Primeiros passos rumo à Suprema Corte Norte-Americana

July 7, 2017 | Autor: Fernanda Duarte | Categoria: Judicial review, Jurisdição constitucional, Suprema Corte Norte-Americana
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BuscaLegis.ccj.ufsc.br Primeiros passos rumo à Suprema Corte Norte-Americana Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva*

“Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos. Se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos. Ao constituir-se um governo – constituído por homens que terão autoridade sobre os outros homens – a grande dificuldade está em que se deve primeiro habilitar o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar-se a si mesmo.” (James Madison, The Federalist Papers, n°. 50)

A Suprema Corte Norte-Americana é talvez um dos grandes símbolos da solidez das instituições dos Estados Unidos da América do Norte. Discreta em sua forma de agir, seus juízes – chamados de Justices – têm ao longo da história desempenhado um importante papel na consolidação e construção de institutos jurídicos que vêm servindo de paradigma para outras ordens jurídicas. Como um exemplo bastante significativo[2], pode-se indicar a elaboração dos princípios do devido processo legal (due process of law) e da isonomia (equal protection of the laws) que têm sido objeto de um esforço, especialmente da doutrina brasileira, em se fazerem presentes em nossa realidade jurídica.[3] Também a Corte desempenha um outro papel de extrema relevância. Sua participação no jogo dos arranjos sócio-políticos[4] da sociedade norte-americana tem sido considerada como determinante por estabelecer o próprio significado do que seja a Constituição dos E.U.A. [5], isto é, o alcance, extensão, limites e conteúdos de suas normas. Alexandre de Moraes (2000:86) registra a importância da Suprema Corte para o direito norte-americano, tanto “que o direito aplicável nos Estados Unidos é quase inteiramente constituídos por suas mais importantes decisões, ou no dizer do juiz Hughes, ‘a Constituição é o que o juiz diz que ela é’.”[6] [7] Neste particular, é bom lembrar a participação decisiva da Corte na abolição do sistema de segregação racial nas escolas, que se inicia com a célebre e emblemática decisão no caso Brown v. Board of Education of Topeka de 1954. [8] E, para nós, especificamente a Suprema Corte desperta atenção especial. Conhecer a Suprema Corte é conhecer o modelo de concepção original de nosso Supremo Tribunal

Federal, como já idealizado pela Carta Republicana de 1891, sob a inspiração e genialidade de Rui Barbosa[9]. Desta forma, este pequeno trabalho pretende indicar os primeiros passos em direção à Suprema Corte norte-americana, tratando, de forma descritiva, daqueles aspectos básicos e essenciais para uma primeira visão panorâmica deste órgão jurisdicional, numa abordagem que pressupõe a inexistência de contatos prévios expressivos com o tema. Assim, o nosso roteiro pretende responder três perguntas básicas sobre a Suprema Corte[10]. Qual é a base normativa da Corte? A Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, promulgada em 1789[11] não estabeleceu de forma exata e precisa os poderes e prerrogativas da Suprema Corte, e nem mesmo organizou o Poder Judiciário norte-americano. A Carta se limitou a prever a existência de um órgão supremo , como estabelecido pelo art. 3o, seção I[12]:

“O Poder Judicial dos Estados Unidos incumbirá a um supremo tribunal e a diversos tribunais inferiores a instituir oportunamente pelo Congresso. Os juízes, quer do Supremo quer dos tribunais inferiores, conservar-se-ão nos seus cargos de acordo com o seu mérito (during good behaviour) e perceberão regularmente um subsídio pelos seus serviços, o qual não poderá ser diminuído enquanto se mantiverem em exercício.”[13]

Desta forma, os Pais Fundadores deixaram para a Legislatura (o Congresso)[14] , como uma das manifestações do sistema de freios e contra-pesos característico do federalismo norte-americano, a tarefa de traçar os contornos do Judiciário, basicamente tratando de sua composição numérica, sua organização e competência[15]. E a atividade pretoriana também não pode ser desconsiderada desse processo, já que suas decisões têm contribuído, especialmente, no que toca à fixação dos limites de sua atuação[16] , para delimitar o desenho do Judiciário norte-americano. Como se compõe a Suprema Corte? Hoje a Suprema Corte é composta por nove Justices, mas nem sempre foi assim, pois o número de juízes foi sendo alterado ao longo do tempo. Inicialmente, com o primeiro diploma editado com a finalidade de estruturar a Corte - o Judiciary Act de 1789 – foi prevista uma Corte com seis membros. E em 1790, sob a presidência do então Chief Justice John Jay, a Suprema Corte se reuniu pela primeira vez, na capital do país, Washington.

Posteriormente, outras leis foram alterando sua composição. Cinco, seis, sete, nove, dez e sete membros, até que finalmente, em 1869, foi realizada uma mudança definitiva para nove membros – o que desde então tem sido observado[17]. Na verdade, essas “as mudanças foram feitas, em parte, para acomodar os deveres dos juízes nos tribunais federais inferiores e, em parte, para servir a objetivos partidários e de políticas do Presidente do País e do Congresso.” (Baum, 1987:29)[18] A Corte possui um presidente chamado de Chief Justice e os demais juízes são os Associate Justices. O papel do Chief Justice é muito importante, sendo um cargo vitalício e de nomeação do Presidente da República.[19] Além de exercer funções intimamente ligadas à Corte, como presidir as sessões públicas e as conferências , ele também desempenha deveres junto ao sistema judiciário federal. Inclusive, “alguns presidentes da Corte procuraram exercer lideranças no sistema jurídico em geral. Warren Burger foi particularmente atuante a este respeito, servindo como eloqüente defensor de causas como a reforma penitenciária e novas abordagens do preparo de advogados.” (Baum, 1987:32) Tanto que a historiografia da Corte tem sido sistematizada em razão de seus Chief Justices , daí se falar na Corte de Marshall, na Corte de Warren[20], na Corte de Burger, etc.[21]. De que forma se pode chegar a ser um juiz da Corte? Essa pergunta na verdade exige duas reflexões. Uma a respeito às qualificações exigidas para o juiz e outra diz respeito à forma de escolha do juiz e sua investidura. Quanto às qualificações, não existem requisitos expressos na norma constitucional – o que leva à conclusão de que a escolha poderá “recair sobre qualquer americano, mesmo que não seja advogado” (Moraes, 2000:89)[22]. Porém, ressalte-se que na prática a exigência de conhecimentos jurídicos tem sido a regra.[23] Além disso, outros fatores são também levados em conta, colocando-se como questões significativas concernentes ao perfil das pessoas que se tornam juizes da Corte.

