Primeira Infância Melhor: uma inovação em política pública

June 19, 2017 | Autor: Alessandra Schneider | Categoria: Early Childhood Development
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Descrição do Produto

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Brasília, novembro de 2007

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Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) Vincent Defourny Representante da UNESCO no Brasil Célio da Cunha Coordenador do Centro de Comunicação e Publicações Marilza Regattieri Coordenadora de Educação a.i.

Governo do Estado do Rio Grande do Sul Yeda Rorato Crusius Governadora do Estado do Rio Grande do Sul Osmar Gasparini Terra Secretário Estadual de Saúde (Coordenador do Programa Primeira Infância Melhor) Mariza Abreu Secretária Estadual de Educação Mônica Leal Secretária Estadual de Cultura Fernando Schüller Secretário Estadual de Justiça e Desenvolvimento Social

As autoras são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organização. As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.

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Alessandra Schneider e Vera Regina Ramires

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Colaboradores da publicação: Arita Gilda Hübner Bergmann - Gerente do Programa Primeira Infância Melhor Lacy Maria da Silva Pires - Supervisora Técnica Leila Maria de Almeida - Coordenadora Geral do Programa Primeira Infância Melhor Liése Gomes Serpa - Supervisora Técnica Maria da Graça Gomes Paiva - Supervisora Técnica Maria Helena Capelli - Supervisora Técnica Osmar Gasparini Terra – Secretário Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul Sandra Silveira Nique da Silva - Supervisora Técnica Vera Maria da Costa Ferreira - Supervisora Técnica Wilda Maria Blasi - Supervisora Técnica Revisão: DPE Estúdio Projeto gráfico, diagramação e capa: Edson Fogaça Fotos: As fotos da capa e das páginas 18, 21, 24, 28, 29, 35, 53, 58, 64, 68, 73, 78 e 98 são de autoria do fotógrafo Beto Scliar. As demais, pertencem ao acervo do Programa.

©UNESCO, 2007 Schneider, Alessandra Primeira Infância Melhor: uma inovação em política pública / Alessandra Schneider e Vera Regina Ramires. – Brasília : UNESCO, Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul, 2007. p. 128 BR/2007/PI/H/11 1. Primeira Infância—Avaliação de Projetos--Políticas Públicas—Brasil 2. Educação Infantil—Avaliação de Projetos--Brasil I. Ramires, Vera II. UNESCO III. Rio Grande do Sul. Secretaria de Saúde IV. Título CDD 305.23

Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul SAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar 70070-914 - Brasília - DF - Brasil

Programa Primeira Infância Melhor - PIM Av. Borges de Medeiros, 1501, 6º andar – Ala Norte, Centro.

Tel.: (55 61) 2106-3500 Fax: (55 61) 3322-4261 E-mail: [email protected]

90110-150 - Porto Alegre – RS - Brasil Tel.: (55 51) 3288-5853/5955/5887/5888 Fax: (55 51) 3288-5810 E-mail: [email protected] Site: www.pim.saude.rs.gov.br

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Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .7 Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 Questões para Reflexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 Contextualizando o Programa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 Alguns indicadores socioeconômicos, educacionais e de saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 Os direitos das crianças e a legislação brasileira de proteção da infância . . . . . . . . . . . . . . .19 O nascimento de um Programa voltado para a primeira infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22 Capítulo 1 - Por que investir na primeira infância? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25 A situação da primeira infância no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 Algumas contribuições da ciência sobre o desenvolvimento na primeira infância . . . . . . . . . .36 Capítulo 2 - Apresentando o PIM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49 Da teoria à prática: pressupostos teóricos e eixos estruturantes do PIM . . . . . . . . . . . . . . . . .52 A estrutura e o funcionamento do Programa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .65 O PIM na Diversidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .72 Capítulo 3 - Algumas experiências municipais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .79 O PIM em Bento Gonçalves e a intersetorialidade: um novo paradigma de ação . . . . . . . . . .79 PIM – Crianças egressas da UTI neonatal: a experiência de Rio Grande . . . . . . . . . . . . . . . . .84 O PIM em Santiago – Um futuro melhor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89 O PIM na área rural: a experiência de São João do Polêsine . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .92 A criança egressa do PIM em São Sepé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .94 Capítulo 4 - PIM: de proposta inovadora a política pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99 A adesão dos municípios e o crescimento do PIM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .101 As atividades paralelas de advocacy sobre a primeira infância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .104

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O PIM como política pública amparada em lei estadual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .109 Capítulo 5 - Considerações finais (refletindo sobre a experiência) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .113 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .119 Nota sobre as autoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .127

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This book aims at presenting the Primeira Infancia Melhor Program (Better Early Childhood Program) - PIM, launched in April of 2003 in the state of Rio Grande do Sul. PIM is one of the most important public policies of the state and works towards early childhood holistic development. This publication starts by discussing the importance of investing in the early years, based on the childhood scenario in Brazil and on the contributions of sciences about the relevance of the early years for child development. The program is then presented by discussing its theoretical assumptions, structuring axes and service modalities. Five experiences in different municipalities are reported, as well as the PIM in Diversity project, the program's development since its beginning, UNESCO's technical cooperation, Cuban Centro de Referencia Latinoamericano para la Educación Preescolar - CELEP's assistance, UNICEF's support, and the parallel advocacy activities about early childhood up to the moment of passing it as a bill that institutes PIM as a permanent public policy giving total attention to early childhood in the state of Rio Grande do Sul. The program's experience has demonstrated that it is not only possible, but also desirable to mobilize head people and society in the implementation of public policies towards early childhood. This benefits the children's cognitive, psychic and social development, the improvement of bonds within a family and with the community where they are inserted, and the promotion of citizenship and social participation, which contributes to the growth of the nation.

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O grande acúmulo de descobertas científicas recentes tem revelado a extraordinária importância dos primeiros anos da infância na formação das habilidades e competências humanas que existirão ao longo de toda a vida, para sua realização como pessoa, e integrada à sociedade. Isso nos mostrou a necessidade imperiosa de estruturar uma política pública para a promoção do desenvolvimento integral da primeira infância no Rio Grande do Sul. O Programa Primeira Infância Melhor (PIM) foi produto desse entendimento. Iniciado em 2003, no governo anterior, foi priorizado e ampliado no governo atual. Sua ampliação se dá também para propiciar a articulação de todas as políticas públicas voltadas para as gestantes e as crianças pequenas, visando a garantir seu desenvolvimento mais adequado e, através deste, uma mudança em direção a uma sociedade mais integrada, menos violenta e mais saudável. O PIM, porém, não se limita a essa integração e vai muito além disso. Seu objetivo maior é estimular o desenvolvimento socioemocional e cognitivo dos bebês e crianças para que possam aprender melhor e mais rápido ao entrar na escola, possam regular de forma mais adequada seus sentimentos e seu comportamento, e com isso ter um desempenho melhor na vida. Por todos esses aspectos, o PIM é uma proposta abrangente e profundamente transformadora, que pretendemos levar a todas as famílias gaúchas onde exista uma gestante ou uma criança pequena, atendendo prioritariamente às mais pobres. Também é parte essencial da nossa proposta inovadora dentro de uma política estadual de prevenção da violência. Estudos longitudinais mostram que ao cuidarmos melhor dos nossos bebês estaremos desenvolvendo seres humanos mais afetivos e com maior controle da impulsividade e agressividade. Portanto, tenderão a ser mais pacíficos e sociáveis na vida adulta, além de adquirir uma menor propensão para a dependência de drogas. O PIM é um Programa essencialmente de promoção da saúde que envolve todas as dimensões humanas, trabalhando nas suas raízes o desenvolvimento durante a primeira infância. Hoje já são mais de 40 mil famílias com mais de 60.000 crianças acompanhadas em casa, semanalmente, pelo PIM em 217 municípios do Rio Grande. Pretendemos, nos próximos três anos, multiplicar esse atendimento para chegar a todas as crianças em situação de vulnerabilidade social no nosso Estado. Ao propiciar que os filhos tenham

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uma escolaridade maior que a sua e se sociabilizem melhor, as famílias mais pobres propiciam uma ruptura na sua transmissão intergeracional da pobreza, favorecendo uma melhoria na sua situação econômica e social. Importante frisar que a qualidade e a rapidez de implantação do PIM se devem muito às parcerias com as entidades internacionais, em particular com a UNESCO, que nos permitiu o acesso às informações e experiências que são referência mundial para o tema. Acreditamos que o PIM, pela sua concepção, estrutura, forte parceria com os municípios e pela sua intersetorialidade é um Programa inovador que permitirá realizar uma mudança transformadora no modo de trabalhar políticas educacionais, sociais e de saúde em todo nosso país. Oportunizando um começo de vida digno para todos os brasileiros estaremos mudando para melhor, em médio e longo prazo, toda a nossa sociedade.

Yeda Rorato Crusius Governadora do Estado do Rio Grande do Sul

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A Representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – no Brasil, em parceria com o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, tem a grata satisfação de apresentar o Programa intersetorial Primeira Infância Melhor – PIM, adotado como política pública permanente de atenção integral à primeira infância nessa Unidade da Federação. Em março de 1990, sob a liderança da UNESCO, os representantes dos países-membros da Organização, reunidos em Jomtien, na Tailândia, aprovaram a Declaração Mundial de Educação para Todos, reconhecendo que todos os indivíduos têm o direito a oportunidades educativas que satisfaçam suas necessidades básicas de aprendizagem. Esta Declaração, adotada por 183 países (dentre eles o Brasil), incluiu a educação e os cuidados na primeira infância como parte da educação básica, afirmando que “a aprendizagem inicia com o nascimento. Isso implica cuidados básicos e educação inicial na infância, proporcionados por meio de estratégias que envolvam as famílias e comunidades ou programas institucionais, como for o caso” (Art. 5). Esta afirmação aponta que a primeira infância – a base sólida para todas as aprendizagens humanas – é um tema que requer política abrangente e intersetorial. O Programa Primeira Infância Melhor, implementado no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, é uma demonstração concreta de como equacionar o desafio da atenção integral, promovendo uma ação articulada entre as áreas de saúde, educação, assistência social e cultura, em benefício das crianças, gestantes e famílias em situação de maior vulnerabilidade social. Pesquisas e experiências realizadas nas últimas décadas ofereceram evidências contundentes de que a educação e os cuidados de qualidade na primeira infância formam os pilares essenciais para a promoção do bem-estar e do desenvolvimento do potencial de aprendizagem das crianças. Análises econômicas têm também demonstrado que é no início da vida que os investimentos públicos e sociais encontram seu melhor custo-benefício, para o aperfeiçoamento das habilidades humanas, sejam elas intelectuais, emocionais ou motoras. Este reconhecimento levou as nações a assumirem, em Dacar, em 2000, entre os compromissos pela Educação para Todos, a meta de ampliar a oferta e melhorar a qualidade da educação e dos cuidados na primeira infância, com especial atenção às crianças em situação de vulnerabilidade. O Brasil é um dos signatários desse compromisso e a UNESCO é a instituição das Nações Unidas que tem entre suas atribuições a de liderar, em escala mundial, o alcance dessa meta.

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Ao lançar o Programa socioeducativo Primeira Infância Melhor, em 2003, e ao conferir-lhe o status de política pública estadual de atenção integral à primeira infância, a partir de 2006, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assume importante papel pelo reconhecimento de que “o aprendizado de uma vida começa na primeira infância”, e que “os primeiros seis anos de uma criança valem para sempre”. A presente publicação visa a registrar e disseminar a experiência exitosa do PIM e sua trajetória de projeto-piloto à política pública, descrevendo seus pressupostos teóricos, eixos estruturantes e modalidades de atendimento. Cinco relatos municipais foram identificados dentre inúmeras experiências inovadoras inseridas neste livro, dando voz à criatividade e ao protagonismo dos municípios – parceiros imprescindíveis na implementação e execução do Programa. O livro apresenta, ainda, um panorama atual sobre a situação das crianças brasileiras de zero a seis anos, as contribuições das ciências sobre o desenvolvimento na primeira infância, e analisa os resultados de programas que se voltaram para a promoção do desenvolvimento infantil. Compartilhar e divulgar este oportuno Programa, que já beneficia dezenas de milhares de famílias e crianças menores de seis anos, em mais de 200 municípios gaúchos, é o objetivo maior desta publicação, na expectativa de que o relato dessa experiência sirva de inspiração e estímulo para o desenvolvimento e fortalecimento de políticas integradas de atenção à primeira infância no Brasil. Por último, importa salientar que, na educação da primeira infância, instaura-se concretamente a possibilidade de assegurar a todas as crianças e jovens itinerários educacionais de sucesso. Nela se assentam as bases de um continum educacional exitoso ao longo da vida.

Vincent Defourny Representante da UNESCO no Brasil

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Em que idade da criança começa sua educação? O que é desenvolvimento integral na primeira infância? Existe alguma relação entre o desenvolvimento integral na primeira infância e o desenvolvimento de uma nação? Qual é a situação da população brasileira de zero a seis anos? Qual é o papel e a responsabilidade dos governos no desenvolvimento das crianças em seus primeiros anos? Existe alguma relação entre intersetorialidade e promoção do desenvolvimento na primeira infância? Quais as políticas públicas que você conhece dedicadas à educação e aos cuidados na primeira infância? Vale a pena investir em programas voltados para a educação e os cuidados das crianças pequenas? Este livro é uma tentativa de responder, ou, pelo menos, discutir e refletir sobre essas questões. Inspirado na experiência pioneira do Programa Primeira Infância Melhor, o PIM, desenvolvido desde 2003 pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em estreita parceria com os municípios gaúchos e contando com a cooperação técnica da UNESCO. O livro traz um panorama sobre a primeira infância brasileira no que diz respeito a alguns indicadores de educação, saúde e assistência social. Aborda também contribuições da ciência sobre o desenvolvimento infantil, e analisa os resultados de programas que se voltaram para a promoção da educação e dos cuidados na primeira infância. O PIM é apresentado no capítulo 2, desde seus fundamentos teóricos, eixos estruturantes, organização e funcionamento. Implantado em mais de 200 municípios gaúchos atualmente, algumas experiências municipais são também relatadas neste livro, bem como as atividades de advocacy em prol da infância vinculadas ao Programa. A evolução do PIM e seus resultados possibilitaram que ele desse origem a uma Lei Estadual que o instituiu como uma política pública de estado. Compartilhar e divulgar esta experiência são os objetivos maiores deste livro, em benefício das crianças brasileiras e suas famílias. Boa leitura!

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Qual a importância dos primeiros anos na vida de um indivíduo?

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O objetivo deste livro é apresentar o Programa Primeira Infância Melhor (PIM), implantado em abril de 2003 no Estado do Rio Grande do Sul. Voltado para a promoção do desenvolvimento integral na primeira infância, o PIM constitui-se numa das mais importantes políticas públicas desse Estado e, sob a coordenação da Secretaria Estadual da Saúde, articula esforços das Secretarias Estaduais da Educação, da Cultura, e da Justiça e do Desenvolvimento Social. Implementado através de parcerias entre estado e municípios, o PIM estrutura-se em torno de três eixos: a família, a comunidade e a intersetorialidade. O Programa prioriza áreas cuja população se encontra em situação de vulnerabilidade e risco social, que concentram um alto número de crianças de zero a seis anos e gestantes, que apresentam índices elevados de mortalidade infantil e um grande número de crianças não assistidas por escolas de educação infantil. Até dezembro de 2006, o PIM foi implantado em quase 50% dos municípios do Rio Grande do Sul, atendendo a 40.125 famílias e beneficiando 60.187 crianças. Contando com o apoio e a cooperação técnica da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, a sensibilidade, o reconhecimento e a valorização da primeira infância por parte dos gestores da Secretaria Estadual da Saúde, e a vontade política do Governo do Estado, em 2006 o Programa foi instituído como parte integrante da Política Estadual de Promoção e Desenvolvimento da Primeira Infância, através da Lei Estadual nº 12.544. O PIM vem possibilitando a construção de uma nova história na vida de todas as crianças e famílias atendidas, com o apoio das comunidades e de todos os setores envolvidos, com reflexos para essa mesma comunidade. Guiado por princípios éticos e democráticos, reconhecendo a importância da interdisciplinaridade e da intersetorialidade, ao promover a saúde e o desenvolvimento das crianças atendidas, o PIM favorece o seu crescimento, e aumenta as chances de um processo de educação e de formação de qualidade. Conseqüentemente, contribui para um futuro produtivo e bem-sucedido, prevenindo e minimizando problemas de desenvolvimento e de aprendizagem, bem como os riscos de evasão escolar, violência, conflitos com a lei, entre outros. Num país com problemas tão graves como o Brasil, de desigualdades sociais extremas, violência, falta de segurança e desrespeito aos direitos humanos mais elementares, investir na primeira infância constitui-se numa estratégia política da mais alta relevância. Seus

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resultados, em curto, médio e longo prazo, para além da história individual de cada criança, contribuem para mudar os rumos do país.

Contextualizando o Programa Situado no extremo Sul do Brasil, o Rio Grande do Sul possui uma área de 281.748.538km2 que abrange 496 municípios. Possui uma população estimada de 10.984.000 habitantes em 2006, dos quais 129.000 são crianças com menos de um ano de idade, 571.000 são crianças de um a quatro anos e 369.000 são crianças de cinco a seis anos, totalizando uma população de 1.069.000 crianças de zero a seis anos, cujo percentual populacional é de 9,73% (IBGE, 2007). O Rio Grande do Sul é o quinto estado mais populoso do Brasil, e o terceiro com o mais alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Sua história remonta ao século XVII, quando, em 1627, jesuítas espanhóis criaram as Missões, próximas ao rio Uruguai. Foram expulsos pelos portugueses em 1680, sendo que em 1687 os jesuítas portugueses estabeleceram os Sete Povos das Missões. As lutas pela posse das terras entre portugueses e espanhóis tiveram fim em 1801, quando os próprios gaúchos dominaram os Sete Povos, incorporando-os ao seu território. Em 1807, a área foi elevada à categoria de capitania. O estado gaúcho tem sua população derivada principalmente da imigração e colonização européia do século XIX, sendo um dos estados mais europeizados do Brasil. Os açorianos, somados aos ameríndios, aos portugueses continentais e aos escravos africanos vieram compor a população rio-grandense. Os principais imigrantes foram os italianos e os alemães. Os alemães começaram a chegar a partir de 1824 e os italianos a partir de 1875. Além desses, pode-se citar entre os grupos de imigrantes minoritários, os espanhóis, os poloneses, os russos, judeus, árabes, japoneses, argentinos e uruguaios, entre outros. O Rio Grande do Sul, portanto, apresenta uma rica diversidade cultural a qual, de forma sucinta, pode ser sintetizada em duas vertentes: a gaúcha propriamente dita, cujas raízes estão vinculadas aos antigos habitantes dos pampas, e a cultura trazida pela colonização européia, pelos colonos portugueses, espanhóis e pelos imigrantes alemães e italianos. A cultura gaúcha nasceu na fronteira entre a Argentina, o Uruguai e o Sul do Brasil, sendo marcada pela vida no campo e pela criação bovina. Os gaúchos viviam em uma sociedade nômade, baseada na pecuária. Mais tarde, com o estabelecimento das fazendas de gado, eles acabaram por se estabelecer em grandes estâncias espalhadas pelos pampas. O gaúcho era mestiço de índio, português e espanhol, e a sua cultura foi bastante influenciada pela cultura dos índios guaranis, charruas e pelos colonos hispânicos. Na outra vertente, encontram-se os alemães que começaram a se estabelecer ao longo do rio dos Sinos, a partir de 1824. Ali estabeleceram uma sociedade baseada na agricul-

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Os primeiros imigrantes italianos a chegar ao Brasil estabeleceram-se no Rio Grande do Sul a partir de 1875. Os colonos italianos foram atraídos para a região para trabalhar como pequenos agricultores, ocupando as terras na encosta da serra gaúcha. Na região, foram criadas as três primeiras colônias italianas: Conde D’Eu, Dona Isabel e Campo dos Bugres, hoje as cidades de Garibaldi, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, respectivamente. Com o tempo, os italianos passaram a subir a serra e a colonizá-la, dando origem a inúmeras outras cidades, introduzindo na região a vinicultura, ainda hoje base da economia de diversos municípios gaúchos. Estima-se que vivam hoje três milhões de italianos e descendentes no Estado, representando cerca de 30% da sua população.

Alguns indicadores socioeconômicos, educacionais e de saúde O Rio Grande do Sul é a quarta maior economia do Brasil, pela dimensão do seu Produto Interno Bruto (PIB), que chega a 8,08% do PIB nacional, superado apenas por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro (BRASIL. Ministério da Saúde, 2006a). A economia do Estado possui uma associação com os mercados nacional e internacional superior à média brasileira, oscilando conforme a evolução da economia do país e também de acordo com a dinâmica das exportações. A economia do Rio Grande do Sul é baseada na agricultura (soja, trigo, arroz e milho, entre outros produtos), na pecuária e na indústria (de couro e calçados, alimentícia, têxtil, madeireira, metalúrgica e química). Na década de 1990 e no início do século XXI, houve o surgimento de pólos tecnológicos importantes no Estado, na área petroquímica e de tecnologia da informação. A industrialização do Rio Grande do Sul está elevando sua participação no PIB brasileiro, trazendo investimento, mão-de-obra e infra-estrutura para o Estado. A taxa de alfabetização no Estado era de 94,8% para a população com 15 anos e mais, em 2005 (BRASIL. Ministério da Saúde, 2006a). Das crianças de 7 a 14 anos, em 2006, a taxa de freqüência escolar variou de 97,5% (nas famílias com rendimento mensal de até meio salário mínimo per capita) até 99,7% (nas famílias com rendimento mensal de mais de três salários mínimos per capita) (IBGE, 2007). Em 2005, para cada 1.000 habitantes, havia 2,02 médicos, 1,12 dentistas, 0,96 enfermeiros e 2,82 leitos (BRASIL. Ministério da Saúde, 2006b). Os índices de saneamento indicam que 83,91% da população era

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tura e na criação familiar, bem distinta dos grandes latifundiários gaúchos que habitavam os pampas. Até 1850, os alemães ganhavam facilmente as terras e se tornavam pequenos proprietários, porém, após essa data, a distribuição de terras no Brasil tornouse mais restrita, dificultando a colonização nas proximidades do Vale dos Sinos. A partir de então, os colonos alemães passaram a se expandir, buscando novas terras em lugares mais longínquos e levando a cultura da Alemanha para diversas regiões do Rio Grande do Sul, principalmente nas terras baixas, até as encostas das serras.

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atendida pelo abastecimento de água em 2005, 79,41% tem algum tipo de esgoto sanitário e 86,78% é atendida por serviço de coleta de lixo. A administração do Estado possui uma organização de 19 Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS), 30 Coordenadorias Regionais de Educação (CRE) e 22 Delegacias Regionais de Assistência Social. Em posição privilegiada no cenário nacional, o Estado têm o menor coeficiente de mortalidade infantil: 13,9/1000 nascidos vivos em 2006 (IBGE, 2007). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Estado era de 0,81 em 2000 (ATLAS SOCIOECONÔMICO DO RIO GRANDE DO SUL, 2007), e o Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) de 0,72 em 2004 (UNICEF, 2005). Entretanto, mesmo realizando avanços significativos ao longo dos anos em favor da criança, constata-se que ainda existe no Estado uma parcela importante da população em situação de vulnerabilidade social, com indicadores que exigem maior atenção. Um desses indicadores refere-se à faixa de renda em famílias com crianças de zero a seis anos, de até meio salário mínimo per capita, cujo percentual é de 33,6%, considerado abaixo da linha de pobreza (IBGE, 2007). A desigualdade social e a pobreza têm como conseqüência crianças vitimadas pela má nutrição, vivendo em habitações precárias, muitas vezes sem saneamento básico, com dificuldade de acesso à escola e a serviços básicos de saúde, e mais vulneráveis às discriminações de gênero, etnia ou classe social, o que pode acarretar um maior índice de violência no cotidiano dessas famílias. Com relação à atenção pré-natal, um dado preocupante é que, em 2005, 18,7% dos recém–nascidos vivos eram filhos de mães com até 19 anos (BRASIL. Ministério da Saúde, 2006b). Além disso, dados do Sistema de Informações de Nascidos Vivos de 2006 revelam que 91,3% das gestantes realizaram o pré-natal, mas muitas dessas mulheres consultaram apenas até três vezes durante o período gestacional, quando o adequado seria, no mínimo, sete consultas. Nesse sentido, é possível observar que, embora a cobertura de atendimento pré-natal já seja significativa, ainda necessita ser mais bem implementada de forma a garantir a diminuição dos óbitos infantis e a prevenção de distúrbios no desenvolvimento infantil. A comprovada importância da educação no processo de desenvolvimento da criança 75,28% das crianças de zero a seis anos estão fora da escola no Rio Grande do Sul

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nos primeiros anos de vida e a crescente necessidade das famílias de dispor de uma instituição que compartilhe o cuidado e a educação de seus filhos, bem como o número de crianças atendidas fazem com que a oferta existente ainda esteja aquém da demanda para este nível de ensino. Segundo o Censo Escolar de 2006, o número de crianças de zero a seis anos matriculadas em escolas de educação infantil foi de apenas 264.225. Destas, 75.218 crianças estavam matriculadas em creches, e 189.007 na pré-escola. Merece destaque o fato de que da população total de 1.069.000 crianças de zero a seis anos (IBGE, 2007), estima-se que 804.775 ainda não se encontram incorporadas ao sistema de atendimento educacional. Este número representa 75,28% da população infantil de zero a seis anos sem o atendimento institucional necessário, o que justifica pensar em um novo posicionamento de gestão pública municipal e estadual que incorpore a Primeira Infância como uma prioridade absoluta.

Os direitos das crianças e a legislação brasileira de proteção da infância Na história da legislação brasileira, identificam-se três correntes jurídico-doutrinárias em relação à proteção da infância em nosso país, desde o século XIX (PEREIRA, 2000). A primeira delas, conhecida como a Doutrina do Direito Penal do Menor, inspirava-se nos Códigos Penais de 1830 e 1890. Preocupava-se especialmente com a delinqüência, e baseava a imputabilidade no entendimento do “menor” a respeito da prática do ato criminoso. Posteriormente, passou a vigorar a Doutrina Jurídica da Situação Irregular, com o advento do Código de Menores de 1979. Pereira destaca que o período de vigência do Código de Menores foi marcado por uma política assistencialista fundada na proteção do menor abandonado ou infrator. As decisões tomadas em nome da lei, norteadas por essa doutrina, eram marcadas pela “competência de caráter penal e tutelar do Juiz; sua interferência ocorria nas hipóteses de prática do ato infracional e nas demais situações caracterizadas como problemas sociais” (PEREIRA, 2000, p. 13). As situações de perigo ou irregulares estavam associadas ao abandono material ou moral, considerando-se que poderiam conduzir o “menor” à criminalidade. Compreendia-se que tais situações irregulares, via de regra, eram conseqüência da situação irregular da família, principalmente da sua desagregação. Marques assinala o paternalismo das instâncias voltadas para a infância e a adolescência nesta doutrina, já que a criança e o adolescente eram tomados como objetos de medidas de proteção, em uma perspectiva tutelar, receptores de uma prática assistencialista, tida “como benesse e, portanto, sem considerar seus direitos à convivência familiar e comunitária, à opinião, ao respeito e à dignidade” (MARQUES, 2000, p. 468).

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A Doutrina Jurídica da Situação Irregular foi substituída pela Doutrina Jurídica da Proteção Integral, que passou a vigorar no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988. O Código de Menores, da mesma forma, deu lugar ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13 de julho de 1990). A Doutrina Jurídica da Proteção Integral teve suas bases no movimento de mobilização do início da década de 1980, marcado por intenso debate acerca da proteção da infância e da adolescência (PEREIRA, 2000).

O Brasil foi se alinhando, assim, às diretrizes e documentos internacionais de proteção da infância. Já em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas destacou, para as crianças, o “direito a cuidados e assistência especiais”. Em 1959, a Declaração Universal dos Direitos da Criança determinaria, em seu segundo princípio, que: a criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços, a serem estabelecidos em lei ou por outros meios, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança (UNICEF, 1959).

Os direitos estabelecidos nas declarações são princípios, não representando obrigações para os Estados, diferentemente das Convenções, que delineiam políticas legislativas a serem adotadas pelos Estados-Partes. Assim, em 1989, no ano em que se comemorava 30 anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, foi aprovada por unanimidade a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em sessão de 20 de novembro da Assembléia Geral das Nações Unidas, após o trabalho árduo de 43 países-membros da Comissão de Direitos Humanos. O Brasil ratificou esta Convenção em 24 de setembro de 1990, por intermédio do Decreto nº 99.710, que assegura, em seu artigo 3.1, o seguinte: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança” (UNICEF, 1959). Observa-se uma mudança de foco na legislação brasileira de proteção da infância, que se desloca da exclusão e da repressão para a proteção com prioridade absoluta, que não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado: é um dever social. Passa-se ao enfoque da inclusão social, da prevenção e da promoção do desenvolvimento integral da infância. Na Doutrina Jurídica da Proteção Integral a criança, que antes era tomada como objeto das ações do Estado, do Poder Judiciário e da própria família, passa a ser reconhecida como sujeito de direitos, como alguém em condição peculiar de desenvolvimento. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, contempla o princípio do melhor interesse da criança, ao estabelecer que:

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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o incorporou em seus dispositivos, especialmente ao considerar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e ao assumir a doutrina da proteção integral, assegurando assim os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (RAMIRES; RODRIGUES, 2003). Em seus artigos 4º, 5º e 7º, tais dispositivos ficam bem explicitados: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão punida na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 7º A criança e o adolescente têm direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (BRASIL, 1990).

Essa perspectiva redireciona todas as questões relacionadas a crianças e adolescentes, tanto na esfera das políticas governamentais como nas decisões judiciais. De uma postura mais assistencialista e punitiva ocorre o deslocamento para uma nova postura, voltada para cuidar, proteger e educar. Antes da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1989) e do ECA (BRASIL, 1990), o atendimento à faixa etária abaixo dos sete anos era de natureza assistencial, não-educacional, e numa visão de saúde pública não universalizada, não havendo maior comprometimento do Estado com a primeira infância. Após 1988, contudo, a nova legislação O ECA reconhece a criança e o adolescente como legitima o papel e o compromisso do Estado sujeitos de direito e preconiza sua proteção integral com a primeira infância.

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É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1989).

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No âmbito da educação, já na Constituição Federal identifica-se a preocupação com os primeiros anos. O artigo 208, inciso IV, estabelece que “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, 1989). O artigo 211, parágrafo 2º, atribui aos municípios a responsabilidade por uma atuação prioritária no ensino pré-escolar e fundamental, da mesma forma que o artigo 11, inciso V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Sabe-se, porém, que apenas uma legislação avançada não garante o cumprimento e a efetivação de todos os seus dispositivos. É necessário mais do que isso: vontade política, sensibilidade, envolvimento e comprometimento dos gestores, participação e controle social, bem como investimentos, articulação entre as várias esferas de governo, entre outros requisitos. Neste contexto, o PIM emerge como uma experiência e como uma política pública que visa a dar vida a essa legislação, a garantir de fato os direitos das crianças, promovendo integralmente o seu desenvolvimento.

