Primatas da região do médio rio Teles Pires, Sul da Amazônia, Brasil

July 28, 2017 | Autor: Luciana Zago | Categoria: Neotropical Primates
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Primatas do Teles-Pires, sul da Amazônia. Passos, FC & Miranda, JMD (Eds.) A Primatologia no Brasil. Vol. 13 Curitiba: SBPr, 2014 ISBN: 978-85-61048-05-1

CAPÍTULO 6 Primatas da região do médio rio Teles Pires, Sul da Amazônia, Brasil João M.D. Miranda1,2,*;Luciana Zago2,3; Marcelo B. G. Rubio2; Raphael E. F. Santos4; & Gabriela Ludwig5 1

Departamento de Biologia – Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. Laboratório de Biodiversidade de Mamíferos do Sul do Brasil. 2 Laboratório de Biodiversidade, Conservação e Ecologia de Animais Silvestres – Uiversidade Federal do Paraná. 3 Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação – Universidade Federal do Paraná. 4 Fieldwork Consultoria Ambiental Ltda. 5 ICMBio/CPB – Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros. *Autor correspondente: [email protected]

RESUMO. A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, possuindo também a maior riqueza de espécies de primatas do planeta. Apesar de grande parte da Amazônia se encontrar ainda em bom estado de conservação, sua porção sul vem sofrendo forte pressão pela ação humana como a perda e a descaracterização de habitats. O objetivo desse trabalho foi realizar um levantamento dos primatas ocorrentes na região do médiorio Teles Pires, região sul da Amazônia, Estado de Mato Grosso, Brasil. Para se realizar o levantamento foram realizadas seis fases de campo entre fevereiro de 2011 e junho de 2012 com duração de 12 dias cada fase. Os animais foram amostrados utilizando-se como método a busca ativa em extensos fragmentos de mata de terra firme e matas de várzea em ambas as margens do rio. Foram registradas nove espécies de primatas: Sapajus apella (Linnaeus, 1758), Mico emiliae (Thomas, 1920), Aotus infulatus (Kuhl, 1820), Callicebus cf. moloch (Hoffmannsegg, 1807), Callicebus vieirai Gualda-Barros; Nascimento & Amaral, 2012, Chiropotes albinasus (I. Geoffroy & Deville, 1848), Alouatta discolor (Spix, 1823), Ateles chamek (Humboldt, 1812) e Ateles marginatus (É. Geoffroy, 1806). A espécie mais abundante foi S. apella e as menos abundantes foram A. infulatus, A. discolor e C. vieirai contando com apenas dois registros cada uma. Na região do médio Teles Pires este rio funciona como barreira geográfica para as duas espécies do gênero Ateles e para as duas espécies do gênero Callicebus. Nota-se uma grande importância conservacionista da região, devendo ser protegida de maiores impactos ambientais. Palavras chave: distribuição geográfica, barreira geográfica, primatas amazônicos, arco do desmatamento. 89

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ABSTRACT. Primates of the Teles Pires middle river, Southern Amazonia, Brazil. The Amazon Forest is the largest tropical rainforest in the world, where the highest primate species richness is reported. Despite the large amount of well conserved forest, the Southern part of the biome have been suffering a huge threat caused mainly by the human activity such habitat loss and changes of the natural habitats. The goal of this study was to assess the primate diversity at middle portion of the Teles Pires River area, Southern Amazonia, Mato Grosso State, Brazil. The sampling consisted of six trips to the study area, from February 2011 to June 2012, during 12 days each. The animals were extensively searched throughout areas of Terra Firme Forest and Varzea Forest, in both sides of the river. Nine species of primates were recorded: Sapajus paella (Linnaeus, 1758), Mico emiliae (Thomas, 1920), Aotus infulatus (Kuhl, 1820), Callicebus cf. moloch (Hoffmannsegg, 1807), Callicebus vieirai Gualda-Barros; Nascimento & Amaral, 2012, Chiropotes albinasus (I. Geoffroy & Deville, 1848), Alouatta discolor (Spix, 1823), Ateles chamek (Humboldt, 1812) and Ateles marginatus (É. Geoffroy, 1806). The most abundant one was S. apella and as less abundance was A. infulatus, A. discolor and C. vieirai with only two records each one. In the middle Teles Pires region, the river works as a geographic barrier for both species of the genus Ateles as well as for both Callicebus species. The region has great importance in terms of conservation and must be protected from further impacts. Keywords: geographic distribution, geographic barrier, amazonian primates. ______________________________________________________________ clímax (CHIARELLO 2000, CULLEN JR. et al. 2001). Além da perda de habitats naturais, a pressão de caça exercida sobre os mamíferos é maior que em qualquer outro agrupamento animal (PERES 1990, CHIARELLO 2000, CULLEN JR. et al. 2001, LEITE & GALVÃO 2002, WCS 2004).