“Estas questões incluem a idade na época da nomeação; o papel das características da ‘formação social’, como classe, raça e sexo; a significação do serviço judicial realizado anteriormente; a atividade político partidária como requisito para a escolha e o papel da sorte no recrutamento para a Corte.” (Baum, 1987:92)

Dentre esses fatores, algumas observações interessantes podem ser traçadas no que diz respeito à idade dos juizes. Pessoas jovens não têm sido nomeadas para a Corte. No século passado a maioria dos juizes se encontrava na casa dos 50 anos quando do ingresso e dos restantes, a maioria tinha mais de 60 anos. Esse padrão, num primeiro momento, pode parecer desfavorável a uma possível influência indireta da Presidência da República sobre a tomada de futuras políticas da Corte, já que, a princípio, juizes mais idosos tendem a permanecer menos tempo em seus cargos. Porém a preferência pode se justificar.

“Uma razão importante para o predomínio de juízes mais idosos é o tempo requerido para a conquista dos altos cargos dos quais a maioria dos juízes é escolhida e para atingir a eminência que faz de alguém um ‘candidato’ à escolha. Os grupos dos quais os juízes são escolhidos, como os juízes de apelação e os altos administradores, são constituídos principalmente de pessoas de, pelo menos meia-idade. Outra razão é que pelo menos alguns participantes do processo de escolha encarariam pessoas verdadeiramente jovens como sem experiência para servirem efetivamente na Corte. A Associação NorteAmericana de Advogados prefere mais de uma década de experiência como advogado até mesmo para juizes em perspectiva para os tribunais de instância inferior. Assim, é mais fácil para os presidentes escolher pessoas idosas como juízes, embora ao fazerem isto estejam limitando sua própria influência sobre a Corte.” (Baum, 1987:93)

No que toca à forma de escolha e investidura, o processo formal - prescrito no art. 2o, seção II, cláusula 2 da Constituição - parece, à primeira vista, simples: há uma vacância de cargo; o Presidente faz uma indicação que deverá merecer a aprovação por maioria simples dos membros do Senado e em seguida nomeia o candidato.[24]. Porém, a dinâmica do sistema, talvez fruto de uma sociedade civil organizada e atuante, se apresenta muito mais complexa do que se poderia imaginar , já que envolve uma série de atores diversos que buscam participar de forma ativa e influenciar nas escolhas. Portanto o “Presidente do País e o Senado tomam suas decisões num ambiente de indivíduos e grupos altamente interessados nestas decisões” (Baum, 1987:53), o que torna o processo disputado, marcado por tensões, de grande interesse e repercussões nacionais.[25] [26] Na verdade, além dos atores oficiais (Presidente[27] e Senado), os mais importantes participantes desse debate que buscam influenciar na escolha são divididos por Baum (1987:53) em três categorias: (1) a ABA - American Bar Association[28] e a comunidade jurídica em geral; (2) os grupos de interesse não jurídicos; (3) os próprios membros da Suprema Corte[29].

De forma sistematizada, levando-se em conta a complexidade do processo, podese dizer que os Presidentes fazem as escolhas considerando uma série de variáveis. “Essas considerações podem ser colocadas em quatro categorias gerais: critérios ‘objetivos’ de competência e ética, preferências políticas, recompensa a associados políticos e pessoais e a busca de futuro apoio político.” (Baum, 1987:64) Por sua vez, o Senado as avalia, confirmando ou rejeitando a nomeação.[30] “Em geral, contudo, quando o Senado e a presidência são controlados pelo mesmo partido político, as rejeições se colocam como raras exceções, excluindo-se daí óbvia ausência de qualificação ou um passado pessoal ou político de máculas” (Hall, 1982:597). [31]

Percebe-se assim que o processo de escolha é um processo eminentemente político, marcado pelas disputas entre as grandes força político-partidárias dominantes na democracia norte-americana, mas com a preeminência do Executivo. É mais um mecanismo que decorre do sistema de freios e contra-pesos do federalismo norteamericano. Ainda com relação à pergunta formulada, não se pode deixar de mencionar alguns outros aspectos que dizem respeito, mais propriamente, à permanência no cargo, garantias e impedimentos dos membros da Corte – e que se relacionam diretamente com os atributos da independência e imparcialidade do Poder Judiciário. Os Justices servem na Corte de forma vitalícia, portanto não há mandato e nem mesmo uma idade limite[32] para seu afastamento/aposentadoria compulsória. Entretanto, é necessário que ele mantenha good behaviour , isto é, que ele sirva bem à nação, para que possa permanecer no cargo. Há ainda a possibilidade do Juiz ser destituído de seu cargo pelo processo de impeachment[33] (crime de responsabilidade)[34], por traição, suborno e outros crimes sérios, conforme estabelecido no art. 2o., seção IV. (Aliás, essa possibilidade de afastamento se aplica aos juízes americanos em geral.) Entretanto, na prática o expediente, enquanto instrumento de pressão política, tem sido desacreditado[35]. E registra Baum (1987:105) que no séc. XX “foram movidos processos de impeachment contra alguns juizes federais, mais todos os casos envolveram clara corrupção.” Desta forma, a vitaliciedade é entendida como uma garantia funcional ou prerrogativa da magistratura que tem por fim preservar a independência do Poder Judiciário[36]. O sistema norte-americano também adota uma outra prerrogativa: a irredutibilidade de remuneração, o que significa que os juízes enquanto exercerem seus cargos não poderão ter sua remuneração reduzida.[37] Por fim, quanto às incompatibilidades, que funcionam como garantia da imparcialidade da magistratura, deve-se ressalvar que tem sido adotado um sistema bastante rígido, fundado no princípio da separação dos poderes, implicando impossibilidade de acumulação do cargo de Justice com qualquer outro cargo na esfera do Executivo ou do Legislativo. Isto significa que “se o ocupante de um cargo executivo ou legislativo for nomeado para a magistratura, terá de renunciar àquele cargo”. (Schwartz, 1966:36) [38] Quais são os casos decididos pela Corte[39]? Aqui se tratará, mais especificamente, da competência da Corte. Isto é, quais são os casos que podem ser submetidos à sua jurisdição e ainda de que forma são decididos. Ao disciplinar a matéria, a Constituição não foi muito generosa, pois se limitou, em seu artigo art. 3o, seção II, cláusula 2, a estabelecer algumas poucas competências originárias do órgão[40]. São elas:

“Ao Supremo Tribunal [Suprema Corte] competirá julgar originariamente as causas respeitantes a embaixadores, enviados diplomáticos e cônsules e aquelas em que seja parte qualquer estado. Em todas as outras causas ela terá competência por via de recurso tanto em matéria de direito como de facto, salvas as excepções e observada a regulamentação que o Congresso estabelecer.” [41]

Entretanto, a Suprema Corte, no particular, apresenta-se como o órgão de cúpula do Poder Judiciário norte-americano, decidindo tanto de forma originária, assim como órgão recursal, como explica Schwartz (1966:165): “embora o nome da mais alta corte sugira que ela é exclusivamente um tribunal de apelação, não obstante tem alguma jurisdição originária, especialmente em casos compreendidos no Poder Judiciário federal nos quais um estado é geralmente parte.”[42] As competências originárias da Corte, ao longo do tempo e especialmente no século XX, não têm se revelado de muita significação prática[43]. Portanto, é exatamente a competência recursal que mais nos interessa, já que trata basicamente do exercício do controle da constitucionalidade (judicial review) [44] e da proteção dos direitos fundamentais (civil rights)[45]. A competência recursal pode ser obrigatória ou facultativa[46]. Tratando-se de competência obrigatória, significa que a Corte tem o dever de apreciar o recurso que lhe foi submetido, não lhe cabendo formular um juízo de oportunidade e conveniência a respeito da apreciação do caso.[47] São elas:

· “decisões de tribunais federais que tenham declarado a inconstitucionalidade de uma lei federal, desde que o Governo federal seja parte no litígio;

· decisões de tribunais estaduais que tenham declarado a inconstitucionalidade de uma lei federal;

· decisões de tribunais estaduais que tenham julgado válidas leis estaduais contestadas em face da Constituição ou da legislação federal;

· decisões de tribunais federais que tenham afastado a eficácia de leis estaduais contestadas em face da Constituição ou de leis federais;

· decisões de tribunais distritais federais especiais de três juízes.” (Moraes, 2000:92)

Por outro lado, as competências recursais facultativas[48] dizem respeito àqueles casos em que a Corte estabelece se há conveniência e oportunidade para o julgamento da lide - como diz seu Regimento “discricionariedade judicial”[49] - atribuindo à Corte um papel de destaque que vai além de uma instância revisora ordinária [50]. Como explica Schwartz (1966:177), “o seu poder facultativo de determinar os casos em que ela própria pode julgar resultou no fato de que ela deixou de ser simplesmente um órgão judiciário comum. É um tribunal de recurso especial , apenas para a solução de questões consideradas como envolvendo um interesse público substancial e não os interesses exclusivos de algumas pessoas privadas.” Dentre essas competências, encontram-se assim as “demais decisões [não obrigatórias] de cortes de apelação federais e dos tribunais estaduais de mais elevada instância, inclusive quando ocorre conflito entre as decisões de tribunais estaduais, ou entre tribunais federal e estadual” (Moraes, 2000:92). Na verdade, é interessante observar que embora esses casos sejam os mais comuns e numerosos, apenas uma parte diminuta deles é julgada pela Suprema Corte, após um procedimento de triagem[51], o que talvez contribua para um acervo mais razoável e administrável de processos[52]. Além disso, a parcimônia com que a Corte tem exercido sua competência facultativa implica o fortalecimento das instâncias inferiores e o prestígio de suas decisões , e do próprio Poder Judiciário como um todo, já que a mesma não se coloca como uma panacéia para todos os males - a “derradeira esperança” de reforma da decisão recorrida.

“A Corte Suprema, de fato, julga somente uma minúscula proporção dos casos que chegam aos tribunais federais e estaduais. Mesmo dentro do sistema de tribunais federais, a Corte julga menos de 1 por cento dos casos de que tratam os tribunais distritais[53]. Além do mais, os tribunais inferiores elaboram importantes políticas nos casos que decidem. Ao concentramos nossa atenção na Corte Suprema, precisamos tomar cuidado para evitarmos o que Jerome Frank chamou de ‘mito do tribunal superior’, a crença de que pouca coisa de conseqüência acontece nas instâncias inferiores do sistema de tribunais.” (Baum:1987:26-8)

A Corte, no exercício de sua competência (quer obrigatória ou facultativa), profere dois tipos de julgamento: o plenary review (julgamento completo) e o per curiam

(pela Corte). No plenary review, o procedimento admite sustentação oral e a decisão de mérito é completa, com fundamentação e identificação dos posicionamentos adotados pelos juizes. Já no julgamento per curiam[54] não há previsão de sustentação oral, a decisão é breve e sucinta, e não é assinada por nenhum relator, sendo uma decisão emitida pela própria Corte. Em geral , embora não necessariamente, são julgamentos de questões que a Corte entende como não controvertidas.[55] As decisões de mérito da Corte são tomadas pelo plenário, sendo exigido um quorum mínimo de seis juízes para a instalação da sessão[56]. No caso de empate, não é admitido o voto de qualidade do Presidente (também chamado de voto de Minerva), sendo assim mantida a decisão do tribunal inferior. E “não são anunciados os votos individuais e nenhuma opinião é escrita. Nem tampouco são resolvidas as questões legais do caso. A Corte, às vezes volta àquelas questões, num caso posterior.” (Baum, 1987:30) Pelo que já foi até aqui abordado, é inegável que a Corte é quem são seus Justices. Suas orientações mais progressistas ou conservadoras, sua maior ou menor inclinação à proteção aos direitos fundamentais (especialmente das minorias), os avanços e retrocessos em matéria de proteção e efetividade desses direitos, a salva-guarda da democracia, a adoção de posturas mais intervencionistas nos negócios públicos e privados ... são resultados do intrincado sistema que leva a sua composição.