O nascimento de um Programa voltado para a primeira infância O PIM foi concebido na Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, em 2003, pelo secretário Osmar Gasparini Terra. Com formação médica, interessado nos avanços das pesquisas e descobertas das neurociências, Terra sensibilizou-se para o fato de que tais avanços demonstravam uma relação direta entre os cuidados e estímulos adequados na primeira infância e o desenvolvimento cerebral e global da criança. Quando eleito prefeito do município de Santa Rosa (gestão 1993-1996), Terra quadruplicou o número de creches então existentes, e capacitou profissionais para cuidar das crianças de zero a três anos de idade. Sempre interessado no desenvolvimento dos primeiros anos de vida da criança, Terra criou uma Organização Não-Governamental voltada para a discussão das políticas públicas que focalizam este período da vida, o Instituto Zero a Três. Visitou programas de outros países como o cubano “Educa a Tu Hijo” e verificou os seus significativos benefícios para o desenvolvimento das crianças cubanas, Programa que se tornaria o modelo inspirador das linhas básicas do PIM. Sobre essa base, reuniu uma competente equipe técnica e formulou o Programa Primeira Infância Melhor, acolhido e estimulado pelo então Governador Germano Rigotto (gestão 2003-2006) e implantado oficialmente no Estado em 7 de abril de 2003. Os resultados positivos do Programa sensibilizaram a Governadora Yeda Crusius, eleita para o mandato de 2007 a 2010, que apoiou e assumiu sua continuidade e sua importância, como uma das políticas prioritárias do governo. Comprometido com o desenvolvimento integral da primeira infância, o PIM articula esforços das esferas estadual e municipais, da sociedade civil e dos vários setores interessados e comprometidos com a educação e o desenvolvimento das crianças de zero a seis

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Respeitando as experiências e a cultura das famílias atendidas, o PIM tem o protagonismo como um dos seus alicerces fundamentais. Toma a comunidade e a família como o mais importante agente na promoção da saúde e do desenvolvimento de suas crianças. Contribui para o rompimento do ciclo de pobreza nas famílias atendidas, através da potencialização de um cuidado e de uma educação de qualidade. É um passo importante no sentido de tirar do papel os direitos de nossas crianças assegurados em nossa legislação, dando-lhes forma e vida.

O protagonismo das famílias é um dos alicerces do PIM

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anos. Seu objetivo principal é “orientar as famílias, a partir de sua cultura e experiências, para que promovam o desenvolvimento integral de seus filhos, desde a gestação até os seis anos de idade, com ênfase no período de zero a três anos”.

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C A P Í T U L O

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Por que investir na primeira infância?

Pode-se afirmar que já é praticamente consenso a importância dos investimentos que amparam a educação e os cuidados dirigidos à primeira infância, isto é, o período compreendido desde a concepção até o sexto ano de vida. Numerosos estudos e relatos de experiências bem-sucedidas testemunham em favor desta afirmação (BANCO MUNDIAL, 2002; COFFEY, 2007; CUBA; UNICEF; CELEP, 2002; GRUNEWALD; ROLNICK, 2007; LOVE; SCHOCHET; MECYSTROTH, 2002; KIRPAL, 2002; McCAIN; MUSTARD, 1999; MUSTARD, 2002; SCHNEIDER; TERRA, 2001; TARULLO, 2002; UNICEF, 2005; YOUNG, 1996; 2002; 2007). Em março de 1990, sob a liderança da UNESCO, a comunidade mundial reunida em Jomtien, na Tailândia, anunciou a Declaração Mundial de Educação para Todos (também conhecida como Declaração de Jomtien), reconhecendo que todos os indivíduos têm o direito a oportunidades educativas que satisfaçam suas necessidades básicas de aprendizagem. A Declaração de Jomtien enfocou a educação básica e destacou no seu Artigo 5 que “a aprendizagem começa com o nascimento”, incluindo a educação e os cuidados na primeira infância (ECPI) como parte da educação básica. Além disso, afirmou que os serviços destinados à primeira infância poderiam ser proporcionados seja através de estratégias que envolvessem as famílias e comunidades ou programas institucionais. Esta afirmação aponta que a primeira infância – a base sólida para todas as aprendizagens

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humanas – é uma área da educação que requer a atenção das políticas nacionais. A primeira infância foi, assim, declarada como não mais pertencendo somente ao domínio privado das famílias. Apesar das inspirações conceituais e de políticas que a Declaração de Jomtien promoveu, ela, entretanto, não trouxe um progresso significativo na expansão dos serviços de ECPI nos países. A Avaliação do Ano de 2000 da Educação para Todos (EPT) promovida pela UNESCO mostrou que, naquele início de milênio, dos mais de 800 milhões de crianças com menos de seis anos de idade, menos de um terço era beneficiado com alguma forma de educação infantil. Além disso, quase 113 milhões de crianças, sendo 60% meninas, não tinham acesso ao ensino fundamental, e, ainda, pelo menos 880 milhões de adultos eram analfabetos, a maioria mulheres (UNESCO, 2001). Tais números afrontam a dignidade humana, impedem a superação da pobreza e o desenvolvimento sustentável dos países. De acordo com outro estudo conduzido em 2000 por ocasião do décimo aniversário da Declaração de Jomtien, a visão ampliada de aprendizagem a partir do nascimento está longe de ser uma realidade. Na maioria dos países, a educação e os cuidados na primeira infância são ainda entendidos basicamente como educação pré-escolar ofertada a crianças a partir dos três anos de idade. O Fórum Mundial de Educação para Todos, realizado no ano de 2000 em Dacar, Senegal, promoveu uma avaliação dos progressos obtidos durante a década 1990/2000. Na ocasião, 164 países do mundo, dentre eles o Brasil, comprometeram-se a envidar esforços para alcançar, até 2015, uma educação básica de qualidade para todos. Neste evento, o compromisso com a educação e os cuidados na primeira infância foi renovado e ampliado. O Marco de Ação de Dacar fixa seis metas, sendo que a primeira delas consiste na “expansão e aprimoramento da educação e dos cuidados na primeira infância, especialmente para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas” (UNESCO, 2001, A expansão e o aprimoramento da educação e dos cuidados na p. 15). Embora esta meta não primeira infância é uma meta de 164 países, inclusive o Brasil. apresente dados numéricos a serem atingidos no período (2000-2015), urge que os governos invistam na expansão do acesso, na melhoria da qualidade e na eqüidade dos serviços de ECPI. O Marco de Ação

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O Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2007, intitulado “Bases sólidas: educação e cuidados na primeira infância”, alerta para os riscos que os países enfrentam ao negligenciar as conexões entre a educação e os cuidados na primeira infância, a educação primária, secundária e a alfabetização dos adultos (UNESCO, 2007). Esse relatório adota uma abordagem holística ao considerar que a Educação e Cuidados na Primeira Infância (ECPI) tem como objeto “o apoio à sobrevivência, ao crescimento, ao desenvolvimento e à aprendizagem das crianças – o que compreende ocupar-se da saúde, nutrição e higiene e, bem como do desenvolvimento cognitivo, social, físico e emocional – desde o nascimento até sua entrada na escola primária em ambiente formal, informal e não-formal” (UNESCO, 2007, p. 5). A educação e os cuidados na primeira infância podem melhorar o bem-estar das crianças em tenra idade, promovendo o seu desenvolvimento integral, sobretudo nos países que não pertencem ao chamado primeiro mundo. Em tais países, a criança tem quatro chances em dez de viver na extrema pobreza, e 10,5 milhões morrem por ano, antes dos cinco anos, em decorrência de doenças preveníveis (UNESCO, 2007). Alcançar a justiça social em nosso país, e garantir uma sociedade mais democrática, igualitária e não discriminatória passa pela atenção à primeira infância. As contribuições da ciência apontam para a importância fundamental dos seis primeiros anos de vida para o desenvolvimento saudável do indivíduo. Portanto, programas integrados, dedicados à educação, cuidados e promoção do desenvolvimento infantil mostram-se como um recurso eficiente para reverter o ciclo intergeracional da pobreza nos países, auxiliando suas crianças, famílias e comunidades. A seguir, apresenta-se um breve panorama da situação da infância no Brasil, apontando os principais problemas a serem superados, para logo depois trazer algumas contribuições das ciências e relatos de experiências bem-sucedidas, que testemunham em favor do investimento na primeira infância.

A situação da primeira infância no Brasil De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2006 (IBGE, 2007), a população brasileira estimada em 2006 era de 187.228.000. Na faixa de zero a quatro anos havia 14.210.000 crianças, correspondendo a 7,59% da população. Já na faixa etária dos cinco aos nove anos de idade estima-se que havia 16.734.000 crianças, correspondendo a 8,94% da população. A população estimada no Estado do Rio Grande

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de Dacar apresenta uma visão ampliada dos serviços de ECPI, afirmando que devem ser integrados e abrangentes, respondendo às necessidades de aprendizagem, desenvolvimento e crescimento das crianças pequenas de forma holística. Comparado ao Artigo 5 da Declaração de Jomtien, a primeira meta de Dacar é muito mais específica e direta em termos dos objetivos das políticas para atingir a ECPI.

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do Sul era de 10.984.000, sendo 700.000 na faixa etária de zero aos quatro anos de idade, correspondendo a 6,37% da população total do estado. Na faixa etária dos cinco aos nove anos de idade a PNAD 2006 estimou 898.000 crianças, correspondendo a 8,17% da população. O Brasil está entre os países que possuem menor percentual de população infantojuvenil. Em 2005, quando a população brasileira de zero a 14 anos representava 27,8% da população, o Brasil superava apenas o Uruguai, o Chile e a Argentina, com percentuais de 23,8%, 24,9% e 26,4%, respectivamente (UNITED NATIONS, 2007). Segundo a PNAD, em 2006, o percentual brasileiro já se reduziu para 26%, significando que naquele ano viviam no Brasil 48,6 milhões de crianças e adolescentes de até 14 anos. Os fenômenos da queda de fecundidade e gradual envelhecimento da população vêm reduzindo a proporção dessa faixa etária que, em 1996, representava 31,2% da população. Entretanto, esse segmento merece atenção especial por parte das políticas públicas e projetos sociais. Cerca de 28,9 milhões de famílias brasileiras têm crianças e adolescentes com até 14 anos de idade, o que representa quase metade das famílias do país (48,9%). Essas famílias compõem um segmento vulnerável da população quanto ao nível de pobreza. Segundo o IBGE (IBGE, 2007), o percentual de famílias consideradas pobres, que são aquelas com rendimento mensal per capita de até meio salário mínimo, era de 25,1% em relação ao total de famílias brasileiras, em 2006. Se considerarmos as famílias com crianças de zero a 14 anos, o percentual se eleva para 40,4%. Se considerarmos apenas as famílias com crianças na primeira infância, de zero a seis anos de idade, a situação é mais dramática: 45,4% dessas famílias vivem com rendimento mensal per capita de até meio salário mínimo. No Rio Grande do Sul, esse percentual é de 33,6%. Na faixa de mais de meio a um salário mínimo per capita, no Estado, encontram-se 30,6% das famílias, na faixa de mais de um a dois salários, 20,2% das famílias, e acima de dois salários mínimos per capita, 10,9% (IBGE, 2006). Constata-se que as crianças brasileiras de zero a seis anos compõem um dos segmentos mais vulneráveis da população, senão o mais vulnerável, devendo ser priorizadas nas ações governamentais e da sociedade civil.

As crianças de zero a seis anos brasileiras compõem um dos segmentos mais vulneráveis da população do país

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O Brasil tem, pois, alguns desafios a vencer no que diz respeito à primeira infância. Além da pobreza em que vive grande parte dessas crianças, o país necessita reduzir sua taxa de mortalidade infantil e de desnutrição infantil. A universalização do direito ao registro

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Um empecilho para que se conheça a situação real da primeira infância no país é o grande número de crianças não registradas. Segundo estimativas do IBGE, com base em dados apurados em 2003, a cada ano aproximadamente 750 mil crianças brasileiras completam um ano de idade sem ter sido registradas, o que corresponde a mais de um quinto do total de recém-nascidos. Sem o registro civil, requisito básico para seu reconhecimento como cidadã, a criança não existe perante o Estado e deixa de ter acesso a uma série de serviços e benefícios que a lei lhe garante. A falta de registro civil dificulta também a formulação de programas dirigidos para a população infantil, e agrava questões como o tráfico de crianças e o trabalho infantil (UNICEF, 2005). No campo da educação infantil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) promoveu mudanças importantes a partir de 1996. Creches e pré-escolas, até então vinculadas à assistência social, tornaramse oficialmente reconhecidas como um direito das crianças e passaram a fazer parte da educação básica. A LDBEN dividiu a educação infantil em creches (para crianças até três anos) e préescolas (para crianças de quatro a seis anos). Com a nova lei, essas instituições devem se ajustar e evoluir do cuidado básico para a prática educacional, com um padrão mínimo de qualidade e garantindo o acesso de todas as crianças. Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais (IBGE, 2007), a freqüência escolar das crianças de zero a seis anos vem aumentando no Brasil, embora ainda esteja aquém do que seria desejável. Em 2006, o percentual de crianças de zero a seis anos freqüentando a educação infantil chegou a 43% (contra 27,5% em 1996). Porém, há diferenças significativas no acesso à escola entre as faixas etárias. No grupo de crianças

Parcela significativa da população brasileira de zero a seis anos ainda não é atendida pelo sistema de educação e vive em condições de extrema pobreza

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civil de nascimento, assim como a oferta de pré-natal e parto humanizado para as gestantes também está aquém do que seria o esperado. Da mesma forma, a garantia efetiva dos direitos das crianças, conforme estabelecida na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, a redução dos índices de violência doméstica e dos riscos ao desenvolvimento, a promoção dos fatores de proteção desse desenvolvimento e da saúde mental de nossas crianças são aspectos que requerem a atenção e o cuidado dos governos e da sociedade. O trabalho infantil e uma oferta suficiente e de qualidade na educação infantil também são questões à espera de soluções.

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de zero a três anos, apenas 15,5% freqüentou creches no País em 2006, enquanto no grupo de quatro a seis anos, 76% das crianças teve acesso à pré-escola naquele ano. As crianças pobres são as mais prejudicadas no acesso às creches. Do grupo de zero a três anos, entre aquelas cujas famílias têm uma renda mensal per capita de até meio salário mínimo, apenas 9,9% freqüentavam creches em 2006, contra 40,7% das crianças de zero a três anos cuja renda familiar per capita era superior a três salários mínimos. Na região Sul, esses percentuais variaram entre 11,4 e 44,8%, respectivamente. Nessa região, 18,3% do total de crianças de zero a três anos teve acesso a creches em 2006. Entre as crianças de quatro a seis anos, a freqüência tem sido maior, embora a cobertura ainda não seja integral. Daquelas que vivem em famílias com rendimento mensal per capita até meio salário mínimo, 68,1% freqüentaram pré-escolas em 2006 no Brasil, e 50,8% na região Sul. Já as crianças dessa faixa etária cuja renda familiar mensal per capita foi superior a três salários mínimos tiveram mais acesso à pré-escola, tanto no Brasil como na região Sul, cujos percentuais chegaram a 95,7 e 94,6%, respectivamente. A renda das famílias tem maior influência no início da vida escolar das crianças (creches e pré-escolas) e no ensino médio (15 a 17 anos). O baixo rendimento familiar é menos sentido no ensino fundamental (seis a 14 anos), o qual é obrigatório e está praticamente universalizado no Brasil (IBGE, 2007). Apenas 1.427.942 crianças brasileiras estavam matriculadas em creches no Brasil (incluindo aqui os estabelecimentos federais, estaduais, municipais e privados) em 2006 (BRASIL. Ministério da Educação, 2007). Na região Sul, foram contabilizadas 259.364 matrículas, sendo 75.218 no Rio Grande do Sul. Na pré-escola, em 2006, 5.588.153 crianças foram matriculadas nos estabelecimentos de ensino federais, estaduais, municipais e privados em todo o Brasil. Dessas matrículas, 608.007 foram realizadas na região Sul, sendo 189.007 no Rio Grande do Sul. Nas regiões urbanas, mais da metade das creches eram instituições privadas (15.891 das 29.562 existentes em 2006) no Brasil. Com relação às pré-escolas, a participação das instituições privadas também é significativa nas zonas urbanas brasileiras (26.082, de um total de 59.969 pré-escolas em 2006) (BRASIL. Ministério da Educação, 2007). Esses fatores dificultam o acesso de um grande contingente de crianças à educação infantil, conforme preconizado pela legislação brasileira, e nos conduzem a considerar a urgência e a importância de políticas e programas voltados para a primeira infância. O Brasil tem a terceira maior taxa de mortalidade infantil da América Latina, estando atrás apenas da Bolívia e da Guiana (UNICEF, 2005). No período de 1999 a 2004, houve uma queda nesse índice, de 32,6%, chegando a 26,6 por mil nascidos vivos. A meta do governo para 2015 é chegar a um índice de 16 por mil nascidos vivos. Para 2007, é esperado um índice de 24 por mil nascidos vivos. Também é preocupante o fato de que há disparidades entre as regiões e os grupos sociais. Enquanto no Nordeste a taxa de mortalidade infantil em 2002 foi de 41,4 por mil

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A redução no índice de mortalidade infantil é associada a melhorias nas condições de vida da população e à atenção à saúde da criança e da gestante. Questões como segurança alimentar e nutricional, saneamento básico e vacinação são decisivas. Porém, no Brasil, esses progressos não beneficiam a população de maneira uniforme. Além das diferenças regionais, há as diferenças dentro de uma mesma região de acordo com o grupo social e de acordo com a raça. Assim, em nível nacional, a taxa de mortalidade infantil relativa aos 20% mais pobres era mais que o dobro em relação aos 20% mais ricos em 2000, de acordo com o UNICEF. A taxa de mortalidade infantil entre os filhos de mulheres negras era 39,7% maior que a dos filhos de mulheres brancas. Entre os filhos de mulheres índias essa diferença chegou a 75,6% naquele mesmo ano (UNICEF, 2005). Portanto, é preciso focalizar os grupos mais vulneráveis nos programas sociais e de saúde. Embora o número de óbitos a partir do segundo mês de vida tenha sido reduzido, a mortalidade de recém-nascidos se manteve estável, o que aponta para a necessidade de intensificar o acompanhamento pré-natal, assim como a atenção ao parto e ao pós-parto. A mortalidade neonatal, causada principalmente pelas afecções perinatais, que são aquelas que se originam até a primeira semana de vida (prematuridade, asfixia durante o parto e as infecções neonatais são as mais freqüentes) podem ser prevenidas e/ou reduzidas com o acompanhamento pré-natal adequado para as gestantes, e reforços nos cuidados com o parto e o pós-parto (UNICEF, 2005). O papel desempenhado pela mãe é fundamental na redução da mortalidade infantil. A recomendação internacional de que o aleitamento materno seja exclusivo até os seis meses e se prolongue até os dois anos não é seguida no Brasil, onde, segundo dados do Ministério da Saúde de 1999, apenas 9,7% das crianças alimentaram-se somente com o leite materno até os seis meses naquele ano. Além disso, o grau de instrução da mãe também tem um grande impacto sobre o índice de mortalidade infantil, o qual é significativamente reduzido conforme aumenta o número de anos de estudo da mãe. No que diz respeito à desnutrição infantil, há uma tendência de queda nos índices encontrados entre crianças menores de cinco anos desde a década de 70. A proporção de crianças com baixo peso para a idade, que era de 18,4% em 1974, caiu para 5,7% em 1996, porcentagem menor que a média da América Latina, que é de 8,3%, porém maior que a dos países desenvolvidos, que é próxima de 1%, e ainda acima do índice recomendado, que é de 4% (UNICEF, 2005). O Semi-Árido brasileiro

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nascidos vivos, na região Sul esse índice foi 17,9. Nesse mesmo ano, o Rio Grande do Sul apresentou um índice de 15,4 por mil nascidos vivos (UNICEF, 2005). Em 2006, o Rio Grande do Sul apresentou a menor taxa de mortalidade infantil do país: 13,9 por mil nascidos vivos. Nesse mesmo ano, Alagoas apresentou a taxa mais elevada, de 51,9, enquanto a média nacional foi de 25,1 por mil nascidos vivos (IBGE, 2007).

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é a região que apresenta os maiores problemas de desnutrição, miséria e vulnerabilidade da infância. Além da deficiência protéico-calórica, relacionada aos indicadores de peso, altura e idade, a falta de micronutrientes como ferro, vitamina A e iodo (a chamada fome oculta) pode ocasionar danos à saúde das crianças. A falta de ferro está relacionada à falta de apetite, podendo chegar até o comprometimento do desenvolvimento intelectual e psicomotor. Baixos níveis de vitamina A podem comprometer a visão (até causar cegueira total) e debilitar o sistema imunológico, aumentando o risco de diarréias que podem levar à morte. O iodo é necessário para evitar problemas de saúde como retardo do crescimento, comprometimento do desenvolvimento cerebral e retardo mental severo. Na gravidez, a falta de iodo pode provocar abortos, má-formação do feto e nascimento de crianças prematuras ou com retardo mental (UNICEF, 2005). A desnutrição e as demais deficiências nutricionais têm uma relação muito estreita com a pobreza, que implica, entre outras coisas, uma alimentação insuficiente e/ou inadequada. Além disso, em geral, a desnutrição está associada à exposição a doenças infecciosas. As doenças infecciosas (uma diarréia, por exemplo) elevam o risco de a criança ficar desnutrida, estabelecendo-se um círculo vicioso de alto risco para a infância. Sua imunidade poderá ser atingida, o que poderá gerar novas infecções, e assim por diante. Sendo assim, para que seja possível superar os problemas de desnutrição é necessária a atenção à saúde da criança, o que implica, entre outras coisas, uma orientação adequada às famílias. Entre as principais causas de morte das crianças brasileiras de um a seis anos encontram-se os acidentes e as agressões. “A violência contra a criança é compreendida como qualquer ação ou omissão que provoque danos, lesões ou transtornos ao seu desenvolvimento. Pressupõe uma relação de poder desigual e assimétrica entre o adulto e a criança” (UNICEF, 2005, p. 21). É preocupante o fato de que na maioria das vezes a violência contra a criança acontece dentro de casa, e é praticada pela família. Isso se deve ao fato de que existem fatores bastante complexos, de ordem cultural, social, psicológica, econômica. O UNICEF (2005) apresenta uma classificação dessas relações que não cumprem sua função de proteção à infância. São elas: • decorrentes de práticas educacionais que lançam mão de violência física: castigo, palmadas, surras, entre outros; • acidentes, negligências, abusos, incluindo o sexual; • ações ou omissões que levam à morte. Esses fatores muitas vezes fazem com que a criança se afaste de casa, ou que ela seja afastada do convívio familiar, o que pode levá-la a outras formas de violência, que podem ocorrer nas ruas ou em abrigos. Por outro lado, como ocorre em geral em espaços priva-

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A literatura em geral considera quatro tipos de violência doméstica contra crianças: a violência física – que corresponde ao emprego de força física no processo disciplinador de uma criança, ou a toda ação que causa dor física; a violência sexual – que corresponde a todo ato ou jogo sexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, que tem por finalidade a obtenção da satisfação sexual do adulto; a violência psicológica – que se manifesta pela depreciação da criança ou do adolescente, humilhações, ameaças, impedimentos, causando sofrimento psíquico e minando sua auto-estima. Pode manifestar-se também por atitudes de rejeição ou de abandono afetivo; e a negligência – que seria a ausência de cuidados físicos, emocionais e sociais, falta de assistência e de cuidados necessários ao bom desenvolvimento da criança (ROSAS; CIONEK, 2006; SILVA, 2002). Segundo levantamento do Laboratório de Estudos da Criança (LACRI), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP), a modalidade de violência contra crianças e adolescentes até 19 anos que apresenta maior incidência é a negligência (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2007). Os dados disponíveis nesse estudo são relativos a 70 municípios de 14 estados brasileiros, mais o Distrito Federal, e referem-se a três meses do primeiro semestre de cada ano. Assim, dos casos notificados em 2006, entre as crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, 41,1% foram vítimas de negligência. Em 2007 esse percentual se elevou para 46,3%. A violência física aparece em segundo lugar, atingindo 26,7% dos casos notificados em 2006 e 25,1% em 2007. Ela é seguida pela violência psicológica, que vitimou 18,9% das crianças e adolescentes em 2006 e 19,5% em 2007. A violência sexual esteve presente em 13,2% dos casos notificados nos municípios pesquisados em 2006, e em 9,0% dos casos em 2007. No Rio Grande do Sul, em 2007, foram pesquisados nove municípios e o tipo de violência mais freqüentemente notificada foi a violência física (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 2007). A violência doméstica tem um grande impacto em todas as esferas do desenvolvimento da criança e do adolescente, podendo atingir as dimensões afetiva, cognitiva, social, física e neurológica desse desenvolvimento. Devido à grande quantidade de casos e à magnitude das seqüelas causadas na pessoa que sofre violência doméstica, pesquisadores a consideram um dos mais graves problemas de saúde pública (GONÇALVES; FERREIRA, 2002; HABGZANG; CAMINHA, 2004; HABGZANG et al., 2005, 2006; PFEFFERBAUM; ALLEN, 1998; POLANCZYK et al., 2003; RIBEIRO; FERRIANI; REIS, 2004). Crianças que vivenciam atos violentos cotidianamente podem desenvolver uma dessensibilização emocional à violência, passando a percebê-la como um componente

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dos, a violência pode ficar encoberta por meses e até mesmo anos. Crianças pequenas não têm como denunciar a violência que sofrem, e nem sempre sua palavra é considerada, podendo ser tomada como fantasia. O medo, a vergonha e os sentimentos de culpa também são fatores que contribuem para o silêncio das vítimas, dificultando a proteção das crianças e a intervenção sobre tais situações (ROSAS; CIONEK, 2006).

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normal da realidade. Quando adultos, podem apresentar dificuldades nos seus relacionamentos interpessoais, transtornos de personalidade, e podem também se tornar pais e mães que maltratam seus filhos, repetindo o ciclo da violência sofrida. Para romper com a violência, é necessário voltar a atenção para a família como um todo, e não apenas para a criança. Famílias com dinâmicas violentas em geral enfrentam mais exclusão social do que as famílias que não apresentam essa dinâmica. Para o UNICEF, “a ampliação, a articulação e a integração de programas e projetos de apoio sociofamiliar são, portanto, as principais diretrizes da política de convivência familiar” (UNICEF, 2005, p. 35). A política de assistência social no Brasil foi marcada por uma mudança de paradigma nesse sentido, tendo elegido a família como a unidade básica para a ação. Essa política busca estimular que no contexto do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) os trabalhos preventivos de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários sejam ampliados. Esse é um desafio que merece a dedicação dos gestores, dos estudiosos e da sociedade brasileira em geral. Quanto ao trabalho infantil, a PNAD mostrou em 2006 que havia no Brasil cerca de 2.718 milhões de crianças de cinco a 15 anos de idade ocupadas, sendo que nessa faixa etária o trabalho é ilegal no país. Houve uma redução com relação a 2005, quando 2.934 milhões de crianças trabalhavam. Na faixa de cinco a nove anos de idade, cerca de 237 mil crianças trabalhavam em 2006, e na faixa dos 10 aos 15 anos 2,5 milhões de crianças estavam ocupadas. O país vem evoluindo ano a ano na redução desses números. Em 1996, considerando a faixa de 10 a 15 anos, constata-se que o percentual era sete pontos mais elevado, envolvendo o trabalho de 4,2 milhões de crianças. Mesmo assim, tratase de um importante desafio a ser superado em prol da infância e da sociedade brasileira. A PNAD revela ainda que, dos trabalhadores de cinco a 15 anos de idade em 2006, 51,3% (cerca de 1,273 milhão) estava envolvido em atividade agrícola, sendo que mais da metade deles (675 mil) residia em estados nordestinos. Outro fator agravante, segundo a PNAD (IBGE, 2006), é que entre os jovens de cinco a 17 anos que trabalham a taxa de freqüência escolar diminui em relação aos que não trabalham, numa proporção de 93,6 para 81%. No Rio Grande do Sul, segundo dados divulgados pela Delegacia Regional do Trabalho, Núcleo de Apoio aos Projetos Especiais (2007), o trabalho infantil ocupa cerca de 11% de meninos e meninas entre cinco e 14 anos. A maior incidência é na agricultura familiar, na reciclagem de lixo e no comércio ambulante. Em algumas regiões do Estado, há registros de jovens trabalhando na extração de acácia, na serra crianças trabalham na cultura de ervas, especiarias e alho, e na região do Vale dos Sinos e em Erexim crianças cumprem jornadas exaustivas em ateliês caseiros de fabricação artesanal de calçados. Na capital, crianças comercializam produtos nas sinaleiras, além de atividades ilícitas como tráfico de drogas e prostituição. Das 496 cidades gaúchas, apenas 138 possuem comis-

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No que diz respeito aos problemas de saúde mental na infância e adolescência, Hackett e Hackett salientam que, nos países em desenvolvimento, dados de prevalência são escassos (HACKETT; HACKETT, 1999). Duarte e outros realizaram uma revisão da literatura sobre estudos epidemiológicos conduzidos na América Latina e no Caribe e identificaram apenas 10 trabalhos publicados entre 1980 e 1999 (DUARTE et al., 2003). As taxas de prevalência, baseadas em amostras probabilísticas de crianças e adolescentes, variaram de 15 a 21%. A literatura discute os fatores de risco para os problemas de saúde mental na infância. As crianças e os adolescentes estão expostos a inúmeros fatores de risco, desde os fatores biológicos (anormalidades biológicas do sistema nervoso central causadas por lesões, infecções, desnutrição ou exposição a toxinas), os genéticos (história familiar de depressão, por exemplo), os psicossociais (disfunções na vida familiar, discórdia conjugal grave, psicopatologia materna, criminalidade paterna, falta de laços afetivos entre pais e filhos) até os eventos de vida estressantes (morte ou separação dos pais) e a exposição aos maus-tratos (negligência, abuso físico, psicológico ou sexual) (UNITED STATES, 1999). Fatores ambientais como comunidades desorganizadas e escolas inadequadas também podem trazer reflexos negativos para a saúde mental na infância e na adolescência. Bordin e Paula destacam que “a complexa interação entre fatores de risco biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais têm impacto negativo sobre o comportamento e o desenvolvimento” (BORDIN; PAULA, 2007). No Brasil, grande parte da população de crianças e adolescentes vive em condições adversas e expostos a muitas situações de estresse, o que aumenta o risco de desenvolverem problemas de saúde mental. Tais problemas comprometem os relacionamentos interpessoais, e aumentam o risco de fracasso escolar.

