Preservação do patrimônio industrial no Brasil

August 26, 2017 | Autor: Silvana Rubino | Categoria: Industrial Heritage, Patrimonio Industrial
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PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL NO BRASIL

|Entrevista com Silvana Rubino e Cristina Meneguello |por Maria Cristina Schicchi Professora doutora Programa de Pós-Graduação em Urbanismo CEATEC PUC-Campinas

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“Vista lateral e Jardim da Fábrica de Louças ‘Adelinas’ - São Caetano, SPR - S. Paulo”. Fonte: Fábrica de louças “Adelinas”, Catálogo Geral. São Paulo: s.n., jan./1935. Acervo da Fundação Pró-Memória de São Caetano.*

PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL NO BRASIL Entrevista com Silvana Rubino e Cristina Meneguello

O I Encontro em Patrimônio Industrial ocorrido de

A entrevista que se segue foi pautada, em

17 a 20 de novembro de 2004 na Unicamp – com

vários aspectos, por um documento aprovado na

organização do Comitê Brasileiro de Preservação

última reunião do TICCIH, que se realizou em

do Patrimônio Industrial e realizado pelas pesqui-

Nizhny Tagil, cuja tradução, realizada pela Profa.

sadoras Silvana Rubino, doutora em Ciências

Cristina Meneguello, anexamos ao final.

Sociais, e Cristina Meneguello, doutora em História, ambas docentes e pesquisadoras do Departa-

O período entre os anos 1960 e 1980 foi marcado por profun-

mento de História da Unicamp – representou um

das mudanças em nossas cidades, particularmente em nos-

passo importante na consolidação da discussão da

sas metrópoles que tiveram um crescimento populacional e

preservação dos vestígios materiais do processo de

grandes intervenções em suas estruturas urbanas, como

industrialização no Brasil.

decorrência de novas demandas econômicas e sociais.

Consoante aos congressos do The Inter-

Nesse processo, muitas das antigas estruturas e infra-es-

national Committee for the Conservation of

truturas criadas para o desenvolvimento industrial, num pe-

Industrial Heritage ( TICCIH), esse encontro

ríodo imediatamente anterior, se tornaram obsoletas diante

possibilitou o conhecimento de pesquisas, le-

da imposição de novos padrões urbanísticos e tecnológicos

vantamentos oficiais e da discussão recente so-

adotados internacionalmente. Aos primeiros sinais de subs-

bre os critérios de preservação dos remanescentes

tituição e desaparecimento dessas antigas estruturas – que

desse período que imprimiu profundas mudanças

no nosso caso recaiu principalmente na desativação da

nas cidades brasileiras.

infra-estrutura ferroviária, substituída pela rodoviária, e na

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Entrevista

entrada de capitais multinacionais na produção, superando

Industrial (TICCIH) e que perspectivas efetivas podemos

processos locais ou “tradicionais” de produção e comer-

esperar desse desdobramento em relação à preservação

cialização – já havia uma preocupação com a necessidade

do patrimônio industrial no Brasil diante das políticas atuais

e importância da preservação desse patrimônio, ainda sem

de preservação?

denominação própria, e que passou a sofrer a mesma

Cristina Meneguello Acredito que chegamos a

ameaça de destruição que os monumentos, construções e

um ponto em que não fazia mais sentido o Brasil

objetos de um passado mais remoto sofreram no início do

estar excluído de uma atuação mais efetiva junto ao

processo de modernização de nossas cidades. Por que ape-

TICCIH. As condições estavam todas dadas, mas

nas nesse momento se organizou o primeiro encontro sobre

muitas vezes é necessária apenas uma faísca, um

Patrimônio Industrial no Brasil?

início… e, se for para renarrar essa história recen-

Silvana Rubino Penso que a organização dos gru-

tíssima, sem obliterar tantos esforços anteriores, eu

pos institucionais para a preservação de qualquer

diria que essa “faísca” foi dada pelo historiador

patrimônio (do industrial ao ambiental) responde

Paulo Fontes, autor de uma tese sobre a indústria

em alguma medida a condições objetivas, digamos,

Nitro-Química, e que procurou organizar um grupo

como as que você enumerou. Mas responde tam-

composto por acadêmicos e também por cidadãos,

bém a um certo estado de debate interno ao campo.

