Pressupostos da responsabilidade civil (em especial, havendo comissário)

July 17, 2017 | Autor: José González | Categoria: Tort Law
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Pressupostos da responsabilidade civil (em especial, havendo comissário)

1. A responsabilização subjectiva ou por factos ilícitos culposos pressupõe:
– uma conduta lesiva;
– a respectiva ilicitude;
– a culpa do agente;
– o dano;
– e o nexo de causalidade (entre a referida conduta e a lesão causada).

2. É a arrumação clássica. Há, todavia, dois aspectos para os quais a teoria finalista da acção fornece uma perspectiva mais satisfatória. O primeiro respeita à natureza do dolo e da negligência.
2.1. Na doutrina tradicional, dolo e negligência são formas ou modalidades da culpa. Na teoria finalista, são elementos caracterizadores da própria acção, ou seja, da própria conduta lesiva. O que envolve, assim, que a consciência da ilicitude, que na dogmática tradicional faz parte do chamado elemento intelectual do dolo, deixe de o integrar e, portanto, deixe de integrar a acção, designadamente a dolosa. Tal consciência passa a ser objecto de uma apreciação autónoma a realizar no nível valorativo da culpa.
A intenção de provocar o dano ou a falta de cuidado necessário no desenvolvimento da conduta caracterizam a própria actuação. A conduta lesiva não é ilícita nem culposa se logo à partida não foi levada a cabo dolosa ou negligentemente.
A hipótese de verificação do ilícito nem se pode colocar (ou seja, nem necessário se torna entrar na apreciação da questão da ilicitude) se a conduta lesiva não tiver sido produzida com dolo ou com negligência, uma vez que a presença na referida conduta destas marcas é condição para a subsequente indagação (não só sobre a ilicitude, como também sobre a culpa e sobre o nexo de causalidade).
2.2. O segundo aspecto, a que se aludia, para o qual as conclusões a que a aplicação da teoria finalista da acção chegou são mais acertadas diz respeito à inclusão também no âmbito da conduta lesiva do problema relativo ao estabelecimento do nexo de causalidade e da consequente imputação objectiva.
Se a conduta aparentemente lesiva é inapropriada para a produção do dano então não é sequer lesiva, ou seja, portanto e mais amplamente, nem sequer constitui um comportamento apto à produção do resultado danoso.

3. A ilicitude e a censurabilidade são duas faces da mesma moeda. Separam-se porque têm em consideração momentos diferentes da conduta lesiva. Na primeira, está em causa a conformidade/desconformidade objectiva da referida conduta perante o Direito. Na segunda, averigua-se a sua conformidade/desconformidade subjectiva às directrizes jurídicas: nela se avalia, em suma, a atitude ou a motivação perante o Direito que o respectivo autor revela na sua execução "partindo de uma censura ética pressuposta pela dignidade humana".

A) Antes de mais é necessário que o dano indemnizável seja o produto de uma conduta imputável a alguém. Uma vez que é sobre a referida conduta que assenta o juízo de ilicitude e de culpa, ela deve ser objectivamente dominável ou controlável pela vontade humana. A susceptibilidade de domínio da conduta pressupõe uma capacidade natural

A.1) A negligência distingue-se em consciente e inconsciente.
A primeira é, de certo modo, o inverso do dolo eventual. Verificar-se quando o agente tenha antecipado o resultado danoso mas não o tenha admitido como uma consequência possível da sua conduta quando decidiu realizá-la. A negligência será inconsciente quando o agente nem sequer tenha antecipado o resultado possível da sua conduta quando a consumou.
Diferencia-se também a negligência em grosseira e simples conforme, respectivamente, a violação do dever de cuidado que ao caso couber for particularmente censurável (v.g. descuido indesculpável) ou não.
Esta última classificação chama a atenção para o facto de a afirmação de a respectiva presença resultar sempre da violação do dever de cuidado ou de diligência que ao caso caiba. A sua existência, âmbito e medida define-se portanto casuisticamente, por aplicação da regra geral contida no n.º 2 do artigo 487º do Código Civil.