Muitas crianças no Brasil ainda vivem privadas dos cuidados e da educação necessários para o seu desenvolvimento

É preciso estar consciente da importância da prevenção precoce em saúde mental, pois ela está inexoravelmente vinculada à saúde em geral e ao sucesso no aprendizado escolar, da mesma forma que inversamente associada aos conflitos com a lei e a privação de liberdade (BORDIN; PAULA, 2007, p. 113).

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sões municipais do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (DRT, 2007). Na ocasião da PNAD (IBGE, 2006), 16,6% das crianças que trabalham no Rio Grande do Sul haviam começado antes dos nove anos de idade, 56,7% começaram entre 10 e 14 anos, e 26,4% iniciaram entre 15 e 17 anos.

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Sem a educação e os cuidados adequados, considerável parcela dessas crianças e jovens se tornará uma população adulta problemática, com sérios prejuízos para esses indivíduos, para seus familiares e para a sociedade como um todo.

Algumas contribuições da ciência sobre o desenvolvimento na primeira infância Os primeiros anos da vida de uma criança constituem um período crucial para o seu desenvolvimento, em todas as esferas que o compõem: afetiva, cognitiva, social, física. Desenvolvimento é definido como um processo de mudança no qual a criança passa a dominar níveis cada vez mais complexos de movimento, pensamento, sentimento e de interação com pessoas e objetos do ambiente. Desenvolvimento infantil envolve tanto um gradual desdobramento das características biologicamente determinadas quanto de traços que resultam das experiências e aprendizagens infantis. Os aspectos físico, mental e emocional são fundamentais no desenvolvimento global da criança. A aprendizagem é também crucial para o desenvolvimento. É definida como o processo de aquisição de conhecimentos, habilidades, hábitos e valores a partir da experiência, experimentação, observação, reflexão e/ou estudo e instrução (MYERS, 1995, apud EVANS, 2000). Newcombe, discutindo o conceito de desenvolvimento, o considera em termos das mudanças que ocorrem ao longo do tempo de maneira ordenada e relativamente duradoura e que afetam as estruturas físicas e neurológicas, os processos de pensamento, as emoções, as formas de interação social e muitos outros comportamentos (NEWCOMBE, 1999). Um dos objetivos de se estudar o desenvolvimento é compreender as mudanças que aparentam ser universais. Por exemplo, as crianças de todo o mundo sorriem ao ver rostos humanos durante o segundo ou terceiro mês de vida, pronunciam a primeira palavra em torno do décimo mês e caminham em torno do décimo terceiro. O conhecimento gerado pode ser usado para determinar, entre outras coisas, que comportamentos são esperados para as diferentes idades. Um segundo objetivo de se estudar o desenvolvimento é o de explicar as diferenças individuais. Algumas crianças são sociáveis e extrovertidas; outras têm dificuldades em lidar com estranhos e com novas situações. Um terceiro objetivo é entender a forma como o comportamento das crianças é influenciado pelo contexto ambiental ou situação. O contexto ambiental inclui não apenas a situação imediata, mas também atributos dos cenários mais amplos em que as pessoas convivem – a família, a vizinhança, o grupo cultural, o grupo socioeconômico. Estes três aspectos do desenvolvimento infantil – padrões universais, diferenças individuais e influências contextuais – são todos eles necessários para uma compreensão integrada do que seja desenvolvimento. O desenvolvimento infantil é um processo complexo e contínuo por meio do qual a criança adquire capacidades crescentes para mover-se, coordenar-se, pensar, sentir e

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O processo de desenvolvimento é multidimensional: inclui a dimensão psicomotora (capacidade de se movimentar e de coordenar os movimentos); a dimensão cognitiva (capacidade de pensar e raciocinar); a dimensão emocional (capacidade de sentir e ter autoconfiança); e a dimensão social (capacidade de estabelecer relações com os outros). Essas dimensões estão interrelacionadas e devem ser consideradas de maneira integrada. Todas as crianças se desenvolvem segundo uma seqüência ou esquema geral, mas o ritmo e a qualidade desse processo variam de criança para criança e de cultura para cultura (MYERS, 1992). O princípio norteador é que o processo de desenvolvimento infantil exige oportunidades educativas, para além dos cuidados de assistência a saúde, alimentação, proteção e guarda da criança. As conquistas individuais, em termos de desenvolvimento e aprendizagem, resultam de um processo compartilhado, pois dependem tanto do tipo e da qualidade das interações interpessoais quanto das atividades mediadas pelo adulto e por outras crianças. A partir das interações, a criança desenvolve suas habilidades e competências, o que lhe permite dominar níveis progressivamente mais complexos de ação, pensamento, afetividade e interação social. As contribuições de numerosos teóricos e das investigações científicas vêm demonstrando isso nas últimas décadas. Entre as descobertas mais extraordinárias da ciência está a de como o cérebro se desenvolve desde o útero até o fim da vida. Ela foi possível graças à grande evolução tecnológica ocorrida nas últimas duas décadas que permitiram, pela primeira vez, a visualização do cérebro humano em funcionamento, um melhor entendimento da química cerebral e a multiplicação, numa escala gigantesca, dos trabalhos da psicologia experimental. Esse esforço multidisciplinar foi recompensado por uma visão surpreendente de como as competências humanas surgem e se organizam. A interação com os cuidadores é fundamental para um desenvolvimento adequado da criança

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interagir com os outros e com o meio que a rodeia (OPAS, 1999). O desenvolvimento começa antes do nascimento e continua ao longo de todo o ciclo da vida. Desenvolvimento não é sinônimo de crescimento. Enquanto o crescimento é definido por uma mudança no tamanho, o desenvolvimento caracteriza-se por mudanças em complexidade e função.

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A constatação de que as habilidades e competências humanas têm seu alicerce cerebral organizado nos primeiros anos de vida, nos obriga a repensar os cuidados com a primeira infância. Segundo Shore, “a formação inicial dos sistemas vivos estabelece os condicionantes para o funcionamento de cada aspecto do organismo, seja interno ou externo, através de toda a vida” (SHORE, 1994). Desde as primeiras semanas de gestação, acontece uma prodigiosa multiplicação das células que compõem o nosso cérebro, os neurônios. Eles ainda não existem na segunda semana de gestação, mas 20 semanas depois já são 100 bilhões, interligados entre si, numa enorme rede que chega, ainda na primeira infância, a mais de um quatrilhão de conexões. Esses neurônios se diferenciam em grupos, funções e em espaços determinados geneticamente, carregando poderosos programas de interação com o ambiente em que vivemos. Os estímulos do ambiente modificam as conexões que nossos neurônios estabelecem entre si e nos permitem ir percebendo o mundo ao nosso redor, processando essas informações e reagindo de diversas formas a elas. A cada ano, surgem novas evidências da neurociência de que os primeiros anos de desenvolvimento – da concepção até o sexto ano e, particularmente, do zero aos três – estabelecem as bases das habilidades e competências que afetarão a aprendizagem, o comportamento e a saúde ao longo da vida (McCAIN, MUSTARD,1999). Nascemos com um cérebro em organização, e atravessamos um longo período de infância enquanto suas estruturas vão amadurecendo. Esse amadurecimento se dá em períodos determinados para cada função, e é basicamente conformado pelo aumento e especialização das conexões entre os neurônios. A formação e o reforço dessas ligações são as tarefas-chave do desenvolvimento cerebral inicial. Particularmente, do nascimento até os três anos de idade, vive-se um período crucial no qual se formarão mais de 90% das conexões cerebrais, isto é, as sinapses que ligam os neurônios uns aos outros. Segundo Kandel e Jessel, o detalhamento da formação da rede de neurônios do cérebro é dependente de interações específicas com o meio ambiente. A influência do ambiente no cérebro muda com a idade e profundos efeitos ocorrem nas fases iniciais do desenvolvimento pós-natal. Uma das descobertas mais significativas é a importância dos estímulos externos para a organização dessas redes neuronais (SHORE, 2000). Assim, as pesquisas confirmam o que muitos pais já suspeitavam, de que a maneira como eles interagem com o filho nos primeiros anos e as experiências que possam proporcionar ou encorajar têm um impacto significativo sobre o desenvolvimento cognitivo, emocional, físico e social da criança. O relatório “Repensando o cérebro: novas visões sobre o desenvolvimento inicial” (SHORE, 2000) representou um marco na popularização do entendimento sobre a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento cerebral humano. Cinco conclusões das pesquisas recentes foram apresentadas, a saber:

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2 – O cuidado inicial e a criação têm um impacto decisivo, de longa duração, em como as pessoas se desenvolvem em sua capacidade de aprender e em sua habilidade para regular as próprias emoções. A maneira como os pais, as famílias e os outros cuidadores relacionam-se e respondem às crianças pequenas e as formas como eles mediam o contato de suas crianças com o ambiente afetam diretamente a formação de caminhos neurais. Neurocientistas estão descobrindo que uma ligação emocional forte e segura com um cuidador carinhoso pode ter uma função biológica protetora, até certo ponto “imunizando” uma criança contra os efeitos adversos do estresse ou de trauma posterior (e fazendo com que ela realmente aprenda com as tensões comuns da vida diária). 3 – O cérebro humano tem uma capacidade incrível de mudar, mas o tempo é crucial. Enquanto a aprendizagem continua por toda a vida, há “períodos sensíveis” – épocas em que o cérebro é particularmente eficiente para tipos específicos de aprendizagens (especialmente para a organização da visão, audição, fala e relações sociais). Durante a primeira década de vida, e particularmente nos primeiros anos, a habilidade do cérebro para mudar e fazer compensações é impressionante. Estes períodos são chamados de “períodos críticos do desenvolvimento”. 4 – A plasticidade do cérebro significa, também, que há épocas em que experiências negativas ou a falta de estimulação adequada são mais suscetíveis a apresentar efeitos deletérios e duradouros. O desenvolvimento cerebral reflete um grande número de experiências físicas, cognitivas, emocionais e relacionais; o cérebro se organiza em resposta ao padrão, intensidade e natureza dessas experiências. Novos conhecimentos sobre a vulnerabilidade do cérebro em desenvolvimento aos fatores ambientais sugerem que experiências precoces de negligência e/ou trauma, exposição a substâncias tóxicas como nicotina, álcool e cocaína durante a gestação, depressão materna, institucionalização e pobreza – que constituem os principais fatores de risco – interferem no desenvolvimento das áreas subcortical e límbica do cérebro, resultando em extrema ansiedade, depressão e/ou incapacidade para estabelecer vínculos saudáveis com os outros. Experiências adversas, durante a infância, podem também deteriorar as habilidades cognitivas. 5 – Evidências científicas reunidas por neurocientistas e especialistas em desenvolvimento infantil apontam para a conveniência e eficácia de intervenções nos primeiros anos de vida. Crianças nascidas em famílias com menor nível

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1 – O desenvolvimento humano depende da inter-relação entre natureza/ biologia (nature) e criação/ambiente (nurture). Os neurocientistas têm mostrado que no decorrer de todo o processo de desenvolvimento, começando mesmo antes do nascimento, o cérebro é influenciado não apenas pela herança genética individual, mas também pelas condições ambientais, incluindo o tipo de criação, cuidado, ambiente e estimulação que o indivíduo recebe.

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de educação formal são as que mais se beneficiam, cognitivamente, dos programas de intervenção. Além disso, o impacto de intervenções na primeira infância parece ser de longo prazo: o acesso a programas de cunho educacional está associado a uma redução de quase 50% na probabilidade de as crianças repetirem a mesma série, durante a escola primária. Fraser Mustard, um dos mais importantes pesquisadores do desenvolvimento infantil na atualidade, afirma que as vias cerebrais que afetam a capacidade de ler e escrever, o comportamento e a saúde, se organizam muito cedo no cérebro humano (2003). No centro desse processo de desenvolvimento precoce está o processo afetivo. Uma criança tem ampliada sua curiosidade para aprender com o mundo, quando se sente segura emocionalmente, pelos cuidados e afeto que lhe dispensa o cuidador. Ao contrário, quando insegura e malcuidada ela se retrai e diminui sua capacidade de explorar o universo ao redor. Certamente também conformará um padrão de estresse que carregará para o resto da vida. Esse estresse aumentado influenciará poderosamente sua saúde futura e seu comportamento. Essas conclusões foram aperfeiçoadas em investigações subseqüentes, nas quais se distingue o trabalho de Allan Shore. Desde o início da década de 90, esse autor vem pesquisando e publicando sobre a integração dos achados das neurociências básicas com a psicologia do desenvolvimento e a psicodinâmica, construindo, paulatinamente, uma teoria muito bem embasada do “eu” e dos afetos como reguladores do “eu” em sua interação com o ambiente, notadamente o ambiente intersubjetivo. Ele demonstra, com riqueza de dados, como é crucial para o desenvolvimento do cérebro do bebê e da criança pequena a interação com o meio, mediada sempre por outro cérebro, o do cuidador primário, seja ele a mãe, ou a pessoa que mais convive e cuida do bebê. Para o autor, Existe agora um amplo entendimento de que o cérebro é um sistema autoorganizador, mas há talvez menos entendimento sobre o fato de que a auto-organização do desenvolvimento cerebral ocorre num contexto de uma relação com outra pessoa. Essa outra pessoa, o cuidador primário, atua como um regulador psicobiológico externo do crescimento do sistema nervoso da criança que é “dependente da experiência”, cujos componentes estão rapidamente se organizando, desorganizando e reorganizando na explosão de crescimento cerebral dos dois primeiros anos de vida. Essa “experiência” é especificamente afetiva, e o sistema de influências mútuas, recíprocas, que é criado pela díade cuidador-criança contribui para o papel central do afeto na formação dos vínculos do apego entre o par. Essas experiências também estão moldando o amadurecimento das conexões estruturais dentro das áreas límbicas corticais e subcorticais (que comandam as emoções) que vêm mediar as funções socioafetivas (SHORE, 1994, p. 5 e 6).

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O aumento de glicocorticóides induzido pelo estresse (provocado pelos maus-tratos), no período pós-natal imediato, induz à morte neuronal nos “centros afetivos”, criando circuito límbico anormal (BENES, 1994), e danos permanentes no direcionamento da emoção em canais adaptativos (DEKOSKY; NONNEMAN; SCHEFF, 1982). A interação entre corticoesteróides e neurotransmissores excitatórios (produzidos pelo estresse) é indutora da morte programada de neurônios, e representa o mecanismo etiológico primário para a fisiopatologia das alterações neuropsiquiátricas (Margolis et al. 1994). “Aqui está um modelo para uma morfogênese límbica desajustada, uma alteração estrutural que irá reduzir futuras funções adaptativas. Esse é o contexto para a psicopatogênese” (SHORE, 2003, p. 105). Portanto, vem sendo reconhecido que as primeiras experiências relacionais desempenham um papel importante no curso do desenvolvimento, nas suas várias dimensões, e os pesquisadores têm se debruçado sobre os processos através dos quais isso ocorre. Flavell, Miller e Miller analisaram o substrato cognitivo que possibilita o desenvolvimento social humano. Esse desenvolvimento implica que a criança deverá se discriminar dos outros e adquirir gradativamente uma noção sólida do self como independente e ao mesmo tempo conectado socioemocionalmente com as pessoas. Tal processo se caracteriza por um movimento dual de afastamento e aproximação e para os autores o substrato cognitivo permite e ao mesmo tempo é enriquecido e se torna mais complexo com esse movimento (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999). O desenvolvimento sociocognitivo, portanto, começa com os primórdios do processo de separação-individuação e conexão emocional com o outro nos bebês. Esse desenvolvimento inclui a compreensão crescente das emoções e dos perceptos, e também o conhecimento das crianças acerca dos atributos pessoais dos outros e do self. Inclui ainda o conhecimento das causas do comportamento e uma compreensão das relações sociais que implicam o reconhecimento de relações recíprocas como a amizade, os relacionamentos amorosos e os julgamentos morais. Self é o conceito que indica o “eu” da mente: “Uma tarefa central para a criança é adquirir a noção de que ela é uma entidade distinta e separada, claramente diferenciada de todas as outras, mas também conectada emocional e socialmente a elas” (FLAVELL;

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Ainda segundo Shore, a cuidadora abusiva não somente não brinca e interage menos com a sua criança, mas também induz um estado traumático de efeito negativo duradouro. Porque ela não acalma a criança, não proporciona um consolo interativo, os estados emocionais intensamente negativos da criança duram por longos períodos de tempo. Tais estados também são acompanhados de severas alterações na bioquímica do cérebro imaturo, especialmente nas áreas associadas com o desenvolvimento das competências interpessoais (SHORE, 2003).

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MILLER; MILLER, 1999, p. 169). Esse processo de articulação e definição do self começa cedo na vida do bebê, da mesma forma que os bebês aprendem muito cedo que os seres humanos são objetos especiais com os quais eles poderão interagir de maneiras muito especiais. Os objetos humanos também se tornam gradualmente distintos dos não humanos para os bebês. Eles aprendem que as pessoas e não os objetos respondem aos seus sinais; aprendem que o comportamento das outras pessoas pode ser previsível e contingente ao seu próprio comportamento; aprendem que a contingência vai na direção oposta também – as outras pessoas agem, e o bebê reage apropriadamente, o que lhe possibilita expandir sua consciência das contingências recíprocas. As interações recíprocas, portanto, é que possibilitam o processo de diferenciação do self. Além disso, as primeiras tentativas de um bebê de se comunicar, as quais também são tentativas de se conectar com outras pessoas, ampliam sua capacidade de responder aos gestos e expressões faciais de emoção dos outros. Os bebês aprendem a usar esse repertório de expressões como um guia para suas ações (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999; BEE, 1996). Ao final do primeiro ano de vida, os bebês estarão minimamente conscientes da existência das experiências internas – desejos, emoções, intenções, e de que estes estados internos podem ser compartilhados com outras pessoas. Entretanto, o ponto máximo das conexões com os outros, apontado por Flavell, Miller e Miller, é o que eles chamam de apego social e que se baseia na descrição de Bowlby (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999; BOWLBY, 1990). O apego resulta do desenvolvimento de laços carregados de afeto com algumas pessoas, tais como a mãe e o pai e ele é um processo de interação social de duas vias, na medida em que envolve sempre os sentimentos e comportamentos dos pais e do bebê. Por volta dos nove meses, os bebês começam a mostrar sinais claros de formação de apegos específicos. O conceito de apego evidencia uma articulação importante entre o desenvolvimento cognitivo e o social e permite compreender duas dimensões indissociáveis de um mesmo processo que é o desenvolvimento infantil. O apego serve como um bom exemplo de como o desenvolvimento cognitivo e o social estão intimamente ligados durante o desenvolvimento. Cada um deles limita e facilita o outro. Quanto à direção do social para o cognitivo, as interações sociais e relações emocionais do bebê com seus cuidadores devem constituir um elemento quase indispensável para a formação e o desenvolvimento dos processos cognitivos. É difícil concebermos como poderia haver qualquer desenvolvimento cognitivo significativo se a quantidade e a qualidade das relações sociais do bebê com outros seres humanos caísse abaixo de algum mínimo desconhecido. Os humanos são seres intrinsecamente sociais, e seu desenvolvimento cognitivo requer relações sociais humanas (FLAVELL; MILLER; MILLER, 1999, p. 154-155).

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Enfim, pode-se afirmar que a qualidade dos cuidados recebidos na primeira infância é decisiva para o desenvolvimento saudável da criança. A capacidade de percepção, a memória, o desenvolvimento da linguagem, da atividade simbólica e das estruturas de pensamento, todas essas são dimensões sensíveis à qualidade desses cuidados. Fontaine, Torre e Grafwallner associaram os cuidados e a educação recebida na primeira infância ao sucesso posterior da criança na escola (FONTAINE; TORRE; GRAFWALLNER, 2006). Esses autores salientaram os efeitos da qualidade dos primeiros cuidados nas habilidades de leitura de crianças em situação de risco, através de um estudo desenvolvido no Judith P. Hoyer Early Child Care and Family Education Center (Judy Center). Nessa mesma A qualidade dos cuidados recebidos na primeira infância é decisiva para o desenvolvimento infantil linha de investigação, Vickerius e Sandberg estudaram o significado e as implicações da atividade de brincar nos primeiros anos, para as interações sociais e o aprendizado (VICKERIUS; SANDBERG, 2006). O papel exercido por outros cuidadores, além dos pais, foi investigado por Marty, Reddick e Walters. Esses autores constataram que essas figuras disponíveis nas instituições de educação infantil como as creches e as pré-escolas, ou os visitadores das famílias como no caso de programas como o PIM, desempenham uma importante função de apoio e suporte para um relacionamento de apego seguro entre a criança e seus pais (MARTY; REDDICK; WALTER, 2005). Essas figuras reforçam e promovem tal relação, e esse fator tem implicações para o planejamento de programas de cuidados dirigidos à primeira infância, para o trabalho institucional e para a formulação de políticas públicas. Por outro lado, experiências de perda, de cuidados inadequados ou negligentes e de privações relacionadas às figuras parentais foram associadas a comportamentos antisociais e/ou delinqüentes na adolescência e na vida adulta (WINNICOTT, 1987). Essa asso-

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O estilo de comportamento da mãe ou do principal cuidador, quão disponíveis e apropriadas são suas respostas interfere nesses laços de apego, contribuindo para as suas características. É nessa base que as crianças estarão construindo expectativas acerca do comportamento das suas figuras de apego, representações do self, das pessoas e do mundo ao seu redor, e das interações entre ambos. E é também sobre esta base, que poderá ser uma base segura ou não, que a criança pequena estará capacitada para explorar o mundo, ter curiosidade, aprender, interagir (BOWLBY, 1989).

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ciação é de especial interesse, se considerarmos a situação de pobreza e vulnerabilidade de parcela significativa de famílias brasileiras que têm crianças e adolescentes, e o expressivo número de jovens que se envolverão em conflitos com a lei em nosso país. A constatação dessas informações nos leva a uma nova visão do desenvolvimento humano e à conclusão de que nenhuma ação social ou política pública pode ser mais importante do que aquelas que cuidam da primeira infância. Programas e ações já realizadas nesse sentido testemunham em favor dessa afirmação. “Intervenções importantes feitas no início da vida são vistas como pequenos investimentos que trarão altos retornos em termos de bem-estar físico, mental e econômico durante a vida da criança e do adulto” (BANCO MUNDIAL, 2002, p. 7). Programas voltados para estimular e promover o desenvolvimento infantil trazem resultados importantes no sentido da redução das taxas de mortalidade infantil, aumento das matrículas escolares, redução dos índices de repetência e evasão escolar e aumento da capacidade de ganhos futuros no mercado de trabalho. Young, revisando o resultado de programas de desenvolvimento da primeira infância implementados em diversos países como Israel, Turquia, México, Guiana, Chile, Venezuela e Bolívia, entre outros, aponta resultados como melhor saúde e nutrição, índices mais altos de inteligência, maior número de matrículas escolares, menos repetência, menos evasão e maior participação de mulheres na força de trabalho. Por outro lado, se as crianças pequenas forem privadas de um ambiente seguro, amoroso e estimulante no início de suas vidas não desenvolverão totalmente funções de linguagem, pensamento e sociabilidade (YOUNG, 1996). Pesquisa realizada pelo Banco Mundial revelou que a freqüência na educação infantil também exerceu influência importante na escolaridade final dos brasileiros. Dois anos de pré-escola contribuíram para aumentar em média um ano de escolaridade. Além disso, crianças que tiveram acesso à educação infantil tiveram menos probabilidade de ser reprovadas e apresentar defasagem entre idade e série. Esse estudo também concluiu que um ano de pré-escola resultou em aumento de 2 a 6% nos salários (BANCO MUNDIAL, 2002). Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) corroboram esses achados, atestando que uma criança pobre que freqüenta dois anos de educação pré-escolar terá 18% a mais de poder de compra, quando adulta. Para o UNICEF, portanto, “o investimento em educação infantil pode ser visto também como uma escolha a favor da garantia de eqüidade de gênero, do enfrentamento da criminalidade e do combate à pobreza e à exclusão social” (UNICEF, 2005, p. 68). Nas publicações sobre o tema, há unanimidade entre os autores a respeito dos benefícios do investimento em programas que buscam promover o desenvolvimento nos primeiros anos das crianças (COFFEY, 2007; GAAG, 2002; GRUNEWALD; ROLNICK, 2007; LOVE; SCHOCHET; MECYSTROTH, 2002; KIRPAL, 2002; McCAIN; MUSTARD, 1999;

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Grunewald e Rolnick salientam que os programas voltados para a primeira infância podem ser desenvolvidos em larga escala e ser bem-sucedidos, se tiverem as seguintes características: focalizar crianças em situação de risco e encorajar diretamente o envolvimento dos pais; promover um comprometimento em longo prazo com o desenvolvimento na primeira infância; encorajar práticas inovadoras e de alta qualidade. Os autores consideram, entre as condições que podem indicar que uma criança se encontra em situação de risco, a baixa renda familiar, a presença de violência ou negligência no lar, baixo grau de instrução dos pais, baixo peso ao nascer, e dependência química dos pais (GRUNEWALD; ROLNICK, 2007). Condições que, como vimos anteriormente, afetam parcela significativa da população de crianças brasileiras. A qualidade de vida que uma criança terá e as contribuições que ela fará para a sociedade costumam ser traçadas nos primeiros cinco anos de vida (GRUNEWALD; ROLNICK, 2007). Se esse período caracterizar-se pela presença de suporte para sua evolução cognitiva, na linguagem, nas habilidades motoras, nas suas habilidades adaptativas e no seu funcionamento socioemocional é mais provável que a criança seja bemsucedida na escola e mais tarde contribua efetivamente para a sociedade. Inversamente, sem suporte adequado nesses primeiros anos, a criança estará mais propensa a abandonar a escola, receber benefícios do governo e apresentar conflitos com a lei. Young refere estudos conduzidos nos Estados Unidos, na Ásia, no Oriente Médio e na América Latina que evidenciaram os resultados positivos de programas voltados para a educação na primeira infância. Esses resultados evidenciaram efeitos positivos no quociente de Inteligência das crianças, nas condições com que ingressaram na escola e na sua prontidão para o processo de alfabetização, e melhores resultados no final das primeiras séries (YOUNG, 1996). Estudos longitudinais realizados nos Estados Unidos confirmaram que programas dirigidos para crianças pequenas que viviam na pobreza trouxeram importantes e duradouros benefícios. O envolvimento dos pais em tais programas mostrou-se crítico para a garantia dos resultados positivos. A revisão realizada por Myers de 19 avaliações longitudinais dos efeitos das intervenções precoces na América Latina corrobora esses achados. Esse autor identificou melhoras na saúde e nutrição, em programas como os desenvolvidos na Colômbia e na

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MUSTARD, 2002; 2007; YOUNG, 1996; 2002; 2007). Esses programas atestam que o desenvolvimento na primeira infância é a origem da formação do capital humano, apresenta os maiores índices de retorno no desenvolvimento econômico e também a melhor relação custo-benefício para reduzir a pobreza e promover o crescimento econômico de um país. Crianças que participam de programas para o desenvolvimento da primeira infância costumam se sair melhor na escola e na vida. O retorno dos investimentos nesses programas excedem àqueles que são associados a qualquer outro investimento na infra-estrutura dos países.

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Bolívia, que estimularam a imunização dos pequenos (MYERS, 1995). Crianças que participaram de programas para a primeira infância na Colômbia, Jamaica, e Peru apresentaram escores mais altos de inteligência do que as que não participaram. As taxas de matrícula na escola, na Colômbia, também foram mais altas entre as crianças que participaram do Programa. Myers também constatou que crianças participantes de programas para a primeira infância no Brasil, nos Estados de Alagoas e Ceará, na Colômbia e na Argentina tiveram menos reprovações na escola e fizeram mais progressos do que as crianças não participantes, nas mesmas circunstâncias. Barnett analisou os resultados de 36 estudos acerca de programas dirigidos à primeira infância, e seus efeitos em longo prazo no desenvolvimento cognitivo, na socialização e no sucesso escolar de crianças de famílias com baixa renda. Sua revisão incluiu estudos de educação pré-escolar, creches e programas que adotaram a estratégia de visitas domiciliares. Suas conclusões indicaram que tais intervenções produziram grandes benefícios em curto prazo no quociente de inteligência das crianças e consideráveis efeitos em longo prazo no desempenho escolar, na reprovação e encaminhamento para classes especiais e no ajustamento social. A qualidade e o investimento realizado nos programas foram fundamentais para o seu sucesso (BARNETT, 1995). Uma das experiências mais citadas sobre os programas para a primeira infância é o Projeto Pré-Escolar High/Scope Perry, realizado em Ypsilanti/Michigan, nos Estados Unidos, que conduziu uma avaliação longitudinal, acompanhando crianças desde a época que participaram do projeto pré-escolar, com três ou quatro anos até os 40 anos. Todos os participantes eram crianças afro-americanas que viviam no mesmo bairro nos anos 60. Elas foram divididas em dois grupos, de forma aleatória. Um grupo recebeu um programa pré-escolar de aprendizagem ativa de alta qualidade e outro grupo foi analisado como grupo-controle. Foram avaliadas certas características, aptidões, atitudes e tipos de desempenho, e os resultados mais notáveis para os participantes que receberam o programa pré-escolar, quando chegaram aos 27 anos de idade foram: a) Renda mensal mais alta – 29% ganhando renda igual ou superior a US$2.000, contra 7% do grupo controle; b) Percentagem mais alta de casa própria – 36% contra 13%; c) Nível mais alto de instrução – 71% contra 54% completaram o ensino médio; d) Percentagem mais baixa de pessoas assistidas por serviços sociais nos últimos 10 anos – 59% contra 80%; e) Número menor de prisões até os 27 anos – 7% contra 35% com cinco ou mais prisões; f) Percentagem de tempo em programas para deficiências mentais educáveis – 15% contra 34% passaram um ano ou mais nesses programas.

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Por tudo isso, é possível afirmar que “a provisão de bons cuidados e apoio à primeira infância é essencial para todas as crianças, mas de suma importância para as pobres e vulneráveis, para compensar suas desvantagens” (UNESCO, 2007, p. 25). James Heckman, prêmio Nobel da Economia em 2000, salientou que o investimento na primeira infância, especialmente o focalizado nas crianças mais vulneráveis, “é uma rara iniciativa de política pública que promove eqüidade e justiça social” (HECKMAN apud UNESCO, 2007, p. 25). Investir em programas voltados para o desenvolvimento na primeira infância, portanto, é um imperativo ético, social e econômico dos governos e das sociedades. No capítulo seguinte, é apresentada a experiência do Programa Primeira Infância Melhor, o PIM, desenvolvida no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul.

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Dados esses resultados, em longo prazo, calcula-se que o Programa tenha economizado US$7,16 para cada dólar investido, devido às reduções nos gastos de educação primária, previdência social, saúde mental e sistema prisional, combinadas com o aumento de produtividade ao longo do tempo (YOUNG, 1996).