“Se a Corte tem sido composta principalmente de homens brancos de condição alta, que impacto tem tido esta composição em suas políticas? É difícil de determinar o impacto dessas características, mas são possíveis algumas conjecturas. No caso de raça e sexo as reivindicações dos grupos raciais minoritários das mulheres poderiam ter sido levadas a sério numa época anterior se estes grupos tivessem desfrutado até mesmo de limitada representação na Corte. Durante os anos 60, o Congresso deu os primeiros passos para apoiar a igualdade para as mulheres, em grande parte através dos esforços de seus membros femininos. Durante a mesma década, a Corte Suprema, inteiramente masculina, não deu qualquer apoio àqueles litigantes que levaram queixas de discriminação sexual à Corte, apesar de seu apoio geral às liberdades civis.

Quanto à classe social, o quadro é mais complicado. Certamente, uma pessoa de alta condição sócio-econômica tende a adotar certas atitudes que diferem das atitudes predominantes nos grupos de condição mais baixa. Mas isto é apenas uma tendência. Além do mais, alguns daqueles nascidos relativamente pobres se tornam razoavelmente ricos quando adultos. Warren Burger é um exemplo. As simpatias daqueles que ‘subiram’de uma condição baixa talvez difiram pouco daqueles que começaram com vantagens sociais e econômicas. Notavelmente, entre os juízes de origem humilde figuraram firmes nomes conservadores como Warren Burger assim como liberais como Earl Warren. Se as decisões da Corte Suprema refletem ‘essencialmente a consciência da classe média alta norteamericana’[57], é somente em parte pelo fato de a maioria dos juízes ter se originado desta classe.” (Baum, 1987:95-6)

Hoje a Suprema Corte[58], presidida, pelo Chief Justice Rehnquist[59], desde 1986, apresenta feições bem mais conservadoras[60] e se coloca numa posição distinta da época de ouro da Corte de Warren. Mais à direita, a Corte é composta por duas juízas mulheres brancas; um juiz negro; e sete juízes brancos. São eles, respectivamente, Sandra Day O’Connor e Ruth Bader Ginsburg; Clarence Thomas; e Willian Rehnquist, Johm Paul Stevens, Antonin Scalia, Anthony M. Kennedy, David Hachett Souter e Stephen G. Breyer.[61] Enfim, através desses primeiros passos em direção à Suprema Corte, percebe-se sua envergadura e importância para o sistema constitucional norte-americano e a contribuição que a mesma traz para o constitucionalismo ocidental contemporâneo. Por outro lado também, a Corte desperta expectativas com relação a seu futuro e o papel que desempenhará face aos direitos humanos e a própria democracia, num mundo globalizado, multicultural, plural e fragmentado. Assim, é de se registrar que este tema se apresenta bem mais complexo, com uma série de questionamentos que a Corte e a comunidade jurídica têm enfrentado[62]. Porém tais indagações devem ser remetidas para uma outra viagem, pois ultrapassam nossos primeiros passos.

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[1] O presente trabalho foi elaborado tendo em vista a participação da autora na palestra “Institutos de Direito Comparado”, por ocasião da realização da III Jornada Jurídica da

FESO, em 23 de maio de 2001 e publicado nos Cadernos de Direito da FESO, FESONúcleo de Pesquisa Jurídica Teresópolis, ano III, n. 4, p. 60-73, 2001.

[2] Ainda poderiam ser citados, por exemplo, a criação do judicial review (controle difuso da constitucionalidade) ; sua contribuição para o reconhecimento e proteção dos direitos civis; o debate sobre a forma de interpretação da Constituição (originalistas X nãooriginalistas); a questão do ativismo judicial, entre outros mais.

[3] A propósito, verifiquem, entre outros autores pátrios, as pioneiras obras de Carlos Roberto de Siqueira Castro (1983 e 1986) sobre esses dois princípios.

[4] “[...] através da maior parte da história norte-americana desde a adoção da Constituição, a Corte tem sido importante tópico de preocupação política. Este interesse não deve surpreender, à luz do papel fundamental que a Corte desempenha através de suas decisões. A Corte Suprema ajuda a resolver muitas das questões mais importantes e mais controversas nos Estados Unidos e, ao fazer isto, molda a política do Governo em áreas tão diversas como os direitos civis e a proteção do meio ambiente.” (Baum, 1987:11)

[5] Como bem ensina José Ribas Vieira (2001:18), “[...] não teríamos, propriamente, uma Constituição (Constituição Americana de 1787) e sim um processo constitucional (living Constitution). Processo esse que seria o resultado natural da interpretação da Constituição de 1787, suas emendas constitucionais e dos precedentes emanados da Corte Suprema nos Estados Unidos. Não podemos esquecer, também, que essa formação constitucional agregou elementos fundantes de alto valor teórico-jurídico para a Teoria da Constituição até os nossos dias.”

[6] Deve-se lembrar que o sistema jurídico norte-americano filia-se à chamada família do Common Law, em que a fonte principal do direito se encontra nas decisões judiciais, mais especificamente, nos chamados precedentes. E o que são os precedentes? “A decisão ou precedente é a regra [rule of law] aplicada pela Corte aos fatos relevantes do caso, criando a questão ou as questões que a Corte terá de decidir.” (Cole, 2000:73) (tradução livre) Desta forma, ao se falar em Common Law faz-se referência a uma ordem jurídica onde os tribunais são chamados a “criar” o direito mediante seus precedentes vinculantes (binding precedents).

[7] Tal sistemática tem gerado um campo muito fecundo para os debates que tratam das formas de interpretar e, portanto, aplicar a Constituição e ainda dos limites da atividade do juiz. Para maiores informações, ver Spielmann (2001:33-55).