que se reuniram por cerca de um ano na Escola de

Talvez essa preocupação mais esparsa precisasse

Sociologia e Política em São Paulo. Foi nesse grupo,

encontrar um momento de reflexão sobre o patri-

composto desde o princípio por Paulo Fontes,

mônio no Brasil, alguns interessados com capaci-

Ronaldo André Rodrigues – que aderiu desde o iní-

dade de organização. Um exemplo disso foi alguma

cio com entusiasmo, Henrique Vichnewski, Leo-

dificuldade nossa na obtenção de recursos, era

nardo Mello, eu, a Silvana, Telma Correia, Gabriela

como se estivéssemos propondo uma área que não

Campagnol, também extremamente ativa, e com-

existisse. Por outro lado, a quantidade e qualidade

posto por pessoas que infelizmente não podem

os trabalhos recebidos testemunharam que a matu-

mais estar conosco, como Moema Gontijo e Phi-

ridade dessa área era evidente.

lipp Gunn – e me desculpo se estiver esquecendo

Cristina Meneguello Concordo com Silvana, e

alguém – enfim, foi nesse grupo que nasceu a idéia

acrescento que encontros no tema ocorrem há tem-

de realizar o encontro e sediá-lo na Unicamp, que

pos já, abrigados dentro de outros eventos ou como

por sua vez nos deu amplo apoio. Foi no encontro

encontros de pesquisadores. Para mencionar ape-

que tornamos oficial e pública a fundação do

nas a cidade de São Paulo, há que se lembrar, por

Comitê Brasileiro. No encontro, do qual participa-

exemplo, dos encontros promovidos pelo departa-

ram a representante do TICCIH na América Latina,

mento de patrimônio histórico da Eletropaulo,

Belém Oviedo, e o representante do TICCIH em

ocorridos na década de 1980. No entanto, não con-

Portugal, Prof. José Lopes Cordeiro, ficou claro que

seguimos encontrar iniciativas anteriores, em nível

o TICCIH aguardava, ansioso, essa iniciativa por

nacional, dedicadas exclusivamente ao tema patri-

parte do Brasil.

mônio industrial.

Silvana Rubino Penso que um encontro tem um papel de troca de experiências e conhecimento, o que

Qual a importância desse evento no contexto dos encontros

por si já o justifica. Mas também é preciso assinalar

do Comitê Internacional para a Conservação do Patrimônio

que a própria existência do comitê e a divulgação dos

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resultados do encontro por meio do livro eletrônico

estudar as estruturas passadas vem de mais tempo

que editamos ajudam a informar as políticas de pre-

naquele país. De outro lado, em um país como o

servação que há nessa (nem tão) nova vertente que

México, o debate a respeito do patrimônio industrial

também pode ser explorada. Os conselhos de patri-

está bastante avançado. No I Encontro, o professor

mônio podem se beneficiar da ação desses grupos

Edgar de Decca estabeleceu relações bastante ins-

como o TICCH, dialogar com eles. Pode ser um

tigantes entre a construção dessa preocupação

bom desdobramento a esperar.

quanto ao patrimônio industrial e os debates no campo da história social, novos olhares sobre o tra-

A criação de instâncias específicas de discussão do patri-

balho humano e sua cultura material. Um dado

mônio industrial a partir de uma perspectiva dada, num pri-

curioso é que terminamos o encontro convencidos

meiro momento, pelos países europeus coloca uma questão

mesmo de que há um patrimônio industrial imate-

fundamental, que é a de se deve ou não haver uma aborda-

rial, um saber fazer ligado à máquina e seu manejo,

gem distinta desse período – dado que a Revolução Indus-

aos processos produtivos, e que esse saber, assim

trial e seus desdobramentos representaram uma mudança

como outros saberes, requer registro.