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C A P Í T U L O

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O Programa Primeira Infância Melhor (PIM) foi lançado oficialmente no Estado do Rio Grande do Sul no dia 7 de abril de 2003, através da assinatura da Portaria nº 15/2003, que o instituiu e definiu as responsabilidades do Estado e dos municípios. Na ocasião, também foi firmado o Protocolo de Intenções/2003 entre as quatro Secretarias Estaduais parceiras na implantação do Programa, a saber, da Saúde, da Educação, da Cultura, e do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (a partir de 2007, denominada Secretaria da Justiça e Desenvolvimento Social), com o apoio do Gabinete da Primeira-Dama, para o estabelecimento de ações conjuntas com vistas à implementação e ao funcionamento do Programa. Também nesta data, foram instituídos o Comitê Estadual para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância – CEDIPI (Decreto n° 42.199), o Dia Estadual do Bebê (23 de novembro), e a Semana Estadual do Bebê (Decreto nº 42.200), integrando o calendário oficial, como um estímulo para que a sociedade sul-riograndense reflita e se organize em torno da primeira infância, participando de atividades socioeducativas nas suas comunidades, valorizando e promovendo o desenvolvimento integral de suas crianças. O Decreto nº 42.201, ainda nesta data, instituiu o Prêmio Viva a Criança, outorgado aos municípios que apresentassem os menores índices de mortalidade infantil, prêmio a ser conferido no Dia Mundial da Saúde – 7 de abril1. 1. Os Decretos, a Portaria e o Protocolo de Intenções são apresentados anexos no CD-ROM que acompanha este livro.

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Apresentando o PIM

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Sob a liderança da Secretaria Estadual da Saúde, e integrando esforços das Secretarias Estaduais da Educação, da Cultura, e da Justiça e Desenvolvimento Social, o PIM reflete na sua concepção, implantação e evolução o reconhecimento da importância e da complexidade do desenvolvimento infantil. Assume o compromisso com a promoção desse desenvolvimento, articulando os setores e esforços necessários para tanto. Um dos pressupostos do PIM é que o desenvolvimento infantil é um processo complexo, que envolve várias dimensões: as dimensões neurológica, afetiva, cognitiva e social. Não é um processo descontextualizado, tendo a família e o ambiente da criança, assim como a comunidade onde estiver inserida, uma importância vital. Igualmente, o contexto social mais amplo, cultural, histórico, político e econômico também terão implicações significativas para esse desenvolvimento. Portanto, como mostra Young, “para uma criança, a capacidade de pensar, formar relações sociais e realizar todo o seu potencial está diretamente relacionada com o efeito sinérgico da boa saúde, boa nutrição, estímulos apropriados e interação com pessoas significativas” (YOUNG, 1996). Os programas voltados para as crianças nos seus primeiros anos de vida, então, devem ser abrangentes, integrados e buscar satisfazer todas as suas necessidades, bem como a promoção das suas potencialidades. Os cuidados e a educação das crianças nos seus primeiros anos de vida têm reflexos decisivos no seu desenvolvimento. Até os seis anos de idade, 90% das sinapses cerebrais já terão sido formadas, assim como o desenvolvimento da linguagem e o potencial do vocabulário da criança, sua estabilidade emocional, os contornos mais amplos da sua auto-estima, senso de moralidade, responsabilidade, empatia, relacionamento social e aspectos fundamentais de sua personalidade (UNICEF, 2005). Trata-se de um período crucial como já foi visto, e potencialmente importante e promissor em termos de investimentos e atenção. Discutindo o que são “Programas de Desenvolvimento da Primeira Infância”, o relatório do Banco Mundial sobre essa questão no Brasil salienta que esse termo inclui serviços devotados ao crescimento físico e intelectual de crianças em seus primeiros anos de vida (de zero a seis anos). Estes serviços incluem creches, pré-escolas, visitas domiciliares por profissionais treinados, serviços de saúde e nutrição e educação aos pais. Intervenções importantes no início da vida são vistas como pequenos investimentos que geram altos retornos no bem-estar físico, mental e econômico durante a vida da criança e do adulto. As pesquisas também demonstram que as intervenções precoces são especialmente benéficas para crianças carentes (BANCO MUNDIAL, 2002, p. viii).

Conscientes de todos esses fatores e com experiências anteriores que já revelavam o interesse, a sensibilidade e a dedicação para os primeiros anos da infância, Osmar Gas-

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O Programa “Educa a Tu Hijo” foi implantado no ano de 1992 em Cuba, com apoio do UNICEF, e baseado em estudos e investigações desenvolvidos de 1983 a 1992. De caráter intersetorial e comunitário, e contando com a participação decisiva da família, o “Educa a Tu Hijo” visa à promoção do desenvolvimento integral das crianças de zero a seis anos. Em 2002, o Programa oferecia cobertura a 70,9% da população infantil cubana de zero a seis anos, população esta que não estava sendo atendida pela via institucional de educação infantil: os chamados Círculos Infantis e Aulas de Pré-Escolar naquele país. Em 1998, como resultado dessa experiência, foi criado o Centro de Referência LatinoAmericano para a Educação Pré-Escolar (CELEP), com o objetivo de promover intercâmbio sistemático com especialistas latino-americanos e de outras latitudes, vinculados à educação e ao desenvolvimento na primeira infância. O CELEP oferece assessoramento à formulação de programas e projetos educativos institucionais e não institucionais em outros países, além de contribuir para o aprimoramento profissional dos educadores. Por meio do CELEP, a experiência cubana já foi compartilhada com especialistas do Chile, Argentina, Colômbia, Equador, Brasil, República Dominicana, entre outros países que participaram de intercâmbios sobre o tema da educação infantil e do desenvolvimento na primeira infância. A tecnologia desenvolvida pelo “Educa a Tu Hijo”, através da organização das suas equipes e articulação das várias instâncias envolvidas, as capacitações destinadas a preparar, acompanhar e avaliar os profissionais envolvidos serviu de modelo para o PIM, resguardadas as diferenças contextuais e culturais entre os países. O PIM nasceu, desta forma, alicerçado em estudos e experiências concretas que demonstram os benefícios da ação socioeducativa e dos cuidados de qualidade destinados à primeira infância. Foi concebido à luz de um novo paradigma norteador da compreensão e das ações nos campos da saúde, educação, assistência social e cultura. Em contraposição ao modelo que privilegiava a intervenção sobre os problemas, a doença, o déficit, a falta, assistiu-se a passagem ao paradigma da atenção integral, contemplando ações educativas e de promoção da saúde e do desenvolvimento, e prevenção das dificuldades, além das ações de atenção e assistência quando necessárias. De ações especializadas e focalizadas, busca-se contemplar ações interdisciplinares e intersetoriais, que levem em conta a complexidade dos aspectos da saúde e da educação infantil.

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parini Terra, Secretário da Saúde do Rio Grande do Sul e sua equipe formularam o PIM, processo que contou com a participação e a cooperação técnica do Setor de Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, no Brasil e de seu Escritório Antena no Estado do Rio Grande do Sul. Atento à realidade da infância no Estado e às características e à diversidade dos seus municípios, o PIM foi fortemente inspirado na experiência cubana desenvolvida no “Educa a Tu Hijo”.

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O PIM reconhece, portanto o imperativo das políticas intersetoriais e integradas, e organiza-se a partir de uma parceria entre o estado, municípios e instituições não-governamentais que aderem ao Programa. Da teoria à prática: pressupostos teóricos e eixos estruturantes do PIM O PIM organiza-se em torno de três eixos estruturantes: a Família, a Comunidade e a Intersetorialidade. A família é concebida como o grupo humano primário mais importante nos anos iniciais da vida de todo indivíduo. É uma unidade afetiva de relacionamento, de cuidado, proteção e educação. Não se constitui necessariamente com base nos laços sanguíneos ou legais. Na sociedade brasileira, a família ocupa um lugar central na configuração do indivíduo e no processo de construção da sua subjetividade. A família é importante, não apenas pelos cuidados que efetivamente dispensa às suas crianças, mas também pela dimensão simbólica que a caracteriza, através da qual identidades, valores, vínculos, modelos de comportamento vão se constituindo. Além disso, os estilos de interação e cuidado proporcionados, os estímulos oferecidos, têm um papel primordial no desenvolvimento afetivo, cognitivo e neuropsicomotor da criança, especialmente nos seus primeiros anos. A importância da família se torna ainda mais crucial quando consideramos que quase 75,28% da população infantil de zero a seis anos não têm acesso às instituições de educação infantil no Rio Grande do Sul (com base na população estimada no Estado em 2006 e no número de crianças matriculadas de zero a seis anos) (IBGE, 2007; MEC/INEP, 2006). O PIM cumpre assim um importante papel de apoio às famílias, de orientação e promoção do desenvolvimento integral das suas crianças. O Ministério da Saúde, em 2002, no Guia Referencial para Gestores Municipais a respeito das políticas intersetoriais em favor da infância, já salientava que todas as políticas dirigidas à criança de zero a seis anos de idade, orientadas pela abordagem integral das necessidades do desenvolvimento infantil, não poderiam prescindir da inclusão das famílias nos seus programas. Os organizadores desse documento salientam: formular políticas de proteção às famílias pobres, em que o foco de eleição do público prioritário para atendimento seja a presença da criança pequena no núcleo familiar, parece ser uma das formas de garantir melhores condições de desenvolvimento às crianças... O papel das políticas públicas deve ser o de garantir às famílias as condições para exercer sua competência e a responsabilidade. Para tanto, deve facilitar o acesso das famílias aos serviços e programas de formação, melhorar suas condições de vida, reafirmar as responsabilidades e autoridade dos pais na educação de suas crianças, além de proporcionar maior e melhor informação sobre as necessidades do desenvolvimento infantil (BRASIL. Ministério da Saúde, 2002, p. 79-80).

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O PIM respeita e considera as experiências e a cultura das famílias atendidas no planejamento de suas ações. Semanalmente, leva às suas casas conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil, incentivando-as à reflexão, a olhar para suas crianças identificando suas potencialidades, suas características, dificuldades, promovendo o cuidado adequado dos seus filhos. Através dos materiais oferecidos pelo Programa, como o Guia da Família, por exemplo, da interação com a visitadora e do suporte oferecido por ela, as famílias atendidas pelo PIM têm acesso a informações e vivências essenciais para o favorecimento dos cuidados e da educação de suas crianças. Não se trata de um modelo paternalista ou assistencialista de ação. Em primeiro lugar, porque as ações nos âmbitos da educação, da saúde, da assistência social e da cultura não se realizam apenas nos espaços formais e institucionais constituídos O PIM leva semanalmente às casas das famílias atendidas conhecimentos para essa finalidade. Em sobre o desenvolvimento infantil segundo lugar, porque a condição de vulnerabilidade e risco social em que essas famílias se encontram dificultariam e muitas vezes impossibilitariam o acesso ao conhecimento e à experiência proporcionada pelo Programa de outra forma. E por último, mas não menos importante, a família é considerada como um agente competente, ativo e co-participativo no Programa, construindo-o em conjunto com as equipes envolvidas, na medida em que a sua participação, contribuição, demandas e feedbacks são elementos centrais na sua implementação. Além da família, a comunidade também é um eixo central no PIM. A comunidade é concebida no Programa como um espaço fundamental de potencialidades, recursos humanos, materiais e institucionais. Seus costumes, suas tradições, suas produções culturais são elementos importantes na educação, na saúde e no desenvolvimento das crianças. Brazelton e Greenspan, discutindo as necessidades essenciais das crianças para seu crescimento, aprendizagem e desenvolvimento, incluíram a necessidade de comunidades estáveis, amparadoras e de continuidade cultural (BRAZELTON; GREENSPAN, 2002). O PIM valoriza e estimula esse papel da comunidade, bem como seu potencial de mobilização, divulgação, apoio das ações educativas e de saúde voltadas para o desenvolvimento integral da primeira infância. A aproximação com a cultura e os recursos de cada

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comunidade são valorizados e buscados pelo Programa, e são compreendidos como elementos importantes sem os quais a evolução do PIM no município ficaria comprometida. A intersetorialidade no atendimento às crianças, como um dos eixos estruturantes do PIM, decorre da constatação de que a A comunidade é um dos eixos centrais do PIM fragmentação das iniciativas, a setorialização excessiva e a ênfase na especialização das ações resultam em políticas inadequadas e em programas pontuais que, além de dispersar os recursos, reduzem sua eficácia e efetividade. Isoladamente ou operando através de uma simples justaposição, os setores da saúde, da educação, da assistência social, da cultura e da justiça não alcançam os resultados esperados, muitas vezes nem mesmo nos seus próprios campos de atuação. Isso decorre da interdependência entre as necessidades e demandas da população e a sua relação com fatores sociais complexos, que não podem ser reduzidos à setorialização técnico-administrativa (BRASIL. Ministério da Saúde, 2002). Além disso, as melhorias na saúde também dependem de múltiplos fatores econômicos e sociais. É indispensável, portanto, a articulação de todos os setores envolvidos com o atendimento da criança pequena e com a promoção e a proteção de suas famílias, através de um modelo integrado de execução local de uma política pública para a infância. Guiado por estes princípios, o PIM toma a criança e sua família como unidade de análise e de intervenção para a sua formulação, com base na integração dos diferentes níveis de governo, e articulando as famílias e a sociedade civil às ações governamentais. Wimmer e Figueiredo conceituam a intersetorialidade como “uma prática integradora de ações de diferentes setores que se complementam e interagem, para uma abordagem mais complexa dos problemas” (WIMMER; FIGUEIREDO, 2006, p. 151-152). Os autores consideram que para dar conta de estruturar ações coletivas mais complexas, capazes de lidar com as várias nuances da realidade e de proporcionar o desenvolvimento da autonomia nos sujeitos, a articulação intersetorial e transdisciplinar mostram-se fundamentais. A complexidade dos setores da saúde, da educação e da assistência social não permite uma abordagem fragmentada por estruturas setorializadas.

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A Secretaria Estadual de Saúde tem como atribuição tratar das políticas de saúde no âmbito estadual, com vistas à promoção, prevenção e atenção em saúde. Enquanto coordenadora do PIM, adota estratégias específicas e a articulação de programas e serviços de sua própria rede, com foco na participação intra e intersetorial, em especial naqueles programas e serviços cuja atenção e ação estão voltadas à família, à gestante e à criança. O PIM faz interface com outras ações da Secretaria Estadual da Saúde, dentro da lógica adotada pelo governo estadual em preparar o cidadão do amanhã com qualidade de vida. Em 2006, o Rio Grande do Sul foi apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como o estado brasileiro com o menor índice de mortalidade infantil. E este é o indicador mais significativo de saúde de uma população, em qualquer parte do mundo. Nos últimos anos, o coeficiente de mortalidade infantil vem caindo numa curva decrescente no RS. Só se chega a este cenário com uma rede articulada de estruturas e ações eficazes, preventivas e curativas, e isso acaba influenciando na melhoria de todos os demais indicadores de saúde, não só na infância, mas em todas as etapas da vida. Nesta rede gaúcha inclui-se o incremento permanente do Programa Saúde da Família, verdadeira porta de entrada nas comunidades. Agrega-se ainda o Programa Viva a Criança. A ação realiza, por exemplo, um mapeamento semanal de óbitos infantis. Esse levantamento permite ações técnicas e focadas nas áreas de maior incidência. O Programa estabelece o acompanhamento das mulheres grávidas por meio de exames periódicos de pré-natal. Todas estas ações ocorrem de forma amalgamada com os municípios. Outra ação da Secretaria com reflexos numa primeira infância melhor é o Programa de Prevenção da Violência, outra prioridade do governo do estado. A iniciativa vem tratando do grave problema da violência como uma questão de saúde pública no Rio Grande do Sul. A Secretaria Estadual da Educação, além dos projetos na área da educação infantil e de formação dos educadores, desenvolve o Projeto “Escola Aberta para a Cidadania”, que objetiva trabalhar com as famílias, as crianças e a comunidade em geral, durante os finais de semana, oportunizando a sua participação em atividades socioeducativas, culturais e desportivas. Isto significa não apenas abrir as portas de escolas públicas à comunidade, mas, sobretudo, abrir horizontes e perspectivas de futuro para as populações

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A intersetorialidade no PIM se define como um conjunto articulado de ações em rede de apoio à gestante, à criança de zero a seis anos e às suas famílias. Nesta articulação ficam preservadas as especificidades de cada Secretaria, o incentivo para a implementação de programas e para a complementaridade da rede de forma a integrar um conjunto de atividades que estejam em sintonia e que possam ir ao encontro das demandas da população-alvo. Para o Executivo Estadual, eleger a primeira infância como prioridade tornou-se um eixo integrador de políticas públicas, que passou a ser contemplado nas Secretarias parceiras, através de diferentes ações de programas desenvolvidos pelas mesmas.

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mais marginalizadas socialmente, cultivando vidas e desarmando a violência. Junto ao PIM, representantes de cada uma das Coordenadorias Regionais de Educação (CRE) participam das visitas e assessorias às famílias do Programa, além da inserção no Grupo Técnico Estadual (GTE) e junto ao Grupo Técnico Municipal (GTM) em cada município que implanta o Programa. Por outro lado, a Secretaria Estadual da Cultura faz a interface com o Programa Primeira Infância Melhor por meio de sua política abrangente que inclui a disponibilização de todos os acervos de suas instituições. São estas as fundações de teatro, televisão, rádio e música, os museus históricos e de arte, os centros de desenvolvimento da expressão que desenvolvem atividades de arte-educação com crianças e adolescentes, as bibliotecas com ênfase nas infanto-juvenis, Casa de Cultura Mário Quintana e os institutos de música, teatro, dança cinema e tradição e folclore. Outro compromisso, nesta parceria e apoio ao Programa Primeira Infância Melhor, é a promoção de capacitações sobre cultura, arte-educação, ludicidade, confecção de brinquedos, contação de histórias, entre outros temas, para Grupos Técnicos Municipais, monitores e visitadores. Estas capacitações podem ser estaduais, regionais e/ou municipais. Na área da Assistência Social, a Secretaria Estadual da Justiça e do Desenvolvimento Social é responsável pela coordenação desta política pública no estado. Promove e orienta serviços, programas e projetos que direta ou indiretamente apóiam o desenvolvimento infantil. Estes serviços estão hierarquizados em Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE). A PSB tem suas ações focalizadas na prevenção e na vigilância social dos territórios, com serviços continuados de atenção à família e seus integrantes, de forma a fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Entre estes, podemos citar: • Orientação e Apoio Sócio-Familiar (OASF) – propõe atuações com famílias para que elas possam cumprir seu papel socializador e de proteção de seus membros, bem como desenvolver sua autonomia com vistas a sua interação social. • Apoio Sócio-Educativo em Meio Aberto (ASEMA) – promove ações socioeducativas com famílias em situação de risco pessoal e social. Estas ações devem ser desenvolvidas nos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS, unidade pública estatal responsável pelo acolhimento e vigilância social. Os CRAS, segundo a Política Nacional de Assistência Social, devem priorizar a atenção às famílias do Programa Bolsa Família (PBF). Este é um Programa de transferência de renda a famílias em situação de vulnerabilidade social, financiado pelo Governo Federal, por meio de repasse mensal, onde as famílias assumem compromissos a serem cumpridos. Este Programa desenvolve ações conjuntas de assistência social, saúde e educação, sendo o Estado responsável pela coordenação das ações intersetoriais e capacitações dos gestores e profissionais que nele atuam. Inclui-se também, na rede de serviços, o Progra-

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ma Emancipar, que por intermédio da abordagem multissetorial visa a emancipar pessoas, famílias e comunidades, rompendo os vínculos de dependência a programas estatais de transferência de renda. A execução deste Programa prioriza municípios que já desenvolvem o PIM.

Portanto, essa cooperação intersetorial voltada para a primeira infância vem integrando os serviços e ações das secretarias parceiras, contribuindo para alavancar o desenvolvimento social dos municípios que aderiram ao PIM. Nestes municípios, a rede de cooperação intersetorial se reproduz. As características principais dessa rede são a interdependência, a complementaridade e a horizontalidade de suas ações, que pressupõem a divisão de responsabilidades e competências. A orientação por uma diretriz central busca a adequação e a sintonia das ações, evitando o paralelismo e ainda potencializando recursos e garantindo a manutenção das autonomias decisórias. Deve-se acrescentar, ainda, que poderão integrar essa rede intersetorial organizações não-governamentais e demais entidades da sociedade civil. Tal integração não é apenas desejável, mas, recomendável, como vem revelando a experiência em diversos municípios participantes do Programa.

Alguns pressupostos teóricos O PIM fundamenta teoricamente suas ações nas contribuições da teoria históricocultural de Vygotsky, nos aportes oferecidos pela teoria da aprendizagem de Piaget, pelas descobertas da neurociência acerca do desenvolvimento cerebral inicial, e na teoria sobre a formação e o desenvolvimento dos vínculos afetivos de Bowlby. As contribuições de Winnicott, acerca da importância do ambiente e das funções desempenhadas pelas figuras materna e paterna no desenvolvimento psicológico infantil também foram incorporadas (WINNICOTT, 1975; 1983; 1993). Na medida em que o desenvolvimento é concebido como um processo complexo, torna-se necessário que se leve em conta suas várias dimensões. As contribuições do modelo histórico-cultural inspirado por Vygotsky nos ensinam que “a criança deve ser considerada como um ser eminentemente social, que tem o seu desenvolvimento organizado nas e pelas relações interpessoais” (VYGOTSKY 1987). Por exemplo, o desenvolvimento neuropsicossocial da criança é transformado pelas suas interações sociais, pela quantidade e qualidade dos estímulos que ela recebe e das interações em que ela participa. A rede de conexões entre os neurônios se multiplica exponencialmente nos primeiros anos de vida, e essa evolução não é alheia aos cuidados e estímulos recebidos pela criança:

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A participação dessa secretaria junto ao PIM destaca-se, ainda, pela oferta de apoio e orientação familiar, auxílio na busca/geração de renda nas comunidades, bem como na prevenção da violência doméstica e abuso sexual na infância.

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As funções do cérebro se desenvolvem rapidamente à medida que a criança tem contato com o seu grupo social, aprende a língua materna e os modos de fazer as coisas da sua cultura. A criança que não tiver acesso à interação com pessoas significativas (adultos e outras crianças com os quais mantém relações afetivas e que a ajudam a participar da vida da família e da comunidade) não se desenvolverá, nem irá apreender adequadamente o mundo em que vive (BRASIL. Ministério da Saúde, 2002, p. 42).

Nessa concepção, portanto, o desenvolvimento da criança é considerado como uma construção social, na qual entram em jogo aspectos biológicos, interpessoais, educacionais, as condições de vida e de trabalho da família, o tipo de organização e mediação dos serviços públicos, os mecanismos de resistênNo PIM o desenvolvimento é concebido como uma construção social cia e conformismo das famílias, e ainda a visão de mundo e de desenvolvimento infantil dos técnicos e gestores envolvidos com esse desenvolvimento. Vygotsky compreendia que a origem das mudanças que ocorrem no homem, ao longo do seu desenvolvimento, está na sociedade, na cultura e na sua história. Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura: a história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se constituem como importantes referências na construção de seu desenvolvimento. Ao longo dessa construção estão presentes as experiências, os hábitos, as atitudes, os valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu grupo familiar (VYGOTSKY, 1987). Estão também presentes nesta construção a história e a cultura de outros indivíduos com quem a criança se relaciona e em outras instituições próximas como, por exemplo, a escola, ou contextos mais distantes da própria cidade, país, entre outros. Daí a importância que assume a família e a comunidade como eixos estruturantes do PIM. Para Vigotsky o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constrói conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros

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sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição da própria consciência. Porém deve-se ressaltar que a criança não é vista como passiva, como uma simples receptora de conhecimentos.

Entre as importantes contribuições deste referencial teórico, pode-se salientar a visão do processo de desenvolvimento não como um fenômeno individual e predeterminado pelas características inatas de temperamento e personalidade da criança, mas sim como um processo interativo, em contínua inter-relação com o ambiente e suas figuras significativas, e em constante movimento. Sendo assim, o que se faz à criança, assim como o que se faz com a criança, terá uma importância decisiva na sua formação. Conseqüentemente, programas dedicados a intervir precocemente na promoção desse desenvolvimento, como o PIM, têm muitas chances de alcançar resultados bem-sucedidos, como essa experiência vem demonstrando. Segundo Vygotsky, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que se realiza num determinado grupo cultural, a partir da interação com outros indivíduos da sua espécie. Isto quer dizer que, por exemplo, um indivíduo criado numa tribo indígena que desconhece o sistema de escrita e não tem nenhum contato com um ambiente letrado, não se alfabetizará. O mesmo ocorre com a aquisição da fala. A criança só aprenderá a falar se pertencer a uma comunidade de falantes, ou seja, as condições orgânicas (possuir o aparelho fonador), embora necessárias, não são suficientes para que o indivíduo adquira a linguagem. Nessa perspectiva, é o aprendizado que possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento: “O aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam” (VYGOTSKY, 1984, p. 99 apud REGO, 2000). Vygotsky identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já efetivadas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou efetivo; e o outro, o nível de desenvolvimento potencial, que se refere àquilo que a criança é capaz de fazer só que mediante a ajuda de outra pessoa (adultos ou crianças mais experientes). Nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas que lhe são oferecidas. Este nível é, para Vygotsky, bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha. A distância entre o nível de desenvolvimento real (aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma) e o nível de desenvolvimento potencial (aquilo que realiza com apoio de outras pessoas) é chamado de “zona de desenvolvimento proximal” que define aquelas funções que ainda não amadureceram, que estão em processo de

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Para o autor “ela participa ativamente da construção do seu desenvolvimento, de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e provocando transformações nos demais sujeitos que com ela interagem” (VYGOTSKY, 1988).

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maturação, mas que estão presentes em estado embrionário. O aprendizado é o responsável por criar a zona de desenvolvimento proximal, na medida em que, em interação com outras pessoas, a criança é capaz de colocar em movimento vários processos de desenvolvimento que, sem a ajuda externa, seriam impossíveis de ocorrer. Esses processos se internalizam e passam a fazer parte das aquisições do seu desenvolvimento individual (REGO, 2000, p. 71-74). Nessa perspectiva é que o PIM preconiza a promoção do desenvolvimento infantil sempre a partir de intervenções e orientações realizadas com os familiares, visando a qualificar os processos interativos de pai-mãe e demais cuidadores com a criança. O Programa também considera as contribuições de Piaget, um pesquisador da inteligência humana, dos processos de formação do conhecimento e de construção de indivíduos autônomos (PIAGET, 1987; 1994). As contribuições desse autor apontam para o fato de que o conhecimento humano tem origem na ação transformadora da realidade, seja material ou mentalmente, ao que se denominou de “construtivismo”. Nesse sentido, o desenvolvimento da dimensão cognitiva da criança depende da sua interação com os outros, de como leva em conta os pontos de vista do outro e do contraste de suas opiniões com os demais, através de uma seqüência de etapas em que a criança adquire essas noções. Portanto, a criança necessita de ajuda dos adultos para “descobrir” os conhecimentos do seu mundo, devendo ser o centro da organização das atividades lúdicas e pedagógicas. As contribuições oferecidas pelas neurociências nas últimas décadas também trazem subsídios importantes, tanto para a concepção do Programa como para o planejamento e a realização de suas ações. Segundo Cunha, Schneider e Terra, já ficou evidenciado pelos neurocientistas que a determinação genética que organiza o cérebro do bebê é importante até a vigésima primeira semana de gestação. A partir daí, e principalmente após o nascimento, a experiência vivenciada, especialmente até os três anos de idade, terá um impacto tão grande na arquitetura do cérebro, a ponto de se estender às capacidades e habilidades do futuro adulto (CUNHA, 2002; SCHNEIDER; TERRA, 2001). Como resultado da nova experiência interativa que se estabelecerá entre o bebê recém-nascido e sua mãe ou principais cuidadores, os 100 bilhões de neurônios que constituem a base genética do cérebro humano vão se modificar. Surgem redes neurais, cujas funções vão desde a capacidade de regulação homeodinâmica, a sensorialidade, a motricidade, os sentimentos, a comunicação social, até funções mais sofisticadas como a aprendizagem, a linguagem, a capacidade de elaborar conceitos e buscar soluções, o pensamento e as formas de sentir a experiência. Cunha descreve como: enquanto um pai está tentando confortar um bebê que chora, ou uma mãe conversa com seu filho numa atenta relação “olho no olho”, ou enquanto o neto ouve a história que a avó lhe conta, numa questão de segundos,

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Assim, nosso cérebro é ecológico, ele aprende e se desenvolve no ambiente em que vivemos (SCHNEIDER; TERRA, 2001). Existe uma interação complexa entre os genes com que se nasce e a experiência possibilitada pelo ambiente no que diz respeito ao desenvolvimento do cérebro. Há um consenso, hoje, de que a relação dinâmica entre a bagagem genética herdada e os primeiros cuidados recebidos por uma criança tem um impacto decisivo sobre como os bebês formam o seu self, desenvolvem sua capacidade de aprendizagem e regulam as próprias emoções (CUNHA, 2002). Os estudos desenvolvidos nesse campo das neurociências também demonstraram que as diversas formas de percepção do mundo, de associação e de resposta cerebral têm períodos críticos para sua formação, passados os quais dificilmente serão construídos adequadamente. São as chamadas janelas de amadurecimento, que se abrem e fecham em períodos determinados. Após esses períodos, fica extremamente difícil organizar ou recuperar determinada função (DOHERTY, 1997). Cunha refere que estudos recentes que integraram a análise do comportamento com a função cerebral indicaram que, mesmo para o bebê portador do pior gene, capaz de determinar-lhe uma doença genética com ou sem o envolvimento do sistema nervoso central, ou patologias como o autismo, cuja origem estaria na interferência do processo de migração neuronal, uma experiência interativa segura e empática pode fazer muita diferença no desenvolvimento. Por outro lado, o bebê dotado dos mais perfeitos genes, que vivenciar uma interação pobre, insuficiente ou desorganizada com o seu cuidador, poderá desenvolver distúrbios que vão desde simples inadequações comportamentais até quadros psicopatológicos mais sérios (CUNHA, 2002). Constata-se, desta forma, que mesmo as crianças nascidas nas famílias mais desfavorecidas do ponto de vista econômico, social ou educacional, podem ser beneficiadas por intervenções que ofereçam suporte, conhecimento e orientação, no sentido de promover e estimular seu desenvolvimento. Isto não requer recursos financeiros exorbitantes. Pode ser feito de várias maneiras, e aproveitando os recursos e as possibilidades das famílias e das comunidades. O fato de ter nascido em condições economicamente e/ou socialmente desfavorecidas pode ser revertido em grande medida, por meio do estímulo

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milhares de células do cérebro destas crianças proliferam, se desorganizam, são eliminadas, organizadas e reorganizadas pelo estímulo destas experiências particulares. Formam-se novas conexões, conferindo mais definição e complexidade ao intrincado circuito que poderá permanecer pelo resto da vida e se constituir no que será o adulto. Afinal, o cérebro é o único órgão do corpo que se auto-esculpe a partir da experiência extero e interoceptiva. O aprendizado da experiência modifica e re-organiza a estrutura e a fisiologia do cérebro (CUNHA, 2002, p. 354).

