Primordios da presenca dos missionarios Mercedarios no Pará(Cong. Jul16-SGL, As Ordens dos Mercedários eTrinitários em Portugal e no Mundo)

May 27, 2017 | Autor: L. Marques de Sousa | Categoria: History of Religion, Brazilian History, History of Missions, Latin America
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Primórdios da presença dos missionários Mercedários no Pará e a as posições do Pe. António Vieira (S.J.) sobre os índios. (Early days of the presence of Mercedarian missionaries in Pará and the positions of Father Antonio Vieira (SJ) about the Indians.)

Luís Filipe Marques de Sousa1

Resumo

Abstract

Chegados entre 1639 ou 1640 sob pedido de Pe- Arrived between 1639 and 1640 on request of Pedro dro Teixeira que havido subido o Amazonas até Quito, Teixeira been ascended the Amazon to Quito, the os frades mercederários estabeleceram-se em Belém do Pará. Daqui em diante perante o patrocínio missionário de Capuchos de Santo António, Jesuítas, Carmelitas juntavam-se-lhes, menos numerosos, os padres de Nossa Senhora das Mercês. Estes últimos de origem es-

mercederários friars settled in Belém. From now on to the Capuchin missionary patronage of Saint Anthony, Jesuits, Carmelites gathered them up less numerous, the priests of Our Lady of Mercy. The latter of Spanish origin which has given rise to the new

panhola o que suscitou ao recém rei de Portugal D. João king of Portugal D. João IV's request for them to pay IV o pedido para que estes lhes prestassem homenagem. homage to them. No entanto, após a “partilha” das áreas de mis- However, after the "sharing" of mission areas all são tudo se poderia ter alterado e é no processo de resis- could have changed and is in the process of resistance tência aos jesuítas no Maranhão e Pará, que os Merce- to the Jesuits in Maranhão and Pará, the Mercedaridários serão chamados a depor. Tudo estaria na origem ans will be called to testify. Everything is at the de uma consulta sobre a forma e casos em que se devem origin of a consultation on how and where it should cativar os índios, documento oriundo da “junta” que captivate the Indians, document from the "junta" pôs em causa a actuação dos jesuítas e do Pe. António that questioned the actions of the Jesuits and Father Vieira. Antonio Vieira. Os Mercedários continuariam a sua evangeli- The Mercedarians continue his evangelization with zação junto de populações indígenas e junto dos “bran- indigenous peoples and among the "white" of the cos” da terra, sobretudo em Belém do Pará e Maracanã. land, especially in Belém and Maracanã.

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Origens dos Mercedários em terras da América do Sul Origens da Ordem da Nsa. Sra. Das Mercês, fundação por S. Pedro Nolasco

tivos2

A ordem da Nossa Senhora das Mercês, da Misericórdia dos Cativos ou da Esmola dos Ca(Ordo Beatae Mariae Virgini de Mercede) fundada, em 1218,por S. Pedro Nolasco (Barcelona)

perante a questão da reconquista, onde os avanços e recuos, as autoridades públicas procuraram criar um sistema de redenção dos cativos. Tal objectivo muitas vezes se confundiu com as indulgências de Cruzada. Daí que ao ser criada nos estatutos ela conservasse a sua característica principal de Ordem Militar, onde religiosos laicos se dedicavam às obras de misericórdia, essencialmente ao resgate dos cativos É neste contexto que S. Pedro Nolasco, jovem mercador de Barcelona, refere ter tido uma aparição da Virgem Maria e que lhe deu “ordem” para a fundação de uma congregação de frades cuja a principal missão era o resgate dos cativos, nem que para isso tivesse que vender tudo o que tinha. Pe. António Vieira refere-se a ele no Sermão de S. Pedro Nolasco feito em 1654 (S. Luis do Maranhão, na dedicação da Igreja da Nsa. Sra. das Mercês)3, como o jovem que “mete-se em uma religião de repente, mas leva o mundo à religião”. Convertido à missão do resgate e redenção dos cativos, Pedro Nolasco com o patrocínio do rei Jaime I e de S. Raimundo de Peñafort dava o impulso à criação da Celeste, Real e Militar Ordem da Mercê, fundada na Catedral de Barcelona. Nascia então a Ordem Religiosa da Nossa Senhora das Mercês da Redenção dos Cativos, devoção esta que se difundirá por toda a Espanha e resto do mundo. O Papa Gregório XI aprovaria a sua criação, dando-lhes primeiramente a Regra de Sto. Agostinho (17 de Janeiro de 1235). Só mais tarde é que a Ordem toma os seus próprios estatutos, em 1272(revistos posteriormente em 1327), passando esta a compor-se de religiosos e cavaleiros (frades leigos coadjutores). Estes primeiros Mercedários receberiam a instituição canónica do bispo de Barcelona e a investidura militar do rei Jaime I (o Conquistador). Pedro Nolasco punha então tónica na “mercê”, o que para ele era entendido como a realização de uma boa acção sem recompensa. A busca da misericórdia para com os cativos cristãos, que muitas vezes caiam na escravidão, quer nas terras ocupadas pelos mouros, quer no norte de África (fruto da pirataria sarracena que assolava as costas do Mediterrâneo Ocidental), fazia com que estes frades desejassem trocar suas vidas pela dos cativos. Estes frades mostravam uma grande devoção pela Virgem Maria, tomando-a por patrona e guia, honrando-a na figura de Mãe das Mercês e Virgem Redentora (culto que difundiriam por todo o mundo sobre a devoção à Virgem das Mercês (Virgen de la Merced ou de las Mercedes), devoção da SSma. Virgem (1218),que segundo o fundador liberta, consola e protege todos os que estão presos, todos os cativos no mais amplo da palavra. Este culto rapidamente se propaga à Catalunha e a toda a Espanha, França e Itália, sobretudo durante o século XIII .