radical no modo de vida das pessoas e na configuração das cidades – ou se este deve ser apenas um recorte cronoló-

Ainda nesse sentido, haveria alguma especificidade na dis-

gico no estudo das mudanças das técnicas e procedimentos

cussão do legado dos processos de industrialização das

do fazer humano. Exemplar nesse sentido é a discussão da

cidades latino-americanas, uma vez que nessas o papel do

arqueologia sobre a adequação do uso do termo “arqueolo-

Estado, o das instituições e a estruturação das instâncias de

gia industrial” para denominar esse campo de estudo em

representação política se desenvolveram concomitante-

comparação à denominação “arqueologia moderna e con-

mente ao processo de implantação e consolidação do

temporânea”. Em relação a essa questão, haveria alguma

desenvolvimento industrial?

distinção a ser feita quanto aos processos ocorridos nos

Cristina Meneguello Não sei se é essa a especi-

países dependentes e de alinhamento cultural mais recente

ficidade que diferencia o patrimônio industrial

como o nosso, desenvolvidos basicamente a partir de con-

latino-americano… O que vejo no caso dos nossos

tínuas transposições de tecnologias e modelos de implanta-

países é um processo de desindustrialização, se

ção de equipamentos industriais nas cidades?

comparado com o europeu, muito mais recente, e,

Silvana Rubino Desde os anos 1930, todo debate

ao mesmo tempo, um processo de crescimento das

nas áreas da preservação passa, em alguma medida,

cidades tão veloz, tão voraz, que muitos parques

por trocas com experiências de outros países, o que

industriais, antes localizados perifericamente, estão

se tornou mais visível com as cartas patrimoniais, o

hoje em meio à trama urbana. Ou seja, temos uma

estatuto do patrimônio da humanidade e com a for-

situação histórica peculiar, mas o legado e a neces-

mação de grupos articulados como o Docomomo e

sidade da valorização do trabalho, da experiência

a próprio TICCIH, dentre muitos. Se, de um lado, a

humana do trabalho, eu os vejo como universais.

experiência inglesa na preservação e estudo do patrimônio industrial pode remeter ao lugar da

Na última conferência realizada pelo TICCIH na Rússia, em

Revolução Industrial, como uma predestinação (o

2003, foi apresentado e aprovado pelos participantes um

que não deixa de fazer um certo sentido), é preciso

documento, a “Carta para o Patrimônio Industrial”, numa

lembrar que o debate a respeito do que fazer e como

clara sinalização de que é chegado o momento de concen-

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Galpão e chaminé da “Fábrica de Louças RR”, de Osasco-SP, fotografados pela família Ranzini em 1946. Reprodução de original cedida pela família ao Grupo de Estudos de Faianças e Porcelanas do Serviço de Objetos do Museu Paulista/USP. *

trar esforços e, principalmente, definir diretrizes gerais

e talvez extensivo aos países latino-americanos, em que

internacionais a serem seguidas por todos os países e

estágio se encontra essa discussão?