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e do apoio à promoção do desenvolvimento integral da criança. Este é um dos princípios norteadores do PIM, talvez o principal. Do que foi discutido até aqui, depreende-se facilmente a importância e a centralidade dos vínculos afetivos estabelecidos entre as crianças e os seus principais cuidadores para o seu desenvolvimento. As contribuições de Winnicott e de Bowlby sobre as primeiras relações fundamentam também as ações implementadas pelo PIM. A teoria do apego, de Bowlby, que descreve o processo de formação e rompimento dos laços afetivos, pode ser considerada também como uma teoria sobre como os processos interpessoais afetam o desenvolvimento cognitivo e o social. Esse autor acreditava que existe nos bebês uma propensão inata para o contato físico e emocional com um ser humano, o que significa a existência da “necessidade” de um objeto independente do alimento, tão primária quanto a “necessidade” de alimento e conforto (BOWLBY, 1990). Sua teoria descreve a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes vínculos afetivos com alguns outros. Ele também aborda as múltiplas formas de consternação emocional e perturbação da personalidade, incluindo ansiedade, raiva, depressão e desligamento emocional, a que a separação e perda involuntária dão origem (BOWLBY , 1997). Quando a criança contar com a presença da mãe ou de uma figura substituta que seja suficientemente sensível às suas necessidades, e capaz de responder adequadamente a elas, estabelecerá o que Bowlby chamou de “apego seguro, um tipo de vínculo afetivo que funcionará como uma espécie de matriz para seus relacionamentos e experiências posteriores” (BOWLBY, 1990). Do contrário, ela poderá estabelecer um estilo de apego inseguro, o que trará implicações para seus futuros vínculos, sua interação social, suas possibilidades de participação social e de aprendizagem. Além disso, ao contar com uma mãe ou cuidadores presentes, disponíveis, sensíveis e responsivos, a criança apresenta disposição para explorar o meio circundante. Nesse caso, a mãe e/ou os cuidadores são considerados como fornecedores de uma base segura, a partir da qual a criança explora o meio ambiente, e para a qual regressa se estiver assustada ou cansada (BOWLBY, 1989). Esse comportamento exploratório é fundamental para o processo de desenvolvimento integral da criança: cognitivo, afetivo e cerebral. As representações do apego que uma criança estabelece em relação aos seus pais são baseadas em eventos, e limitadas a padrões de comportamentos concretos. Ou seja, faz diferença como são efetivamente esses pais em relação à criança, bem como se tornam fundamentais programas dirigidos à melhoria da qualidade dessa interação e relação. As idéias de Winnicott nos auxiliam nessa compreensão, na medida em que esse autor dá um destaque, em sua teoria, para a importância do ambiente da criança, e para a qualidade dos cuidados que ela recebe nele (WINNICOTT, 1975, 1983, 1993).

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Para Winnicott (1993), a criança nasce indefesa, é um ser desintegrado e percebe de maneira desorganizada os estímulos que provêm do exterior. Ao mesmo tempo, nasce provida de uma “tendência para o desenvolvimento”. O papel da mãe é prover a criança de um ego auxiliar que lhe permita integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades motoras nascentes. Com seu apoio, a mãe protege o débil núcleo do self infantil. A tarefa da mãe, portanto, é oferecer um suporte adequado para que as condições inatas alcancem um desenvolvimento ótimo. O ser humano nasce como um conjunto desorganizado de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras. Conforme progride o desenvolvimento, esse conjunto se integra até que a criança alcance uma imagem unificada de si e do mundo externo. Winnicott formulou o conceito de holding, ou sustentação, para descrever esse importante papel desempenhado pela mãe ou pelo principal cuidador da criança (WINNICOTT, 1983). A sustentação protege contra a afronta fisiológica, leva em conta a sensibilidade epidérmica da criança – tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade às quedas, assim como o fato de que a criança desconhece a existência de tudo o que não seja ela própria. Inclui a rotina de cuidados ao longo do dia e da noite, que nunca é a mesma com crianças diferentes. Acompanha as mudanças quase imperceptíveis que, dia a dia, vão tendo lugar com o crescimento e o desenvolvimento da criança. Essa proteção e cuidado não têm apenas implicações fisiológicas, garantindo a sobrevivência. Se os cuidados forem providos adequadamente, a criança consegue integrar tanto os estímulos como a representação de si e dos demais, adquirindo um ego sadio e conquistando um desenvolvimento harmonioso e promissor. O conceito de “preocupação materna primária” de Winnicott também é uma contribuição desse autor que fundamenta ações do PIM, como a modalidade de atenção dirigida às gestantes (WINNICOTT, 1993). A preocupação materna primária é um estado psicológico especial, produzido nos últimos meses de gestação e primeiras semanas posteriores ao parto. Nesse estado, a mãe adquire uma capacidade particular para se identificar com as necessidades do bebê. Essa disposição atinge sua capacidade máxima após o parto, e diminui gradativamente, à medida que a criança cresce. Para que a mãe desenvolva esse estado, será muito importante o apoio do pai e demais familiares, assim

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Winnicott “é, com efeito, um teórico do desenvolvimento precoce do ser humano” (BLEICHMAR; BLEICHMAR, 1992, p. 220). Tendo exercido a pediatria durante várias décadas, Winnicott pôde observar a conduta das crianças e de suas mães, o que o levaria à constatação de que boa parte dos problemas emocionais encontraria sua origem nas etapas precoces do desenvolvimento. Ele acreditava que o desenvolvimento emocional devia ser considerado como uma linha de progressão, sendo que as vivências na primeira infância definiriam as características do futuro. As falhas ambientais constituiriam a origem das dificuldades e quadros psicopatológicos apresentados posteriormente.

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como o fato dessa família estar inserida em uma comunidade amparadora/continente, fatores que o PIM busca estimular nas suas ações. Winnicott também teorizou sobre a importância do brincar, salientando a contribuição desta atividade humana para a saúde. O brincar facilita o crescimento, o desenvolvimento afetivo e cognitivo, conduz aos relacionamentos grupais. O brincar é uma forma de comunicação. É nos meses e anos iniciais na vida do ser humano que se localizam os primórdios da vida imaginativa, da capacidade de viver criativamente e construtivamente, e da experiência cultural (WINNICOTT, 1975). Sendo assim, tudo o que pudermos fazer por nossas crianças nesse período das suas vidas significará uma importante herança, não somente na sua trajetória individual, mas também para o seu entorno social e cultural. Em síntese, o Programa Primeira Infância Melhor busca criar condições, promover e acompanhar o desenvolvimento integral de crianças de zero a seis anos, através do trabalho intenso e contínuo com suas famílias e comunidades, garantindo o atendimento das necessidades essenciais das crianças, tão bem descritas por Brazelton e Greenspan: • • • • • •

a necessidade de relacionamentos estáveis e contínuos; a necessidade de proteção física, segurança e de regras; a necessidade de experiências que respeitem as diferenças individuais; a necessidade de experiências adequadas ao desenvolvimento; a necessidade do estabelecimento de limites, organização e expectativas; a necessidade de comunidades estáveis, amparadoras e de continuidade cultural (BRAZELTON; GREENSPAN, 2002).

Desta forma, protege-se o futuro dessas crianças, favorecendo sua cidadania, suas possibilidades de inserção e participação na sociedade, e sua contribuição para a transformação social.

Ao promover o desenvolvimento das crianças, o PIM busca proteger o seu futuro, favorecer sua cidadania e sua participação social

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Como já foi visto, o PIM é um Programa que tem como um de seus eixos estruturantes a intersetorialidade. Sendo assim, na esfera estadual, o PIM articula, sob a coordenação da Secretaria Estadual de Saúde, a participação da Secretaria Estadual de Educação, da Secretaria Estadual de Cultura e da Secretaria Estadual da Justiça e do Desenvolvimento Social. A gestão do Programa é exercida pelo Grupo Técnico Estadual (GTE), que é integrado por técnicos das Secretarias envolvidas e por representantes das Coordenadorias Regionais de Saúde e da Educação. O GTE conta também com a parceria das Delegacias Regionais da Secretaria Estadual da Justiça e Desenvolvimento Social. Consiste num grupo multidisciplinar, composto por profissionais com formação superior nas áreas social, da saúde e da educação. Conta, ainda, com o suporte técnico do Escritório Antena da UNESCO no Rio Grande do Sul e de sua Representação Nacional. O organograma abaixo ilustra esta estrutura:

A equipe do GTE é responsável pela elaboração de estratégias de implantação e implementação do Programa nos municípios. O GTE assessora, monitora, capacita e avalia cada Grupo Técnico Municipal (GTM), os monitores e os visitadores do PIM. O GTM é integrado por representantes de cada Secretaria Municipal envolvida no Programa, e é ele quem gerencia o PIM no município. É capacitado pelo Grupo Técnico Estadual. Este grupo é responsável pela organização, planejamento, execução e acompanhamento da

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A estrutura e o funcionamento do Programa

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Capacitação dos Visitadores e Monitores e das ações de implantação e implementação do PIM, estabelecendo uma sistemática de ação contextualizada e adequada às características de cada município e comunidade. O grupo seleciona as famílias que serão beneficiadas pelo Programa, a partir das áreas escolhidas, além de ser o responsável pela criação e o desenvolvimento das ações do Comitê Municipal. O GTM administra a memória do Programa, diagnosticando a situação da primeira infância no município, organizando o mapeamento das áreas, o plano de ação, os informes trimestrais, o cronograma de atividades da equipe. Além disso, acompanha visitas às famílias, organiza eventos, proporciona atividades comunitárias, divulga as ações do Programa à sociedade, informa ao Comitê Municipal sobre o andamento das atividades, relata aos gestores informações sobre questões que os envolvem e propõe soluções às demandas, através dos serviços existentes no município, articulando a rede intersetorial de atenção à primeira infância. Os integrantes do GTM reúnem-se periodicamente para trabalhar questões de natureza técnico-administrativa sobre capacitação de monitores, contratação de visitadores, articulação com a rede de serviços e sensibilização de Gestores e de segmentos da sociedade para o Programa e seus objetivos. Nessas reuniões também são realizados o planejamento didático-pedagógico e o assessoramento aos monitores e visitadores quanto às atividades junto às famílias, além do acompanhamento e avaliação das ações do PIM. Para a execução do PIM, em diferentes instâncias, sua metodologia prevê alguns dispositivos importantes que visam a assegurar a qualidade da atenção dedicada às famílias e comunidades e a necessária articulação entre importantes setores da sociedade. Um desses dispositivos implica um sistema de capacitação permanente dos seus diferentes atores. O outro integra diversas forças da sociedade por intermédio dos Comitês Estadual e Municipais da Primeira Infância.

A atenção dedicada às famílias e comunidades O PIM tem como o seu principal foco a promoção do desenvolvimento integral na primeira infância, desde a concepção até o sexto ano de vida das crianças. Contempla, também, as gestantes que vivem nas comunidades atendidas. De forma coerente com os seus pressupostos teóricos e seus eixos estruturantes, a metodologia de trabalho junto à família e suas crianças tem um papel central no desenvolvimento das formas de atenção. A atenção dedicada às famílias participantes do PIM é realizada por meio das Modalidades de Atenção Individual e Grupal, complementadas pela abordagem comunitária. Todo o trabalho de orientação às famílias e estímulo a seus filhos é planejado e realizado de

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forma lúdica, levando em conta a faixa etária das crianças ou o período gestacional da mãe, as dimensões do desenvolvimento integral consideradas pelo Programa, seus pressupostos teóricos, o contexto e seus aspectos culturais. Além disso, o trabalho sempre é baseado no Acompanhamento dos Ganhos de Desenvolvimento, o que compreende o Diagnóstico Inicial do Desenvolvimento Infantil e avaliações subseqüentes. Tanto o Diagnóstico Inicial quanto as avaliações posteriores utilizam indicadores de desenvolvimento que tomam como referência as dimensões a serem acompanhadas: cognitiva, motora, socioafetiva e linguagem. Eles orientam todo o planejamento do trabalho a ser realizado, que deve ir ao encontro das características e necessidades de cada criança/família. As modalidades de atenção são descritas a seguir: Modalidade de Atenção Individual: essa modalidade é destinada às famílias com crianças de zero a dois anos e 11 meses de idade, bem como às gestantes vinculadas ao Programa. A modalidade dirigida às crianças é semanal e a modalidade dirigida às gestantes é quinzenal. Ambas são realizadas na residência da família, com a duração de aproximadamente uma hora. Contemplam três momentos: o momento inicial, no qual o visitador retoma com a família ou gestante as orientações da atividade anterior e explicita as atividades que serão realizadas no dia (o visitador explica quais aspectos do desenvolvimento serão favorecidos com a atividade proposta, ou quais os benefícios da atividade para a dupla mãe-bebê, no caso das gestantes); o momento da atividade em si, no qual a atividade é desenvolvida, sob a observação e o apoio do visitador; e o momento final, quando o visitador avalia com a família o que foi observado sobre o desempenho da criança durante a atividade, esclarece dúvidas, inclusive sobre as orientações dadas acerca das atividades a serem desenvolvidas durante a semana. Essas visitas utilizam como materiais de referência os “Guias de Orientação do PIM”2. Modalidade de Atenção Grupal: essa modalidade é dirigida às famílias com crianças de três a seis anos de idade, bem como às gestantes, ocorrendo uma vez por semana ou uma vez por mês, respectivamente. É desenvolvida em associações comunitárias, salões paroquiais, parques infantis, ambientes espaçosos das próprias casas, entre outros. Seu objetivo é respeitar e promover as diferentes fases do desenvolvimento integral de cada criança nesta etapa de interação e convivência social. A modalidade se dá através de jogos, atividades lúdicas e educativas, planejadas pelos visitadores, sob a orientação do GTM ou monitor. A modalidade grupal com as gestantes tem como objetivo maior oferecer informações relevantes sobre a importância da amamentação, sobre o parto, entre outras, além de promover a socialização e a troca de experiências. Essa modalidade também é composta por três momentos: o momento inicial, no qual se organizam e se criam as condições necessárias para o desenvolvimento da atividade, motiva-se e orienta-se os participantes; 2.O PIM disponibiliza quatro Guias de Orientação: O Guia da Família, o Guia da Gestante, o Guia da Gestante para o Visitador e o Guia de Orientação para GTM, Monitor e Visitador. Esses guias são apresentados em formato PDF no CD-ROM que acompanha este livro.

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A visita acima ilustra a Modalidade de Atenção Individual

o momento da atividade em si, no qual se promove a participação das crianças e das famílias na atividade, facilitando-se a relação entre ambos e respeitando as diferenças entre as faixas etárias das crianças; e o momento final, no qual se retoma, analisa e valoriza os resultados, de acordo com os objetivos da atividade, e se orienta as famílias sobre a continuidade das atividades em suas casas, de acordo com a idade das crianças ou o trimestre da gravidez.

Tanto na Modalidade de Atenção Individual como na Grupal é muito importante que os três componentes básicos – orientação, execução e avaliação – sejam contemplados Modalidade dirigida às gestantes em cada encontro do visitador com as famílias, para que a eficácia da metodologia do PIM seja garantida. Além das duas modalidades de atenção, também são realizadas visitas de acompanhamento e reuniões comunitárias com as gestantes. As visitas de acompanhamento são realizadas junto às famílias com gestantes e crianças na faixa etária entre zero e seis anos, para evitar possíveis déficits apresentados pela criança. Nessas visitas, os familiares recebem orientações sobre como realizar as atividades, como elaborar materiais didáticos. Também é avaliado o nível de satisfação

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das crianças, dos seus familiares e das gestantes com o Programa. As visitas de acompanhamento também podem ser utilizadas para a realização do processo de avaliação do desenvolvimento infantil – trimestral, para crianças de zero a um ano, e anual, para as demais faixas etárias até seis anos incompletos. Atividade realizada durante a Modalidade de Atenção Grupal do PIM Estas visitas são realizadas para todas as faixas etárias por visitador, monitor ou por representante do GTM. As Reuniões Comunitárias com as Gestantes são geralmente realizadas e coordenadas pelo Programa de Saúde da Família – PSF, ou pela Secretaria Municipal de Saúde. Nestas reuniões são realizadas palestras ou oficinas sobre gestação, amamentação, puerpério, entre outros, sob um enfoque interdisciplinar. Essas atividades são acompanhadas por visitador, monitor ou representante do GTM, mantendo-se a organização preestabelecida pela equipe que coordena este trabalho mensal com as gestantes. Além dessas ações, o PIM incentiva a realização da Atividade Comunitária. Esta atividade tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida da população, estreitar as relações sociais e motivar as famílias para outras formas de entretenimento e enriquecimento pessoal e organização comunitária. Para o desenvolvimento da atividade comunitária, a equipe do PIM leva em conta alguns requisitos: o levantamento das necessidades, hábitos, costumes e interesses; o levantamento dos recursos da comunidade; o planejamento conjunto (envolvendo Secretarias, Comitê, Coordenadorias e parceiros); a ampla divulgação; e o envolvimento da própria comunidade. Toda a metodologia do PIM tem como pressuposto básico o fato de que se as crianças tiverem suas potencialidades promovidas e desenvolvidas com o auxílio dos seus pais ou cuidadores, com respeito, amor e paciência, alcançarão os ganhos propostos para seu desenvolvimento integral. É nesse sentido que os visitadores orientam as famílias, sistematicamente, para que possam realizar ações educativas que venham a promover esse desenvolvimento. As famílias contempladas pelo Programa, prioritariamente, são aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social, que têm crianças em idades de

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zero a seis anos e gestantes. Outro critério do Programa é contemplar áreas com índices elevados de mortalidade infantil e um alto número de crianças sem atendimento pelas escolas de educação infantil (creches e pré-escolas). As famílias são orientadas pelos visitadores, figuras centrais do PIM. Visitador é a pessoa que realiza, semanalmente, o trabalho direto com as famílias, em suas casas. Planeja, orienta, demonstra e avalia atividades individuais e grupais com gestantes, famílias e suas crianças. Suas atribuições são: • orientar as famílias sobre as atividades de estimulação adequadas ao desenvolvimento das crianças e gestantes; • analisar a qualidade das ações educativas realizadas pelas próprias famílias junto às crianças; • acompanhar os resultados alcançados pelas crianças e famílias; • manter em dia a documentação (informes, relatórios, anotações); • assumir a responsabilidade pelo trabalho com 25 famílias. O visitador do PIM serve como elo entre a família atendida por ele e todos os demais programas sociais existentes no município, sendo que o GTM organiza e referencia este acesso. Os visitadores participam de um Programa de Capacitação Continuada, sendo também acompanhadas e supervisionadas sistematicamente pelo monitor ou GTM. O monitor é um profissional com formação de nível superior, preferencialmente na área da educação, que tem por atribuição orientar, supervisionar e compartilhar conhecimentos com os visitadores, acerca da metodologia do Programa, para que estes os utilizem junto às famílias. É selecionado e capacitado para assumir a coordenação, o acompanhamento, o apoio e o monitoramento do planejamento e execução do trabalho de um grupo de cinco visitadores. Faz a interlocução entre o visitador e as demais instâncias do Programa.

O Programa de capacitações No âmbito do Programa, a capacitação é compreendida como um processo educativo, contínuo e participativo, que permite facilitar a construção de competências técnicas a pessoas e grupos. O objetivo é que cada um possa construir sua autonomia e se apropriar do PIM, para realizar as transformações internas e externas necessárias à promoção do desenvolvimento e à melhoria da qualidade de vida de cada criança e de sua família. As capacitações objetivam aprofundar e/ou expandir dois aspectos fundamentais, ou seja, a sensibilização e a instrumentalização permanentes dos membros dos diferentes grupos que compõem o PIM (gestores, GTE, GTM, monitor, visitador, famílias, crianças, comunidade, entre outros). A primeira capacitação denomina-se Capacitação Inicial. O GTE e a coordenação do Programa, juntamente com representantes das Coordenadorias

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Representantes técnicos estaduais, (GTE, Coordenadorias Regionais de Saúde e Coordenadorias Regionais de Educação) que gerenciam o Programa, mensalmente são capacitados tendo em vista a atualização de informações, estudos de temas específicos relacionados ao desenvolvimento infantil e planejamento de visitas de assessoria aos municípios. A Capacitação Continuada Regional é planejada, elaborada e executada pelo GTE Sede e Regional, dirigida para os GTMs e Monitores que, por sua vez, capacitam os visitadores, sobre temas específicos do desenvolvimento infantil, questões relativas à gestão do Programa e aspectos peculiares ao município e à região. Na Capacitação Regional o objetivo é orientar, reforçar, avaliar e ampliar a metodologia com vistas ao aprimoramento e qualificação das ações junto às famílias. A seqüência e o complemento das capacitações se dão através da Capacitação de Visitadores, que é função precípua e de inteira responsabilidade do GTM, cabendo a ele organizar, elaborar e executar, com a supervisão e o acompanhamento dos membros do GTE Sede e Regional. Cabe enfatizar que a preparação para esta etapa faz parte dos conteúdos apresentados nas capacitações ministradas pelo GTE aos GTMs e que a análise e aprovação da programação são definidas conjuntamente. A capacitação dos visitadores é um processo contínuo e sistemático. Os diversos temas explorados nesta programação têm como principal objetivo preparar os visitadores para o exercício de suas funções junto às famílias, partindo de um perfil específico de trabalhadores que desempenhem suas atividades, através de técnicas de abordagem e da busca ativa da população alvo, até então desatendida.

Os comitês para o desenvolvimento da primeira infância O Comitê Estadual para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância – CEDIPI, instituído através do Decreto nº 42.199/2003, objetiva estimular a articulação entre diversos setores da sociedade, em prol da infância gaúcha. É um órgão colegiado, de caráter consultivo, formado por entidades governamentais e não-governamentais. O comitê tem como atribuições propor políticas de parceria entre o governo e a sociedade civil para a promoção do desenvolvimento integral da Primeira Infância no Rio Grande do Sul. Além disso, busca informar e promover a mobilização social, no âmbito municipal e/ou regional, em relação à primeira infância, promover a realização de eventos, cursos, estudos e

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Regionais de Saúde e Coordenadorias Regionais de Educação, desenvolvem um trabalho de capacitação dos representantes dos Grupos Técnicos Municipais (GTMs) dos municípios que aderem ao PIM, com uma carga horária de 40 horas semanais. O Programa e os informes documentais são então apresentados, discutidos e trabalhados através de palestras, vivências, simulações, manuseio e análise dos instrumentos de implantação e de implementação do Programa.

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pesquisas relativas ao desenvolvimento infantil, promover e articular ações, convênios, contratos e acordos de cooperação técnica, visando integrar as ações de governo e das entidades civis, no acompanhamento e ampliação das políticas de promoção do desenvolvimento da Primeira Infância, entre outras. O CEDIPI é composto por duas instâncias: a Equipe Executiva no âmbito da administração pública estadual – com participação das Secretarias de Estado da Saúde, Educação, Justiça e Desenvolvimento Social, Cultura, e da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (FAMURS), e o Fórum Estadual de Desenvolvimento da Criança – que é integrado pelos seguintes órgãos parceiros: a UNESCO, a Federação das Associações Rurais (FARSUL), a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado do Rio Grande do Sul (FCDL), a Federação de Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (FECOMÉRCIO-RS), a Federação das Associações Empresariais (FEDERASUL), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (FETAGRS), Federação e Centro das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), Serviço Social da Indústria (SESI), Federação Rio-grandense de Associações Comunitárias e de Moradores de Bairro (FRACAB), Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, Parceiros Voluntários, Pastoral da Criança, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Serviço Social do Comércio (SESC-RS), Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (SINDILOJAS/POA), Sindicato dos Hospitais de Porto Alegre (SINDIHOSPA), Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a equipe executiva. Cada município integrante do PIM institui o Comitê Municipal da Primeira Infância, que congrega entidades governamentais e não-governamentais, associações de classes, de bairros, comerciais e religiosas, entidades de classe/profissionais, Fundações e demais instituições da sociedade civil organizada. O Comitê Municipal tem como foco: a) a articulação, no sentido de unir esforços e construir relações de cooperação, através das diversas ações desenvolvidas no município voltadas para o desenvolvimento infantil; b) a intervenção, que preconiza o acompanhamento e a obtenção de informações sobre o desenvolvimento do Programa, apresentação de propostas e sugestões de alterações ao poder público, caso necessário; c) a divulgação, que visa a desenvolver ações de informação, comunicação e mobilização social.

O PIM na Diversidade Levando em consideração os objetivos do PIM, no sentido de orientar as famílias, a partir de sua cultura e experiências, para que promovam o desenvolvimento integral de suas crianças, desde a gestação até os seis anos de idade, e ao redimensionar os resultados do Programa, um grupo de técnicos estaduais ampliou o PIM, através da elaboração do

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O PIM na diversidade objetiva potencializar a cultura e as experiências familiares, para o desenvolvimento integral de suas crianças, adequando conteúdos e atividades das modalidades de Atenção dirigidas a esses grupos à metodologia do Programa. Esse Projeto pretende potencializar o direito universal à cultura como estratégia de prevenção e redução da violência, da mortalidade infantil, da repetência e da evasão escolar. Um dos resultados mais significativos dessas ações será a efetiva inclusão social de crianças das várias etnias que compõem a sociedade gaúcha e a brasileira. Como vimos, da população estimada de crianças de zero a seis anos de idade no Estado do Rio Grande do Sul, que no ano de 2006 somava 1.069.000, 33,6% viviam em estado de pobreza. Do percentual de crianças nessa faixa etária, matriculadas em creches em 2006, apenas 5,19% das crianças eram negras, e 0,17% indígenas (BRASIL. Ministério da Educação, 2007). Nas instituições préescolares, 4,06% das crianças matriculadas eram negras e 0,28% indígenas, em 2006 (IBGE, 2007). Portanto, trata-se de grupos sociais que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social, e que não vêm sendo suficientemente atendidos pelas políticas públicas. Ao nascer, o acolhimento dado ao bebê, através do afeto, da atenção, de palavras e cuidados está enraizado na cultura e nas imagens presentes naquele entorno familiar e comunitário. Nesse contexto, a diversidade designa sujeitos de direitos cujas diferenças étnicas e culturais devem ser respeitadas, garantindo as relações democráticas entre vários grupos sociais.

O Projeto PIM na Diversidade busca contemplar as crianças que vivem em comunidades indígenas e quilombolas

3. Neste projeto, entende-se como criança quilombola, as crianças negras em geral e as crianças que vivem nas comunidades de remanescentes de quilombos, em particular – independente de sua etnia.

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Projeto Primeira Infância Melhor na Diversidade: Comunidades Quilombolas e Indígenas. A ênfase no respeito à identidade cultural e na auto-estima das crianças quilombolas e indígenas3 de zero a seis anos de idade que têm, na sua formação, uma história marcada pela resistência cultural, luta pela posse da terra e pelas condições de vida da sua comunidade são o foco do projeto.

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Vários conceitos emergentes acerca da cultura e da infância vêm impulsionando a valorização da pluralidade brasileira e suas diversas manifestações. O sentido de cultura passa a ter relação com a produção de sentidos, deixando de ser algo que é apenas recebido pelo indivíduo. Da mesma forma, o sujeito infantil agora é considerado um agente social, mediador, criativo, que pratica cultura. Tais conceitos transformam as relações étnicas em diferentes sociedades. O enfoque psicossocial, que contempla o viver cultural em família e em sociedade, evidencia a necessidade de uma inserção cada vez maior de crianças brasileiras, descendentes das etnias indígenas, africanas, ciganas – por exemplo – no projeto de inclusão social garantido pelas políticas públicas de todo o Brasil. O desenvolvimento de atividades relacionadas às culturas afro-brasileira e indígena no Projeto Diversidade torna-se importante por contribuir para o rompimento de barreiras sociais e por promover a autonomia dos indivíduos através do conhecimento sobre suas raízes, sua história e suas linguagens. As populações de origem negra e indígena que vivem em um meio socioeconômico desfavorável, carregam em si formas culturais relacionadas aos conflitos, à resistência, à rejeição, à superação e à exclusão, próprias do seu passado histórico e de suas vivências culturais. Tais elementos estão ocultos e precisam ser superados pelo viés da inclusão, progressivamente dando significado positivo às suas referências culturais e históricas (VIEIRA; LIMA; ZEFERINO, 2004). Neste sentido, o PIM, Programa que busca atualizar suas metas a cada nova avaliação dos resultados obtidos, identificou alguns pontos relevantes para a criação do Primeira Infância Melhor na Diversidade, a saber: • a maioria das crianças indígenas vivem em situação de vulnerabilidade social, sejam as que residem em comunidades indígenas4 ou não; • crianças negras que vivem em situação de vulnerabilidade social, sejam as que residem em comunidades quilombolas5 ou não; • ainda hoje, grande parte das crianças de zero a seis anos de idade dessas comunidades não tem acesso à escola, ao posto de saúde, ao saneamento básico, à luz elétrica etc.; • algumas dessas crianças não possuem sequer documentos de identidade e suas famílias não têm comprovante de residência, pré-requisitos para o cadastramento em vários programas sociais de governo; • a exposição às drogas e à violência em geral apresentam índices alarmantes nessas comunidades.

4. Comunidades Indígenas são entendidas como reservas de terras de povos indígenas já identificadas e regulamentadas, ou em processo de identificação e regulamentação, reconhecidas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI)/Ministério da Justiça do Brasil. Disponível em: . 5. Comunidades Quilombolas – Quilombos – são entendidas como reservas de terras de povos descendentes de africanos já identificadas e regulamentadas, ou em processo de identificação e regulamentação, reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura do Brasil. Disponível em: .

