Primeira escuta proibida: “É vermelhão!”

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Primeira escuta proibida: “É vermelhão!” Carlos Palombini Para Mano Teko (da dupla Teco e Buzunga), o “Rap do Papa Tudo”,1 dos MCs Azul e Cebolinha, primeira faixa do lado B do LP Supersonic, de 1995, seria, “um Proibidão que passou batido”.2 Também em 1995, uma “Montagem Papa Tudo”,3 dos DJs Jefferson e Carlinhos, apareceu na segunda faixa do lado A do LP Disco Dance: o som maior.4 O termo Proibidão já era corrente em 1999, afirma Carla Mattos,5 que realizou etnografia com exintegrantes da extinta galera da Nova Holanda, no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio de Janeiro, em 2004 e 2005.6 De acordo com Adriana Facina, ele surge na mídia corporativa em 10 de setembro de 1999, quando o Jornal do Brasil publica nota sobre um CD do qual participa o MC Sapão.7 No dia seguinte o JB informa: o disco chama-se Proibidão do rap, contém três faixas do Mc Sapão e foi encontrado na Fazendinha, Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro.8 Em 17 de novembro a designação reaparece na reportagem “O brinde musical dos traficantes”, sobre o CD natalino Proibidão Rap 2, encontrado num barraco do Beco do Sacopã, na Vila Cruzeiro, Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro.9 Uma foto de Carlos Alberto Abreu ilustra a matéria, com legenda explicativa: “O disco trazia homenagens aos fundadores do Comando Vermelho” (Fig. 1).                                                                                                                 Azul e Cebolinha, “Rap do Papa Tudo”, Supersonic, prod. Pigmeu, Adriano e Claudio, distr. Audio Sound Ltda., Rio de Janeiro, Audio Bass Record, AS 022, 1ª faixa do lado B, 4:10, 1995. Disponível em: http://goo.gl/HyXW8X. 1

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Comunicação pessoal de 15 de julho de 2014.

DJs Jefferson e Carlinhos, “Montagem Papa Tudo”, Disco Dance: o som maior, Digital Records, 501.180, 2ª faixa do lado A, 2:56, 1995. Faixa disponível em: http://goo.gl/IKKwWT. 3

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Álbum disponível em: http://goo.gl/Abxyiy.

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Comunicação pessoal da pesquisadora de 1º de abril de 2015.

Carla Mattos, “No ritmo neurótico: cultura funk e performances ‘proibidas’ em contexto de violência no Rio de Janeiro”, dissertação de mestrado em Ciências Sociais, UERJ, 2006. “Da valentia à neurose: Criminalização das galeras funk, ‘paz’ e (auto)regulação das condutas nas favelas”, Dilemas: revista de estudos de conflito e controle social, vol. 5, nº 4, 653–680, out.–dez. 2012. Disponível em: http://goo.gl/q4c9ra. 6

7 “Apreensão: sete homens são presos com drogas”, Jornal do Brasil, edição 155, seção Cidade, 10 set. 1999, 18. Disponível em: http://goo.gl/aHf7CQ.

Denise Oliveira, “Sucesso bandido: policiais acusam cantor de rap de pregar o crime”, JB, edição 156, seção Cidade, 11 set. 1999, 17. Disponível em: http://goo.gl/flzysD. 8

“O brinde musical dos traficantes”, JB, edição 223, seção Cidade, 17 nov. 1999, 24. Disponível em: http://goo.gl/cxLi2h. 9

Fig. 1: Foto de Carlos Alberto Abreu para matéria no Jornal do Brasil em 19 de novembro de 1999.

O acervo do blog Baú do Funk10 mostra a proliferação das gravações no ano da Lei 3.410/2000,11 de 29 de maio: aparecem os volumes de 412 a 7 da série Proibidão e os títulos isolados Proibidão A.D.A, Proibidão: as 26 melhores e Proibidão liberado. Em 2001 viriam o Proibidão vol. 8, o Proibidão vol. 10 (duplo)13 e a coletânea As 17 melhores do Proibidão. Multiplicam-se no ano seguinte os lançamentos dedicados a comunidades específicas: o Manguinhos 2002, o PPG 2002,14 o Turano 200215 e o Vidigal 2002, além do Proibidão vol. 11 (duplo). Foi quando O Globo tomou conhecimento do assunto, completa Facina.                                                                                                                 10 O Baú do Funk, baudofunk.blogspot.com.br, começou a transferir-se para o endereço www.baudofunk.com.br em 22 de maio de 2015. Até então ele constituía a fonte mais completa sobre gravações das duas primeiras décadas do Funk Carioca, ainda que já há muito não funcionassem os links para arquivos de áudio.