A.2) A conduta lesiva, para o ser, supõe uma certa conexão entre a acção/omissão e dano dela resultante. Quer dizer: não basta que ela tenha desencadeado o processo causal que conduziu à ocorrência do dano. É necessário que exista uma particular ligação entre a primeira e o segundo que permita afirmar que este é imputável ao autor daquela – só então se encontrará estabelecido o nexo de causalidade.
O estabelecimento do nexo de causalidade supõe que, previamente e em muitos casos, esteja fixada uma relação natural causa/efeito. Somente depois de se ter determinado o modo segundo o qual o dano se produziu se deve procurar estabelecer se e em que medida o autor de certa conduta contribuiu para o mesmo. A determinação do "se contribuiu" e da "medida da contribuição" faz-se, pois, através do método experimental, colocando e retirando mentalmente a conduta do agente em causa para verificar se ela foi ou não decisiva para a produção do resultado.
O procedimento para descortinar a existência de um nexo de causalidade entre a conduta de certa pessoa e o dano dela eventualmente resultante inicia-se necessariamente recorrendo à chamada teoria da condição sine qua non: é por aí que se deve começar, já que se à partida se verificar que, para a produção do dano, a conduta da pessoa em causa é irrelevante nem merece a pena prosseguir a indagação. De facto, inquirir por tal relevância só faz sentido se a priori se puder garantir que a interferência da referida conduta contribuiu minimamente para a produção do dano. Essa contribuição mínima deve ser considerada do ponto de vista da eficiência característica de certo acontecimento e não atendendo a uma pura perspectiva naturalística.
Para restringir o âmbito da doutrina da condição sine qua non, adoptou-se, no artigo 563º do Código Civil, a chamada teoria da adequação ou da causalidade adequada. Segundo esta, certa conduta é causa de determinado dano sempre que se possa considerar que este seja uma consequência normal ou típica daquela. O que se deve avaliar segundo as regras de relação causa/efeito conhecidas por força do próprio traquejo ordinário, num juízo de prognose póstuma ou posterior. É pelas regras de experiência a que se atende são tanto as decorrentes do tarimba comum como as derivadas dos especiais conhecimentos técnicos ou de outra ordem de que o autor seja dotado.
Uma vez que, nesta concepção, somente existe causalidade atendível para efeitos de responsabilidade civil "em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão" (artigo 563º, Código Civil), isto significa também que, atendendo ao sentido literal da disposição legal, é possível perfilhar a teoria da adequação na sua chamada formulação negativa, a qual alarga potencialmente o âmbito da referida causalidade.
Quer dizer que, mais do que verificar positivamente se a conduta é causa normal do dano, se parte do seguinte princípio: desde que a conduta tenha sido condição sine qua non do dano, o nexo de causalidade encontra-se estabelecido, a menos que o dano tenha acontecido por circunstâncias manifestamente excepcionais. Verdadeiramente, a conduta só não será causa do dano quando, tendo colocado uma condição para a sua produção, não tenha sido decisiva para o efeito; isto é, quando se trate, no fundo, de consequências imprevisíveis e/ou imponderáveis da mesma.
Isto vale, no fundo, como o estabelecimento de uma presunção de causalidade.
Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2005, Proc. n.º 05B2286: "1. O artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus–Lehman, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 2. Esta doutrina, contudo, nomeadamente no que concerne à responsabilidade por facto ilícito culposo, deve interpretar-se de forma mais ampla, com o significado de que não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado".
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/11/2009, Proc. n.º 2290/04 – 0TBBCL.G1. S1: "8. O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 9. De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis".
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/04/2005, Proc. n.º 05B294: "O artigo 563 do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:
– não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;
– como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano".

B) Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil, a ilicitude poderá revestir duas formas: violação do direito de outrem ou violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Na primeira, cabe a violação de qualquer direito absoluto (de personalidade, real, de propriedade industrial, de autor). Caberá ainda a violação de um direito de crédito quando se considere cabível e concebível essa violação cometida por terceiro.
Na segunda, está em causa a protecção de interesses particulares que se não consubstancie na atribuição ou reconhecimento de direitos subjectivos.

