Presídios Privatizados – Parte I: Lucro, mais uma vez, de novo.

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Presídios Privatizados – Parte I: Lucro, mais uma vez, de novo

"Se não fosse o crime, muita gente morria de fome."
Cabide de Emprego, Dicró

A notícia da PPP de Ribeirão das Neves, primeiro presídio privado do País, deu novamente sinal de alerta para a disseminação da privatização de unidades prisionais. Com início em 1999, no Paraná, a ideia de mesclar setores público e privado nos campos de concentração da democracia não expandiu – ainda – como muitos temiam. Entretanto, já existem 30 unidades nesta simbiose e as notícias do Rio de Janeiro pretendem aumentar esse número: Seu primeiro presídio privado será inaugurado; ainda sem data, pois estão procurando um espaço na agenda do governador para que possa ocorrer a cerimônia de abertura.

Desta feita, a discussão sobre o tema tem ocupado – novamente – jornais, revistas, sítios, coletivos e diversos grupos interessados, dentro da seguinte polarização: O primeiro pólo, que defende a privatização, aposta em sua eficiência – seja lá o que isso signifique -, na ressocialização do preso – se é que ressocialização existe – e no argumento que parece ser um dos mais difíceis para que as prisões estatais ganhem: a efetividade dos serviços prestados aos presos, seja de saúde, alimentação, laboral e etc., assim como da manutenção humana de suas condições de privação de liberdade. Sobre este último aspecto em especial, falarei na parte II deste pequeno artigo.

Do outro lado da moeda – desta que circula dentro do mercado do controle – o argumento central é que a gestão privada prisional funciona em uma larga operação financeira, que opera uma relação espúria entre estatal e privado, visando unicamente os lucros, transformando os presos em mero meio para tal, e não como um fim em si mesmos.

Ora, mas não é isso o sistema prisional?

Em 1998 – quando já recebíamos sopros privatizadores do norte –, a abolicionista Angela Davis fez um discurso intitulado Masked Racism – Reflexions on the Prison Industrial Complex, no qual cunhou este termo para se referir à sobreposição de interesses dos governos e das indústrias que investem em vigilância, em policiamento e em aprisionamento como soluções para problemas econômicos, sociais e políticos. Assim, o PIC se estabelece desde as mais diversificadas e elásticas penas alternativas, passando pelos bens e serviços oferecidos nas prisões comuns e chegando a todo o aparato de disciplina e segurança presente nas tais unidades de segurança máxima.

Logo, não é só a prisão – privada ou pública – que é uma fonte de renda, mas sim que ela em si é uma potência de lucro: seja no trabalho ressocializador, seja nos nichos de bens e serviços – estatais, privados ou licitados – relacionados às populações carcerárias e seus profissionais, passando pelo grotesco exemplo de comidas estragadas para servir de lavagem à porcos, já que os presos não a comem; tudo, absolutamente tudo no espaço prisional obedece a uma lógica de lucros.

Dito isto, nos cabe afirmar que não é a privatização de presídios que inaugura a lógica do lucro na discussão criminal, mas sim que é esta lógica que tem a privatização prisional como mais uma de suas variedades operacionais.

Todavia, a prisão – pública, privada ou em alguma modalidade de PPP – é apenas uma parte da linha de montagem de algo maior: A Indústria do Controle do Crime.

Comparada com a maioria das outras indústrias, a do controle do crime ocupa uma posição privilegiada. Não há falta de matéria-prima: a oferta de crimes parece ser inesgotável. Também não tem limite a demanda pelo serviço, bem como a disposição de pagar pelo que é entendido como segurança. E não existem os habituais problemas de poluição industrial. Pelo contrário, o papel atribuído a esta indústria é limpar, remover os elementos indesejáveis do sistema social.

Os indesejáveis que o professor Christie cita são justamente o produto e a matéria-prima da fábrica do sistema punitivo; são as vidas usadas como motivo de existência e manutenção de diversificadas soluções que apostam no lucro do descarte e depósito de corpos. O genocídio implicado pela burocracia penal nunca foi tão lucrativo – reflexo disso é o deslocamento de expressivos simbolismos para uma imagem de eficiência administrativa: Viva o CNJ!

Assim, a história sem fim do discurso punitivo, com seus inimigos externos e internos, é um combustível ilimitado para criar e encher as fileiras de montagem das fábricas que operam, direta ou indiretamente, no mercado criminal; policiais, delegados, promotores, juízes, agentes penitenciários, advogados, especialistas em segurança e quem mais couber no cabide de emprego.

Na perspectiva de que a prisão privada não é o que traz a gestão empresarial para o controle do crime, senão o contrário, percebe-se também que não é o controle do crime, a eficiência da polícia ou o nível de criminalidade que determina a população carcerária, senão a demanda por lucro com o aprisionamento, seus produtos e serviços, públicos ou privados.

Contra essa corrente, não se trata de uma alternativa. Apenas práticas que se colocam contra essa gestão empresarial de vidas que é o sistema penal, em todas as suas ramificações.

Obs: E para aqueles que acreditam que a privatização pode, pelo menos, resolver alguns problemas da gestão estatal, como a superlotação, o Estado e o Privado do velho continente já acenam com providências: previsões legais que aceitam cláusulas contratuais de até 50% de superlotação. Lucro, mais uma vez, de novo.




Texto originalmente publicado no sítio Empório do Direito.
Parceria Público Privada.
http://apublica.org/2014/05/quanto-mais-presos-maior-o-lucro/
http://www.alerj.rj.gov.br/common/noticia_corpo.asp?num=49831
Tratando-se do sistema penal brasileiro, faria mais sentido a palavra "existência".
http://www.colorlines.com/articles/masked-racism-reflections-prison-industrial-complex
http://criticalresistance.org/about/not-so-common-language/
CHRISTIE, Nils. A Indústria do Controle do Crime – a caminho dos gulags em estilo Ocidental. Forense, 1998.
Cf. R. W. Harding, Private Prisons and Public Accountability. Buckingham: OpenUniversity Press, 1997, p. 123



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