De autoria do deputado Sérgio Cabral, a Lei determina, em seu Art. 6º: “Ficam proibidos a execução de músicas e procedimentos de apologia ao crime nos locais em que se realizam eventos sociais e esportivos de quaisquer natureza”. Disponível em: http://goo.gl/UJ0Bj1. 11

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O Proibidão vol. 4 encontra-se disponível em: http://goo.gl/l33sXs.

13 O site italiano Music Sense, www.musicsense.it, diverge do Baú do Funk ao datar do ano 2000 o Proibidão rap vol. 8 e a coletânea Proibidão rap: as 17 melhores. Até o oitavo volume, o Music Sense designa por Proibidão Rap a série que o Baú denomina Proibidão. A partir do primeiro CD do décimo volume, os sites coincidem na denominação sucinta.

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Disponível em: http://goo.gl/6ftVuC.

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Disponível em: http://goo.gl/6jfWDw.

 

Em 2003 Paul Sneed escreve: “já em 2002 uma forma de música funk conhecida como Proibidão estava firmemente estabelecida, um movimento de canções underground sobre o poder e as atividades do crime organizado (sic) que são cantadas ao vivo em bailes funk nas favelas ou estão disponíveis em gravações pirata desses shows.”16 O primeiro Proibidão a chamar-me a atenção insistentemente foi, em 2010, “Na faixa de Gaza é assim”,17 do MC Orelha, persona artística de Gustavo Lopes. O rap aparecera em 22 de março de 2009 no Youtube, onde conta hoje, 17 de abril de 2014, com 18 milhões 392 mil e 92 visualizações, somadas apenas as três postagens de sete dígitos.18 A produção é simples: o MC entoa as quatro estrofes do rap a palo seco, ataca o refrão e, ao repeti-lo, o faz sobre uma base em loop, que se prolonga da capo al fine. É o formato dos Proibidões da velha escola, que começaram a circular em CDs, com registros de apresentações ao vivo, em 1999. A voz é incisiva e cortante, qual jorro sob pressão por conduto de calibre reduzido, entrecortada por aspirações audíveis (Fig. 2, adenda). Embora a fala escoe a tempo giusto, nada evoca o maquinal em seu fluxo. Tão mais surpreendente porquanto o MC não repete as quatro estrofes e o estribilho: uma tomada de voz foi duplicada e combinada sequencialmente. A base é um Tambor19 popularizado em 2008 pelo DJ Gão em “Feitiço”, com os MCs Mágico e Suzy. Frequentemente utilizado nas produções do período, ele acentua o segundo tempo do binário com ressonâncias de caixa clara no médio grave, e ataque marcado por baque de pele percutida, menos grave que o do primeiro tempo (Fig. 3). O jogo evoca, em doppio più lento, o dos surdos de primeira e de segunda das baterias de escola de samba.20 Sobre esse fundo mecanicamente binário, o canto falado desenha, em tessitura restrita, as divisões binárias e ternárias em que se exprime.

                                                                                                                16 Paul Sneed, “Machine Gun Voices: Bandits, Favelas and Utopia in Brazilian Funk”, tese de doutorado em Letras, Universidade de Wisconsin-Madison, 2003, 51–52. Disponível em: goo.gl/FFDMby. 17

Disponível em: http://goo.gl/4Swtk6.

Esse número sobe para 21 milhões 316 mil 913 se adicionarmos a soma de visualizações das onze postagens que atingiram a casa dos seis dígitos, e para 22 milhões 855 mil 936 se incluirmos a paródia “Alvin e os esquilos”, com um milhão 539 mil e 23 visualizações. 18

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Disponível em: http://goo.gl/hz1jca.

20

Ver, por exemplo, o desfile da Unidos do Viradouro, em 1997. Disponível em: http://goo.gl/APbTsd.

 

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Fig. 3: Representação do loop Tambor Mágico, utilizado em 2008 pelo DJ Gão em “Feitiço”, com os MCs Mágico e Suzy, transcrição de Lucas Ferrari.

