Preservação do patrimônio industrial no Brasil
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PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL NO BRASIL
|Entrevista com Silvana Rubino e Cristina Meneguello |por Maria Cristina Schicchi Professora doutora Programa de Pós-Graduação em Urbanismo CEATEC PUC-Campinas
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“Vista lateral e Jardim da Fábrica de Louças ‘Adelinas’ - São Caetano, SPR - S. Paulo”. Fonte: Fábrica de louças “Adelinas”, Catálogo Geral. São Paulo: s.n., jan./1935. Acervo da Fundação Pró-Memória de São Caetano.*
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL NO BRASIL Entrevista com Silvana Rubino e Cristina Meneguello
O I Encontro em Patrimônio Industrial ocorrido de
A entrevista que se segue foi pautada, em
17 a 20 de novembro de 2004 na Unicamp – com
vários aspectos, por um documento aprovado na
organização do Comitê Brasileiro de Preservação
última reunião do TICCIH, que se realizou em
do Patrimônio Industrial e realizado pelas pesqui-
Nizhny Tagil, cuja tradução, realizada pela Profa.
sadoras Silvana Rubino, doutora em Ciências
Cristina Meneguello, anexamos ao final.
Sociais, e Cristina Meneguello, doutora em História, ambas docentes e pesquisadoras do Departa-
O período entre os anos 1960 e 1980 foi marcado por profun-
mento de História da Unicamp – representou um
das mudanças em nossas cidades, particularmente em nos-
passo importante na consolidação da discussão da
sas metrópoles que tiveram um crescimento populacional e
preservação dos vestígios materiais do processo de
grandes intervenções em suas estruturas urbanas, como
industrialização no Brasil.
decorrência de novas demandas econômicas e sociais.
Consoante aos congressos do The Inter-
Nesse processo, muitas das antigas estruturas e infra-es-
national Committee for the Conservation of
truturas criadas para o desenvolvimento industrial, num pe-
Industrial Heritage ( TICCIH), esse encontro
ríodo imediatamente anterior, se tornaram obsoletas diante
possibilitou o conhecimento de pesquisas, le-
da imposição de novos padrões urbanísticos e tecnológicos
vantamentos oficiais e da discussão recente so-
adotados internacionalmente. Aos primeiros sinais de subs-
bre os critérios de preservação dos remanescentes
tituição e desaparecimento dessas antigas estruturas – que
desse período que imprimiu profundas mudanças
no nosso caso recaiu principalmente na desativação da
nas cidades brasileiras.
infra-estrutura ferroviária, substituída pela rodoviária, e na
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Entrevista
entrada de capitais multinacionais na produção, superando
Industrial (TICCIH) e que perspectivas efetivas podemos
processos locais ou “tradicionais” de produção e comer-
esperar desse desdobramento em relação à preservação
cialização – já havia uma preocupação com a necessidade
do patrimônio industrial no Brasil diante das políticas atuais
e importância da preservação desse patrimônio, ainda sem
de preservação?
denominação própria, e que passou a sofrer a mesma
Cristina Meneguello Acredito que chegamos a
ameaça de destruição que os monumentos, construções e
um ponto em que não fazia mais sentido o Brasil
objetos de um passado mais remoto sofreram no início do
estar excluído de uma atuação mais efetiva junto ao
processo de modernização de nossas cidades. Por que ape-
TICCIH. As condições estavam todas dadas, mas
nas nesse momento se organizou o primeiro encontro sobre
muitas vezes é necessária apenas uma faísca, um
Patrimônio Industrial no Brasil?
início… e, se for para renarrar essa história recen-
Silvana Rubino Penso que a organização dos gru-
tíssima, sem obliterar tantos esforços anteriores, eu
pos institucionais para a preservação de qualquer
diria que essa “faísca” foi dada pelo historiador
patrimônio (do industrial ao ambiental) responde
Paulo Fontes, autor de uma tese sobre a indústria
em alguma medida a condições objetivas, digamos,
Nitro-Química, e que procurou organizar um grupo
como as que você enumerou. Mas responde tam-
composto por acadêmicos e também por cidadãos,
bém a um certo estado de debate interno ao campo.