[8] Nesse célebre caso, ainda que passível de crítica a postura tímida e insuficiente adotada pela decisão, em 17.05.1954, a Corte, revogando precedente de 1866, entendeu “que a separação nas escolas para os negros era incompatível com a 14a. Emenda, que garante a igual proteção das leis, e, portanto, a discriminação racial nas escolas públicas era flagrantemente inconstitucional [...] Em virtude da gravidade social da decisão, somente após um ano, ou seja, em 31-5-1955, a Corte determinou às autoridades escolares que concretizassem, com toda deliberada pressa (with deliberate speed), o fim da discriminação racial nas escolas, delegando aos juízes federais a fiscalização e efetividade de sua decisão. Note-se que a concretização de alteração social tão profunda, na prática, mostrou-se de dificuldade ímpar. Somente em 1964, a Corte Suprema determinou o fim do prazo para que as autoridades educacionais agissem com toda deliberada pressa (with deliberate speed) e declarou inconstitucional a transformação de escolas públicas em privadas, com a única finalidade de mantença da segregação racial [Griffin v. County Board of Price Edwars County (377 U.S. 218 – 1964)]. Em 1969, a Suprema Corte ordenou que os distritos escolares, finalmente encerrassem imediatamente o sistema de discriminação racial em todas as escolas públicas, decretando o início do sistema educacional unitário [Alexander v. Holmes County Board of Education (396 U.S. 19 – 1969)].” (Moraes, 2000:106-7) Para uma leitura mais abrangente do caso, seus votos e suas repercussões, ver Schwartz (1993:286-310). E ainda sobre a questão do princípio da igualdade, ver também Barbosa (2001) e Silva (2001).

[9] Sobre a participação de Rui Barbosa na Primeira República, ver Ferreira (1996:51-3).

[10] Outras questões – como por exemplo a evolução histórica da Corte e suas principais decisões - poderiam igualmente fazer parte de nosso percurso. Entretanto, em razão da necessidade de brevidade e objetivação deste estudo, foram selecionados apenas alguns tópicos para reflexão. Para maiores informações sobre a parte histórica, consulte-se Schwartz (1993) e sobre suas principais decisões Garraty (1987) e Hall (1992), entre outros.

[11] Em 1791, a Constituição recebeu suas dez primeiras emendas que inseriam no texto constitucional seu catálogo de direitos fundamentais.

[12] Na seção II, cláusula 2, deste mesmo artigo, o constituinte listou também algumas poucas competências originárias da Superma Corte.

[13] A tradução utilizada é a de Jorge Miranda (1990).

[14] Em 11.05.1954, houve uma tentativa infrutífera de constitucionalização dessa matéria. Como registra Schwartz (1966:183), “o Senado aprovou, com a necessária maioria de dois terços, a emenda constitucional fixando em nove o número de membros da Suprema Corte, mas o 83o. Congresso encerrou seu período legislativo, sem que a Câmara dos Representantes tomasse qualquer ação a respeito do projeto.” Ainda sob este aspecto há uma diferença expressiva em relação ao nosso Supremo Tribunal Federal já que a Constituição de 1988 estabelece de forma expressa a organização da Corte (art. 101), não sendo possível ao legislador ordinário alterar tal desenho.

[15] Thomas Cooley (1982: 129 e 156) explica que o Legislativo exerce controle sobre o Judiciário por meio de várias leis de organização judiciária dos tribunais, pois “alguns deles hão sido criados por leis, e por isso podem ser modificados no que toca a sua organização, ou mesmo abolidos; todos eles têm como fonte de autoridade as próprias leis, e quando dela abusam, pode ser-lhes restringida ou retirada por completo.”

[16] Por exemplo, em Marbury v. Madison (I Cranch 137 – 1803), a Corte consagrou a impossibilidade de que sua competência venha a ser ampliada pela legislação ordinária.

[17] Há alguns autores que denunciam que essa sistemática pode representar um perigo para a independência da Corte. Ver Moraes (2000) e Schwartz (1993). A propósito, um episódio, já considerado como clássico, ocorrido durante governo de Roosevelt, por conta da política do New Deal, merece destaque. “Nos anos 20, os políticos liberais norteamericanos atacavam abertamente a Suprema Corte, em virtude de suas decisões jurídicas contra eventuais interesses político-comerciais. Esse quadro agravou-se nos anos 30, quando por maioria de votos, o Tribunal colocou-se em conflito direto com o Presidente Franklin Roosevelt e o [...] New Deal, programa presidencial para combater a Grande Depressão, incluindo amplas e drásticas medidas de controle da economia. A Lei de Ajuste Agrícola, por exemplo, foi um esforço para limitar a produção agrícola,a fim de estabilizar os preços dos produtos primários. A Lei de Recuperação Industrial Nacional foi, igualmente, estabelecida para causar acordos sobre práticas de trabalho e comércio dentro de indústrias inteiras. Ocorre que em uma série de decisões tomadas por maioria de votos (6 x 3 e 5 x 4), nos anos de 1935 e 1936, a Suprema Corte entendeu inconstitucionais essas

duas leis e outros diplomas editados pelo Congresso Nacional com a finalidade de recuperação, enfraquecendo o programa de governo. Inevitavelmente, o Presidente Roosevelt liderou severas críticas contra o Poder Judiciário, e, após sua reeleição consagradora em 1936, sugeriu contornar a situação por meio de uma legislação de acordo com a qual um juiz adicional poderia ser acrescentado à Suprema Corte, para cada juiz que tivesse mais de 70 anos de idade. Com a eventual implementação dessa nova regra, o resultado teria sido aumentar o tamanho da Corte, temporariamente, para 15 juízes, permitindo que o Poder Executivo nomeasse novos juízes favoráveis a seus programas. Enquanto essa hipótese era debatida no Congresso, a Corte eliminou a maior parte do impulso existente por trás dele em uma seqüência de novas decisões tomadas em 1937, e foi mantida a legislação do New Deal e legislação estadual por estreitas margens, tomando posição contrária a suas opiniões coletivas nos casos anteriores e evitando-se a deformação da autonomia da cúpula do Poder Judiciário. Anote-se que essa alteração de posicionamento da Suprema Corte norte-americana ficou conhecida como the switch in time that saved nine (a mudança em tempo de salvar nove)”. (Moraes, 2000:88-9)

[18] Para Baum (1987) parece improvável que venha ocorrer qualquer outra mudança com relação ao número de seus membros já o número de nove estaria bem consolidado.