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Tendo em vista a necessidade de considerar a diversidade socioeconômica e cultural no atendimento infantil, nos dois últimos anos o Projeto Primeira Infância Melhor na Diversidade busca assegurar o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania também para as crianças que vivem nas comunidades indígenas e quilombolas. Por conseguinte, a coordenação do PIM constituiu dois Grupos de Estudos que formataram as seguintes diretrizes do Projeto Diversidade, como forma de melhor acompanhar o desenvolvimento da metodologia do PIM no contexto indígena e afro-brasileiro. Cabe destacar que o Projeto Diversidade segue os objetivos, a metodologia, as etapas de implantação, os suportes de orientação, as ações educativas e o sistema de avaliação do PIM. As diretrizes trazem reflexões sobre o trabalho junto às crianças, às famílias, às comunidades e o feedback junto ao PIM, conforme segue:

Diretrizes básicas do Projeto Diversidade Diretrizes focalizadas na criança • propiciar vivências corporais que permitam às crianças afro-brasileiras e indígenas compreenderem o significado de si mesmas, para que, de forma ativa, percebam-se como sujeitos históricos, conscientes de suas potencialidades físicas, mentais e emocionais, tornando-se mais atuantes dentro e fora da comunidade em que vivem; • privilegiar estímulos sensoriais (forma, cor, cheiro, sabor, movimento e ruído) e os sistemas de recursos naturais e artificiais, na descoberta de valores culturais e sociais decorrentes da influência negra e indígena na história de seus ancestrais; • desenvolver atividades que propiciem abordagens de textos (em livros, revistas, jornais etc.), de imagens (figuras, fotos), de canções populares e letras de músicas que contemplem a temática afro-brasileira e indígena; • organizar atividades em seqüências significativas de experiências que transcendam o poder das palavras e da imitação, privilegiando a representação de suas emoções, de suas crenças e da sua cultura, além de estabelecer relações com as expressões emocionais e corporais; • planejar e desenvolver atividades que potencializem, com o apoio da música e da percussão, a percepção rítmica, a espontaneidade, a comunicação, a interatividade e a criatividade; • planejar e desenvolver atividades que canalizem o temperamento da criança mais ativa de forma positiva no desenvolvimento da sua personalidade; • aplicar atividades que levem as crianças negras e indígenas a despertar um diálogo com o interior do seu ser em desenvolvimento, na aceitação das limitações a serem superadas, na busca pela auto-estima e pela da auto-imagem efetivas; • sensibilizar os visitadores para que entendam que as ações das crianças são reflexos dos seus sentimentos, suas emoções e de seu estado afetivo, que podem possi-

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bilitar à criança sua auto-realização e autoconhecimento quando norteados pelos processos de transformação dessa comunidade específica; • planejar e desenvolver atividades que formem crianças de zero a seis anos exigentes e ativas em relação ao meio ambiente e à qualidade de vida cotidiana, numa perspectiva afro-brasileira e/ou indígena.

Diretrizes focalizadas na família • planejar e desenvolver atividades que resgatem o vínculo afetivo entre as crianças e seus familiares, gerando nos cuidadores e nas crianças sentimentos que promovam a auto-estima, a auto-imagem, a cidadania, a identidade, a ação e a memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira; • estimular o aleitamento materno exclusivo, até os seis meses de idade, numa negociação respeitosa, visto que tal idéia possa parecer estranha à cultura da comunidade; • apresentar às gestantes, a seus parceiros e familiares orientações que possibilitem uma melhor compreensão e estimulação das fases de desenvolvimento do bebê, garantindo-lhe uma melhor qualidade de saúde e de vida, respeitando a ancestralidade; • orientar as famílias/cuidadores/gestantes para que estimulem as competências das crianças, respeitando seus hábitos, valores e símbolos culturais.

Diretrizes focalizadas na comunidade • estimular as lideranças comunitárias e os cuidadores para que sejam cidadãos conscientes e críticos da realidade social na qual estão inseridos, que possam intervir positivamente no futuro dos moradores da comunidade; • observar as condições de higiene oferecidas às crianças, considerando o ambiente peculiar da comunidade urbana ou rural, a infra-estrutura de moradia da comunidade – se ainda estão desprovidas de condições mínimas de saúde, com esgoto a céu aberto, chão de terra, com animais proliferando algum tipo de doença, se o espaço físico é adequado para o número de moradores, além de avaliar, de forma imparcial, a lógica do trabalho infantil – se é manifestação cultural para estimular a responsabilidade dos filhos ao delegar pequenas tarefas, ou exploração infantil, subtraindo os períodos de brincadeiras e horários de estudo; • resgatar a luta pela emancipação do negro e do índio no Brasil, de rompimento de barreiras sociais e de busca pela autonomia no enfrentamento da situação de exclusão; • potencializar a participação dos afro-brasileiros e dos indígenas no processo de desenvolvimento social, político e econômico dessas comunidades, através de sua história e cultura, desde a primeira infância.

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Quando se trata da questão do combate à violência, o Projeto Diversidade torna-se fundamental, pois eleva a auto-estima de diferentes crianças, ao respeitar os valores e hábitos dos variados grupos étnicos que constituem nosso estado, em especial daqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social, ou seja, os negros (pretos, pardos, descendentes de etnias africanas) e indígenas (das etnias Kaingang e Guarani).

• o cuidado e a educação da criança o que pressupõe: o respeito à sua cultura, corporeidade, estética, presença no mundo e a compreensão da importância de interações positivas (visitador/família-crianças-gestantes, dentro do contexto da sua comunidade); • o visitador atuando como mediador sensibilizado interculturalmente, na relação entre cuidador-criança-família e comunidade. Já apresentando resultados positivos, em 2005, o PIM implementou o Primeira Infância Melhor nas Comunidades Indígenas, na Reserva Indígena do Guarita – terra com cerca de 6.800 indígenas da etnia Kaingang, em Irapuá, no município de Redentora, onde existem também 28 famílias da etnia Guarani. Nesse trabalho, os visitadores realizam brincadeiras da cultura Kaingang para preservar a identidade das crianças indígenas. Cabe salientar que as visitadoras são da própria Comunidade Indígena, tendo sido adotado como critério básico o domínio da língua Kaingang, para que as modalidades de atenção possam ser desenvolvidas na língua mãe, proporcionando a manutenção e retomada do ensino da língua das crianças Kaingang. O trabalho desenvolvido pelo PIM auxiliou no incentivo aos exames pré-natais, na conscientização das mães em relação à saúde dos bebês, contribuindo assim para a redução da mortalidade infantil. Em 2006, o PIM implantou o Primeira Infância Melhor nas Comunidades Quilombolas, no Quilombo Rincão dos Dutras/Mouras, em Santana da Boa Vista. A realização de duas Capacitações recentes sobre o tema despertou na visitadora daquele município a consciência de que seu trabalho deve partir de um olhar cada vez mais qualificado e diferenciado na construção e implementação do PIM em comunidades com especificidades culturais diferenciadas. Portanto, a sensibilização, o respeito e promoção das culturas familiares e das experiências de cada família na sua respectiva comunidade, além do desenho de estratégias de implementação das ações educativas do Programa, constituem uma dinâmica contínua e processual do PIM enquanto política pública do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

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Assim, o Projeto Diversidade prioriza:

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C A P Í T U L O

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O Programa Primeira Infância Melhor (PIM) está implantado hoje em mais de 200 municípios no Estado do Rio Grande do Sul. Municípios pertencentes a diferentes regiões do Estado, de diferentes dimensões, características, culturas. Municípios que foram aderindo ao Programa desde o ano de sua implantação, em 2003, até os dias de hoje. Em cada uma dessas cidades, narrativas singulares já fazem parte da história do PIM, e contam experiências que mereceriam ser compartilhadas, difundidas. Por limite de espaço, apenas cinco das muitas dezenas de experiências municipais exitosas são relatadas neste capítulo, a partir do testemunho dos seus próprios atores6.

O PIM em Bento Gonçalves e a intersetorialidade: um novo paradigma de ação7 Este relato tem por objetivo explicitar as diversas ações intersetoriais realizadas no Município de Bento Gonçalves – RS, em parceria com o Comitê para o Desenvolvimento 6. No CD-ROM anexo a este livro são apresentados vídeos da experiência do PIM em cada uma destas cinco cidades, e outros quatro vídeos que sintetizam a experiência do Programa nas cidades de Bagé, São Luiz Gonzaga, Uruguaiana e Vista Gaúcha. 7. A experiência do PIM em Bento Gonçalves foi relatada por Janice Berro Mezacasa, Psicóloga e Psicopedagoga Clínica e Institucional pela UNIVILLE (Universidade da Região de Joinville), membro do Grupo Técnico Municipal do Programa Primeira Infância Melhor e por Marlise Dobner, Assistente Social, especialista em Intervenção Sócio-Familiar pela ULBRA (Universidade Luterana do Brasil), membro do Grupo Técnico Municipal do Programa Primeira Infância Melhor.

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Algumas experiências municipais

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Integral da Primeira Infância e outros segmentos da sociedade civil. Apesar de serem experiências recentes e incipientes em alguns projetos, trata-se de uma forma de trabalho que tem demonstrado um potencial transformador, tanto pelas propostas que estão sendo implementadas, como pelas metodologias das intervenções. As ações realizadas pelo PIM possibilitam a construção de experiências intersetoriais à medida que proporcionam uma constante reflexão do cotidiano e do reconhecimento do sujeito enquanto ator social da sua própria história. O PIM em Bento Gonçalves Em 1875, inicia a imigração italiana na Encosta Superior do Nordeste, originando as Colônias de Dona Isabel, hoje Bento Gonçalves, Conde D`Eu, hoje Garibaldi e Nova Palmira, hoje Caxias do Sul. O município foi emancipado em 11 de outubro de 1890 e possui 382 quilômetros quadrados de área. Localizado a 124 quilômetros de Porto Alegre, e com pouco mais de 102 mil habitantes, Bento Gonçalves figura entre as dez maiores economias municipais do Rio Grande do Sul. Capital brasileira da uva e do vinho, possui o maior e mais expressivo pólo moveleiro do Estado. Destaca-se pela qualidade de vida, sendo a primeira em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio Grande do Sul e a sexta do Brasil, conforme estudo feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2003. O índice leva em consideração itens como educação, saúde e renda. Na cidade, o Programa Primeira Infância Melhor tem uma trajetória de quatro anos. O termo de adesão foi assinado pelo Prefeito Municipal, Sr. Darci Pozza, em abril de 2003. Em um trabalho conjunto das Secretarias de Saúde, Habitação e Ação Social e Educação, foram designados três representantes técnicos de cada pasta para implantarem o Programa por meio de um projeto piloto, no Bairro Maria Goretti, em um pequeno aglomerado de casas denominado Vila do Sapo. A partir deste projeto, surgiu a necessidade da ampliação para mais três bairros da cidade. Os bairros Vila Nova II, Pomarosa II e Nossa Senhora da Saúde passaram a desenvolver as atividades propostas pelo Programa, atendendo, em média, 80 famílias. No início de 2005, o município participou do Corte Avaliativo, efetuado pelo Grupo Técnico Estadual – GTE, sob a supervisão do Centro de Referência Latino-Americano para a Educação Pré-Escolar – CELEP. A partir deste resultado, houve uma reestruturação total do Programa no município, com ações específicas, de acordo com a metodologia do PIM. O Grupo Técnico Municipal – GTM, passou a contar, então, com apenas um representante técnico de cada secretaria, com tempo integral. Neste período, com o objetivo de dar suporte às ações do Programa, foi instituído o Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância – CEDIPI, no município, com a participação de entidades governamentais e não-governamentais.

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A partir de junho do mesmo ano, o Programa passou a contar com o trabalho de 19 visitadoras e três monitoras, em 12 bairros da cidade, atendendo a aproximadamente 400 famílias, nas modalidades individual e grupal. A modalidade individual é executada com crianças de zero até três anos e a grupal com crianças de três até seis anos. Já as gestantes são atendidas nas duas modalidades, sendo a individual nas suas residências e a grupal pelo Projeto “Gestação: meses de encantamento na construção de um novo ser”, desenvolvido pelo município, no auditório da Secretaria Municipal de Saúde. Atualmente, os 19 visitadores do município atendem a 500 famílias, 475 crianças de zero a seis anos e 30 gestantes. Três monitoras acompanham, orientam e avaliam este trabalho, sob a coordenação do GTM. A intersetorialidade como mecanismo de promoção e apoio à primeira infância Para enfrentar uma realidade de exclusão social, oriunda da atual conjuntura, ações intersetoriais se fazem necessárias na tentativa de desconstruir a visão fragmentada e setorializada do atendimento. Trabalhar institucionalmente a intersetorialidade, juntamente com o CEDIPI e construir ações eficazes, resolutivas que de fato atendam às necessidades da população, constitui uma estratégia básica do PIM. Daí a importância da articulação da rede que, através da intersetorialidade, aprofunda a discussão e o entendimento de temas contemporâneos possibilitando a implementação de políticas públicas voltadas, principalmente, ao segmento atendido pelo Programa no município. O objetivo das ações intersetoriais articuladas pelo PIM e pelo Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância caminha no sentido de qualificar e tornar mais efetiva a promoção do bem-estar da população em geral e, fundamentalmente, garantir e defender a vida como um todo. A união de entidades e pessoas dispostas a transformar idéias em ações, fez com que alguns projetos fossem possíveis através da construção de parcerias. A agregação de distintos olhares e saberes constitui-se em estratégia para uma atenção mais integral aos assuntos relevantes à primeira infância. Essa é uma linha de intervenção que vem demonstrando um potencial transformador, tanto pelas propostas implementadas quanto pelas formas de operar e analisar as intervenções. Em 2005, foi realizada a primeira ação após a criação do Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância que teve como objetivo a divulgação do PIM e o estímulo ao vínculo pais e filhos. A promoção “Olhe para o seu Filho” foi realizada no mês de junho e contou com a participação de toda a comunidade. Os pais participantes deveriam respon-

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Considerando os resultados significativos neste período, por meio do empenho e comprometimento dos representantes do GTM, identificou-se a necessidade de um trabalho mais abrangente, possibilitando, com isso, atender a um maior número de famílias e bairros. O reconhecimento deste trabalho veio através da avaliação dos consultores do CELEP e do GTE, através de visita in loco ocorrida em março de 2006.

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der à pergunta “Olhe para o seu filho! O que você vê?”. As quatro melhores frases foram presenteadas com brindes patrocinados pelos estabelecimentos apoiadores da campanha. Estas parcerias possibilitaram a implementação de uma política pública por meio do Projeto “Paternidade Responsável”. A necessidade e a importância de trabalhar este tema junto às comunidades foram constatadas por meio de uma pesquisa sobre planejamento familiar, realizada nos bairros atendidos pelo Programa. Com o intuito de discutir a temática, foi promovido um seminário em parceria com o Ministério Público do Rio Grande do Sul e, posteriormente, capacitações para futuros multiplicadores que abrangeram todos os técnicos e servidores das secretarias envolvidas, Saúde, Educação, Habitação e Ação Social, incluindo as visitadoras e monitoras do PIM. Estas se tornaram multiplicadoras junto às famílias atendidas pelo Programa. Atualmente, a implementação desta política de Planejamento Familiar, organizada pelo Comitê e desenvolvida pelo setor municipal de Saúde da Mulher, tornou-se uma das políticas mais relevantes no Sistema de Saúde de Bento Gonçalves, divulgadas entre os vários municípios do Estado. Em comemoração ao Dia da Criança de 2006, realizou-se uma nova parceria entre o Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância, o PIM, o Grupo Maturidade Ativa do Serviço Social do Comércio – SESC, e a empresa Politorno Móveis. As famílias e crianças cadastradas no PIM foram beneficiadas com 500 mesas e bancos, mobiliário este adaptado à idade das crianças e construído pelos próprios funcionários no projeto Dia “União Faz a Força” – UFA, promovido pela empresa, no Dia da Solidariedade. Nesta oportunidade foram distribuídos também presentes, pelo grupo Maturidade Ativa. Já no dia 23 de novembro, Dia Estadual do Bebê, o Comitê Municipal para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância, juntamente com o PIM, promoveu a “Rua do Lazer”, com brincadeiras diversas, apresentações artísticas às famílias do PIM, na Praça Centenário. Esta ação teve como objetivo também divulgar o Programa Primeira Infância Melhor e proporcionar às crianças momentos de alegria e diversão. Em dezembro, para comemorar a celebração do Natal, foi realizada “Uma Tarde com a Mamãe Noel” em uma parceria com a Câmara de Diretores Lojistas – CDL, o Grupo SESC Maturidade Ativa, o PIM, o Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância e a empresa Rossoni S.A. Nesta ação foram realizadas diversas apresentações artísticas, brincadeiras e atividades recreativas para as crianças do Programa, sendo distribuídos lanches e presentes doados pelo CDL e pelo Grupo Sesc Maturidade Ativa a todos os participantes. Conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, e a Lei do SUS, o PIM preocupa-se em garantir a efetivação dos direitos fundamentais das crianças atendidas pelo Programa. Neste sentido, o PIM mantém uma parceria com a empresa Multimóveis S.A. para a doação de 24 berços e

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O projeto “PIM no Cinema – O mundo visto pela tela do cinema” desenvolvido no início de 2007 pelo Programa Primeira Infância Melhor em parceria com o Sesc, consistiu na exibição de filmes infantis em sessões quinzenais, com a participação de todas as famílias cadastradas no Programa. Esta atividade, além de oportunizar às crianças e às famílias a construção do conhecimento pela ludicidade, buscou fortalecer vínculos afetivos e o desenvolvimento psicológico, por meio de simbolização e visualização de imagens nos temas exibidos. Na ótica da replicabilidade das informações a respeito do planejamento familiar, o PIM implantou o projeto “Saúde Sexual e Reprodutiva – Direito e Responsabilidade de Todos”. Este proporcionou às famílias atendidas pelo Programa, espaços de socialização, reflexão sobre o conhecimento de si, aliados à saúde sexual e reprodutiva, bem como ao planejamento familiar. Consiste em palestras realizadas nos 12 bairros atendidos pela técnica responsável do setor de planejamento familiar. Com o andamento do trabalho realizado pelas 19 visitadoras, tem-se evidenciado, no cotidiano, expressões da questão social que permeiam a estrutura familiar atual, neste caso, a violência doméstica. Esta realidade motivou a realização do Seminário Municipal sobre Violência Doméstica e Familiar no Contexto das Relações Sociais, no mês de maio de 2007, proposta intersetorial que discutiu a temática através de diversas perspectivas, analisando questões de gênero e jurídicas, à luz da legislação vigente de proteção à criança e ao adolescente. Conclusão Com base nas ações realizadas nos últimos dois anos em parceria com o Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância e apoiadas pelas entidades comprometidas com as questões de cunho social, pôde-se perceber que o trabalho intersetorial, quando objetivado a fortalecer a autonomia e o exercício da cidadania, contribui para a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos participantes do processo. Dentro disso, constata-se que o cenário para a efetivação da intersetorialidade é evidente à medida que se consolida com parcerias sólidas e duradouras na discussão e execução de temáticas pertinentes à primeira infância. Pensar e agir intersetorialmente é um dos fundamentos do ideário do Programa Primeira Infância Melhor, em parceria com as entidades do setor privado nas ações realizadas. A busca pela concretização tem se tornado um desafio através de um processo de construção contínua e crescente, que, no entanto, está apenas se iniciando. Passo a passo, a construção de redes e de ações implica, também, a construção de uma nova linguagem integradora entre os profissionais do Programa Primeira Infância Melhor e o setor privado envolvido com questões relevantes à primeira infância, no Município de Bento Gonçalves.

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colchões, que são destinados às famílias mais vulneráveis do município, as quais são acompanhadas pelas visitadoras e pelos profissionais do Programa de Saúde da Família – PSF.

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Reconhecer a multiplicidade de olhares sobre a realidade, tal como é exigido na construção de uma primeira infância saudável, requer um envolvimento com outros setores que objetivam a busca por uma melhor qualidade de vida da população, principalmente para as famílias cadastradas no Programa Primeira Infância Melhor. Com isso, realiza-se um trabalho integrado com o Programa de Saúde da Família, o Programa de Planejamento Familiar, o Centro de Referência Materno-Infantil, os setores de Vigilância Sanitária e Ambiental e os projetos Oficina de Gestantes, Mãe-Bebê e Briquedoteca da Secretaria Municipal de Habitação e Assistência Social, além da ativa participação das associações de bairros, paróquias e demais organizações religiosas da cidade. No âmbito das ações intersetoriais compartilha-se do ideal e da dificuldade da implantação destas ações. Neste sentido, a identificação constante de parcerias em Bento Gonçalves tem se tornado um desafio para o Grupo Técnico Municipal, na medida em que se propõe um apoio e uma atenção maior às crianças de zero a seis anos e gestantes atendidas pelo PIM. Por fim, ressalta-se a viabilidade e a riqueza das ações desenvolvidas no desafio da constituição de projetos, traçando elos conectivos entre os participantes do processo, almejando um campo mais efetivo, técnico e sociopolítico, onde saúde, educação, assistência social, Comitê para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância, e sociedade civil organizada se conectem e se articulem, somando esforços para o fortalecimento das redes sociais de suporte para a infância.

PIM – Crianças egressas da UTI neonatal: a experiência de Rio Grande8 O município de Rio Grande, fundado em 19 de fevereiro de 1737, está localizado na planície costeira sul do Estado do Rio Grande do Sul. Com uma superfície territorial de 3.338,35km2 e aproximadamente 196.981 habitantes (IBGE, 2006) tem como sua principal fonte de economia e renda o setor secundário, numa ampla interação com o sistema viário liderado pelas instalações portuárias. Possui aproximadamente 23.136 crianças na faixa etária de zero a seis anos, das quais 8.015 são assistidas pela rede de Educação Infantil e Programa Primeira Infância Melhor – PIM. O Programa Primeira Infância Melhor foi implantado no município em setembro de 2005. Atualmente abrange sete bairros através de 15 visitadores, orientando 350 famílias e dez gestantes, beneficiando 405 crianças de zero a seis anos, em situação de vulnerabilidade social. O programa no município vem se desenvolvendo com o reconhecimento dos gestores municipais, da comunidade e principalmente das famílias atendidas, que destacam as mudanças que o PIM proporcionou no desenvolvimento integral de seus filhos. No relato da experiência do PIM em Rio Grande focaliza-se o Projeto “Crianças 8. O relato da experiência do PIM em Rio Grande foi feito por Helene Rodrigues, Marivone Munhoz, com a colaboração de Maria Fátima Godinho, Velionara Branco e famílias.

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Para a implantação do PIM, conforme preconiza sua estrutura e funcionamento, houve a I Capacitação para Visitadores, em agosto de 2005, em que participaram palestrantes de áreas multiprofissionais, entre eles, uma pediatra neonatologista, que abordou o tema: “Conseqüências da Hospitalização no Recém-Nascido (RN)”, dando ênfase ao Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM). A partir deste encontro, a pediatra neonatologista, ao perceber a importância do PIM, pelos ganhos que oferece às famílias com gestantes e crianças de zero a seis anos, sondou o Grupo Técnico Municipal (GTM) quanto à possibilidade do PIM acompanhar também as famílias de crianças egressas da UTI Neonatal. Conforme relata a profissional, Médica da UTI Pediátrica: “Tenho visto vários recémnascidos extremamente pequenos e/ou doentes saírem da UTI Neonatal, após alguns meses de internação. Isto é muito gratificante, porém todo trabalho e investimento neste pequeno ser necessita de continuidade e de acompanhamento multidisciplinar, oportunizando assim a avaliação de uma melhor qualidade de vida e, fundamentalmente, o adequado relacionamento com seus familiares”. Frente a esta demanda o GTM elaborou o Projeto “PIM – Crianças Egressas da UTI Neonatal” e o enviou para apreciação do Grupo Técnico Estadual (GTE) o qual foi aprovado em novembro de 2005. Utilizando a estrutura e o funcionamento do PIM, a forma de atendimento a essas crianças foi adaptada com a designação de um visitador devidamente instrumentalizado e capacitado para desenvolver o projeto, tendo como atribuições: conhecer o perfil das crianças, ter disponibilidade para atuar em vários bairros, iniciar o trabalho na Unidade Intermediária Hospitalar para criação de vínculo do visitador com a família, contribuir para a orientação das famílias a partir de suas experiências, com vistas a estimular e alcançar o máximo desenvolvimento das crianças. Justifica-se a designação de apenas um visitador por se tratar de uma experiência inovadora e específica, para a qual se considerou necessário o acompanhamento e a avaliação inicial. Estabeleceu-se como critério básico, para a seleção das famílias, o peso igual ou inferior a 1.500 gramas, a partir da listagem fornecida pela Unidade Neonatal do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Júnior, que contém o nome, endereço, peso de nascimento e idade gestacional. O convite às famílias para participarem do Projeto é realizado ainda durante a internação da criança, na Unidade Intermediária da UTI Neonatal, no primeiro contato do visitador e monitor com a família, oportunidade em que é explicado seu funcionamento.

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Egressas da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Neonatal”. Este projeto vem ampliar as ações do PIM no município, pautando assim o atendimento às crianças nascidas de forma prematura e/ou egressas de hospitalizações, por vezes longas, por vezes contínuas, mas sabidamente sempre com seqüelas mais ou menos aparentes, restritivas ou graves.

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O perfil da clientela, na sua grande maioria, é de famílias com baixo poder socioeconômico e cultural, com bebês nascidos antes da 37ª semana de gestação. Ao nascer, permanecem em incubadoras, precisam de aparelhos para auxiliá-los a respirar, ficam ligados a vários monitores e bombas de infusão, necessitam fototerapia e demais aparelhagem tecnológica, apresentam seqüelas mais ou menos graves, quadros de convulsão, problemas respiratórios e dificuldade para adquirir peso e altura compatível com sua idade. A amamentação torna-se quase impossível, as hospitalizações freqüentes dificultam a criação do vínculo da família com a criança. Com um ano e seis meses de funcionamento do Projeto, prestou-se atendimento a 19 famílias, totalizando 23 crianças, das quais 02 mudaram de endereço, 02 foram para creche, 01 saiu do Projeto e 01 foi à óbito. Atualmente, 13 famílias estão participando deste Projeto, sendo um total de 15 crianças atendidas, conforme quadro abaixo: Quadro 1 – Características das crianças atendidas

Fonte: Programa Primeira Infância Melhor – GTM/Rio Grande – 2007 Legenda: 1 – Famílias em que há gêmeos. 2 – Famílias com crianças portadoras de enfermidades significativas (Girassol: Tumor cerebral e cegueira, com procedimento cirúrgico; Orquídea: Síndrome de Down; Copo de Leite: Hidrocefalia, com procedimento cirúrgico). Obs.: Os nomes das crianças foram substituídos por flores para proteger sua identidade.

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Ao analisar os dados acima, constatou-se que 100% das crianças nasceram prematuramente, estiveram hospitalizadas em UTI Neonatal, tiveram hospitalizações posteriores e estão no Projeto há um ano. Destas, 80% apresentou peso igual ou inferior a 1,5kg e 20%, superior a 1,5kg.

Essas crianças são atendidas por meio de orientações na Modalidade Individual repassada pelo Visitador à mãe e/ou cuidador, uma vez por semana, em sua residência. O reduzido número de famílias justifica-se pela dificuldade enfrentada pelo visitador no deslocamento aos diferentes bairros. Destacamos dois focos para a execução deste Projeto: Estimulação e Acompanhamento Multiprofissional. Estes focos possibilitam a efetiva criação de vínculo e afeto entre a criança e a família, cientificamente comprovados como sendo o marco inicial para todo e qualquer processo de desenvolvimento. A estimulação é fundamental para o desenvolvimento pleno das capacidades das crianças. O Acompanhamento Multiprofissional pressupõe a continuidade de orientações e/ou esclarecimentos às famílias quanto ao DNPM das crianças, através dos mais variados profissionais (pediatra, pediatra-pneumologista, cirurgião etc.) e instituições como APAE, Escola de Cegos, Posto de Saúde, Hospital Universitário entre outros, o que viabiliza o atendimento às mais variadas necessidades destas crianças. O seguinte relato de um visitador testemunha a riqueza dessa experiência: “Apesar de minha pouca experiência inicial com recém-nascido, tenho aprendido muito, principalmente com as famílias, com quem constantemente estou me surpreendendo, ora com ganhos acelerados das crianças, ora com o comprometimento das famílias. Por isso, me orgulho de ser visitadora do Projeto PIM – Crianças Egressas da UTI/NEO”. Credita-se o êxito dessa experiência à Intersetorialidade, cuja coordenação é responsabilidade da Secretaria Municipal da Saúde compartilhada com as Secretarias Municipais de Educação e Cultura, e da Cidadania e Assistência Social. O Programa conta também com o apoio das demais Secretarias Municipais, setores privados como empresas e mídia, juntamente com a comunidade rio-grandina em geral. Pela importância do eixo Intersetorialidade, ressaltam-se alguns aspectos positivos decorrentes desta experiência: • O Visitador do Projeto participa de capacitações continuadas, de forma dinâmica e interativa, com os mais variados profissionais da área da Educação, pela iniciativa da coordenação do Programa e do Monitor do Projeto, vinculados à Secretaria Municipal de Educação.

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Das crianças atendidas pelo PIM, 80% obtiveram ganho de peso e 20% apresentaram baixo peso; 80% alcançaram ganhos em seu DNPM e 20% apresentaram déficit de aprendizagem e enfermidades, as quais comprometem significativamente seu desenvolvimento.

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• Os encaminhamentos e/ou procedimentos necessários aos recém-nascidos e oferecidos pelos pediatras, médicos especialistas e setor de medicações são efetivados através de vários profissionais da área da saúde. • Os encaminhamentos às instituições como APAE, Escola de Cegos, acompanhamento domiciliar, aquisição de documentos e encaminhamento a programas são efetivados através de vários profissionais da Secretaria de Cidadania e Assistência Social. Merece destaque também a participação da comunidade rio-grandina em geral, pela possibilidade de oferecer às famílias do Programa momentos de interação e lazer, através das atividades comunitárias realizadas, incluindo-se o Projeto “PIM – Crianças Egressas da UTI Neonatal”. Constata-se, portanto, a validade do trabalho intersetorial, por meio das parcerias conquistadas pelo PIM, pelo resgate do papel das famílias e pela valorização dessas com o efetivo cumprimento de seus direitos e deveres. Conclusão “A prematuridade e o baixo peso ao nascer são fatores determinantes da mortalidade neonatal, de infecções, de maiores taxas de hospitalizações, maior propensão ao retardo de crescimento, déficit neuropsicológico pós-natal e baixo desempenho escolar”. Organização Mundial da Saúde Nossa experiência vem demonstrando que as famílias dos recém-nascidos, ao ingressarem no Projeto PIM – Crianças Egressas da UTI Neonatal, evidenciam uma fragilidade significativa em conseqüência da prematuridade, hospitalizações e/ou conseqüências das mesmas, mas gradativamente estão conseguindo lidar de forma positiva com suas dificuldades, evidenciando a importância das orientações recebidas, dos encaminhamentos e/ou procedimentos efetivados e principalmente da presença do lúdico na realização das atividades sugeridas que impactam positivamente no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças. O depoimento de uma mãe atendida corrobora essa afirmação: “Considero o Projeto muito importante, pois apesar de ser mãe pela terceira vez, tenho aprendido muito. Constantemente o Projeto está me auxiliando, pois minha filha nem se movimentava e agora consegue virar-se sozinha e está mais alegre”. O Relato de Experiência aqui apresentando tem como pretensão o constante e contínuo acompanhamento e a avaliação das ações desenvolvidas, objetivando a possibilidade de novas ações e/ou a ampliação das mesmas, considerando o relevante papel que o Programa Primeira Infância Melhor – PIM preconiza: redução da mortalidade infantil, menores índices de reprovação e evasão escolar e o resgate do papel da família. Enfim, melhores oportunidades e qualidade de vida às crianças e suas famílias.