Esse conjunto de percepções — respiração ruidosa, tempo giusto e divisões a piacere, prima volta idêntica à seconda — me leva a inferir, por retrodução,21 o seguinte: o MC gravou o a capella sobre a base; ao fazê-lo, ele tinha por referência o baque surdo do primeiro tempo e o baque ressonante do segundo; a elocução interage com essas balizas, às quais o MC ajusta o andamento; entre uma cabeça de tempo e a seguinte, a divisão é flexível; as aspirações são ruidosas porque, ao gravar, ele escutava a base por fones de ouvido; os fones bloquearam-lhe o som ambiente, o Tambor mascarou-lhe os ruídos do corpo; a base não entra, ela deixa de ser omitida; o que se escuta inicialmente não é um a capella, mas o resultado da interação da voz com uma base muda. A produção refaz, em tempo diferido, o que se fazia em tempo real no estilo antigo,22 e preserva assim o ethos de austeridade da velha escola. No ano anterior o subgênero proibido se apresentara em produções elaboradas: a do DJ Byano para “Camisa da Osklen” (uma montagem),23 a do DJ Chorão para “Faz a rodinha em volta da FAP”,24 ambas de Thiago dos Santos (o Praga), e a de Chorão para “A Penha é o Poder”,25 de Claudinho da Maragogi, todas na voz do MC Max. Ou ainda, a do DJ Corvina para “Visão de cria”,26 também de Thiago dos Santos, na voz do MC Smith. Em “Na faixa de Gaza é assim” o mais simples dos recursos de produção

                                                                                                                Chamo retrodução à inferência intuitiva, a partir do julgamento da percepção, de uma hipótese sujeita a verificação (cf. Charles Sanders Peirce). Ver Maryann Ayim, “Abduction”, em Thomas A. Sebeok (org.), Encyclopedic Dictionary of Semiotics, Berlim, Nova York e Amsterdã, Mouton de Gruyter, vol. 1, 1–2, 1986. 21

Este problema é análogo ao da relação entre artes diretas e artes relé, desenvolvido por Pierre Schaeffer em seu primeiro texto teórico de envergadura, Ensaio sobre o rádio e o cinema: estética e técnica das artes-relé, 1941–1942, Belo Horizonte, UFMG, 2010. 22

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Disponível em: http://goo.gl/dyfNKf.

24

Disponível em: http://goo.gl/cdtiVE.

25

Disponível em: http://goo.gl/MXwni3.

26

Disponível em: http://goo.gl/GVRosx.

 

fonográfica — silenciar um canal na mixagem — é o mais eficaz, pois valoriza a precisão do andamento e a flexibilidade das divisões do canto. Acompanho a evolução das parciais no espectrograma enquanto escuto o rap em velocidade reduzida. No fragmento “é Ecko, Lacoste, é peça da Oakley”, elas ondulam quatro vezes, por extensão relativamente ampla da tessitura, em curto espaço de tempo (Fig. 4).27 O segmento torna-se denso do ponto de vista da distribuição dos saltos intervalares, ou em termos mais precisos, dos portamentos. Em velocidade muito lenta, ouço claramente o “a” átono da última sílaba de “vista” transformar-se em “é” quando a língua sobe, os ângulos labiais retraem-se, e a emissão avança para o palato. Esse “é” muda gradativamente no “E” de “Ecko” quando a altura sobe em portamento e a sonoridade ganha intensidade e brilho antes de quebrar-se na oclusiva velar surda “k”. O efeito é o de uma oscilação simultânea de altura, brilho e intensidade, semelhante ao que se obteria de um sintetizador analógico ao modular-se os parâmetros de frequência, frequência de corte, e amplitude por uma onda senoidal de baixa frequência.

Fig. 4: Representação das variações de frequência e das intensidades relativas das parciais em “é Ecko, Lacoste, é peça da Oakley”; transcrição em notação tradicional por Lucas Ferrari.

                                                                                                                27

Reduções sucessivas de velocidade podem ser ouvidas em: http://goo.gl/zFbs0A.

 

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O que é sonoramente denso torna-se poeticamente significativo. O que essa combinação entre texto e saltos de quarta em floreios de timbre significaria? Para Alexei Michailowsky,28 o pregão de um camelô. Mas não seria paradoxal que a opulência da “vida no crime” se manifestasse no grito de um mercador ambulante? O trecho tem sua antítese no fragmento “sem tempo de se despedir”. Ali, só acontece o mínimo (Fig. 5). A elocução limita-se a repetir, non legato, as sílabas do texto, uma por unidade de pulsação, sobre o segundo grau da tonalidade. Não há variações de altura, de divisão, de articulação ou de cor. As vogais — E, O, I — são todas escuras. Elas se articulam — nem legato nem staccato — por uma série de consoantes orais. À constritiva fricativa alveolar surda “s”, de “sem”, seguem-se as oclusivas (1) linguodental surda “t”, de “tem-”, (2) bilabial surda “p”, de “-po”, e (3) linguodental sonora “d”, de “de”. Após repetição da fricativa “s”, de “se”, a série retorna em movimento retrógrado, com as oclusivas (3) linguodental sonora “d”, de “des-”, (2) bilabial surda “p”, de “-pe-”, e (1) linguodental sonora “d”, de “-dir”. A simetria só não é perfeita porque, ao final do retrógado, a surda “t” do primeiro ataque é substituída pela sonora correspondente.