Introdução A Floresta Amazônica é a maior floresta tropical do mundo, e mesmo sendo de grande importância biológica, vem sistematicamente sofrendo com a redução, a descaracterização e a fragmentação de seus habitats naturais (HEYER et al. 1999). Esses impactos são ligados direta ou indiretamente principalmente à expansão da fronteira agrícola, em especial no conhecido arco do desmatamento amazônico, localizado ao noroeste de Mato Grosso, sul do Pará e Rondônia (HEYER et al. 1999). A comunidade local de mamíferos é uma das mais afetadas por essa perda ambiental, devido principalmente à falta de grandes porções florestais que possam sustentar uma comunidade

O Brasil conta atualmente com 119 espécies de primatas segundo a ultima revisão (PAGLIA et al. 2012), sendo 26 delas (~20%) categorizadas como ameaçadas de extinção (CHIARELLO et al. 2008). Os grandes rios da Amazônia funcionam como barreiras geográficas a várias espécies de primatas (VAN ROOSMALEN et al. 2002). O rio Teles Pires é um dos formadores do rio Tapajós, que por sua vez é um 90

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importante tributário do rio Amazonas. O Teles Pires corta o norte de Mato Grosso onde se encontra o conhecido arco do desmatamento. Essa região está sofrendo grandes perdas ambientais e poucos são os estudos sobre a biodiversidade local. Assim, o objetivo do presente trabalho foi realizar um levantamento quali-quantitativo dos primatas ocorrentes na região, bem como discutir seus limites distribucionais em relação ao rio Teles Pires.

sete gêneros e quatro famílias (Tabela 1; Figuras 1 e 2). De um total de 299 registros individuais de primatas, a espécie mais abundante foi Sapajus apella, contando com 45,8% dos registros, seguida por Ateles marginatus (25,7%), A. chamek (11,3%), Chiropotes albinasus (6%), Callicebus cf. moloch (5,3%), Mico emiliae (2,6%) e Aotus infulatus, Alouatta discolor e Callicebus vieirai com 0,6% dos registros para cada espécie (Tabela 1). A região estudada mostra um grande número de espécies de primatas simpátricas, o que por si já implica em um ambiente representativo sob o ponto de vista conservacionista. A ocorrência de pelo menos quatro espécies ameaçadas reforça esse ponto de vista. Essas espécies se encontram ameaçadas por conta do contínuo e crescente desmatamento da região em questão.

Material e Métodos A área de estudo compreende extensos fragmentos florestais situados às margens do médio Teles Pires nos municípios de Nova Canaã do Norte e Itaúba, Estado do Mato Grosso (10º57’55”S; 55º46’05”W). A região abrange a porção sul do bioma Amazônia.

Apesar do desmatamento, a ciência pouco sabe sobre essa fauna que já está se perdendo. Destacam-se nesse ponto as duas espécies do gênero Callicebus registradas. A primeira, Callicebus vieirai, foi recentemente descrita pela ciência (GUALDA-BARROS et al. 2012). A segunda Callicebus cf. moloch apresenta uma variação do padrão morfológico conhecido (coloração da pelagem), existindo a possibilidade de se tratar de uma espécie ainda não nomeada do “grupo moloch” (sensu VAN ROOSMALEN et al. 2002). Ambas as espécies citadas acima ainda não tiveram seu estado de conservação avaliado, mas tudo indica que já se encontram ameaçadas de extinção tendo em vista a descaracterização de seu habitat.

Entre fevereiro de 2011 e abril de 2012, a área de estudo foi amostrada em seis fases de campo de 12 dias consecutivos totalizando 72 dias de esforço de campo. Nessas expedições, foram percorridas sistematicamente trilhas, estradas e o rio Teles Pires com o objetivo de se inventariar as espécies de primatas ocorrentes na área, bem como quantificá-las. A cada registro visual ou contato auditivo com primatas foram anotados: a espécie, a hora do registro, o local e o número mínimo de indivíduos registrados. Resultados e Discussão Ao longo do trabalho de campo foram registradas nove espécies, pertencentes a 91