que se reuniram por cerca de um ano na Escola de
Talvez essa preocupação mais esparsa precisasse
Sociologia e Política em São Paulo. Foi nesse grupo,
encontrar um momento de reflexão sobre o patri-
composto desde o princípio por Paulo Fontes,
mônio no Brasil, alguns interessados com capaci-
Ronaldo André Rodrigues – que aderiu desde o iní-
dade de organização. Um exemplo disso foi alguma
cio com entusiasmo, Henrique Vichnewski, Leo-
dificuldade nossa na obtenção de recursos, era
nardo Mello, eu, a Silvana, Telma Correia, Gabriela
como se estivéssemos propondo uma área que não
Campagnol, também extremamente ativa, e com-
existisse. Por outro lado, a quantidade e qualidade
posto por pessoas que infelizmente não podem
os trabalhos recebidos testemunharam que a matu-
mais estar conosco, como Moema Gontijo e Phi-
ridade dessa área era evidente.
lipp Gunn – e me desculpo se estiver esquecendo
Cristina Meneguello Concordo com Silvana, e
alguém – enfim, foi nesse grupo que nasceu a idéia
acrescento que encontros no tema ocorrem há tem-
de realizar o encontro e sediá-lo na Unicamp, que
pos já, abrigados dentro de outros eventos ou como
por sua vez nos deu amplo apoio. Foi no encontro
encontros de pesquisadores. Para mencionar ape-
que tornamos oficial e pública a fundação do
nas a cidade de São Paulo, há que se lembrar, por
Comitê Brasileiro. No encontro, do qual participa-
exemplo, dos encontros promovidos pelo departa-
ram a representante do TICCIH na América Latina,
mento de patrimônio histórico da Eletropaulo,
Belém Oviedo, e o representante do TICCIH em
ocorridos na década de 1980. No entanto, não con-
Portugal, Prof. José Lopes Cordeiro, ficou claro que
seguimos encontrar iniciativas anteriores, em nível
o TICCIH aguardava, ansioso, essa iniciativa por
nacional, dedicadas exclusivamente ao tema patri-
parte do Brasil.
mônio industrial.
Silvana Rubino Penso que um encontro tem um papel de troca de experiências e conhecimento, o que
Qual a importância desse evento no contexto dos encontros
por si já o justifica. Mas também é preciso assinalar
do Comitê Internacional para a Conservação do Patrimônio
que a própria existência do comitê e a divulgação dos
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resultados do encontro por meio do livro eletrônico
estudar as estruturas passadas vem de mais tempo
que editamos ajudam a informar as políticas de pre-
naquele país. De outro lado, em um país como o
servação que há nessa (nem tão) nova vertente que
México, o debate a respeito do patrimônio industrial
também pode ser explorada. Os conselhos de patri-
está bastante avançado. No I Encontro, o professor
mônio podem se beneficiar da ação desses grupos
Edgar de Decca estabeleceu relações bastante ins-
como o TICCH, dialogar com eles. Pode ser um
tigantes entre a construção dessa preocupação
bom desdobramento a esperar.
quanto ao patrimônio industrial e os debates no campo da história social, novos olhares sobre o tra-
A criação de instâncias específicas de discussão do patri-
balho humano e sua cultura material. Um dado
mônio industrial a partir de uma perspectiva dada, num pri-
curioso é que terminamos o encontro convencidos
meiro momento, pelos países europeus coloca uma questão
mesmo de que há um patrimônio industrial imate-
fundamental, que é a de se deve ou não haver uma aborda-
rial, um saber fazer ligado à máquina e seu manejo,
gem distinta desse período – dado que a Revolução Indus-
aos processos produtivos, e que esse saber, assim
trial e seus desdobramentos representaram uma mudança
como outros saberes, requer registro.