entidades associados. Nesse documento, além de um

Silvana Rubino Claro que o inventário pode ir além

parâmetro temporal para o que se consideraria “patrimô-

do mero registro, mas o registro já é uma possibili-

nio industrial” que abrange da segunda metade do século

dade de preservação, se pensarmos que não se pode

XVIII até os nossos dias, com visadas nas raízes que ante-

guardar tudo o que o homem produziu de material e

cedem esse período, definiu-se também o elenco de vestí-

imaterial. Como a Françoise Choay sublinha bem

gios da cultura industrial de valor histórico, tecnológico,

em seu Alegoria do patrimônio, esse foi sendo

social, arquitetônico ou científico. A descrição extrema-

ampliado temporal e espacialmente, incluindo

mente abrangente dos aspectos pertinentes à discussão

novas (às vezes nem tão novas, mas haviam sido dei-

coloca duas questões de ordem diferente, principalmente

xados de lado) possibilidades como a arquitetura

para os países europeus: a primeira é o questionamento de

moderna, o patrimônio imaterial, o patrimônio ima-

se realizar inventários e levantamentos dos bens apenas

terial. Mas, se, de um lado, foi essa “antropologiza-

como registro e pretender encerrar aí as estratégias de

ção” do patrimônio que permitiu tais inclusões, de

preservação sem o estabelecimento dos nexos necessá-

outro, ela recoloca, mais do que nunca, o problema

rios para a compreensão dos sistemas em que esses estão

da seleção do que precisa e pode permanecer, e os

inseridos; e a segunda, essa mesma abrangência leva a um

apagamentos que terminaremos por propor ou per-

questionamento de propósito, também presente na dis-

mitir. Não dá mesmo para pensar num consenso,

cussão da preservação da arquitetura moderna e contem-

mas na construção difícil de sempre, grupos diver-

porânea quando pensadas isoladamente dos contextos

gentes debatendo. Se pensarmos nessas questões

geradores, e em ambos os casos parece não haver con-

especificamente para o patrimônio industrial, é

senso sobre a necessidade de abordagem distinta do

ainda mais complicado, há uma urgência, pois estru-

patrimônio desses períodos históricos. No caso brasileiro,

turas industriais estão de fato ameaçadas e é um

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patrimônio mais jovem. Quanto aos nexos necessá-

Como se chegou à definição das quatro sessões de traba-

rios para uma melhor compreensão desse patrimô-

lho – 1. Arqueologia Industrial, 2. Arquitetura e preserva-

nio, estamos de acordo, claro. O inventário não pode

ção do patrimônio, 3. Industrialização, memória e traba-

se resumir a uma fúria catalogação, digamos assim.

lho e 4. Espaços de moradia – neste primeiro encontro

Mas um inventário bem feito, com método e pergun-

brasileiro e quais as principais conclusões de cada uma?

tas interessantes é mais do que isso.

Silvana Rubino As quatro sessões foram em parte definidas a partir do material recebido, das recor-

Ainda nesse sentido, a Carta de Nizhny Tagil define que as

rências, das aproximações que pudemos observar.

razões que justificam a proteção do patrimônio industrial

Como já assinalamos, as preocupações eram diver-

decorrem essencialmente do valor universal desse patri-

sas e dispersas: não tínhamos tanta idéia assim da

mônio e não da singularidade de quaisquer sítios excepcio-

resposta! De certo modo, a diversidade dos traba-

nais, com menção aos exemplares raros ou mais antigos

lhos recebidos ajudou a evidenciar o que estávamos

como um valor especial para a preservação. Como pode-

chamando de patrimônio industrial.

mos estabelecer essa gradação de valor, ou seja, do singu-

Cristina Meneguello Exato… E o que foi mais

lar ao universal, no caso do patrimônio industrial no Brasil,

interessante, ao longo do encontro, foi ver aproxi-

que, embora decorrente de processos econômicos inter-

mações entre as quatro sessões que, como quase

nacionais, sofreu limitações e adaptações de toda ordem?

sempre ocorre, nem sequer a organização do evento

Cristina Meneguello Da forma como a enten-

havia vislumbrado… A divisão foi, podemos dizer,

do, a carta de Nizhny Tagil procura, em poucas

mais formal que oficial...

palavras, definir e criar uma metodologia para a identificação do patrimônio industrial… Ainda

Observando os outros encontros realizados nos países

assim, não vejo um caráter universalista na car-

membros, principalmente nos últimos cinco anos, e os con-

ta… pois menciona a questão da aceitação e com-

gressos oficiais do TICCIH, que se realizam a cada três anos,

preensão local da importância do patrimônio, da

é possível constatar uma distinção na forma de definir as

comunidade local e de sua importância na preser-

sessões de trabalho, aliás, prevista pela própria organiza-

vação. Fala também do desamparo da comuni-

ção internacional. Parece que no caso dos encontros inter-

dade local, inclusive econômico, perante comple-

mediários, a ênfase recai sobre questões em discussão no

xos industriais que, ante sua base de sustentação,

país sede do evento e/ou reflete os setores que sofreram

tornam-se obsoletos…Claramente, e o que me

avanço na organização com efetivos resultados obtidos.