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O PIM em Santiago – Um futuro melhor9

Em qualquer tempo e em qualquer lugar da Terra, o homem instintivamente protege seu filho. Em Santiago, essa proteção é considerada imprescindível a todo cidadão que deseja receber orientação, para que possa, com equilíbrio, amar, educar e estimular as crianças. O Município de Santiago possui aproximadamente 52.000 habitantes e está localizado na região centro-oeste do Estado do Rio Grande do Sul. Seu coeficiente de mortalidade infantil é de 7,9 por mil nascidos vivos. Caracterizado como a “Terra dos Poetas”, prioriza programas de atendimento à criança e ao adolescente. Em Santiago, o Programa Primeira Infância Melhor mobilizou toda a comunidade, resgatando vínculos importantes entre bairros, gestores, famílias, Grupo Técnico Municipal – GTM, Monitores e Visitadores. Estes relatam histórias infantis que começam assim: “Era uma vez um Programa chamado “PIM” que chegou à Terra dos Poetas, através de um personagem muito interessante chamado Chicão!... Chicão era muito amado e respeitado pela garotada, mas muito exigente com seus secretários e equipe. Para que a criança fosse tratada como criança exigiu que o PIM fosse implantado, respeitando rigorosamente os critérios estabelecidos pelo Grupo Técnico Estadual – GTE, dentro da realidade cultural do Município...” E assim começou a história do PIM em Santiago. Convém destacar que em abril e maio de 2005 o Programa foi selecionado entre cinco municípios, para participar de uma avaliação parcial das ações realizadas, com vistas à identificação dos avanços na gestão, participação das famílias e envolvimento da comunidade, bem como dos ganhos de desenvolvimento das crianças. Esta avaliação foi realizada pelo GTE, sob a organização e supervisão do CELEP, de Cuba, a partir de uma amostra correspondente a 10% da abrangência do Programa, na época, 20 visitadores. Santiago foi apontado como o município que obteve os melhores resultados na aplicação da metodologia. Pelos ganhos significativos em termos de abrangência e qualidade no desenvolvimento das ações, hoje Santiago é considerado Município referência do Programa no Estado, atuando com 55 visitadores, distribuídos em 29 bairros, atendendo 1.375 famílias e beneficiando 1009 crianças de zero a seis anos. 9. A experiência do PIM em Santiago foi relatada por Jane Nicola Cristofari, Adriana Pizoloto Machado, Cristiane Castiglioni Pereira e Terezinha de Jesus Medeiros Dorneles, integrantes do GTM, e pelas Monitoras Fabiane Bossi e Mirian Delalibera Gomes.

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“Um novo mundo está sendo gerado...” foi isso que o Município de Santiago percebeu em 7 de abril de 2003, quando o gestor municipal, prefeito José Francisco Gorski, “Chicão”, conheceu e aderiu ao Programa, que identificou como “o óbvio do óbvio”. Segundo ele, o PIM desenvolve uma linguagem comum entre Governo Estadual e Municipal em torno de algo indivisível chamado Família. O segredo deste Programa é a superação das dificuldades na utilização do simples, na pureza de coração de cada família, visitador e criança de zero a seis anos, em sua própria realidade e cultura.

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A população infantil do município é de 5.878 crianças entre zero a seis anos de idade, sendo 21,30% atendidas pelas escolas de Educação Infantil e 17%, pelo PIM. Durante os quatro anos de execução, o Programa tem se destacado dentre os demais programas sociais, dando prioridade aos participantes do Programa Bolsa Família e fazendo interface com outros projetos que envolvem a comunidade e a família, tais como: a) O Projeto Minha Casa, onde as famílias integrantes do PIM passaram a ter prioridade. Através dos encaminhamentos realizados pelos visitadores à coordenação do projeto, a família recebe uma visita para avaliação da sua situação e assim, passa a ser orientada quanto aos procedimentos para ser contemplada com a casa própria. Desde a integração do PIM neste projeto até os dias atuais, já foram beneficiadas cerca de 70 famílias, sendo que outras estão aguardando. b) O Programa Apoio Sócio Educativo Familiar, também direcionado às famílias do PIM, nos bairros Ana Bonato, Missões e Jardim dos Eucaliptos, tem como objetivo atender diretamente às mães do Programa, através de palestras e cursos de iniciação profissional, oportunizando formas de geração de renda. Estas atividades, além de possibilitar o aumento da renda familiar, propiciam a melhoria da qualidade de vida. No final de cada mês, são ofertadas cestas básicas de alimentos e/ou produtos de higiene para as famílias participantes das oficinas. Com o reconhecimento da população e dos órgãos públicos, o Programa Primeira Infância Melhor passou a ter possibilidade de divulgar suas ações, junto aos meios de comunicação, principalmente em parceria com a Rádio Santiago, dispondo atualmente de um espaço direcionado às gestantes, crianças e famílias, com notícias e informações sobre o desenvolvimento infantil e gestação, entre outros. A programação radiofônica é realizada pelo grupo de monitoras sob a orientação do radialista local, capacitado pelo PIM, e vai ao ar todos os sábados pela manhã, durante o Programa “Olho Vivo”. Aos domingos, tem o “Rádio pela Infância”, coordenado pelo mesmo radialista, capacitado pelo PIM. Nesse Programa, um grupo de crianças apresenta o “Rádio pela Infância”, com uma programação voltada ao público infantil. O radialista, ao se referir aos pequenos comunicadores, diz: “A luz acende e a mensagem é clara no estúdio. No ar...” As vozes se fazem ouvir, falando de coisas sérias. Até aí tudo bem, parece ser uma rotina comum aos locutores de Rádio. A diferença, na cena, são os comunicadores: crianças que assumiram a missão de levar a informação a milhares de ouvintes. O grupo de pequenos locutores faz parte do PIM e já está no ar há quatro anos, na Rádio Santiago. O diferencial do PIM é, com certeza, a forma poética e lúdica como são desenvolvidas todas as suas ações. Prova disso é o Circo do PIM, criado em 27 de julho de 2006. O mesmo é coordenado por uma monitora e executado pelos demais integrantes do Programa. Seu objetivo é levar informações por meio de palestras de diferentes profissionais, às mães ou cuidadores. Às crianças são oferecidas atividades lúdicas que possibilitam sua integração e socialização.

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Tanto sucesso proporcionou a este projeto, hoje, estar presente em várias atividades como Campanhas de Vacinação, Mateadas, Cidade Ativa, entre outras. Vale destacar a atividade Incentivo ao Aleitamento Materno, onde as próprias mães do PIM dão o exemplo. Uma cena rara: várias mães reunidas, amamentando seus filhos em plena praça central da cidade. A campanha faz parte do Programa. Em Santiago a Saúde tem Peito. O desafio foi proposto às mães como forma de conscientizar sobre a importância do aleitamento materno no desenvolvimento infantil. Elas aceitaram, e o evento foi uma das mais belas atitudes de saúde, carinho e preocupação para com o desenvolvimento das crianças. Entre as ações educativas destacam-se as relacionadas com alimentação e nutrição, uma vez que um adequado desenvolvimento infantil só é possível se a criança estiver com saúde. Frente a isso, o GTM procura aproveitar todas as oportunidades, como ocorreu na Semana do Bebê, no mês de novembro. O município desenvolveu uma programação repleta de atividades. A Rádio Santiago apresentou diversos assuntos relacionados à primeira infância, envolvendo profissionais do PIM, Comitê Municipal e outras entidades. O Dia do Bebê foi comemorado com uma festa de integração entre as famílias, com inúmeras atividades, de acordo com a faixa etária das crianças. A temática principal, neste dia, estava direcionada à alimentação saudável, com frutas, vegetais e sucos diversos, adquiridos e distribuídos em parceria com o Comitê Municipal do PIM. Em maio de 2007, como iniciativa das famílias e visitadores, foi realizada a Mostra de Brinquedos do PIM. Os brinquedos foram confeccionados com materiais recicláveis criados pelas famílias. O evento aconteceu na Praça Moisés Viana e contou com a participação das famílias integrantes do PIM e da população santiaguense em geral. Conclusão Após elencar aspectos significativos do Programa Primeira Infância Melhor no município, concluímos que é pela visão social, pela proximidade com a comunidade e pela sensibilidade dos nossos gestores que a concretização de um sonho se realiza. São resultados efetivos, trazendo a possibilidade de transpor, de forma inovadora e integrada, problemas e entraves antes considerados difíceis de serem solucionados e ultrapassados. A importância do trabalho intersetorial em prol da infância e da superação do atendimento fragmentado, resulta numa prática preventiva, com benefícios maiores para o presente e o futuro das famílias, da comunidade e do município. A cada dia que passa torna-se evidente, entre os inúmeros ganhos das famílias, o resgate de valores primordiais para o ser humano, que estavam sendo esquecidos, bem como um maior comprometimento dos pais na educação e no desenvolvimento integral

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“O Circo do PIM, para mim, significa a alegria do meu filho. Ele fica horas no portão esperando o grupo...” (Depoimento de uma mãe, integrante do PIM, no bairro Ana Bonato).

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de seus filhos. Sendo assim, é relevante destacar que, através das ações interativas entre famílias e crianças, promovidas pelo Programa, estas passaram a conhecer o seu potencial criador e artístico, tornando-se protagonistas do processo de transformação da sua realidade. Portanto, o Programa Primeira Infância Melhor está desencadeando mudanças reais nas condições de vida, no contexto social e cultural das famílias santiaguenses.

O PIM na área rural: a experiência de São João do Polêsine10 São João do Polêsine é um município localizado na região central do estado, que integra a microrregião da Quarta Colônia de Imigração Italiana do Rio Grande do Sul. Sua população é de aproximadamente 3.000 habitantes, 55,8% deles residentes na área rural. A principal base econômica é a agricultura, a fruticultura, a gastronomia italiana e o turismo religioso e científico, atividades desenvolvidas pelos polesinenses. O PIM conta com cinco visitadoras e uma monitora, contemplando toda a área rural e urbana de São João do Polêsine, tendo sua sede na Escola Municipal de Educação Infantil Recanto dos Sonhos. O Grupo Técnico Municipal – GTM é integrado pelas Secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social, e há ainda a colaboração de parceiros, entre eles o Comitê Municipal. O Programa Primeira Infância Melhor atualmente atende a 76 famílias, nove gestantes, e 87 crianças. As crianças que não fazem parte do PIM freqüentam a Escola Municipal de Educação Infantil Recanto dos Sonhos. Com a preocupação de oferecer à população políticas públicas voltadas à qualidade de vida, a Administração Municipal implantou o PIM no município, em 2004. O Programa tem como objetivo o desenvolvimento integral de crianças de zero a seis anos de idade. É através do contato direto com as famílias que as visitadoras desenvolvem ações para estimular as crianças e orientar as gestantes. Inicialmente o trabalho do PIM em São João do Polêsine privilegiou comunidades rurais. Essas localidades necessitavam, com urgência, de um trabalho de informação voltado ao desenvolvimento infantil e à construção de um vínculo comunitário, já que muitas famílias se localizavam em áreas de difícil acesso. Terreno íngreme, pedras e matas virgens compõem o cenário exuberante e ao mesmo tempo desafiador, por onde passa semanalmente a visitadora. Além da beleza oferecida pela paisagem natural existe um convívio comunitário. A falta de um local específico para reunir a população não se constitui em obstáculo para que nessas comunidades possa existir vida comunitária. Tanto é que os próprios 10. A experiência do PIM em São João do Polêsine foi relatada por Elisane Buriol Giacomini, Maria Inês Giacomini e Geisa Tais Dickow, do GTM, pela Monitora Tânia Coletto Milanesi, pela Digitadora Ronise Brondani, pelas professoras Marinês Dias Missio, Marilde Teresinha Bolzan e Sonia Maria Antonello Cadore e por colaboradores da ASCAR-EMATER/RS, e do Comitê Municipal do PIM.

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moradores construíram, juntamente com a visitadora, nas quatro paredes de suas casas, o espaço necessário para a construção do conhecimento.

Este documento relata as ações de uma visitadora do PIM de São João do Polêsine, no Rio Grande do Sul, realizadas nas comunidades rurais das Linhas do Monte e Bom Fim. A Visitadora atua na área desde sua implantação em 2004. Identificou-se com essas comunidades por estar intimamente ligada a este meio. Através do seu comprometimento, realizou um trabalhado inovador. Com responsabilidade, abraçou a filosofia do PIM, enfrentando todos os obstáculos, para que junto às famílias, pudesse contribuir para a melhoria da convivência familiar e comunitária, com olhar direcionado aos cuidados essenciais que devem ser dispensados às crianças desde a primeira infância. A carência de infra-estrutura física fez com que a Visitadora desenvolvesse meios alternativos para a realização do seu trabalho. A construção de um elo de confiança entre os moradores das localidades possibilitou a execução de tarefas coletivas da Modalidade Grupal, através do encontro de crianças de várias famílias, em suas casas alternadamente. Essa decisão foi tomada, pois as casas situam-se em locais onde o relevo não favorece a caminhada. A locomoção acontece em trilhas com aclives, declives, pedras soltas, transposição de cercas e de riachos, intempéries, animais peçonhentos e outros, dificultando o acesso das crianças à escola, espaço comumente utilizado para a realização das Modalidades Grupais. A Visitadora participa semanalmente do planejamento junto ao Grupo Técnico Municipal – GTM. Conta com a parceria da brinquedoteca municipal, Pastoral da Criança, Programa A União Faz a Vida e da Rádio Comunitária São João FM, para divulgação do PIM, além do apoio das Secretarias Municipais de Educação, Saúde e Assistência Social. Nas reuniões semanais a Visitadora planeja e organiza o material a ser utilizado nas atividades que serão desenvolvidas junto às famílias, apoiada pela Monitora. Semanalmente, as famílias e crianças se mostram alegres e receptivas quando da chegada da Visitadora. É possível perceber mudanças significativas na rotina dessas comunidades. As famílias passaram a ter contato mais efetivo, melhorando a convivência familiar e comunitária. As crianças que se escondiam por vergonha, deixaram desabrochar, em seu íntimo, o desejo de se comunicar. Muitos pais não sabiam estimular seus filhos por ignorarem a importância do estímulo nesta fase da vida. As orientações repassadas pela Visitadora foram incorporadas pelas famílias e hoje se traduzem em qualidade de vida para a comunidade. As transformações também podem ser percebidas na escola. Conforme avaliação dos professores da 1ª série do Ensino Fundamental, os alunos egressos do PIM apresentam uma predisposição às novas aprendizagens, realizando tarefas com autonomia, autocon-

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fiança e elevada auto-estima. Comprova-se maior preocupação desses pais por prestarem mais atenção no fazer da escola. Além da escola, o GTM, o Poder Público e demais parceiros do PIM reconhecem que o Programa contribui para a formação integral das crianças e identificam, dia após dia, a importância de se investir em projetos sociais que valorizem a vida, partindo do seu seio, a família. Conclusão O resultado do trabalho realizado durante esses três anos de existência do PIM em São João do Polêsine aponta mudanças importantes de comportamento e de atitudes dos moradores. Isso fez com que, em 2007, o PIM ampliasse sua cobertura para 100% das famílias com crianças pequenas e gestantes das áreas rural e urbana. A receptividade e a participação ativa das famílias nas ações propostas pelo Programa foi a base que coroou o êxito de todo esse avanço. Porém, muito ainda há por ser feito. Existe a necessidade urgente de investimentos em melhorias da saúde física, mental e social desses moradores. Para tanto, há que se fomentar políticas públicas capazes de oferecer-lhes melhores condições de moradia, acesso e lazer. O entendimento das famílias a respeito da relevância de estimular adequadamente as crianças, para que obtenham o desenvolvimento integral de suas potencialidades, e de seus papéis como educadores, concretizou um dos ideais do Programa – resgatar o vínculo familiar e o papel das famílias na educação das crianças. Também houve o resgate da auto-estima da comunidade que, com a orientação do PIM, iniciou atividades de confraternização, limpeza de lugares públicos da região e ações de multiplicação de saberes sobre higiene, saúde e nutrição.

A criança egressa do PIM em São Sepé 11 O Município de São Sepé está localizado na região central do Rio Grande do Sul, distante 265km de Porto Alegre. Possui uma área de 2.231km2 e uma altitude de 175m, com clima temperado. Limita-se ao Norte com os municípios de Santa Maria, Formigueiro e Restinga Seca, ao Sul com Caçapava do Sul e Lavras do Sul, ao Leste com Cachoeira do Sul e a Oeste com São Gabriel e Vila Nova do Sul. O relevo apresenta coxilhas levemente onduladas e varzeadas e a hidrografia é composta pelos rios Vacaraí, São Sepé e Santa Bárbara. A vegetação predominante no município é constituída por campos e matas. 11. A experiência do PIM em São Sepé foi relatada por Viviani Giuliani Marques e Edna Garcia Borges do GTM, pelas Monitoras Andréia Lúcia Santos Brum, Neuza Terezinha Régio Ferreira e Márcia Neise Strahl Löbler, Paula Vicentina Ferreira Machado, Secretária Municipal de Educação, Marcelo Faria Ellwanger, Secretário Municipal de Saúde e Assistência Social, Analice Ineu Chiappta, do Departamento Pedagógico da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, e por Maria Inês Barreto de Macedo Coradini, Professora Municipal.

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A população total do município, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE (2000), é de 24.621 habitantes, com um número de 1.518 crianças de zero a três anos e 1.638 crianças de três a seis anos. Em 2007, 325 crianças estão freqüentando a Educação Infantil. A origem étnica da população é de alemães, italianos, turcos, libaneses, sírios, portugueses e negros.

A economia do município é baseada nas culturas agropastoris, com destaque para os plantios de arroz, soja e milho. Na pecuária destacam-se as criações de gado de corte e leite. No setor extrativo mineral, salienta-se o ouro, o calcário granito, carvão, entre outros. O Programa Primeira Infância Melhor – PIM foi implantado no município de São Sepé em 2003 e passou por várias ampliações. Hoje, 19 Visitadores orientam 395 famílias, onde estão 24 gestantes, 266 crianças de zero a três anos e 146 crianças de três a seis anos de idade. A partir de uma pesquisa de opinião realizada com famílias que integram o Programa, constatou-se que elas desempenham um papel fundamental, na medida em que são trabalhadas para assumir ações de estimulação e proteção das crianças na primeira infância, proporcionando suporte, apoio e recursos disponíveis dentro de suas realidades, efetivando as intervenções em relação à saúde, educação e cultura. Relato da experiência Diante da realidade apresentada, sentiu-se a necessidade de investigar como as crianças egressas do PIM, que estão freqüentando as classes regulares de ensino fundamental em São Sepé encontram-se em termos de competências e habilidades para o aprendizado. Foi, então, realizado um estudo mediante análise de pareceres descritivos emitidos pelos professores, relatos de pais e de todas as pessoas envolvidas na comunidade escolar que, de alguma forma, observaram o desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo e da linguagem, entre outras habilidades dessas crianças, conforme demonstra o gráfico a seguir: Pode-se observar que 67% das crianças egressas do PIM apresentaram um desenvolvimento na sua autonomia, 80% evidenciaram desenvolvimento na capacidade de interação e cooperação, e 50% nas suas potencialidades e habilidades, levando-se em consideração os critérios sugeridos pelo Programa. O desenvolvimento desses aspectos e as possibilidades de aprendizagem dessas crianças são determinados pelas experiências e pela qualidade das interações, no meio sociocultural em que vivem ou que freqüentam. Daí o papel decisivo dos atores envolvidos como mediadores socioculturais no processo de formação e desenvolvimento integral da criança.

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O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0.775, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000). Oitenta por cento da população ativa obtém uma renda familiar de até três salários mínimos.

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Gráfico 1 – Desenvolvimento das crianças egressas do PIM

A partir do estudo, da observação e dos dados apresentados através de pareceres, entrevistas e relatos, é possível verificar que já foram alcançados resultados significativos considerando ações desenvolvidas pelo Programa, identificando-se, inclusive, obstáculos a serem superados. Estas crianças demonstraram melhor preparo ao ingressarem na escola, tanto nos aspectos social e motor, quanto cognitivo. Evidenciaram habilidades no recorte, modelagem, desenhos com definição de espaços e conhecimento das cores. Também apresentaram um desenvolvimento na expressão lingüística, segurança em se auto-expressar quanto aos seus sentimentos, à música, ritmo, arte e dança. Há também uma maior evidência quanto ao desenvolvimento das habilidades motoras como: equilíbrio nos movimentos, postura, traçado de linhas e desenhos. Quando são desafiados, respondem com segurança e prontidão, demonstrando assim que têm domínio das situações propostas. O desenvolvimento dessas habilidades não ocorre apenas no interior de uma instituição educativa, mas também na família, através das atividades orientadas pelos Visitadores e executadas pelos familiares, sempre respeitando a faixa etária de cada criança. A evolução do desenvolvimento dessas crianças contribui para abrir caminhos e qualificar o Programa em nosso município, tendo em vista que é fundamental que o Poder Público atenda, em regime de colaboração, evitando-se, dessa forma, duplicidade ou ausência de participação de ambas as partes. A intenção de aliar uma concepção de criança à qualidade das atividades a ela oferecidas implica atribuir um papel específico à Pedagogia do Desenvolvimento Infantil, captando

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necessidades que os bebês evidenciam antes que consigam falar, observando suas reações e iniciativas, interpretando desejos e motivações. Tais habilidades precisam ser desenvolvidas durante as visitas às famílias, aliadas ao estudo dos diferentes aspectos, próprios para cada faixa etária. Isto subsidiará de modo consistente as decisões sobre as atividades a serem aplicadas, o formato de organização do espaço, do tempo, dos materiais e dos agrupamentos de crianças.

A experiência apresentada neste relato foi muito relevante, pois as crianças que participaram do PIM desenvolveram habilidades essenciais para o ingresso na rede regular de ensino de nosso município, conforme depoimentos de professores e das próprias famílias. Após os relatos dos professores, as comunidades atendidas pelo Programa deram mais valor ao trabalho desenvolvido pelos Visitadores, solicitando maiores conhecimentos sobre a metodologia aplicada durante as visitas, divulgando a qualidade do trabalho e incentivando a continuidade do mesmo em suas comunidades. Espera-se que este relato se constitua em mais um passo na direção de transformar em práticas reais, adotadas no cotidiano das famílias, parâmetros de qualidade que garantam às crianças entre zero e seis anos de idade se desenvolverem integralmente, proporcionando assim uma primeira infância melhor como garantia de um futuro mais promissor.

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Conclusão

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C A P Í T U L O

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PIM: de proposta inovadora a política pública

Lançado em 7 de abril de 2003, o Programa Primeira Infância Melhor (PIM) está alicerçado na parceria estabelecida entre o estado e os municípios, que recebem apoio financeiro para sua implementação. O apoio financeiro consiste, até o momento, em repasse mensal de recursos oriundos do Fundo Estadual da Saúde para os respectivos Fundos Municipais. Sob a liderança da Secretaria Estadual da Saúde, o PIM articula esforços das Secretarias de Educação, da Cultura, e da Justiça e do Desenvolvimento Social. Além da sensibilização e articulação com as demais secretarias envolvidas e comprometidas com o desenvolvimento integral na primeira infância, foi muito importante para o sucesso do Programa o estabelecimento de parcerias, as consultorias nacionais e internacionais e, sobretudo, a co-responsabilidade das instâncias gestoras. O estabelecimento de parcerias foi viabilizado pela instituição do Comitê Estadual para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância (CEDIPI), em abril de 2003, através do decreto nº 42.199, que prevê, além do setor público, representação de diversos setores da sociedade civil organizada e da iniciativa privada, conforme descrito no capítulo 2.

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As consultorias nacionais e internacionais favoreceram a colaboração de especialistas e instituições com expertise acumulada na área da primeira infância, e foram fundamentais para a implantação e a evolução do PIM, garantindo o seu êxito. O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através da Secretaria Estadual de Saúde, firmou convênio com o Centro de Referência Latino-Americano para a Educação Pré-Escolar (CELEP), de Cuba, para apoio técnico no desenvolvimento de ações previstas para o Programa Primeira Infância Melhor. De junho de 2003 a março de 2005 os técnicos do CELEP vieram regularmente ao Estado, num total de sete visitas, em períodos que duraram 60 dias em média. O objetivo dessa assessoria foi acompanhar a implantação e o funcionamento do PIM. Inúmeros municípios foram visitados pelas consultoras cubanas, que também capacitaram o Grupo Técnico Estadual (GTE), e participaram de várias capacitações das Coordenadorias Regionais da Saúde (CRSs), Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) e dos Grupos Técnicos Municipais (GTMs). A parceria e a cooperação técnica da UNESCO, especialmente através da participação da psicóloga Alessandra Schneider, ponto focal de Educação Infantil da Representação da UNESCO no Brasil e coordenadora do Escritório-Antena do Rio Grande do Sul, também foram fundamentais para o sucesso do PIM. Por sua experiência, reconhecimento e credibilidade nacional e internacional nas áreas de educação, cultura, ciência, comunicação e informação, a UNESCO foi considerada pelo Governo do Estado, como a agência mais qualificada para apoiar técnica e logisticamente a Equipe Executiva na implementação do PIM. Foi, então, assinado em setembro de 2003, um Projeto de Cooperação Técnica Internacional (PRODOC), cujo objetivo foi apoiar as etapas de: (i) desenho e formulação, (ii) implementação, e (iii) monitoramento e avaliação do Programa “Primeira Infância Melhor”, cujos signatários foram o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, a Representação da UNESCO no Brasil, e a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores. A co-responsabilidade das instâncias gestoras do PIM é um aspecto crucial para os seus resultados. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o Distrito Federal (DF) e os municípios, todos autônomos, não estabelecendo relação hierarquizada entre eles. A Constituição Federal de 1988 determina uma mudança substancial na gestão das políticas públicas, ao estabelecer a descentralização dos serviços da União para estados e municípios, e ao ressaltar uma nova relação Estado/sociedade na formulação e controle das políticas, em todos os níveis. A União perde sua função executora, ficando com a atribuição de normatizar, coordenar as políticas e prestar apoio técnico e financeiro aos demais níveis de governo. As ações são implementadas principalmente pelos municípios, cabendo aos Estados executá-las de forma suplementar, prestando apoio técnico e financeiro aos municípios. Nesse sentido, a Equipe de Coordenação situada na Secretaria Estadual de Saúde e com representação

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O PIM busca garantir, na sua implementação, sua eficiência, eficácia e efetividade. A eficiência diz respeito a meios e processos adequados para se atingir determinados fins; algo ou alguém é eficiente quando consegue estabelecer um procedimento de ação, ou um processo de trabalho, que conduz com um mínimo de custo aos resultados esperados. A eficácia diz respeito aos resultados ou produtos desejados de uma determinada ação. De forma geral, diz-se que uma ação é eficaz quando ela atinge as metas estabelecidas previamente. E efetividade é aquilo que manifesta um resultado real, verdadeiro. Assim, uma ação é efetiva quando além de eficiente e eficaz, ela produz, no caso das políticas sociais, as alterações positivas da realidade que foram definidas como necessárias no planejamento de uma determinada política (adaptado de Ministério da Saúde, Comitê da Primeira Infância, 2002, p. 30).

A adesão dos municípios e o crescimento do PIM No ano do seu lançamento, o PIM contou com a adesão de 50 municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Os primeiros municípios habilitados, no dia 10 de setembro de 2003, foram: Bagé, Bento Gonçalves, Bom Jesus, Caçapava do Sul, Campo Novo, Canela, Canoas, Erechim, Erval Seco, Jaquirana, Marau, Panambi, Pinhal, Porto Vera Cruz, Redentora, Santa Vitória do Palmar, Santiago, Santo Antônio da Patrulha, São Sepé, Sapucaia do Sul, Soledade, Tenente Portela e Turuçú. Neste mesmo ano mais 27 municípios seriam habilitados, nos meses de outubro e novembro, de forma que o Programa foi conquistando a adesão de um número cada vez maior de municípios rio-grandenses que, a partir da sensibilidade e do comprometimento dos seus gestores, e do apoio da sociedade civil, canalizaram esforços e investimentos na primeira infância e de suas crianças. Hoje o PIM está implantado em 217 municípios gaúchos (PIM, BANCO DE DADOS, agosto de 2007). Trezentos e quinze municípios foram habilitados e estão aptos a implantá-lo em suas comunidades. O mapa abaixo dá uma idéia da extensão do crescimento do Programa. O número de municípios com o PIM implantado representa um crescimento de mais de 500% em relação aos municípios que aderiram ao Programa no ano do seu lançamento. Observa-se que dos 496 municípios do Estado, mais de 60% estão capacitados para a implantação do Programa, o que sinaliza para uma boa cobertura do mesmo. O Gráfico 1 sintetiza esse dado.

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das demais Secretarias parceiras, em sintonia com os membros do CEDIPI, exerce seu papel de coordenação, articulação, apoio e mobilização de parceiros em torno da operacionalização das atividades previstas no PIM, tendo em vista que as atividades são implementadas em colaboração com os municípios. A aliança entre governo do estado e municípios é estratégica e, mais do que isso, fundamental para a adequada implementação das atividades relacionadas ao Programa Primeira Infância Melhor.

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Mapa do crescimento do Programa

Gráfico 1 – Municípios do Rio Grande do Sul capacitados pelo PIM

Outro dado relevante é que ao longo desse tempo, vem crescendo o número de famílias e de crianças atendidas, como podemos ver no gráfico 2. Gráfico 2 – Número de famílias e crianças atendidas pelo PIM de 2003 a 2006 60.187 70000 60000

40125 50000

30340

40000

20225

30000

11775 2775 7850 1875

20000 10000 0

2003

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2004

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Em dezembro de 2006, o Programa contabilizava 40.125 famílias atendidas, implicando um crescimento significativo desde 2003. Pode-se observar que de ano a ano, esse número cresceu de maneira expressiva, abrangendo cada vez mais famílias, contempladas de acordo com os critérios estabelecidos e a partir das suas demandas.

Além do foco na família e na criança, o PIM busca trabalhar com as gestantes, apoiando-as e preparando-as para a chegada dos seus bebês, e de forma a assegurar também que a gestante possa contar com uma boa assistência pré-natal, através dos serviços disponíveis na rede de saúde dos municípios. O Gráfico 3 mostra o número de gestantes acompanhadas, desde o início do Programa. Gráfico 3 – Número de gestantes atendidas pelo PIM de 2003 a 2006

O Gráfico mostra o crescimento no número de gestantes atendidas pelo PIM, até o mês de dezembro de 2006, quando 4.815 mulheres estavam sendo acompanhadas durante o seu período de gravidez. Através das Modalidades de Atenção descritas no capítulo 2, o Programa busca promover a saúde física e emocional da futura mamãe, de forma a garantir o melhor acolhimento, cuidado e apego possíveis para o bebê que está por chegar. O número de visitadores capacitados pelo Grupo Técnico e acompanhados pelos Monitores, e o seu crescimento, também dá uma idéia do porte do Programa hoje. No Gráfico 4 fica demonstrado esse crescimento.

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Da mesma forma, o Gráfico 2 também mostra o crescimento do número de crianças de zero a seis anos atendidas pelo Programa Primeira Infância Melhor, de 2003 até o mês de dezembro de 2006, quando 60.187 crianças estavam sendo beneficiadas pelo PIM, através das suas Modalidades de Atenção, descritas no capítulo 2.