radical no modo de vida das pessoas e na configuração das cidades – ou se este deve ser apenas um recorte cronoló-
Ainda nesse sentido, haveria alguma especificidade na dis-
gico no estudo das mudanças das técnicas e procedimentos
cussão do legado dos processos de industrialização das
do fazer humano. Exemplar nesse sentido é a discussão da
cidades latino-americanas, uma vez que nessas o papel do
arqueologia sobre a adequação do uso do termo “arqueolo-
Estado, o das instituições e a estruturação das instâncias de
gia industrial” para denominar esse campo de estudo em
representação política se desenvolveram concomitante-
comparação à denominação “arqueologia moderna e con-
mente ao processo de implantação e consolidação do
temporânea”. Em relação a essa questão, haveria alguma
desenvolvimento industrial?
distinção a ser feita quanto aos processos ocorridos nos
Cristina Meneguello Não sei se é essa a especi-
países dependentes e de alinhamento cultural mais recente
ficidade que diferencia o patrimônio industrial
como o nosso, desenvolvidos basicamente a partir de con-
latino-americano… O que vejo no caso dos nossos
tínuas transposições de tecnologias e modelos de implanta-
países é um processo de desindustrialização, se
ção de equipamentos industriais nas cidades?
comparado com o europeu, muito mais recente, e,
Silvana Rubino Desde os anos 1930, todo debate
ao mesmo tempo, um processo de crescimento das
nas áreas da preservação passa, em alguma medida,
cidades tão veloz, tão voraz, que muitos parques
por trocas com experiências de outros países, o que
industriais, antes localizados perifericamente, estão
se tornou mais visível com as cartas patrimoniais, o
hoje em meio à trama urbana. Ou seja, temos uma
estatuto do patrimônio da humanidade e com a for-
situação histórica peculiar, mas o legado e a neces-
mação de grupos articulados como o Docomomo e
sidade da valorização do trabalho, da experiência
a próprio TICCIH, dentre muitos. Se, de um lado, a
humana do trabalho, eu os vejo como universais.
experiência inglesa na preservação e estudo do patrimônio industrial pode remeter ao lugar da
Na última conferência realizada pelo TICCIH na Rússia, em
Revolução Industrial, como uma predestinação (o
2003, foi apresentado e aprovado pelos participantes um
que não deixa de fazer um certo sentido), é preciso
documento, a “Carta para o Patrimônio Industrial”, numa
lembrar que o debate a respeito do que fazer e como
clara sinalização de que é chegado o momento de concen-
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Galpão e chaminé da “Fábrica de Louças RR”, de Osasco-SP, fotografados pela família Ranzini em 1946. Reprodução de original cedida pela família ao Grupo de Estudos de Faianças e Porcelanas do Serviço de Objetos do Museu Paulista/USP. *
trar esforços e, principalmente, definir diretrizes gerais
e talvez extensivo aos países latino-americanos, em que
internacionais a serem seguidas por todos os países e
estágio se encontra essa discussão?