Fig. 5: Representação das variações de frequência e das intensidades relativas das parciais no trecho “sem tempo de se despedir”; transcrição em notação tradicional por Lucas Ferrari.

                                                                                                                Durante seminário de música brasileira urbana e rural ministrado por Elizabeth Travassos no programa de pós-graduação em Música do Instituto Villa-Lobos, UNIRIO, em 16 de novembro de 2011. 28

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Nas redes sociais eu era confrontado com a postagem recorrente dos retratos de amigos mortos. Publicada nos aniversários de morte, a fotografia vinha acompanhada de um afeto que se manifestava na evocação de momentos íntimos, na gratidão pelo convívio, na invocação da justiça divina, nas “saudades eternas”, nos “jamais será esquecido”, nos “fica com Deus, amigo”. Depois, não se falava nisso. Eu lia nesses extravasamentos cíclicos seguidos por silêncios prolongados o trauma de uma dor tão intensa que se necessitava negá-la para que a vida prosseguisse. Classifiquei os excertos sob a rubrica “momentos favoritos” e denominei-os “figura da vida” e “figura do luto”. Se eles desempenhavam papel estruturante em minha escuta, imaginei que pudessem desempenhar papel estrutural na música. Na Faixa de Gaza29 é só homem bomba, na guerra é tudo ou nada, Várias titânio30 no pente, colete à prova de bala. Nós desce pra pista pra fazer o assalto, mas tá fechadão no Doze,31 Se eu tô de rolé, seiscentas,32 bolado, perfume importado, pistola no coldre. Mulher, ouro e poder, lutando que se conquista, Nós não precisa de crédito, nós paga tudo à vista. É Ecko, Lacoste, é peça da Oakley, várias camisas de time, Quem tá de fora até pensa que é mole viver do crime. Nós planta humildade pra colher poder, a recompensa vem logo após, Não somos fora da lei porque a lei quem faz é nós. Nós é o certo pelo certo, não aceita covardia, Não é qualquer um que chega e ganha moral de cria.33 Consideração se tem pra quem age na pureza, Pra quem tá mandado o papo é reto: bota as peças34 na mesa. Quantos amigos eu vi ir morar com deus no céu, Sem tempo de se despedir, mas fazendo o seu papel.

                                                                                                                A “Faixa de Gaza” é a Avenida Leopoldo Bulhões, que parte na direção Nor-Noroeste, da Praça Dário Rogério, para atravessar o Complexo de Manguinhos e ligar Benfica à Praça das Nações, em Bonsucesso, nas proximidades do Complexo do Alemão. 29

30

Balas de titânio, ou com ponta de titânio, de alto poder de perfuração.

Art. 12 da Lei 6.368/1976, de 21 de outubro: “Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.” Revogada pela Lei 11.343/2006, de 23 de agosto. Disponível em: http://goo.gl/IRO50L. 31

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Motocicleta de 600 cilindradas.

33

Pessoa criada na favela.

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Armas.

 

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Por isso eu vou mandar, por isso eu vou mandar assim: Comando Vermelho, RL35 até o fim. É vermelhão desde pequeninim, Só menor bolado nas favelas do Baixim.36 Não dá, não dá, não dá não, por isso eu mando assim: Comando Vermelho, RL até o fim. É vermelhão desde pequeninim, Só menor bolado nas favela do Baixim. Nós tá que tá, hem? Caralho!