chama a atenção em especial na Carta é o item III

Como exemplo, podemos citar o próximo encontro a ser

da Parte 2, que diz “III Esses valores são intrínse-

realizado no Chile, que coloca em discussão os “sítios,

cos ao sítio, sua estrutura, seus componentes,

museus e casos” (nesses são incluídas as intervenções e

máquinas e disposição na paisagem industrial, à

reutilizações do patrimônio industrial). Num outro sentido,

documentação escrita e também aos registros

os congressos do TICCIH deixam transparecer em sua for-

intangíveis da indústria, existentes nas memórias e

mulação não só a procura de uma síntese dos avanços

nos hábitos das pessoas”. É esse patrimônio, enten-

apontados nos encontros intermediários, como também

dido como processo e como encontro e confronto

uma amplitude, diversificação e especialização das ses-

entre homem, máquina e técnica, que torna o patri-

sões temáticas, como se pode constatar na chamada de tra-

mônio industrial tão peculiar.

balhos para o próximo encontro a ser realizado em 2006, em

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Terni, na Itália. Como vocês vêem essa amplitude e ao

que contrasta com a especialização proposta, incen-

mesmo tempo especialização cada vez maior dos temas?

tivará esses olhares sobre o patrimônio.

Estamos diante de um novo campo de conhecimento?

Cristina Meneguello É, sem dúvida, um novo

A Carta do Patrimônio Industrial, entre outros aspectos,

campo de conhecimento. Os museus de história da

aponta para a necessidade de ampliar o conhecimento

técnica e da tecnologia, a criação de rotas de visita-

desse patrimônio entre a população leiga, inclusive entre

ção turística, como aquelas no norte da Inglaterra ou

a própria população que em seu cotidiano vive direta-

em toda a região da Catalunha, a expansão de cursos

mente ligada à produção industrial, e ressalta a importân-

de graduação em conservação de bens culturais com

cia de participação das comunidades no reconhecimento

ênfase em patrimônio industrial, como em Padova

e conservação desse patrimônio. Essas questões estive-

ou em Sevilha, tudo isso indica que o patrimônio

ram presentes na pauta de discussões do I Encontro em

industrial é um campo para arquitetos, urbanistas,

Patrimônio Industrial realizado em Campinas? Quais as

historiadores, sociólogos, arqueólogos… A especia-

perspectivas, conclusões e recomendações do encontro a

lização é uma conseqüência lógica. Mas eu acredito

esse respeito?

que os temas gerais, de definição, de problematiza-

Silvana Rubino Bem, no encontro nós não chega-

ção e de metodologia deveriam orientar os encon-

mos a escrever uma “carta de Campinas”… mas par-

tros internacionais. Agora, em outubro de 2005, tive

ticipamos da fundação de um comitê nacional, vincu-

a oportunidade de participar do Encontro Nacional

lado ao TICCH. Ainda é preciso atrair mais pessoas,

de Patrimônio Industrial na cidade de Rijeka (antigo

debater mais antes de termos algo conclusivo.

