezes nos enganarmos em relação ao que verdadeiramente nos estimula, podemos achar que o que nos estimula é o que é veloz e instantâneo, e afinal temos até uma imensa paciência para esperar por um delicioso prato de Sushi ou Sashmine cujos cortes decorativos nos estimulam a visão e preenchem a nossa necessidade estética de vermos um mundo perfeito e belo à nossa volta, mesmo quando o que queremos é simplesmente comer, porque os nossos olhos também comem.

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Podemos por outro lado perceber que apesar de adeptos do slow movement, sem comermos fast food por princípios ideológicos seguros, contudo, podemos ficar fascinados pela utilização de uma máquina fotográfica polaróide. Este electrodoméstico6 que apesar de instantâneo é também um objecto de culto pela sua diferenciação, e por potenciar os momentos que capta através da sua instantânea revelação. Jorge poderia ter realizado este trabalho a preto e branco, embora as polaróides também fotografem a cores, contudo o que o move na sua obra como um todo, além da parte conceptual que já exploramos aqui, são as suas incontornáveis razões estéticas. O trabalho que estamos a analisar tem o Sushi como objecto por ser uma comida com um cariz muito mais estético do que uma feijoada, que também demora o seu tempo a realizar. O tema da relva foi inserido nesta obra como um puro elemento decorativo e não de significado profundo, no fundo talvez tenha sido uma justificação, à posteriori ou não, para a utilização de um material que, pela plasticidade que apresenta, e pelas cores de encaixe estético perfeito no resto da obra, seduziu o artista. DO ARTISTA E DA CONSERVAÇÃO Ao longo da nossa conversa com a artista, conseguimos extrair algumas preocupações, quase inconscientes, relativamente à conservação da obra. Jorge transporta as suas obras em envelopes gigantes realizados com o material plástico com bolinhas7 comummente utilizado para proteger objectos durante os seus transportes. Além disso, no transporte das obras, o artista revela-nos ainda o cuidado de colocar cartolina a proteger os cantos das telas ou madeiras, pois, da sua experiência em viagens entre o atelier e o local da exposição, conhece os problemas de deterioração que os eventuais toques provocados pelo transporte podem causar nas peças. Tem como prática de conservação retocar a obra de forma fiel ao processo de criação fazendo repintes para os quadros ficarem mais bonitos à saída do atelier. Reconhece que a melhor forma de expor os seus trabalhos e de os conservar, é pendurá-los, como nem sempre isso é possível no seu atelier recorre a repintes. Por também reconhecer que, apesar das suas preocupações já expostas em matéria de conservação, é um artista e não um conservador, Jorge admite e agradece acções de conservação à sua obra desde que não alterem a leitura da mesma. Considera que a descolagem é de facto um possível inicio de degradação desta obra e por tal considera a hipótese de serem realizadas acções de conservação quanto a este aspecto, mas se alguma peça se perder e não for possível encontrar igual o artista prefere que a obra fique inacabada a ter uma peça diferente do que escolheu quando a concebeu. Os seus acabamentos finais, apesar de não terem sido feitos com a intenção de conservar, mas sim pela forma plástica, acabam por constituir um elemento de conservação na medida em que protegem as peças de se descolarem, congelando-as8 em cola branca. Um aspecto que considero muito importante no discurso de Jorge é que apesar de todos sabermos que está provado o Homem ser um dos principais elementos de degradação das obras artísticas ao longo da história (guerras, incêndios, inundações, respiração, poeiras, toque, etc), este artista não se importa que os visitantes toquem na sua obra. :: Princípios de Conservação de Arte Contemporânea :: Mestrado em Arte Contemporânea 2007/08 :: Sónia da Rocha em análise à obra “Sushi na Relva” do artista Jorge Ramos.

7. Apêndice. 7.1 Alinhamento da entrevista com o autor: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.

Quais são os materiais que compõe a obra? Qual foi a técnica que utilizaste? Em que condições esteva a peça no teu atelier? Como foi feito o transporte atelier-galerias-atelier? Qual o significado da obra? A aparência da obra sofreu alterações desde a sua criação? Em que medida estas alterações afectam a sua interpretação e leitura? Qual o formato original de apresentação da obra? Será que a obra pode ser exibida de outras formas? 9. Como se deve exibir a obra de maneira a realçar a sua aparência estética e de forma a melhor protegê-la? 10. Qual o estado de conservação da obra? 11. Que restrições deverão ser colocadas durante a exibição? 12. Que restrições deverão ser colocadas no armazenamento e manuseamento da obra? 13. Que restrições deverão ser colocadas se a peça for solicitada para uma exposição temporal? 14. Ao conceptualizar a obra pensaste como esta deveria ser conservada para perdurar no tempo? 15. Qual a durabilidade que gostarias que esta sua obra tivesse? 16. Na tua opinião, que tipo de acções se pode realizar como conservação preventiva? (limpeza, vernizes, substituição periódica de peças, etc) 17. Qual o possível processo de alteração que esta obra pode sofrer? 18. Se alguma das peças que constituem a obra se estragar como gostarias que agisse o dono da obra (imagina-a num museu por exº) daqui a uns 100 ou 200 anos? Que a reparasse mesmo que já não existam estes materiais ou que a deixe intacta?

1

No editorial do apha.boletim de Dezembro de 2007 sobre conservação de arte contemporânea. María Jesús Ávila é Conservadora do Museu do Chiado-Museu Nacional de Arte Contemporânea 3 http://www.apha.pt/boletim de Dezembro de 2007. 4 Mas pouco grave quanto à dificuldade da sua intervenção curativa, uma vez que se provou ainda ser de simples resolução. 5 Calvo, Ana (2006). Técnicas e Conservação de Pintura. Editora Civilização. 6 Classificação dada pelo artista no âmbito desta exposição à máquina polaróide. 7 Deixamos aqui a nota em jeito de conselho ao artista de, dada a transparência deste material, lhe acrescentar por cima um material opaco (por exº papel cenário) no sentido de proteger as obras dos raios ultravioleta ou infravermelhos. 8 Termo utilizado pelo artista para descrever o efeito de enormes quantidades de cola branca sobre as suas colagens. 2

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