No conjunto das quatro estrofes, as figuras antitéticas são praticamente equidistantes: uma, no terceiro verso da segunda estrofe; outra, no quarto da quarta. A figura da vida introduz diversidade em meio à litania através de uma variação do motivo inicial, colorida pelo floreio de timbre. A figura do luto introduz novidade por imobilismo, do qual eclodirá o estribilho. Enquanto a primeira metade lida com situações, descreve cenas, constrói personagens, a segunda foca o universo interior, explana a moral da história. As estrofes consistem em quatro quartetos de métrica mista em rimas paralelas (AABB, CCDD, EEFF e GGHH); o estribilho, na repetição de um quarteto de métrica mista em rimas continuadas (IIII e IIII). Os versos vão da redondilha maior,37 na “virada”, correspondente à prima volta do da capo, e do decassílabo heroico,38 no terceiro verso do estribilho, aos bárbaros, de entre treze e vinte e duas sílabas, com preponderância dos de quinze, em número de sete, e dos de quatorze, em número de seis.39 Todavia o barbarismo está no ouvido de quem ouve. Escrito de outro modo: Na Faixa de Gaza é só homem bomba, Na guerra é tudo ou nada, Várias titânio no pente, Colete à prova de bala. Nós desce pra pista pra fazer o assalto, Mas tá fechadão no Doze, Se eu tô de rolé, seiscentas bolado, Perfume importado, pistola no coldre. Mulher, ouro e poder, Lutando que se conquista, Nós não precisa de crédito, Nós paga tudo à vista.

                                                                                                                Rogério Lemgruber, de “Comando Vermelho Rogério Lemgruber”, o “CVRL”, o “Comando Vermelho”, o “CV”, ou simplesmente, “o Comando”. 35

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Antônio Jorge Gonçalves dos Santos, o Tony, Baixinho, ou Senhor das Armas.

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Verso de sete sílabas métricas.

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Verso de dez sílabas métricas, com tônicas na quarta, na sexta e na décima posições.

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Do total de vinte e cinco versos, contada a repetição do estribilho.

 

É Ecko, Lacoste, é peça da Oakley, Várias camisas de time, Quem tá de fora até pensa Que é mole viver do crime. Nós planta humildade pra colher poder, A recompensa vem logo após, Não somos fora da lei Porque a lei quem faz é nós. Nós é o certo pelo certo, Não aceita covardia, Não é qualquer um que chega E ganha moral de cria. Consideração se tem Pra quem age na pureza, Pra quem tá mandado o papo é reto: Bota as peças na mesa. Quantos amigos eu vi Ir morar com deus no céu, Sem tempo de se despedir, Mas fazendo o seu papel.

Temos agora oito quartetos, tanto isométricos quanto de métrica mista, em rimas alternadas (ABAB, CDCD, EFEF etc.), com preponderância de assonâncias e aliterações entre linhas ímpares, e de rimas consoantes e toantes entre as pares. O primeiro quarteto compõe-se de um decassílabo e três redondilhas maiores; o segundo, de um galope à beira-mar,40 de uma redondilha maior, de um decassílabo e de um galope à beira-mar; o terceiro, de quatro redondilhas maiores; o quarto, de um galope à beira-mar e três redondilhas maiores; o quinto, de um galope à beira-mar, de um gaita galega41 e de duas redondilhas maiores; o sexto, do mesmo modo que o terceiro, de quatro redondilhas maiores; o sétimo, de duas redondilhas maiores, de um galope à beira-mar e de uma redondilha maior; e o oitavo, de duas redondilhas maiores, de um octossílabo e de uma redondilha maior. A interpolação, a cada dois quartetos de métrica mista, de uma quadra de redondilhas maiores, com tônicas na terceira e na sétima posições, divide o conjunto das estrofes em três pares de quartetos de métrica irregular, e introduz na arquitetura ambiguidade análoga àquela entre divisões binárias e ternárias do canto. Já marcado por dicção branca, o “sem tempo de se despedir”, no qual sílabas do verso e unidade de pulsação do compasso coincidem, é valorizado ainda no papel de único octossílabo das                                                                                                                 40

Hendecassílabo (verso de onze sílabas métricas) marcado nas posições 2, 5, 8 e 11.

41

Decassílabo marcado nas posições 5, 7 e 10.

 

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estrofes. O encadeamento (enjambement) entre o terceiro e o quarto versos da segunda estrofe é sublinhado pela rima interna bolado/importado. Por isso eu vou mandar, Por isso eu vou mandar assim: Comando Vermelho, RL até o fim. É vermelhão desde pequeninim, Só menor bolado nas favelas do Baixim. Não dá, não dá, não dá não, Por isso eu mando assim: Comando Vermelho, RL até o fim. É vermelhão desde pequeninim, Só menor bolado nas favela do Baixim. Nós tá que tá, hem? Caralho!