Fiume), na Croácia, e foi revelador ver como os paí-

Cristina Meneguello Aliás, a “Declaração de

ses do Leste europeu, como Croácia, Eslovênia,

Campinas” até existe, produzida no final da década

Romênia, Rússia, estão requalificando seu patrimô-

de 1980 pelo Grupo de Estudos de História da

nio industrial, visto que enfrentam dificuldades

Técnica, que era sediado pelo Centro de Memória

econômicas que poderiam, guardadas as óbvias pro-

da Unicamp, e que tinha entre seus signatários,

porções, ser comparáveis às de um país como o

por exemplo, o prefeito Toninho. Mas, sabe que

nosso, e ainda agravadas por guerras e conflitos

não seria uma má idéia, em um próximo encontro,

internos recentes. Um dos temas que mais me

convencionar parâmetros, não digo para a preser-

encantaram foi ver como se discutiu certa dimensão

vação, pois a Carta de Nizhny Tagil faz esse ser-

estética do patrimônio, das suas máquinas e engre-

viço, mas criar as condições, em comum acordo,

nagens, de seus equipamentos. Para manter-me

para a produção do primeiro relatório nacional das

nesse exemplo, a cidade de Rijeka vem incorpo-

condições do patrimônio industrial brasileiro; ou

rando a seu tecido urbano uma série de “monumen-

seja, criar de comum acordo as bases para o pri-

tos”, como fontes, por exemplo, criadas a partir de

meiro inventário nacional, unindo iniciativas de

mecanismos e máquinas desativadas… Ou seja,

valor, que hoje estão todas dispersas, e criando

adicionam ou conseguem “enxergar” uma dimensão

novas iniciativas, onde necessário.

estética pura naqueles mecanismos, como testemunhos do trabalho humano, como atributos insepará-

Outra recomendação importante nessa mesma carta é a de

veis da sociedade industrial. Não estou certa se o

que os estudos e políticas de preservação do patrimônio

“megaevento” de Terni, pela sua própria dimensão

industrial englobando todos os vestígios da cultura indus-

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trial sejam inseridos nas “políticas econômicas e de

de mídia e população para com esses lugares, que

desenvolvimento assim como na planificação regional e

são, podemos dizer, desprovidos do glamour de um

nacional”, apontando para a criação de organismos de

antigo teatro ou do casarão de um barão de café.

consulta especializados que possam instruir tais políticas

Como preservar aquilo que incomoda, ocupa

e planos. Considera ainda que a adequada reutilização das

espaço e é – entre aspas, naturalmente – “feio”? E

estruturas espaciais e paisagens decorrentes dos proces-

qual o partido a adotar: requalificar de forma a se

sos industriais que hoje estão desativadas ou obsoletas são

desvincular dos usos originais – a transformação

elementos que podem desempenhar um importante papel

da indústria Brasital em Salto em uma faculdade

na regeneração econômica de regiões e setores urbanos

particular, a estação ferroviária de Campinas

em declínio, bem como contribuir para o desenvolvimento

transformada em “complexo cultural”, assim

sustentável desses. Como vocês vêem essa questão parti-

como se deu na região portuária de Porto Alegre ou

cularmente em relação às nossas cidades e os exemplos

de Santos, a Fábrica de Pontas de Florianópolis

recentes de reutilização e reabilitação do nosso patrimô-

transformada num supermercado… Eu me per-

nio industrial?

gunto, não deviam esses locais, ao menos parte Essas sugestões da

deles, aludir ao mundo do trabalho, às técnicas e

Carta de Nizhny Tagil são absolutamente sensa-

rotinas de produção industrial, para deixarem de

tas, mas trazem à tona um antigo problema da

ser meras “cascas”?

Cristina Meneguello

preservação do patrimônio no Brasil, já comentada há tantos anos por Augusto Silva Telles em

Qual a agenda futura de encontros nacionais e que questões

um texto na Revista do Iphan: a fragilidade dos

despontam como mais urgentes nessa discussão?

órgãos de preservação municipais e estaduais

Cristina Meneguello Na minha opinião, uma

perante as pressões da especulação imobiliária.

única e urgentíssima questão: a criação do inventá-

E, veja, naquele texto, Telles se referia à preserva-

rio nacional de patrimônio industrial.

ção de centros históricos. Eu acrescento vários

Silvana Rubino Estou de pleno acordo: não pode-

agravantes no caso do patrimônio industrial: a

mos mais adiar essa tarefa, o inventário é um

dimensão das estruturas industriais a serem pre-

momento crucial da prática preservacionista, e isso

servadas – verdadeiros elefantes brancos em

é tão mais pertinente para um patrimônio que mui-

meio às cidades; o olhar pouco condescendente

tos não consideram como tal.

* PEREIRA, José Hermes Martins. As fábricas paulistas de louça doméstica: proposta de estudo tipológico na área de Patrimônio Industrial. In: Anais do I Encontro de Patrimônio Industrial. Campinas: IFCH-Unicamp, 2004.

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