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Gráfico 4 – Número de visitadores habilitados pelo PIM de 2003 a 2006

Até dezembro de 2006, como se pode constatar, 1.605 visitadores haviam sido habilitados pelo Programa, o que ocorre num sistema de capacitação continuada, visando à qualificação desses profissionais para sua atuação no PIM, bem como o acompanhamento e a avaliação desse trabalho. Há toda uma preocupação com o monitoramento do trabalho dos visitadores, pois os mesmos são considerados figuras centrais para a qualidade do Programa. Enfim, todos esses dados demonstram a aceitação que o PIM vem encontrando, por parte dos gestores municipais, das instituições, das famílias participantes e do público em geral. Com a sua evolução, o Programa demonstra que, com vontade política, os gestores públicos podem contribuir para o desenvolvimento integral na primeira infância, a partir de ações concretas baseadas em estudos científicos e experiências exitosas, alicerçadas na comunidade, contando com uma rede de serviços articulada intersetorialmente. O PIM apresenta-se como elemento inovador nas políticas públicas pelo seu baixo custo em um investimento onde os ganhos sociais são altíssimos. As atividades paralelas de advocacy sobre a primeira infância O PIM desenvolve também uma série de ações que buscam sensibilizar a sociedade para a importância da primeira infância. Através da mídia e de outras estratégias, a equipe do Programa coloca na ordem do dia, sempre que possível, o tema dos direitos da criança, da primeira infância e do desenvolvimento infantil. Por ocasião do lançamento do Programa, em abril de 2003, foi instituído o Dia Estadual do Bebê – 23 de novembro, e a Semana Estadual do Bebê, através do Decreto nº 42.200, como parte do calendário oficial. A Semana Estadual do Bebê envolve uma programação de atividades apoiadas pelo CEDIPI, que visam a estimular a consciência da

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Em Porto Alegre, a Semana do Bebê culmina sempre com a já tradicional Passeata do Bebê, que acontece no Parque Farroupilha, e conta com a participação de autoridades governamentais, representantes de instituições parceiras e, certamente, com os principais personagens desses eventos: os bebês da comunidade e seus familiares. Trata-se de um momento de confraternização e também de interação com a sociedade, chamando sua atenção para a importância dos primeiros anos para o desenvolvimento dos indivíduos e dos grupos sociais. O CEDIPI tem um papel importante como articulador dos Comitês Municipais, incentivando sua mobilização para essas atividades e, sobretudo, para a consolidação do Programa nos municípios. Como salienta Alceu Terra Nascimento, da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, presidente do CEDIPI a partir de Passeata do Bebê, realizada no Parque Farroupilha em Porto Alegre 2004, “O CEDIPI é um fórum de mobilização permanente, cujo papel é dar legitimidade e suporte às ações realizadas pelo PIM. A estratégia fundamental está no trabalho de corpo-a-corpo realizado pelos agentes sociais que visitam e acompanham às famílias. Seu papel é tático, de envolvimento da sociedade para que esta credite valor à ação, disseminando os conceitos do Programa, ativando as lideranças locais, captando apoios complementares, influenciando as políticas públicas, enfim, criando um ambiente favorável para que esta idéia de cuidados nos primeiros anos de vida seja efetivamente uma prioridade absoluta da sociedade como um todo. Estamos convencidos de que este é o melhor investimento que poderemos fazer para construir um presente melhor às nossas crianças e um futuro mais sustentável para a sociedade” (BOLETIM DO PIM, 2005). O PIM conta com o importante apoio do UNICEF que, em parceria com a Secretaria Estadual de Saúde e a empresa Rio Grande Energia (RGE), promoveram três Oficinas de

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sociedade rio-grandense para a causa da primeira infância. Tanto na capital como nos municípios gaúchos, são realizadas na comunidade atividades artísticas, culturais e de entretenimento, dirigidas para as crianças e suas famílias, com o envolvimento dos setores governamentais, não governamentais e o empresariado.

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Rádio pela Infância. No total, mais de 100 radialistas de todo o Estado receberam uma Cartilha e um CD para inserção na programação das rádios com instruções simples sobre desenvolvimento infantil. Considerando o poder de influência dos veículos de comunicação, especialmente o rádio, que entra em todos os lares e é capaz de atingir todas as pessoas, essa iniciativa revela-se como particularmente profícua. Mobilizando-se os comunicadores, conquista-se mais um canal de comunicação com as famílias, colocandose em pauta questões importante acerca dos cuidados e da educação das crianças pequenas. Um exemplo interessante neste sentido é o desenvolvido no município de Santiago, como vimos no capítulo anterior. Sensibilizado pelas Oficinas, um radialista da Rádio Santiago AM criou o quadro “Rádio pela Infância – Criança falando de coisa séria”, que vai ao ar semanalmente. O Programa, que tem a duração de dez minutos, é conduzido por oito crianças entre oito e dezesseis anos de idade, que abordam temas como dentição infantil, aleitamento materno, segurança da criança, pré-natal e outros, que eles próprios pesquisam. Além da sua importância pela comunicação com a comunidade acerca de temas do desenvolvimento infantil, a iniciativa se destaca pelo protagonismo infantil que ela estimula. Em 2003, foram produzidas e veiculadas duas peças publicitárias como parte de uma campanha institucional do Programa. Um comercial de televisão de 60 segundos chamava a atenção da comunidade rio-grandense para as cotidianas oportunidades de aprendizagem dos bebês e crianças pequenas a partir de suas relações sociais. Apresentando imagens muito significativas, o comercial, de forma poética, informava: “Eu aprendo que posso depender de você, Se você me conforta quando eu choro. Eu aprendo a me sentir seguro para explorar o mundo, Se você está me olhando e me protegendo. Eu aprendo a me acalmar e esperar até que você volte, Porque você sempre volta. Você pode não saber, mas eu entendo e sinto Muito mais do que posso falar. É nos primeiros anos de vida que aprendemos a aprender o mundo em que vamos viver. O que você faz pelo seu filho agora, Vale por toda vida.”

(Primeira Infância Melhor, Secretaria da Saúde e Governo do Rio Grande do Sul).

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Um jingle para o rádio foi também amplamente veiculado, embalado por uma música empolgante, com o seguinte texto: “O que você faz pro bebê ele nunca vai esquecer. Porque toda criança precisa de segurança. Quando você dá a mão, está dando atenção. Quando fala baixinho, está dando carinho. Quando está ao seu lado, ele se sente amado. Até quando diz não, é do fundo do coração. Quando você dá o peito, dá amor do seu jeito. Com um olhar você diz, que ele vai ser feliz. É nos primeiros anos de vida, que aprendemos a aprender o mundo em que vamos viver. O que você faz pelo seu filho agora vale para toda a vida.” O PIM tem estado presente também na mídia escrita, através de inserções em revistas voltadas para a educação e outras de circulação nacional, e jornais de grande circulação no estado, divulgando informações importantes sobre a saúde materno-infantil, o desenvolvimento dos bebês e das crianças pequenas, entre outros temas. Através desses veículos, busca igualmente, além de levar informações e conhecimentos às comunidades, sensibilizar a sociedade para a importância da primeira infância, e para o seu compromisso com a mesma.

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Cabe destacar que a então Seção de Educação Infantil e Educação Inclusiva da Sede da UNESCO, em Paris, se inspirou na segunda cena deste VT para criar, em 2005, um banner com o lema “A aprendizagem começa aqui”, que foi amplamente disseminado em vários idiomas sob a forma de cartaz, cartão postal e banner eletrônico.

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Anualmente o Programa realiza o Seminário Internacional da Primeira Infância, evento que integra a Semana do Bebê e que envolve a participação de 1.500 a 2.000 profissionais, atores do Programa, estudantes e demais interessados, que se reúnem para aprender e debater temas relacionados ao desenvolvimento infantil, ao compromisso dos governos e da sociedade com o setor. Pesquisadores e profissionais renomados vêm compartilhar suas experiências e conhecimento nos seminários, que já contou com a colaboração de T. Berry Brazelton, fundador da Unidade de Desenvolvimento da Criança no Hospital da Criança de Boston e é professor emérito de pediatria na Escola de Medicina de Harvard, James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2000, Salvador Célia, psiquiatra pós-graduado pela Universidade da Califórnia e professor da Universidade Luterana do Brasil, Rubem Alves, educador, escritor e psicanalista, professor emérito da Universidade de Campinas, Hubert Montagner, diretor do departamento de Psicofisiologia e Psicopatologia da Universidade de Bordeaux, França, J. Fraser Mustard, presidente fundador do Instituto Canadense para Pesquisa Avançada, The Founder’s Network, Mary Young, Especialista em Desenvolvimento Infantil da Rede de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, entre vários outros igualmente importantes participantes. Os Seminários constituem um momento importante e privilegiado para a atualização, o debate, e a disseminação de conhecimentos e experiências sobre o assunto. Atendendo a convites, o PIM foi apresentado em inúmeros seminários nacionais e internacionais, dentre os quais se destacam: Em 2005:

A equipe responsável pelo PIM promove anualmente um seminário nternacional sobre o tema da primeira infância

• 5º Encontro Internacional de Educação Inicial e Pré-Escolar (5º Encuentro Internacional de Educación Inicial y Preescolar) realizado em Monterrey/México, no mês de maio;

• VII Encontro Internacional de Educação Inicial e Pré-Escolar do Centro de Referência Latino-Americano para a Educação Pré-Escolar (VII Encuentro Internacional de Educación Inicial y Preescolar del Centro de Referencia Latino-americano para la Educación Preescolar – CELEP / Asamblea Mundial y Reunión del Ejecutivo de la Organización Mundial para la Educación Preescolar – OMEP) realizado em Havana/Cuba, em junho;

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• Seminário sobre Desenvolvimento Infantil (Early Child Development – A priority for Sustained Economic Growth and Equity) realizado pelo Banco Mundial em Washington/ Estados Unidos da América, em setembro; Em 2006: • 1ª EXPOGEST – Mostra de Vivências Inovadoras de Gestão do Sistema Único de Saúde – SUS, realizada em Brasília/Brasil, em junho;

• Reunião “Bases Sólidas: Estratégias Globais de Comunicação e Advocacy para a Primeira Infância (Strong Foundations: A Global Communication and Advocacy Strategy for Early Childhood) promovida pela UNESCO e Grupo Consultivo Mundial sobre Cuidados e Desenvolvimento Infantil (Consultative Group on Early Childhood Care and Development), realizada em Paris/França, em junho; • 7º Encontro Internacional de Educação Inicial e Pré-Escolar (7º Encuentro Internacional de Educación Inicial y Preescolar y 1er Encuentro Mundial de Educación Inicial y Preescolar “Ciência, Conocimiento y Educación Temprana”), realizado em Monterrey/ México, em outubro. • Encontro com Especialistas Internacionais “Novos Desafios para a Atenção à Primeira Infância” (Encuentro com Expertos Internacionales – Nuevos Desafios para la Atención de la Primeira Infância) promovido pelo Ministério da Educação do Chile, Organização Mundial de Educação Pré-Escolar – OMEP e Junta Nacional de Jardines Infantiles – JUNJI, em Santiago/Chile, no mês de outubro. A interação com os profissionais da área e com a sociedade como um todo é uma estratégia relevante para o alcance dos objetivos do PIM. A necessidade de propagação de conhecimentos sobre a primeira infância, a sensibilização para a importância fundamental deste período da vida humana, a atenção sobre os direitos das crianças preconizados pela legislação e a busca de sua efetivação têm inspirado ações do Programa, que buscam inserir na agenda dos governos, da sociedade civil organizada e da iniciativa privada o foco no desenvolvimento integral da primeira infância.

O PIM como política pública amparada em lei estadual Em junho de 2006, foi encaminhado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul o Projeto de Lei que institui o PIM como uma política pública permanente de Saúde no Estado. Esse Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade, e sancionado pelo governador do Rio Grande do Sul, originando a Lei Estadual nº 12.544, de 3 de julho de 200612. O Programa Primeira Infância Melhor, desta forma, foi instituído como parte inte12. O texto da Lei Estadual nº 12.544, de 3 de julho de 2006, pode ser encontrado no CD-ROM anexo a este livro.

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Em 2007:

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grante da Política Estadual de Promoção e Desenvolvimento da Primeira Infância, a ser implementado pelo estado em parceria com os municípios ou organizações não governamentais, conforme estabelecido em seu Artigo 1º. Resultado da consolidação do Programa, e do reconhecimento de sua importância por parte da sociedade, dos legisladores e do governo do estado, a Lei Estadual dá garantias aos gestores municipais da continuidade dos investimentos na primeira infância, independentemente dos governos. Através da lei, tem-se uma política pública cuja finalidade é a promoção do desenvolvimento integral da criança, desde a gestação até os cinco anos de idade, com ênfase na faixa etária de zero a três anos, como um complemento da ação da família e da comunidade. O desenvolvimento integral infantil, que é objeto dessa lei, inclui os aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais. Num país com tantas desigualdades sociais como o Brasil, com parcela significativa de crianças e famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, como foi descrito no capítulo 1, leis como esta, que normatizam e instituem políticas integradas de atendimento e promoção do desenvolvimento infantil são da mais alta relevância. Além disso, a Lei nº 12.544 orienta para uma organização do PIM em consonância com a legislação brasileira relacionada à proteção dos direitos das crianças, à saúde e à educação no país. O PIM deve ser implantado nos municípios que aderem ao Programa em consonância com a doutrina de proteção integral da criança, salientada nos termos do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, referido na Introdução deste livro, e em conformidade com o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além dessas, o PIM também foi concebido de maneira articulada às Leis nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 e nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro 1990, que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, traz como princípios e diretrizes a Universalidade, a Integralidade, a Eqüidade e a Resolutividade nos serviços de saúde que devem ser oferecidos à população. A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, também conhecida como a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) estabelece como dever do Estado a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, bem como a prioridade do amparo às crianças e aos adolescentes em situação de risco pessoal e/ou social. A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O PIM atua em consonância a esta Lei, da mesma forma que a Lei Estadual que o instituiu como política pública, especialmente pelo estabelecido no seu artigo 29. A Lei Estadual que institui o PIM também estabelece que este Programa deva ser organizado em sintonia com o Plano Nacional de Educação, regulamentado pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. No capítulo da Educação Infantil, fica estipulado como

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A Lei estabelece também os papéis das secretarias estaduais e municipais, bem como dos governos nas esferas estadual e municipal e ainda das organizações não-governamentais. Ao estado cabe o apoio técnico e financeiro, e aos municípios, a implementação do Programa de acordo com suas características, necessidades e peculiaridades, seguindo os princípios e diretrizes norteadoras. A parceria estado-municípios, estruturada em torno dos eixos do PIM, família, comunidade e intersetorialidade, é uma peça fundamental para o sucesso do Programa. Somente através desse compartilhamento de esforços, viabiliza-se o alcance do seu objetivo maior, qual seja, a promoção do desenvolvimento integral na primeira infância.

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uma de suas metas “estabelecer, até o final da década, em todos os municípios e com a colaboração dos setores responsáveis pela educação, saúde e assistência social e de organizações não governamentais, programas de orientação e apoio aos pais com filhos entre zero e três anos, oferecendo, inclusive, assistência financeira, jurídica e de suplementação alimentar nos casos de pobreza, violência doméstica e desagregação familiar extrema”.

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C A P Í T U L O

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Considerações finais (refletindo sobre a experiência)

A luta travada para salvar a vida das crianças deverá ser sempre acompanhada de um esforço para dar um sentido à sua existência (MYERS, 1991). Esta idéia, apresentada por Robert Myers, membro fundador do Grupo Consultivo sobre Cuidado e Desenvolvimento Infantil (Consultative Group on Early Childhood Care and Development), é também uma realidade perseguida no Estado do Rio Grande do Sul, com ainda mais determinação a partir da implantação do Programa Primeira Infância Melhor. Uma idéia é tão poderosa quanto aquilo que podemos fazer com ela. As políticas públicas de caráter social, assim como o PIM, têm como função primordial a promoção do desenvolvimento humano nas suas várias dimensões – social, cultural e política. Têm, também, o objetivo de corrigir as desigualdades constituídas nesse processo, especialmente aquelas decorrentes da esfera da economia que, por suas contradições próprias, introduz iniqüidades incompatíveis com as noções de justiça que devem prevalecer em uma sociedade democrática. O PIM está em consonância com as evidências científicas e práticas, recolhidas ao longo das últimas duas décadas, de que a educação e os cuidados de boa qualidade nos seis primeiros anos de vida, tanto na família como em programas mais estruturados, têm um impacto positivo na sobrevivência, crescimento e desenvolvimento do potencial de

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aprendizagem das crianças. Há um efeito sinérgico entre a boa saúde, nutrição adequada, estímulo apropriado e interação com outras pessoas para que a criança realize todo o seu potencial. Conforme Koichïro Matsuura, Diretor-Geral da UNESCO: “Não é nenhuma coincidência que o primeiro objetivo de Educação para Todos se concentre nas crianças mais jovens e vulneráveis. Melhorar o seu bem-estar na mais tenra idade deve ser um componente integral e sistemático de políticas para a educação e redução da pobreza”. A educação e os cuidados na primeira infância além de ser um direito reconhecido pela Convenção sobre os Direitos da Criança ratificada por quase todos os países do mundo, figura como o primeiro dos seis objetivos de Educação para Todos – EPT, pactuados no Fórum Mundial de Educação de Dacar, em 2000, e contribui para o alcance dos cinco demais objetivos promovendo um círculo virtuoso. As evidências comprovam que crianças que freqüentam programas de qualidade de educação infantil e têm aprendizagens iniciais positivas, realizam uma melhor transição para o ensino fundamental, e estão mais predispostas a iniciar e permanecer na escola. A educação primária universal é o segundo objetivo de EPT. Proporcionar à criança um começo de vida saudável e estimulante contribui para diminuir, no futuro, os índices de evasão e repetência, fortalecendo, portanto, a eficiência da educação primária. A educação de jovens e adultos e a alfabetização, terceiro e quarto objetivos de EPT, também recebem impactos positivos dos programas de educação e cuidados na primeira infância. Esses programas garantem aos pais e cuidadores orientação e outras formas de apoio que melhoram seu nível de informação e suas habilidades para a vida. Além disso, mães e pais com maior nível de escolaridade são mais predispostos a matricular seus filhos na escola, além de interagir de forma mais estimulante com suas crianças. O atendimento na educação infantil pode ajudar as meninas em idade própria a freqüentarem a escola ao invés de permanecerem em casa cuidando de seus irmãos menores. Oportuniza, também, ensinar a todas as crianças, durante os anos formativos de sua personalidade, sobre eqüidade de gênero – quinto objetivo de EPT, visando à superação de estereótipos relacionados aos papéis tradicionais. Além disso, os programas de educação e cuidados na primeira infância liberam as mulheres para o mercado de trabalho, tornando-as mais auto-suficientes economicamente. A qualidade da educação é o sexto e último objetivo de EPT. Nas últimas décadas, várias pesquisas têm comprovado que a participação em programas de qualidade durante os primeiros anos de vida tem um impacto positivo a curto, médio e longo prazo, gerando benefícios educacionais, sociais e econômicos mais expressivos do que qualquer outro investimento na área social. Melhor desempenho na escolaridade obrigatória, menores taxas de repetência e evasão, e maior probabilidade de completar o ensino médio foram

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As políticas públicas têm o poder de afetar o bem-estar e o desenvolvimento dos seres humanos, ao interferir nas suas condições de vida. Descuidar da primeira infância é ferir os direitos fundamentais e indispensáveis a uma vida digna. Por outro lado, cuidar e estimular de forma adequada as crianças, com sensibilidade, conhecimento e determinação, é uma maneira de alavancar o desenvolvimento sustentável do capital humano, social e econômico de uma nação. Como foi discutido neste livro, a situação da infância no Brasil demanda o olhar atento e a ação dos governos e da sociedade. Com uma legislação bastante avançada no campo dos direitos da criança e do adolescente, da saúde, da educação e da assistência social, paradoxalmente, o país não tem assegurado e implementado o cumprimento de tudo aquilo que a lei sinaliza. Milhões de crianças ainda vivem à margem de uma educação e cuidados minimamente aceitáveis e capazes de garantir o seu desenvolvimento, em especial e particularmente aquelas mais pobres e mais vulneráveis. Essas crianças vivem em famílias que também estão excluídas das possibilidades de uma inserção social e profissional que lhes oportunize condições mais dignas de existência. Daí resulta um ciclo transgeracional de pobreza e de exclusão social difícil de romper. Difícil, mas não impossível! A imensidade dos problemas que afetam a primeira infância vulnerável brasileira, como a mortalidade infantil, a desnutrição, os fatores de risco para o desenvolvimento e os problemas de saúde mental, a violência, a situação de pobreza extrema e a exclusão do sistema formal de educação infantil podem conduzir a um ceticismo estéril e paralisante, desestimulando ou até mesmo impedindo iniciativas de programas e ações sociais que revertam essa situação, mesmo que de forma lenta e gradual. Entretanto, ao invés de paralisar governos e sociedades, tais problemas deveriam justamente constituir-se como uma de suas prioridades, senão a principal. Temos exemplos de países que alcançaram níveis de desenvolvimento de primeiro mundo mediante o investimento maciço na educação. Investimento que não gera um retorno imediato, instantâneo, mas que deixa um legado da maior relevância para a geração atual e futura, que é capaz de produzir as mudanças sociais mais profundas e o desenvolvimento sustentável dos países. A experiência do Programa Primeira Infância Melhor, o PIM, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, ensina que é possível, sim, mobilizar gestores e sociedade na implementação de políticas públicas voltadas para a primeira infância. O desenvolvimento desse Programa tem trazido importantes lições. A primeira delas diz respeito à aliança entre governo do estado e municípios, para uma ação co-ordenada e capaz de trazer os

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observados entre os que tiveram acesso a programas de educação infantil de qualidade, quando comparados aos que não tiveram esta oportunidade. Análises econômicas têm também demonstrado que é no início da vida que os investimentos públicos e sociais encontram sua melhor relação custo-benefício, para o aperfeiçoamento das habilidades humanas, sejam elas intelectuais ou emocionais.

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resultados esperados, de acordo com as características e necessidades dos municípios, e com base no suporte e apoio técnico permanente e financeiro do estado. A cooperação técnica internacional estabelecida entre o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO – no Brasil, criou as bases para a estruturação de uma equipe técnica especializada dedicada ao Programa, o qual iniciou como projeto-piloto em abril de 2003 e, em julho de 2006, adquiria o status de política pública estadual, como reflexo da sua solidez e sucesso. Inúmeras atividades estratégicas foram implementadas no âmbito deste Projeto de Cooperação Técnica Internacional, inclusive o assessoramento técnico e intercâmbio realizado com o Centro de Referência Latino-americano para a Educação PréEscolar – CELEP – de Cuba. O apoio do UNICEF, especialmente na formação de radialistas pela infância, também agregou valor inestimável ao PIM. Enfim, a colaboração com agências multilaterais fortalece o Programa interna e externamente, na medida em que promove maior intercâmbio e disseminação das experiências bem sucedidas na área em questão. A intersetorialidade, um dos eixos estruturantes desse Programa, também se revela como peça-chave para o seu sucesso. Numa sociedade complexa como a atual, e diante de uma problemática multidimensional como é o desenvolvimento integral na primeira infância, não é possível que se espere que ações isoladas, setorizadas e altamente especializadas atendam às demandas que se colocam. A integração entre as áreas da saúde, da educação, da assistência social e da cultura, e o comprometimento dos seus gestores, tanto nas esferas estadual como municipal, vem tornando o PIM uma realidade não apenas viável, mas também cada vez mais promissora. Além disso, a articulação com o segundo e com o terceiro setor, nos vários municípios onde o Programa foi implementado tem contribuído, igualmente, para os bons resultados que ele vem atingindo. O envolvimento da comunidade é um elemento central para a implementação do PIM. Sua participação, ao mesmo tempo em que promove a sensibilização para a causa da primeira infância, possibilita a união de esforços, o acesso às famílias, o trabalho em rede. O caráter comunitário do PIM facilita a articulação dos distintos setores participantes, em nível local, através de ações cooperativas em prol das crianças pequenas e de suas famílias. A família é elemento central no PIM, e a experiência tem demonstrado a importância e relevância desse foco. O trabalho com as famílias implica o respeito às suas características, configurações e vivências. Visa ao fortalecimento das suas competências, da sua auto-estima, dos seus vínculos e da sua capacidade de estimular e promover o desenvolvimento integral das suas crianças. Nesse sentido, o PIM atua em consonância com a política de assistência social do Brasil, que elegeu a família como unidade básica para ação e que busca estimular que os trabalhos preventivos de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários sejam ampliados.

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O PIM, mesmo sendo uma política estadual para a promoção do desenvolvimento integral na primeira infância, reconhece e respeita a cultura e os costumes locais em cada município onde é implantado. Esse princípio é importante num estado como o Rio Grande do Sul, marcado por diversidades socioculturais significativas. Assim, a implementação do Programa, mesmo seguindo uma base comum e diretrizes que são importantes para assegurar o desenvolvimento das crianças, leva em conta no seu planejamento a realidade, as características e as necessidades de cada região e comunidade. O que resulta em experiências diferenciadas, porém igualmente enriquecedoras, como pôde ser visto nos relatos apresentados no capítulo 3. A qualidade de ações que se proponham a promover o desenvolvimento integral das crianças pequenas tem uma associação direta com a preparação e qualificação dos profissionais atuantes. Essa é também uma lição aprendida através da experiência do PIM. O Programa investe regularmente na capacitação continuada dos seus integrantes. Essa estratégia é imprescindível para que seus objetivos sejam atingidos, retroalimentando com conhecimentos, feedbacks, trocas de experiências, permanentemente, aqueles que também são figuras centrais para o alcance de seus resultados. A experiência desenvolvida pelo PIM leva em conta que todas as dimensões da educação e dos cuidados nos primeiros anos – saúde, nutrição, higiene, desenvolvimento cognitivo, social e emocional estão interligadas e são essenciais para uma vida saudável e produtiva. Cada uma dessas dimensões deve ser levada em consideração. Cuidar de uma criança significa satisfazer sua necessidade básica de proteção, nutrição, cuidados de saúde, afeto, interação e estimulação, segurança induzida pela consistência e previsibilidade do meio ambiente, exploração e descoberta através do jogo. O trabalho realizado nestes quase cinco anos de existência do Programa só tem reforçado essa convicção. Os governos têm um importante papel no estabelecimento de políticas públicas e parâmetros para todas as iniciativas, incluindo as não-governamentais e privadas, que buscam satisfazer as múltiplas necessidades das crianças pequenas e suas famílias, e no sentido de encorajar todos os envolvidos. O aumento dos investimentos em programas de qualidade para a primeira infância gera uma economia de custos em longo prazo, devido à redução de gastos na saúde, aumento da eficiência do sistema educacional, e diminuição da demanda por assistência social e sistema prisional. Os pais, que são os primeiros cuidadores e educadores das crianças, particularmente aqueles que vivem em famílias pobres e em situação de vulnerabilidade e exclusão social, necessitam de apoio para prover os cuidados essenciais e a estimulação que as crianças pequenas demandam para sua sobrevivência, crescimento e desenvolvimento. Programas voltados para a primeira infância, portanto, implicam benefícios educacionais, econômicos e sociais. Tais programas conduzem a menores índices de evasão escolar e repetência, permanência por menos tempo na escola conseqüentemente, melhor desempenho que

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possibilitará um trabalho melhor remunerado, estímulo à participação e à força de trabalho feminina, eqüidade de gênero, melhores indicadores de saúde e nutrição, probabilidade de crime e delinqüência reduzida e inclusão social. Temos hoje no Estado do Rio Grande do Sul em torno de 75% das crianças de zero a seis anos sem o atendimento educacional necessário pela via institucional. O PIM leva até suas casas, suas famílias e comunidades uma possibilidade. A de resgatar e estimular todo o seu potencial, favorecendo um desenvolvimento integral nestes anos decisivos das suas vidas, que de outra forma poderia se tornar dificilmente recuperável. Os bons resultados que vêm sendo obtidos pelo Programa permitiram que ele se tornasse uma política pública, assegurada por Lei Estadual, o que dá um suporte importante para sua continuidade. O estímulo ao desenvolvimento cognitivo, psíquico e social das crianças, o fomento dos vínculos intrafamiliares e comunitários, a promoção da sua cidadania e participação social são benefícios que já podem ser contabilizados desde a implantação do PIM. Compartilhar essa experiência, objetivo deste livro, é, mais do que a divulgação de informação e conhecimento, uma responsabilidade e um compromisso ético e social de todos aqueles que, gestores e profissionais, estiveram envolvidos com a sua concepção, implantação e desenvolvimento. Espera-se que sirva como um estímulo e, quem sabe, como inspiração para novas iniciativas semelhantes, em benefício das crianças brasileiras.

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R E F E R Ê N C I A S

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Alessandra Schneider é psicóloga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1993. Especialista em Saúde Perinatal, Educação e Desenvolvimento do Bebê, com ênfase em 0 a 3 anos, pela Universidade de Brasília. Realizou aperfeiçoamento em Desenho e Gestão de Programas e Políticas Sociais pelo Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Social, Washington-DC, e em Desenvolvimento Infantil e Intervenções pelo Centro Internacional de Saúde da Criança, Universidade de Londres, Inglaterra. É Coordenadora do Escritório Antena da UNESCO no Rio Grande do Sul, desde 2004, e ponto focal de Educação Infantil da UNESCO no Brasil, tendo atuado como Oficial de Projetos de Educação na Representação Nacional desde 2001.

Vera Regina Röhnelt Ramires é psicóloga formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1980. Especializada em Psicoterapia Psicanalítica de Crianças e Adolescentes, tem Mestrado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e Doutorado em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É professora, pesquisadora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, no Rio Grande do Sul, atuando na Linha de Pesquisas da Clínica da Infância e da Adolescência. Possui livros e artigos publicados nessa área.

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Este livro apresenta a experiência pioneira do Programa Primeira Infância Melhor, o PIM, desenvolvido desde 2003 no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, cujo objetivo é “orientar as famílias, a partir de sua cultura e experiências, para que promovam o desenvolvimento integral de seus filhos, desde a gestação até os seis anos de idade, com ênfase no período de zero a três anos”. Implantado em mais de 200 municípios gaúchos, mediante parceria entre o Governo do Estado e as Prefeituras, e contando com a cooperação técnica da UNESCO, o PIM é apresentado e discutido desde a sua origem até tornar-se Lei Estadual que o instituiu como uma política pública O livro traz, ainda, um panorama sobre a primeira infância brasileira no que diz respeito a alguns indicadores de educação, saúde e assistência social. Aborda também contribuições das ciências sobre o desenvolvimento infantil, e analisa os resultados de programas que se voltaram para a promoção desse desenvolvimento. Compartilhar e divulgar esta experiência é o objetivo maior deste livro, em benefício das famílias e crianças de zero a seis anos brasileiras.

Alessandra Schneider e Vera Regina Ramires

permanente de atenção integral à primeira infância no Rio Grande do Sul.

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