O estribilho é composto pela repetição da soma de um quarteto e um dístico. O quarteto inclui versos brancos nas linhas ímpares e rimas perfeitas nas pares, o dístico repete a rima do quarteto, de acordo com o esquema ABCB BB, DBEB BB. O quarteto apresenta ainda variação de métrica na repetição: da primeira vez, hexassílabo, octossílabo, redondilha menor, eneassílabo; da segunda, redondilha maior no lugar do octossílabo. O dístico consiste num decassílabo heroico clássico seguido pela combinação, num único verso, de uma redondilha menor com uma maior, e constitui uma espécie de estribilho do estribilho. O verso final, à guisa de prima volta do da capo, é uma redondilha maior. Se, por um lado, a representação em quatro quartetos mistos de rimas paralelas seguidos por um quarteto misto de rimas contínuas, repetido, não é a melhor dos pontos de vista da análise da métrica e da rima, por outro, ela mostra claramente o aspecto antifonal do rap, sublinhado por uma harmonia tácita. De acordo com essa representação, o solista recitaria os versos ímpares e o coro responderia com os pares. O compositor Bryan Holmes propôs42 uma harmonização (ver adenda) na qual as chamadas ocorreriam sobre o acorde de tônica e terminariam no de dominante com sétima, enquanto as respostas viriam sobre o de dominante com sétima e reconduziriam à tônica. De que modo estas inferências e interpretações se relacionam com as ideias, a realidade e a personalidade do MC Orelha? Para responder essa pergunta atravessei a poça e fui encontrá-lo no Estúdio dos Loucos, sua central de produções, onde, em 10 de                                                                                                                 Em 11 de janeiro de 2015. Essa harmonização, em Lá Menor, foi realizada meio tom abaixo da transcrição de Lucas Ferrari, em Si Bemol Menor. 42

10  

maio de 2012, ele me esperava com os DJs Gelouko, Júnior Niterói e Leo Bolinha. A íntegra da entrevista foi publicada no site Proibidão.org em 19 de maio,43 e no livro Tamborzão, de Carlos Bruce Batista,44 em novembro de 2013.45 No que segue restrinjo-me aos pontos relevantes para esta análise.

                                                                                                                43 Gustavo Lopes e Carlos Palombini, “Gustavo Lopes: o MC Orelha”, Proibidão.org, 19 maio 2013. Disponível em: http://goo.gl/fwXM4h.

Gustavo Lopes e Carlos Palombini, “Entrevista com Gustavo Lopes: o MC Orelha”, em Carlos Bruce Batista (org.), Tamborzão: olhares sobre a criminalização do funk, Rio de Janeiro, Revan, 13–28, 2013. Disponível em: http://goo.gl/dBx1Md. 44

45

A Revan lançou uma versão eletrônica em 2014.

 

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Adenda Fig. 2: Representação de sinal da voz com as aspirações marcadas por círculos brancos.

 

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Na Faixa de Gaza MC Orelha (harmonização de Bryan Holmes) [Lam] [Mi7] Na Faixa de Gaza é só homem bomba, na guerra é tudo ou nada, [Lam] Várias titânio no pente, colete à prova de bala. [Mi7] Nós desce pra pista pra fazer o assalto, mas tá fechadão no doze,

[Lam] Se eu tô de rolé, seiscentas, bolado, perfume importado, pistola no coldre. [Mi7] Mulher, ouro e poder, lutando que se conquista, [Lam] Nós não precisa de crédito, nós paga tudo à vista.

[Mi7] É Ecko, Lacoste, é peça da Oakley, várias camisas de time, [Lam] Quem tá de fora até pensa que é mole viver do crime. [Mi7] Nós planta humildade pra colher poder, a recompensa vem logo após, [Lam] Não somos fora da lei porque a lei quem faz é nós. [Mi7] Nós é o certo pelo certo, não aceita covardia, [Lam] Não é qualquer um que chega e ganha moral de cria. [Mi7] Consideração se tem pra quem age na pureza,

[Lam] Pra quem tá mandado o papo é reto: bota as peças na mesa. [Mi7] Quantos amigos eu vi ir morar com deus no céu, [Lam] Sem tempo de se despedir, mas fazendo o seu papel. [Mi7] Por isso eu vou mandar, por isso eu vou mandar assim: [Lam] Comando Vermelho, RL até o fim. [Mi7] É vermelhão desde pequeninim, [Lam] Só menor bolado nas favelas do Baixim.  

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[Mi7] Não dá, não dá, não dá não, por isso eu mando assim: [Lam] Comando Vermelho, RL até o fim. [Mi7] É vermelhão desde pequeninim, [Lam] Só menor bolado nas favela do Baixim.

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