[19] “[...] quando o cargo de Presidente da Superma Corte (Chief Justice) vaga, o Presidente da República pode nomear qualquer dos demais juízes como Presidente; ou ainda poderá, diretamente, indicar uma nova pessoa, de fora dos quadros da Corte, para ter acesso a ela diretamente como seu presidente. Nesse caso, o procedimento de nomeação deverá passar pelo Senado, que, por maioria simples, deverá aprovar o nome do candidato para ingresso na Corte Suprema.” (Moraes, 2000:89). Destaca Baum (1987:52) que “[n]a maior parte das vezes, os presidentes têm seguido a última opção, principalmente para ter um campo mais amplo para escolher este importante líder.”

[20] No período da presidência do Chief Justice Earl Warren (1953-1969), a Corte desempenhou um papel expressivo no desenvolvimento e proteção dos direitos fundamentais (Boechat, 1986). Como exemplo da relevância de sua atuação, “[...] a Corte de Warren reafirmou a consagração do habeas corpus como instrumento de proteção à liberdade pessoal e da própria sociedade [Smith v. Bennet (365 U.S. 708, 713 – 1961) entre outros].” (Moraes, 2000:108)

[21] Para maiores informações, consultar Schwartz (1993).

[22] No caso brasileiro, a Constituição de 1988 estabeleceu, no art. 101, alguns requisitos. São eles: “cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.” E ainda há a exigência de que o Ministro do Supremo Tribunal Federal seja brasileiro nato, nos termos do art. 12, §3o.

[23] “A maioria das pessoas envolvidas no processo de escolha tem admitido que uma pessoa precisa ter preparo jurídico para servir efetivamente na Corte, embora o Juiz Black pensasse de outra maneira. Certamente, o grande número de advogados existente no Senado e a força da classe dos advogados ajudam a assegurar que esta norma nunca venha a ser violada.” (Baum, 1987:86) [24] Destaca-se que a cláusula 3 do referido dispositivo permite que o Presidente faça nomeações temporárias para as vagas ocorridas durante o recesso do Senado, que tem seu termo no fim da sessão seguinte.

[25] A fim de se evidenciar a dimensão dessa questão, registre-se o debate nacional que houve em torno da indicação rejeitada do Juiz Robert Bork, em 1987, especialmente por conta de suas fortes convicções conservadoras.

[26] Como indica Moraes (2000:87), “os bastidores da Corte Suprema, bem como os critérios e acordos políticos para a nomeação de seus juízes, são descritos de maneira jornalística no best-seller Por detrás da Suprema Corte, de Bob Woodward e Scott Armstrong (São Paulo: Saraiva, 1985)”. Ver ainda a obra de Henry J. Abraham (1991).

[27] No caso do Presidente, o mesmo é assessorado pelo Ministério da Justiça (Justice Department) , em especial pelo Advogado Geral (the Attorney General) e ainda pela equipe da Casa Branca.

[28] Guardando as devidas proporções, talvez poderíamos dizer que a ABA se aproximaria da nossa OAB.

[29] Para um estudo mais aprofundado sobre o papel desempenhado por cada um desses participantes, ver Baum (1987:52-74).

[30] De 1789 a meados de 1992, o Senado rejeitou 28 das 143 nomeações presidenciais. A respeito das razões dessas rejeições, ver Hall (1992:596-7). Interessante, observar que o sistema de recrutamento de Ministros para o Supremo Tribunal Federal segue o mesmo modelo formal norte-americano. Entretanto, o desempenho do Senado Federal tem se mostrado insuficiente, quase como um mero órgão ratificador das indicações do Presidente, já que não há registros históricos de recusa de quem quer que tenha sido indicado. Por outro lado, a sociedade civil brasileira tem se revelado apática e alheia ao processo em si. Como tentativa de ruptura desse alijamento, a Associação dos Juízes Federais – AJUFE, no ano de 2000, frente à ocorrência de uma vaga no Supremo, liderou uma consulta entre os juízes federais de todo o país , para a elaboração de lista tríplice a ser encaminhada à Presidência da República. Entre os indicados, constava a Juíza do Tribunal Regional Federal da 4a. Região – Ellen Gracie Northfleet – que por fim acabou sendo nomeada pelo Presidente da República, como a primeira mulher a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal.

[31] Recomenda-se a bibliografia indicada como uma fonte de maiores estudos sobre a complexidade do processo de escolha , em especial Baum (1987), Abraham (1991) e Hall (1992).

[32] No caso do nosso Supremo Tribunal Federal, embora os cargos também sejam vitalícios, a Constituição exige a aposentadoria compulsória aos 70 anos ou por invalidez (art. 93, IV).

[33] Para maiores informações consultar Baum (1987:104 e ss).

[34] A Lei 1079/50 prevê em seu art. 39 as hipóteses de crime de responsabilidade cometido por Ministro do Supremo Tribunal Federal.

[35] Schwartz (1966: 37) registra que “embora tenha havido casos em que juizes americanos foram destituídos por impeachment, contudo, desde o fracasso, no começo do século [sec. XIX], da tentativa de se remover por impeachment um juiz da Suprema Corte porque suas opiniões se opunham às do partido dominante no Congresso, tem havido pouca probabilidade de impeachment de juizes americanos por motivos políticos.” Essa mesma ressalva é feita por Baum (1987:105).

[36] Sobre as garantias do Poder Judiciário, consultar José Afonso da Silva (1995:545 e ss).

[37] A nossa Constituição, além de consagrar a vitaliciedade e a irredutibilidade de remuneração, também estabelece uma terceira garantia, que é a inamovibilidade (ver art. 95, incisos I, II e III).

[38] É o parágrafo único do art. 95 da CF que estabelece as incompatibilidades da Magistratura Brasileira. Diz o dispositivo que aos juízes é vedado exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; dedicar-se à atividade político-partidária.

[39] “As decisões da Corte sempre lidaram com considerável variedade de temas e isto, certamente, tem sido verdadeiro nos últimos anos. Durante todo período anual de sessões, a Corte julga uma variedade de temas em campos tão diferentes como ação antitruste, proteção ao meio ambiente e liberdade de palavra. Nesse sentido, a pauta da Corte é altamente diversificada e este tribunal tem oportunidade de contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas em muitos campos.” (Baum, 1987:246)

[40] Ver nota 13.

[41] A tradução utilizada também é de Jorge Miranda (1990).