C) A culpa assenta num juízo de censurabilidade pessoal.
Reprova-se ou condena-se a atitude individual do autor de certa conduta, ou do seu participe, revelada pela forma como actuou indevidamente ou pela forma como omitiu certa acção devida. Na suposição de que lhe era exigível comportamento inverso ou diverso.
Tanto a conduta dolosa como a conduta negligente são censuráveis. Evidentemente, é mais censurável a primeira do que a segunda. Mas dentro de cada qual, no que toca à responsabilidade civil, é indiferente a graduação pois a medida da obrigação de indemnizar não varia em função disso. Dolo é dolo e negligência é negligência, qualquer que seja a respectiva espécie.
"A culpa é apreciada… pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso" (artigos 487º, n.º 2, Código Civil). Quer isto dizer que a (mera) culpa se avalia em abstracto. Ou seja: a existência de culpa e a modalidade de dolo ou de negligência aquilatam-se perante o caso concreto mas atendendo ao critério da pessoa normalmente atenta, prudente, capaz e inteligente.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2006, Proc. n.º 06A2735: "1. O juízo de desvalor de facto presente na responsabilidade extracontratual, supõe, ou a violação de um direito alheio ou o incumprimento de um preceito legal tendente à protecção de interesses alheios. 2. A culpa deve ser aferida em abstracto, pelo grau de diligência do homem normalmente cauteloso e zeloso perante a situação que se perfilou".
Não conta, pois, o comportamento que o agente habitualmente mantém mas antes o comportamento que deve ou devia manter – e este é aquele que a pessoa medianamente vigilante teria naquele circunstancialismo.
Acrescenta-se, porém: "em face das circunstâncias de cada caso". Significando isto que o cuidado médio é aferido atendendo: por um lado, aos conhecimentos de que o agente concretamente dispusesse no momento em que realizou a conduta lesiva; e, por outro lado, ao contexto e aos demais condicionalismos particulares da situação.