entidades associados. Nesse documento, além de um
Silvana Rubino Claro que o inventário pode ir além
parâmetro temporal para o que se consideraria “patrimô-
do mero registro, mas o registro já é uma possibili-
nio industrial” que abrange da segunda metade do século
dade de preservação, se pensarmos que não se pode
XVIII até os nossos dias, com visadas nas raízes que ante-
guardar tudo o que o homem produziu de material e
cedem esse período, definiu-se também o elenco de vestí-
imaterial. Como a Françoise Choay sublinha bem
gios da cultura industrial de valor histórico, tecnológico,
em seu Alegoria do patrimônio, esse foi sendo
social, arquitetônico ou científico. A descrição extrema-
ampliado temporal e espacialmente, incluindo
mente abrangente dos aspectos pertinentes à discussão
novas (às vezes nem tão novas, mas haviam sido dei-
coloca duas questões de ordem diferente, principalmente
xados de lado) possibilidades como a arquitetura
para os países europeus: a primeira é o questionamento de
moderna, o patrimônio imaterial, o patrimônio ima-
se realizar inventários e levantamentos dos bens apenas
terial. Mas, se, de um lado, foi essa “antropologiza-
como registro e pretender encerrar aí as estratégias de
ção” do patrimônio que permitiu tais inclusões, de
preservação sem o estabelecimento dos nexos necessá-
outro, ela recoloca, mais do que nunca, o problema
rios para a compreensão dos sistemas em que esses estão
da seleção do que precisa e pode permanecer, e os
inseridos; e a segunda, essa mesma abrangência leva a um
apagamentos que terminaremos por propor ou per-
questionamento de propósito, também presente na dis-
mitir. Não dá mesmo para pensar num consenso,
cussão da preservação da arquitetura moderna e contem-
mas na construção difícil de sempre, grupos diver-
porânea quando pensadas isoladamente dos contextos
gentes debatendo. Se pensarmos nessas questões
geradores, e em ambos os casos parece não haver con-
especificamente para o patrimônio industrial, é
senso sobre a necessidade de abordagem distinta do
ainda mais complicado, há uma urgência, pois estru-
patrimônio desses períodos históricos. No caso brasileiro,
turas industriais estão de fato ameaçadas e é um
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patrimônio mais jovem. Quanto aos nexos necessá-
Como se chegou à definição das quatro sessões de traba-
rios para uma melhor compreensão desse patrimô-
lho – 1. Arqueologia Industrial, 2. Arquitetura e preserva-
nio, estamos de acordo, claro. O inventário não pode
ção do patrimônio, 3. Industrialização, memória e traba-
se resumir a uma fúria catalogação, digamos assim.
lho e 4. Espaços de moradia – neste primeiro encontro
Mas um inventário bem feito, com método e pergun-
brasileiro e quais as principais conclusões de cada uma?
tas interessantes é mais do que isso.
Silvana Rubino As quatro sessões foram em parte definidas a partir do material recebido, das recor-
Ainda nesse sentido, a Carta de Nizhny Tagil define que as
rências, das aproximações que pudemos observar.
razões que justificam a proteção do patrimônio industrial
Como já assinalamos, as preocupações eram diver-
decorrem essencialmente do valor universal desse patri-
sas e dispersas: não tínhamos tanta idéia assim da
mônio e não da singularidade de quaisquer sítios excepcio-
resposta! De certo modo, a diversidade dos traba-
nais, com menção aos exemplares raros ou mais antigos
lhos recebidos ajudou a evidenciar o que estávamos
como um valor especial para a preservação. Como pode-
chamando de patrimônio industrial.
mos estabelecer essa gradação de valor, ou seja, do singu-
Cristina Meneguello Exato… E o que foi mais
lar ao universal, no caso do patrimônio industrial no Brasil,
interessante, ao longo do encontro, foi ver aproxi-
que, embora decorrente de processos econômicos inter-
mações entre as quatro sessões que, como quase
nacionais, sofreu limitações e adaptações de toda ordem?
sempre ocorre, nem sequer a organização do evento
Cristina Meneguello Da forma como a enten-
havia vislumbrado… A divisão foi, podemos dizer,
do, a carta de Nizhny Tagil procura, em poucas
mais formal que oficial...
palavras, definir e criar uma metodologia para a identificação do patrimônio industrial… Ainda
Observando os outros encontros realizados nos países
assim, não vejo um caráter universalista na car-
membros, principalmente nos últimos cinco anos, e os con-
ta… pois menciona a questão da aceitação e com-
gressos oficiais do TICCIH, que se realizam a cada três anos,
preensão local da importância do patrimônio, da
é possível constatar uma distinção na forma de definir as
comunidade local e de sua importância na preser-
sessões de trabalho, aliás, prevista pela própria organiza-
vação. Fala também do desamparo da comuni-
ção internacional. Parece que no caso dos encontros inter-
dade local, inclusive econômico, perante comple-
mediários, a ênfase recai sobre questões em discussão no
xos industriais que, ante sua base de sustentação,
país sede do evento e/ou reflete os setores que sofreram
tornam-se obsoletos…Claramente, e o que me
avanço na organização com efetivos resultados obtidos.