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António Vieira na prolixidade do seu discurso parenético, típico do Barroco, cobre-o de adjectivação chamando-o de “santo tão dotado da natureza, tão favorecido da fortuna, e tão mimoso da graça? (…) um santo tão soldado, tão valente, tão animoso, (…)”4 Mais adiante refere “ S. Pedro Nolasco fez mais que deixar, porque professou pedir. E é assim. A profissão de S. Pedro Nolasco, e da sagrada Religião das Mercês, é pedir esmolas pelos fieis, para com elas remir os cativos que estão em terras de mouros.”5 Exaltação de S. Pedro Nolasco, após Vieira o ter comparado com S. Pedro Apóstolo e demais discípulos, é aquele em que refere “Vendeu todas as riquezas que possuía, como grande senhor que era no mundo, e deu o preço para a redenção de cativos. Mas, depois de se pôr neste grau de perfeição, ainda subiu a professar outro mais alto, que foi não só dar o que tinha, senão pedir o que não tinha, para também dar.”6Num passo mais adiante compara esta atitude como a do mártir que dá o seu sangue pela redenção do “cativo” através da mendicância (“resgates mendigados”) Em 1240 S. Pedro Nolasco falecia em Barcelona. E durante a sua vida assistiu à conquista de Maiorca(1229) e de Valencia (1238), onde se notabilizou o esforço dos Mercedários, do qual resultou o reconhecimento e benefícios do rei. Durante o século XIII e XIV julga-se que a Ordem terá resgatado cerca de trezentos mil cativos. Os frades Mercedários seriam então cerca de três mil entre os quais muitos terão sofrido o martírio às mãos dos muçulmanos no cumprimento do seu voto. Segundo António Vieira, no Sermão de S. Pedro Nolasco, estes feitos eram obra visível do instituto fundado pelo santo: “ordenou que seus filhos professassem pobreza, e juntamente redenção dos cativos. Para quê? Para que, pelo voto de pobreza, deixassem tudo o que tinham – que é o que fez S. Pedro – e pelo voto da redenção, mendigassem para ela o que não tinham, que é o que fez o Filho de Deus.”7 Ou seja a grande obra foi em Pedro Nolasco a descoberta do mendigar para remir. A remição para a salvação dos que se julgavam perdidos. Reflectindo sobre os estatutos e virtudes da Ordem das Mercês, António Vieira, exalta o exemplo dos frades que se deixam cativar para resgatar os cativos, quer em terras de mouros, quer nas novas conquistas (África, Ásia e América). Em terras de cristãos, referindo-se às novas conquistas, estes frades entregam-se à redenção da alma, “do homem todo, que se compõe de alma e corpo, como o foi Cristo.”8. Fala então na missão da remição e redenção das almas , que é aquela que preserva o homem. Os Mercedários fariam além dos três votos essenciais a todas as ordens religiosas(obediência, castidade e pobreza) 9, um quarto voto: o voto de se deixarem ficar como cativos (nas mãos dos turcos) em troca de uma alma que presumiam que estaria em perigo de perder a fé (redenção da alma entregando-se a si mesmos como penhor e fiança dos resgates, facto que se espalhava pelo novo mundo). “Cristo como Redentor, eles como redentores.” 10 Sobre a invocação de Nsa. Sra. das Mercês, afirma que Ela como fundadora do instituto foi a primeira a conhecer a Redenção. E que foi por acção dela, através da aparição a Pedro Nolasco, a Jaime de Aragão e a S. Raimundo de Peñafort, queria que se fundasse este novo instituto, sobre seu nome e patrocínio. 3