C.1) Presunção de culpa do comissário
O responsável pelos riscos envolvidos na utilização de um veículo de circulação terrestre (artigo 503º, Código Civil) é individualizado pela conjugação de dois critérios:
- um principal: a direcção efectiva de veículo da referida espécie;
- outro acessório: utilização do mesmo no interesse próprio.
Tem a direcção efectiva do veículo quem dominar factualmente o seu uso. É este o responsável, na medida em que é de elementar rectidão imputar a quem se aproveita das vantagens ligadas à utilização do veículo a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos resultantes da concretização dos riscos ligados a tal utilização.
O segundo critério complementa o primeiro para aquelas circunstâncias contextuais em que quem tenha a direcção efectiva do veículo seja pessoa distinta daquela em cujo interesse se exerce o domínio de facto correspondente. Como sucede, e é a hipótese paradigmática, quando a utilização do veículo se faça através da intermediação de um comissário: este poderá ter (crê-se que não terá sempre) a direcção efectiva do veículo mas certamente faz a utilização do mesmo no interesse do comitente e não no seu.
Precisamente quando exista uma relação de comissão, para além da responsabilização pelo risco estabelecida contra o comitente, a título de detentor, nos termos do disposto no n.º 1 do presente artigo, pode dar-se, em alternativa, a sua responsabilização, bem como a do comissário, nos termos do n.º 3. De acordo com esta última disposição, "aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte".
A presunção estabelecida pelo referido n.º 3 do artigo 503º tem eficácia interna – isto é, vale na relação comitente/comissário – mas tem também eficácia externa – ou seja, intervém igualmente na relação entre comitente/comissário, de um lado, e terceiro lesado, do outro. É a doutrina fixada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/83 de 14/04/1983 segundo o qual "a primeira parte do n.º 3 do artigo 503º do Código Civil, estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito à indemnização". Pelo que o terceiro lesado poderá extrair daí as devidas consequências, designadamente responsabilizando o comissário e o comitente nos termos do artigo 500º do Código Civil.
As presunções de culpa são, na realidade, presunções de conduta ilícita culposa. De facto, em circunstâncias deste género, a lei tira uma tripla ilação:
– existência de um comportamento activo ou (normalmente) omissivo atribuível àquele contra quem se presume a culpa;
– lesivo de direitos alheios;
– susceptível de censura (José González, Código Civil Anotado, vol. II, pág. 182).
O artigo 503º abrange os danos causados a terceiro por causa do risco associado à utilização de veículos de circulação terrestre. Para a responsabilização por prejuízos resultantes da colisão entre veículos da mesma espécie (o que pressupõe que estejam em deslocação pois um veículo imobilizado equivale, para este efeito, a outro bem qualquer) vigora a disposição contida no artigo 506º, ainda que a sua aplicação possa envolver, para cada um dos intervenientes, o recurso às regras compreendidas no supracitado artigo 503º. Por isso "a responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida no artigo 503.º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no artigo 506.º, n.º 1, do mesmo Código" (Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/94 de 26/01/1994).
Em caso de colisão de veículos, importa basicamente distinguir se pode ou não censurar-se o comportamento dos condutores. Estando preenchidos os requisitos da responsabilidade por factos ilícitos censuráveis para ambos os condutores, todos respondem pelos danos causados, em princípio em igual medida, a menos que se consigam determinar diferentes proporções de contribuição para o dano. Estando tais requisitos verificados apenas em relação a um dos intervenientes, apenas esse será responsável por todos os danos.
O mesmo mutatis mutandis para o caso de inexistir censurabilidade e a colisão ser fruto exclusivo da concretização dos riscos inerentes à utilização dos veículos que colidiram. Cada um dos seus detentores participa na proporção do risco que criou para a produção da colisão, presumindo-se ela igual na falta de prova em sentido contrário. Assim:
– se os danos forem imputáveis aos riscos ligados à utilização de apenas um dos veículos que colidiram, só o detentor deste é obrigado a indemnizar;
– diferentemente, se os danos forem atribuíveis aos riscos de utilização associados a todos os veículos que colidiram, repartem-se as obrigações de indemnizar em função da quantidade de perigo que cada qual colocou em marcha para a produção do dano (o que se traduz no seguinte: somam-se todos os danos – em todos os veículos – e reparte-se a participação de cada interveniente nesse montante global em função da quota-parte que cada qual pôs para a produção do dano).
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/10/2007, Proc. n.º 07B1710: "1. A causa de pedir, nas acções de indemnização por acidente de viação, é o próprio acidente, e abrange todos os pressupostos da obrigação de indemnizar. Se o autor pede em juízo a condenação do agente invocando a culpa deste, ele quer presuntivamente que o mesmo efeito seja judicialmente decretado à sombra da responsabilidade pelo risco, no caso de a culpa se não provar. E assim, mesmo que não se faça prova da culpa do demandado, o tribunal pode averiguar se o pedido procede à sombra da responsabilidade pelo risco, salvo se dos autos resultar que a vítima só pretende a
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/1997, Proc. n.º 161/96: "I – As normas limitadoras da velocidade dos veículos automóveis destinam-se a garantir a segurança das pessoas e dos bens que circulam nas estradas ou se encontram próximo delas, sabido como é que a velocidade de marcha de um veículo tem notória e, normalmente, perniciosa – quando excessiva – influência na possibilidade do seu controlo, concorrendo por isso para que mais facilmente se dêem acidentes. II – A ilicitude da acção do condutor do automóvel residirá em que, tendo infringido a proibição de circulação a velocidade superior à que, nas circunstâncias registadas, garanta a inexistência de perigo para pessoas e coisas e a proibição de velocidade superior a 50 km/hora em localidades, daí hajam resultado danos do tipo dos que a norma queria evitar. III – A investigação de um nexo de causalidade adequada entre a conduta e o dano servirá para excluir do âmbito definido para a responsabilidade decorrente de certo facto as consequências que não são típicas ou normais; típicas e normais serão as que respeitem aos interesses que a norma de protecção acautela – e, no que lhes respeita, o nexo causal concreto não tem que ser estabelecido pela positiva. IV – Por outras palavras, para haver responsabilidade não tem que ser estabelecido o adequado nexo causal, mas apenas um nexo de causalidade naturalística; é a sua falta em concreto, quando isso for apurado, que a virá excluir. V – Há, pois, um regime que se pode chamar de causalidade normativa, porque deriva de uma norma legal; e assim o mesmo acha-se dentro dos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal Justiça. VI – A culpa resulta de um posicionamento psicológico do agente face à sua conduta que o torna merecedor de crítica por ter agido como agiu. Ele é culpado quando podia e devia ter agido de modo diverso. VII – A mera culpa traduzir-se-á na omissão da diligência que o agente podia e devia ter usado. E o juízo sobre a verificação, ou não, de uma conduta culposa deve ser feito através da comparação da conduta do agente – aqui, o condutor do veículo automóvel – com aquilo que seria, nas mesmas circunstâncias, o comportamento de um bom pai de família, como prescreve o n.º 2 do art.º 487, do CC. VIII – A prova da inobservância de leis e regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando-se a prova em concreto da falta de diligência. IX – A conduta de quem guia um automóvel a 80 kms/hora quando o máximo permitido é o de 50 kms/hora, sem que se conheça qualquer razão que o justifique ou desculpe, é merecedora de crítica pela indiferença que revela para com os prejuízos que assim é tão provável causar a terceiros. Por isso é culposa".