Primatas do Teles-Pires, sul da Amazônia. Tabela 1. Táxons de primatas registrados na região do médio rio TelesPires, Mato Grosso, sul da Amazônia seguidos por seus nomes populares, número de registros, abundâncias relativas, margem do rio e estado de conservação no Brasil (segundo CHIARELLO et al. 2008) e mundial (segundo a IUCN 2012). LC = Preocupação Menor (Least Concern), DD = Dados Insuficientes (Deficient Data), NE = não avaliado (not evaluated), VU = Vulnerável (Vulnerable) e EN = Em Perigo (Endangered). Táxon Nome popular Número de Margem Estado de registros / conservação no abundância Brasil / IUCN relativa Família Cebidae Sapajus apella (Linnaeus, 1758) macaco-prego 137 (45,8%) Ambas LC / LC Mico emiliae (Thomas, 1920) sauim 8 (2,6%) Direita LC / DD Família Aotidae Aouts infulatus (Khul, 1820) macaco-da-noite 2 (0,6%) Direita LC / NE Família Pitheciidae Callicebus vieirai Gualda-Barros; zogue-zogue 2 (0,6%) Direita NE / NE Nascimento & Amaral, 2012 Callicebus cf. moloch (Hoffmannsegg, 1807) zogue-zogue 16 (5,3%) Esquerda NE / NE Chiropotes albinasus (I. Geoffroy & Devile, cuxiú-de-nariz21 (7%) Ambas LC / EN 1848) branco Família Atelidae Alouatta discolor (Spix, 1823) guariba-de-mãos2 (0,6%) Direita LC / VU ruivas Ateles marginatus (É. Geoffroy, 1809) macaco-aranha77 (25,7%) Direita EN / EN de-testa-branca Ateles chamek (Humboldt, 1812) macaco-aranha34 (11,3%) Esquerda LC / EN de-cara-preta

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Figura 1. Primatas registrados no médio rio Teles Pires, Mato Grosso, sul da Amazônia. (A) Sapajus apella (foto: Marcelo B.G. Rubio); (B) Mico emiliae (foto: Raphael E.F. Santos); (C) Callicebus vieirai (foto: Raphael E.F. Santos) e (D) Callicebus cf. moloch (foto: Raphael E. F. Santos).

A espécie mais abundante foi S. apella, o que seria esperado, já que as espécies de macaco-prego (gênero Sapajus) tendem a constar entre as mais comuns/abundantes em quase todos os habitats em que ocorrem tanto na Amazônia (e.g. KESSLER 1998; RODRIGUES & VIDAL 2011), quanto na Mata Atlântica (e.g. AGUIAR et al. 2011). As duas espécies de macacoaranha (gênero Ateles) também se mostraram relativamente abundantes na área de estudo, porém isto pode ser

decorrente de sua alta conspicuidade, o que pode levar a detecções mais fáceis e freqüentes. Por outro lado, algumas espécies se mostraram pouco abundantes no presente estudo e possivelmente devem tratar-se de espécies com densidades naturalmente baixas e/ou características ecológicas/comportamentais que as tornam inconspícuas ao pesquisador.

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Figura 2. Primatas registrados no médiorio Teles Pires, Mato grosso, sul da Amazônia; (A) Chiropotes albinasus (foto: Marcelo B.G. Rubio); (B) Alouatta discolor (foto: Raphael E.F. Santos); (C) Ateles chameck (foto: Raphael E.F. Santos) e (D) Ateles marginatus (Foto: Raphael E.F. Santos).

Sapajus apella e Chiropotes albinasus foram registradas em ambas as margens do rio Teles Pires. Ateles marginatus, Callicebus vieirai, Mico emiliae, Aotus infulatus e Alouatta discolor foram registrados apenas na margem direta e Ateles chameke Callicebus cf. moloch apenas na margem esquerda do rio Teles Pires. Aanálise dos dados indica que o rio Teles Pires é uma barreira natural para a distribuição de algumas espécies de primatas, entre elas as duas espécies

registradas do gênero Ateles e as duas espécies do gênero Callicebus. No entanto, maiores esforços de pesquisa se fazem necessários para verificaressa questão biogeográfica para Mico emiliae, Aotus infulatuse Alouatta discolor. A região do médio rio Teles Pires caracteriza-se por uma alta riqueza de primatas, contando com espécies ameaçadas e com espécies recém 94

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Amazonian biotic data and conservation decisions. Ciência e Cultura 51(5/6): 372-385.

descobertas e descritas. A despeito disso, a região encontra-se em franco processo de descaracterização ambiental. Portanto, fazem-se necessários maiores esforços conservacionistas bem como a criação de Unidades de Conservação afim de salvaguardar esse rico patrimônio biológico.

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