chama a atenção em especial na Carta é o item III
Como exemplo, podemos citar o próximo encontro a ser
da Parte 2, que diz “III Esses valores são intrínse-
realizado no Chile, que coloca em discussão os “sítios,
cos ao sítio, sua estrutura, seus componentes,
museus e casos” (nesses são incluídas as intervenções e
máquinas e disposição na paisagem industrial, à
reutilizações do patrimônio industrial). Num outro sentido,
documentação escrita e também aos registros
os congressos do TICCIH deixam transparecer em sua for-
intangíveis da indústria, existentes nas memórias e
mulação não só a procura de uma síntese dos avanços
nos hábitos das pessoas”. É esse patrimônio, enten-
apontados nos encontros intermediários, como também
dido como processo e como encontro e confronto
uma amplitude, diversificação e especialização das ses-
entre homem, máquina e técnica, que torna o patri-
sões temáticas, como se pode constatar na chamada de tra-
mônio industrial tão peculiar.
balhos para o próximo encontro a ser realizado em 2006, em
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Terni, na Itália. Como vocês vêem essa amplitude e ao
que contrasta com a especialização proposta, incen-
mesmo tempo especialização cada vez maior dos temas?
tivará esses olhares sobre o patrimônio.
Estamos diante de um novo campo de conhecimento?
Cristina Meneguello É, sem dúvida, um novo
A Carta do Patrimônio Industrial, entre outros aspectos,
campo de conhecimento. Os museus de história da
aponta para a necessidade de ampliar o conhecimento
técnica e da tecnologia, a criação de rotas de visita-
desse patrimônio entre a população leiga, inclusive entre
ção turística, como aquelas no norte da Inglaterra ou
a própria população que em seu cotidiano vive direta-
em toda a região da Catalunha, a expansão de cursos
mente ligada à produção industrial, e ressalta a importân-
de graduação em conservação de bens culturais com
cia de participação das comunidades no reconhecimento
ênfase em patrimônio industrial, como em Padova
e conservação desse patrimônio. Essas questões estive-
ou em Sevilha, tudo isso indica que o patrimônio
ram presentes na pauta de discussões do I Encontro em
industrial é um campo para arquitetos, urbanistas,
Patrimônio Industrial realizado em Campinas? Quais as
historiadores, sociólogos, arqueólogos… A especia-
perspectivas, conclusões e recomendações do encontro a
lização é uma conseqüência lógica. Mas eu acredito
esse respeito?
que os temas gerais, de definição, de problematiza-
Silvana Rubino Bem, no encontro nós não chega-
ção e de metodologia deveriam orientar os encon-
mos a escrever uma “carta de Campinas”… mas par-
tros internacionais. Agora, em outubro de 2005, tive
ticipamos da fundação de um comitê nacional, vincu-
a oportunidade de participar do Encontro Nacional
lado ao TICCH. Ainda é preciso atrair mais pessoas,
de Patrimônio Industrial na cidade de Rijeka (antigo
debater mais antes de termos algo conclusivo.
Fiume), na Croácia, e foi revelador ver como os paí-
Cristina Meneguello Aliás, a “Declaração de
ses do Leste europeu, como Croácia, Eslovênia,
Campinas” até existe, produzida no final da década
Romênia, Rússia, estão requalificando seu patrimô-
de 1980 pelo Grupo de Estudos de História da
nio industrial, visto que enfrentam dificuldades
Técnica, que era sediado pelo Centro de Memória
econômicas que poderiam, guardadas as óbvias pro-
da Unicamp, e que tinha entre seus signatários,
porções, ser comparáveis às de um país como o
por exemplo, o prefeito Toninho. Mas, sabe que
nosso, e ainda agravadas por guerras e conflitos
não seria uma má idéia, em um próximo encontro,
internos recentes. Um dos temas que mais me
convencionar parâmetros, não digo para a preser-
encantaram foi ver como se discutiu certa dimensão
vação, pois a Carta de Nizhny Tagil faz esse ser-
estética do patrimônio, das suas máquinas e engre-
viço, mas criar as condições, em comum acordo,
nagens, de seus equipamentos. Para manter-me
para a produção do primeiro relatório nacional das
nesse exemplo, a cidade de Rijeka vem incorpo-
condições do patrimônio industrial brasileiro; ou
rando a seu tecido urbano uma série de “monumen-
seja, criar de comum acordo as bases para o pri-
tos”, como fontes, por exemplo, criadas a partir de
meiro inventário nacional, unindo iniciativas de
mecanismos e máquinas desativadas… Ou seja,
valor, que hoje estão todas dispersas, e criando
adicionam ou conseguem “enxergar” uma dimensão
novas iniciativas, onde necessário.