D) O dano distingue-se em dano patrimonial e dano pessoal (ou não patrimonial de harmonia com a letra do artigo 496º do Código Civil)
O primeiro ocorre (num outro sentido da expressão) quando a lesão provocada é susceptível de avaliação pecuniária. O segundo, ao invés, é justamente a lesão insusceptível de avaliação pecuniária.
O dano pessoal admite, por seu turno, ao menos uma distinção (ínsita no artigo 25º da Constituição): dano físico (personal injury), ou seja, dano causado à integridade física; e dano psíquico (mental injury), ou seja, dano produzido sobre a integridade psicológica ou moral. Naturalmente ambos podem originar responsabilidade civil.
Os danos patrimoniais constituem uma diminuição do património do lesado causada pelo evento.
No caso de danos pessoais, abrangendo a morte e a lesão da saúde física e psíquica se conduzir a uma doença reconhecida, a indemnização deve incluir a perda de rendimentos, a deterioração da capacidade de ganho (mesmo se não acompanhada de qualquer perda de rendimento) e todas as despesas razoáveis, incluindo o custo dos tratamentos médicos (European Group on Tort Law, Princípios de Direito Europeu da Responsabilidade Civil, artigo 10:202(1)).
O artigo 496º do Código Civil resolveu explicitamente o problema, discutido até à data da sua entrada em vigor, da ressarcibilidade dos danos pessoais. São danos que dão origem a responsabilidade civil, ainda que se possa questionar se verdadeiramente se trata de os indemnizar ou apenas de os compensar, atenuar ou minimizar (na medida do possível).
A verificação da morte também é lesão indemnizável. Apesar de discutível, deve-se assentar num ponto: a obrigação de indemnizar constitui-se, não no momento em que o lesante realiza a conduta que conduz à produção do dano, mas antes quando este ocorre (José González, Código Civil Anotado, vol. II, págs. 210/211). Mesmo que, neste instante, o dano ainda não seja contabilizável (seja por não se conhecer a sua existência, seja por ainda não estar liquidado, etc.). Mas, sem dano não há responsabilidade civil.
Mas isto não significa, no entanto, que somente com o conhecimento da sua verificação, concretização ou liquidação exista a referida responsabilidade. A obrigação de indemnizar constitui-se na data em que o dano se materializa, ainda que o conteúdo dessa obrigação seja, nessa altura, indeterminado ou impreciso. E o critério de determinação da prestação a que o lesante ficará obrigado está identificado à partida: é o montante do dano que vier a ser apurado nos termos gerais do artigo 566º do Cód.Civil.
A indemnização pela produção do dano da morte é devida então apenas quando o lesado falecer: "1. A morte é uma lesão indemnizável autonomamente, já que a tutela do direito à vida impõe a obrigação de ressarcir a sua perda. 2. Sendo a vida um valor absoluto, o seu valor ficcionado não depende da idade, condição sócio-cultural ou estado de saúde da vítima. Estes factores podem, apenas, ser ponderados para apurar o quantum indemnizatório do dano não patrimonial próprio da vitima, consistente no sofrimento e angústia nos momentos que precederam a morte, na perspectiva da aproximação desta, já que é diferente o estoicismo e a capacidade de resignação perante o sofrimento físico e moral. 3. Na indemnização pelos danos não patrimoniais dos lesados há que buscar uma quantia que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida, recorrendo a critérios de equidade. 4. O dano patrimonial mediato consistente na perda de rendimentos deve ser calculado na ponderação de critérios financeiros, como meros elementos de orientação, mas tendo em conta que deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa do lesado e susceptível de garantir prestações periódicas durante esta" (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/06/2006, Proc. n.º 06A1464).
Acórdão da Relação de Coimbra de 21/04/2010, Proc. n.º 488/07.9GBLSA.C1: "1. Na fixação do montante da indemnização por perda do direito vida em consequência de acidente de viação deve ser tido em conta o modo como ocorreu o acidente, a idade, profissão, situação familiar e condição sócio–económica da vítima. 2. Por morte da vítima, a indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar à viúva e ao filho visa compensar o sofrimento e a angústia sentida por aqueles que ficaram subitamente privados, respectivamente marido e pai. 3. No cálculo desta indemnização, a fixar equitativamente, deve ter-se em consideração não só o grau de culpabilidade do causador do acidente mas também a situação económica daquele e dos titulares da indemnização".
Uma coisa é a indemnização devida ao lesado por violação dos seus direitos; outra é a violação dos direitos dos respectivos familiares. Nada obriga a que estes peçam indemnização por causa da transgressão dos seus direitos juntamente com a indemnização que eventualmente peçam pela violação dos direitos do lesado falecido. O disposto no n.º 3 do artigo 496º do Código Civil apenas terá utilidade, assim, quando os familiares do lesado falecido decidam pedir indemnização tanto pelo desmando feito aos direitos deste como pela infracção reflexa dos seus, pois em tal caso o tribunal fixará uma única indemnização.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/05/2007, Proc. n.º 07B1359: "1. A indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no nº 2 do art. 496º C.Civil, por direito próprio. 2. Ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte. O dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o nº 3 do mencionado art. 496º. Estes danos nascem ainda na titularidade da vítima. Mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido. Há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão. Quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse".