[42] A competência da Corte está disciplina na Rules of the Supreme Court (aprovado em 11 de janeiro de 1999 e com vigência a partir de 03 de maio de 1999). Tal diploma que seria, em parte, equivalente ao nosso Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

[43] Para um breve estudo sobre as competências originárias, ver Moraes (2000:91-92).

[44] “A Corte tem usado seu poder de revisão judicial com muito mais freqüência no nível estadual e municipal do que no nível federal. Uma medida da diferença é o número de leis declaradas inconstitucionais. No final de 1983, segundo uma estimativa, a Corte já havia revogado 1.088 leis estaduais e posturas municipais, sob o fundamento de que elas

violavam diretamente a Constituição ou de que eram suplantadas por leis federais segundo o princípio constitucional de supremacia federal. Em contraste, é de lembrar-se, a Corte só havia revogado 114 leis federais.” (Baum, 1987:265) Entretanto, é o próprio Baum (1987:268-9) que adverte : “É difícil caracterizar o uso que a Corte Suprema faz da revisão judicial por força da variação existente em seu histórico [... que] em geral pode ser visto sob duas perspectivas bem diferentes. Por um lado, os juízes, nitidamente, têm feito significativo uso do poder de revisão judicial como instrumento de elaboração de políticas. Ao revogar decisões do Governo, a Corte Suprema tem desempenhado importante papel em algumas partes do processo de políticas. Ao mesmo tempo, o impacto deste poder é limitado. A grande maioria das políticas públicas, em todos os níveis de governo, tem continuado em funcionamento sem interferência da Corte. [... Em] qualquer época a Corte é atuante apenas em limitado número de áreas políticas. Mesmo dentro dessas áreas, o uso da revisão judicial pela Corte tem sido seletivo. Certamente, a Corte não se tem feito o participante dominante do processo de elaboração de políticas através da revisão judicial.” Para maiores informações sobre o judicial review norte-americano, ver Moraes (2000:95102).

[45] “Entre todos os tribunais, nenhum se notabilizou tanto pela defesa intransigente, polêmica e construtiva dos direitos fundamentais como a Suprema Corte americana.” (Moraes, 2000:104). A Corte consagrou a liberdade de religião: Marsh v. Alabama (326 U.S. 501-1946) entre outros; o princípio da separação da Igreja e do Estado: Zoroach v. Clauson (343 U.S. 306-1952) entre outros; a liberdade de palavra: Chanplinsky v. New Hampshire (315 U.S. 568-1942) e Bridges v. California (314 U.S. 252-1941); a liberdade de imprensa: Giltow v. New York (268 U.S. 6521925); a liberdade de reunião: American Communications Ass. v. Douds: 339 U.S. 382-1950; e o direito de petição. Como registra Moraes (2000:106): “ Igualmente marcante foi a atuação da Suprema Corte em defesa dos direitos processuais dos acusados, concretizando a observância dos direitos fundamentais no processo criminal. Assim, a Corte Suprema declarou que a Constituição consagrava o direito de que toda prisão fosse comunicada à autoridade competente; assegurou a assistência judiciária gratuita aos pobres [Gideon v. Wainright (373 U.S. 335-1963)]; o direito ao silêncio [Miranda v. Arizona (384 I.S. 436-1966) entre outros]; a cláusula contra a auto-incriminação [Irving Blau v. United States (340 U.S. 332-1951) entre outros]; a impossibilidade de buscas e apreensões ilegais e o direito à própria intimidade (right to privacy). Em defesa da dignidade da pessoa humana, a Suprema Corte proibiu qualquer espécie de tortura como meio de obtenção de prova [Chambers v. Florida (309 U.S. 2271940)] e proclamou como ilícito qualquer depoimento obtido sob coação [Wolf v. Colorado (338 U.S. 25-1949)].” O combate ao racismo também foi um dos esforços desenvolvidos pela Corte, atuando em defesa do direito de igualdade. Além do combate à segregação racial no sistema educacional (ver nota 9), outras decisões importantíssimas podem ser apontadas, “onde ficaram reconhecidos os direitos dos negros de exercerem a função de jurados [Casel v. Texas (329 U.S. 282 – 1950)]; de não poderem ser excluídos de partidos políticos e conseqüentemente poderem participar das eleições [Smith v. Allwright (321 U.S. 649 – 1944)]; plena liberdade de voto [Terry v. Adams (345 U.S. 461 – 1953)], sendo inclusive consagrada a cláusula one man one vote, ou seja, a cada pessoa deve corresponder um voto [Gray v. Sanders (372 U.S. 368 – 1963)]; acesso igualitário a todos os empregos

[Brotherhood of Railroad Trainmen v. Howard (343 U.S. 768 – 1952)]; pleno exercício do direito de propriedade, inclusive com total possibilidade de aquisição de imóveis sem qualquer restrição [Shelley v. Kraemer (334 U.S. 1- 1948)]; igualdade de tratamento nos transportes interestaduais [Morgan v. Virginia (328 U.S. 378 – 1946)]. [...] A Corte Suprema também assegurou os direitos dos cidadãos americanos, em virtude de suas convicções políticas, declarando a impossibilidade de a assembléia estadual da Geórgia negar posse ao deputado negro eleito Bond, por ter criticado a Guerra do Vietnã [Bond v. Floyd (385 U.S. 116 – 1966).” (Moraes, 2000:107-8) (Observe-se que as decisões da Suprema Corte costumam ser conhecidas pelo nome das partes litigantes, sendo que sua identificação se dá, em geral, conforme o seguinte padrão: número do volume do United States Report -- obra de publicação oficial das decisões da Corte, hoje contando com mais de quinhentos volumes -- imediatamente seguido da sigla U.S.; número da página na qual se inicia a decisão; e, por fim, o ano em que o caso foi decidido.)