estética pura naqueles mecanismos, como testemunhos do trabalho humano, como atributos insepará-
Outra recomendação importante nessa mesma carta é a de
veis da sociedade industrial. Não estou certa se o
que os estudos e políticas de preservação do patrimônio
“megaevento” de Terni, pela sua própria dimensão
industrial englobando todos os vestígios da cultura indus-
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trial sejam inseridos nas “políticas econômicas e de
de mídia e população para com esses lugares, que
desenvolvimento assim como na planificação regional e
são, podemos dizer, desprovidos do glamour de um
nacional”, apontando para a criação de organismos de
antigo teatro ou do casarão de um barão de café.
consulta especializados que possam instruir tais políticas
Como preservar aquilo que incomoda, ocupa
e planos. Considera ainda que a adequada reutilização das
espaço e é – entre aspas, naturalmente – “feio”? E
estruturas espaciais e paisagens decorrentes dos proces-
qual o partido a adotar: requalificar de forma a se
sos industriais que hoje estão desativadas ou obsoletas são
desvincular dos usos originais – a transformação
elementos que podem desempenhar um importante papel
da indústria Brasital em Salto em uma faculdade
na regeneração econômica de regiões e setores urbanos
particular, a estação ferroviária de Campinas
em declínio, bem como contribuir para o desenvolvimento
transformada em “complexo cultural”, assim
sustentável desses. Como vocês vêem essa questão parti-
como se deu na região portuária de Porto Alegre ou
cularmente em relação às nossas cidades e os exemplos
de Santos, a Fábrica de Pontas de Florianópolis
recentes de reutilização e reabilitação do nosso patrimô-
transformada num supermercado… Eu me per-
nio industrial?
gunto, não deviam esses locais, ao menos parte Essas sugestões da
deles, aludir ao mundo do trabalho, às técnicas e
Carta de Nizhny Tagil são absolutamente sensa-
rotinas de produção industrial, para deixarem de
tas, mas trazem à tona um antigo problema da
ser meras “cascas”?
Cristina Meneguello
preservação do patrimônio no Brasil, já comentada há tantos anos por Augusto Silva Telles em
Qual a agenda futura de encontros nacionais e que questões
um texto na Revista do Iphan: a fragilidade dos
despontam como mais urgentes nessa discussão?
órgãos de preservação municipais e estaduais
Cristina Meneguello Na minha opinião, uma
perante as pressões da especulação imobiliária.
única e urgentíssima questão: a criação do inventá-
E, veja, naquele texto, Telles se referia à preserva-
rio nacional de patrimônio industrial.
ção de centros históricos. Eu acrescento vários
Silvana Rubino Estou de pleno acordo: não pode-
agravantes no caso do patrimônio industrial: a
mos mais adiar essa tarefa, o inventário é um
dimensão das estruturas industriais a serem pre-
momento crucial da prática preservacionista, e isso
servadas – verdadeiros elefantes brancos em
é tão mais pertinente para um patrimônio que mui-
meio às cidades; o olhar pouco condescendente
tos não consideram como tal.
* PEREIRA, José Hermes Martins. As fábricas paulistas de louça doméstica: proposta de estudo tipológico na área de Patrimônio Industrial. In: Anais do I Encontro de Patrimônio Industrial. Campinas: IFCH-Unicamp, 2004.
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