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2009, Proc. n.º 08P3704: "I –Danos não patrimoniais são os insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, dos quais resulta o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada. II – Referir a indemnização por danos como assumindo um carácter sancionatório / punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, em que o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros, em que o responsável civil, único demandado, por força da regras adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, da violação ilícita do direito de outrem, mas antes "um substituto", uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, para quem foi "transferida" esta espécie de responsabilidade. E o mesmo acontecerá se estivermos face a caso de responsabilidade objectiva, pelo risco, em que não se vê como falar em função punitiva da responsabilidade civil. III – De diferente modo será se estivermos face a ofensa à honra, à autodeterminação sexual, à liberdade de decisão e de acção, à propriedade, à integridade física ou à vida – mas agora nestes dois casos em sede de crimes de ofensas à integridade física e de homicídio dolosos, em que não há, obviamente, lugar a uma prévia "contratualização" de transferência de responsabilidade do autor da lesão para terceiro, coincidindo o demandado responsável criminal com o demandado responsável civil. IV – Nesses casos, ao proceder-se à quantificação da indemnização há que ponderar que o lesante será o efectivo pagador, não devendo o montante indemnizatório a encontrar atingir valor que redunde numa extrema dificuldade em cumprir ou num convite ao incumprimento, devendo assumir patamar mínimo de exigibilidade, nomeadamente em casos em que o condenado, devedor da prestação indemnizatória, se encontra em situação de reclusão, em que as possibilidades de pagamento da indemnização obviamente minguam. V – Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime após o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 17-03-1971 (BMJ 205.º/ 150), que, em caso de morte, do art. 496.º, n.ºs 2 e 3, do CC resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: – o dano pela perda do direito à vida; – o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; – o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer. VI – É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, pág. 115; e os Acs. do STJ de 26-06-1991, BMJ 408.º/538, de 09-12-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137, de 11-07-2007, Proc. n.º 1583/07 - 3.ª, de 26-06-2008, Proc. n.º 628/08, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 131, de 22-10-2008, Proc. n.º 3265/08 - 3.ª, e de 29-10-2008, Proc. n.º 3380/08 - 5.ª. VII – «…Porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da sua indemnização deve ser superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis» e «a indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior, pois a morte é um dano acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao culpado» – cf. Diogo Leite de Campos, A vida, a morte e a sua indemnização, in BMJ 365.º/5. VIII – Os danos não patrimoniais próprios da vítima correspondem à dor que esta terá sofrido antes de falecer, e devem ser valorados tendo em atenção o grau de sofrimento daquela, a sua duração, o maior ou menor grau de consciência da vítima sobre o seu estado e a previsão da sua morte – cf. Ac. do STJ de 04-06-2008, Proc. n.º 1618/08 - 3.ª. IX – No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de afeição a quem a lei concede reparação quando pessoalmente afectadas, por isso, nesses sentimentos. X – Neste caso, os danos destas vítimas "indirectas" emergem da dor moral que a morte pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure proprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos, na falta destes, aos pais, e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representarem – art. 496.º, n.º 2, do CC. XI - Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o desgosto provocado pela morte do ente querido. XII – A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano – cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230. XIII – Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas. XIV – Como se refere no Ac. do STJ de 26-06-1991 (BMJ 408.º/538), trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos. XV – É pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização. XVI – Na sua determinação «há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o "preço" da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou» – cf. Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13. XVII – Com a Portaria 377/2008, de 26-05, entrada em vigor em 27-05-2008, visou-se fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação, aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do DL 291/2007, de 21-08 (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a 5.ª Directiva automóvel – Directiva 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-05) – e regulou por iniciativa do legislador nacional, diversos domínios da regularização de sinistros rodoviários, sobretudo no que respeita ao dano corporal). XVIII – Tendo o facto lesivo de que emerge o dano que se pretende compensar ocorrido em data anterior à da entrada em vigor da Portaria, nunca poderia a mesma ter aplicação, por força do disposto no art. 12.º, n.º 1, do CC. XIX – De qualquer modo, os valores propostos deverão ser entendidos como o são os resultantes das tabelas financeiras disponíveis para quantificação da indemnização por danos futuros, ou seja, como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. XX – Na fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais ter-se-ão em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito. XXI – Por outro lado, há que ter em conta, como é entendimento praticamente unânime, que a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de "compensação", não se compadecendo com atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios".
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/02/2009, Proc. n.º 08P3980: "I – A tutela compensatória da indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais tem inscrita a função de conceder uma satisfação ao lesado, a qual nunca se poderá reconduzir a um papel meramente simbólico, mas significar uma adequada compensação aferida segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de "compensação", sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido. II – Na verdade, a reparação dos danos não patrimoniais, na impossibilidade de repristinar a situação anterior, pois que tal é impossível, visa apenas compensar indirectamente a vítima, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, e noutros planos ou actividades, uma qualidade de vida que minimize a gravidade da ofensa de que foi alvo. III – Na fixação de tal montante rege o art. 496.º do CC, o qual, nos termos do seu n.º 3, deve ser estabelecido equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. IV – Na formação do juízo de equidade devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos".
Pressupostos da responsabilidade civil (em especial, havendo comissário)




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José González

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