[46] Também a competência originária pode ser obrigatória ou facultativa. No primeiro caso, a Corte julga as disputas entre os estados-membros . Já no segundo, pode apreciar os casos ajuizados por um estado-membro; disputas entre um estado-membro e o Governo Federal; e casos que envolvem pessoal diplomático estrangeiro. (Baum, 1987:27)

[47]“Podemos perceber que a competência recursal da Corte Suprema engloba as competências recursais extraordinárias do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, III) e do STJ (CF, art. 105, III).” (Moraes, 2000:92, nota 2)

[48] Em nosso sistema, todas as competências são obrigatórias, não sendo possível ao juiz se negar a exercer a jurisdição (ver art. 126 do Código de Processo Civil). Há, porém, entre as várias propostas de reforma do Judiciário, a introdução de um instrumento chamado de argüição de relevância, que permitiria ao Supremo Tribunal Federal exercer sua competência de forma facultativa.

[49] Rules of the Supreme Court, rule 10.

[50] Tratando-se de competência facultativa, o instrumento utilizado para fazer levar à Corte um caso é um requerimento/petição para a expedição de um writ of certiorari (carta requisitória). No requerimento, a parte expõe “as razões pelas quais os juízes deveriam aceitar julgar um caso em particular” (Woodward e Armstrong, 1985:52). “Uma vez admitido um determinado caso para exame, a Suprema Corte emite um writ of certiorari [...], ordenando que o tribunal inferior reúna os autos de um processo e os envie a ela para

revisão” (Moraes, 2000:93). Todo este procedimento está disciplinado no Regimento da Corte, Parte III (Rules of the Supreme Court, Part III).

[51] “Em virtude do acúmulo de solicitações feitas à Corte, criou-se um procedimento de pré-triagem, de forma que o Presidente da Corte coloca em uma lista, denominada lista de exame, os casos de relevância, para que sejam analisados e obtenham sua admissibilidade pelo menos por quatro juízes. Ressalte-se que os casos excluídos pelo Chief Justice da lista de exame poderão, a pedido de qualquer dos demais juízes, ter a sua admissibilidade analisada. A lista de exame é apresentada pelo Chief Justice , na chamada conferência, que, após oferecer um resumo do caso, concede a palavra, por ordem inversa de antiguidade, aos demais membros, para que sua admissibilidade seja votada” (Moraes, 2000:93). Quando então a Corte concede o writ of certiorari (grant cert.) ou o nega (deny cert.). (Registre-se que na escolha dos casos a serem apreciados pela Corte os assessores dos Justices desempenham um papel relevante, ver Baum (1987:34).

[52] Por exemplo, a Corte, em 1999 recebeu 7.377 requerimentos (processos), dos quais apenas 83 foram discutidos (processados) e 79 foram encerrados (julgados), conforme dados disponibilizados em e acessados em 23 de maio de 2001. Já para Supremo Tribunal Federal, no ano de 2000, foram distribuídos 90.839 processos, com 86.138 julgamentos, conforme dados disponibilizados em e acessados em 23 de maio de 2001. [53] Para um breve estudo sobre a estrutura do Poder Judiciário norte-americano acesse . E ainda Meador (1996).

[54] Os julgamentos per curiam , especialmente no que toca à sua estrutura formal, podem ser aproximados aos nossos enunciados de súmulas. Para maiores informações, ver Moraes (2000:94) e acessar .

[55] Cabe ainda aos Justices, no exercício de suas competências, monocraticamente, conceder liminares, suspendendo provisoriamente a execução de decisões dos tribunais inferiores. “Em 1983, o Juiz Byron White emitiu uma ordem de suspensão de ordem de execução [de pena de morte] meia hora antes de tal execução , marcada para 1 hora da madrugada, hora de Washington. As suspensões de execuções de decisões tornaram-se matéria de controvérsia dentro da Corte, em parte por força de acentuadas divergências a respeito da própria pena de morte.” (Baum:1987:31-2)

[56]Em geral, as decisões formais da Corte são tomadas pelo conjunto de nove membros. E “pela importância da decisão interpretativa da Constituição e de seus reflexos, geralmente a Suprema Corte abstém-se de julgar sem a presença de todos os juízes.” (Moraes, 2000;94) Entretanto, “às vezes [...] atuam num caso menos de nove juízes. Durante alguns períodos, a Corte tem apenas oito membros, por não ter sido substituído ainda um juiz que se afastou. Um juiz pode perder algumas sessões por motivo de má saúde. Às vezes, um membro não participa de determinado caso por força de um possível conflito de interesses. Os juízes que serviram como solicitador-geral [Advogado Geral], por exemplo, não ajudam a decidir casos com que lidaram em tal cargo. É o próprio juiz que decide se seria apropriado ele participar do julgamento de um caso.” (Baum, 1987:30) [57] Gargarella (1996) faz uma análise bastante contundente do déficit democrático da Corte, chamando-o de “caráter contra-majoritário”. [58] Schwartz (1993:363) adverte sobre os riscos de se considerar a Corte como uma entidade institucional homogênea. [59] “Nem se pode duvidar de que a linha se delimitou bem mais à direita com a Corte Rehnquist do que já havia sido feito pelos seus imediatos predecessores. O novo Chief Justice foi bem caracterizado por um artigo da Newsweek como ‘O Sr. Retidão da Corte’ [The Court’s Mr. Right].” (Schwartz, 1993:364) [60] Em um de seus julgamentos mais recentes, US v. Oakland Cannabis Buyers Cooperative et ali, em 14.05.2001 a Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade do uso da planta Cannabis sativa (popularmente conhecida como maconha) para fins terapêuticos. [61] Para um breve perfil e biografias individuais dos atuais Justices acesse . E em Baum (1987) encontram-se várias tabelas e gráficos sobre a Corte ao longo da história. [62] As críticas que a Corte vêm sofrendo em relação a um retrocesso na proteção aos direitos individuais, a ausência de legitimidade democrática para o exercício do judicial review, o problema de como deve ser interpretada a Constituição, são alguns dos exemplos que podem ser citados como ilustrativos da profundidade, seriedade e extensão do debate. Ou seja toda essa controvérsia poderia ser sintetizada no questionamento formulado por José Ribas Vieira, por ocasião da realização da III Jornada Jurídica da FESO, em 23 de maio de 2001 : “A Suprema Corte está no céu ou no inferno?” *Professora Adjunta da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis, Mestre em Ciências Jurídicas - PUC/RJ, Doutoranda em Ciências Jurídicas - PUC/RJ e Juíza Federal da 3º Vara Federal de Execuções Fiscais/SJRJ

Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2007.

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