Para Portugal falamos da sua presença a partir de 1284, vindos no séquito da rainha Sta. Isabel de Aragão, estabelecendo convento em Beja cerca de 1300. Sendo em 1503 integrados no Convento de Sta. Clara – Beja. No entanto a pouca expressão desta ordem foi-se dando pelo ganhar de importância da Ordem da SSma. Trindade para a Redenção dos Cativos, Trinitários (durante e após o reinado de D.Afonso V).11 Como adiante falaremos a presença nos territórios da colónia brasileira iniciam-se em 1639/40, com o retorno da expedição de Pedro Teixeira a Quito, subindo o Amazonas. Em Belém e S. Luís do Maranhão estabeleceriam conventos e dedicar-se-iam à evangelização como o faziam na região sob domínio espanhol. É certo que D. João IV, a seguir à Restauração exigiu destes a sua submissão aos ditames do novo rei de Portugal. Presença em terras sul americanas Acompanhando a segunda expedição de Cristóvão Colombo, 1493, seguiam os primeiros frades Mercedários, únicos não mendicantes (a referir franciscanos, agostinhos e dominicanos), que pisariam terras americanas e se dedicariam também à tarefa da evangelização do Novo Mundo. 12 A escolha de tais religiosos, apesar de alto dignatários da Ordem serem do circulo dos Reis Católicos, três deles eram capelões(confessores e pregadores), parece-nos ficar-se a dever ao âmbito e método de evangelização, o estarem habituados a lidar com gente de outras religiões (sobretudo maometanos) 13. Tal circunstância os tomava como bons línguas para travar conhecimento com as diversas tribos que Colombo reportara aos reis católicos. No seguimento da exploração e fixação nas Antilhas, em documentos do Archivo Real de Indias encontramos que foram os Mercedários os primeiros a fundar mosteiro (casa) em S. Domingo (15 de Julho de 1514). No entanto os historiadores espanhóis e da América espanhola consideram que a presença mercedária se iniciou aos poucos numa primeira fase entre 1493 e 1508 e só na segunda fase, de 1508 a 1520, se pode falar de consolidação e evolução. Acompanhando os conquistadores do México, da América Central, do Perú estes viajaram por todo o espaço castelhano, ao lado de Pizarro e Cortés. Seria a partir da fundação do convento de Leon de Nicarágua(1527), que iniciariam a missionação da América Central. Mais tarde em 1536, fundavam o convento de Guatemala, iniciando um segundo foco. Com a conquista do Perú (1531-33) iniciava-se a terceira fase de expansão da Ordem pela a América do Sul, fixando-se definitivamente em Quito desde 1535. Esta permanência sofreria altos e baixos, mas através da reforma das constituições e do vigário geral (1577) conseguiu manter uma presença até cerca de 1771 quando uma determinação real mandava encerrar os conventos, mosteiros e casas religiosas com menos de 8 religiosos.14 Na parte espanhola da América do Sul os Mercedários fundaram as seguintes províncias: 1564-Guatemala, 1564-Cuzo, 1564-Los Reyes ou Lima, 1566 – Chile, 1593- Tucumán e Rio da Prata, 1604-Antilhas e Venezuela, 1615-Quito e 1616-México. Dentro de Província em cada convento havia

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um superior denominado comendador dos Mercedários. A Ordem beneficiava da instituição do patrocínio régio (patronazgo).15 No presente estudo não nos comprometemos em apresentar generalidades de cada província nem sequer demorar em esmiuçar cada uma delas. No entanto aquela que mais directamente se relaciona com o assunto é a província de Quito. Uma vez assente a Ordem em Quito a partir de 1570 esta se expandiu para norte, actual Colômbia e para oeste, Equador, chegando aos limites do Amazonas. A evangelização e fixação apesar de se fazer primeiramente através da criação de conventos, devido ao número insuficiente de religiosos passou a organizar-se através da fundação de “pueblos” de índios, a que chamavam de vigararias. Quanto aos meios e método de evangelização os Mercedários apoiaram-se primeiramente na catequização dos indígenas que viviam junto dos povoados dos colonos brancos, aquém lhes prestava assistência. Assim fornecia-se à sociedade colonial uma base de população indígena cristianizada. Os conventos asseguravam a administração dos sacramentos aos povoados “espanhóis”. Entretanto a criação de “pueblos”, vigararias, sob administração da Ordem das Mercês procurou fixar e converter as populações indígenas. O objectivo principal era mante-los e fazê-los crescer na fé cristã através do conhecido sistema do estabelecimento de doutrinas ou paróquias de índios, onde o padre mercedário vivia permanentemente junto dos índios16. A cada doutrina poderia pertencer um conjunto variável de povoados. E um determinado número de doutrinas pertenciam a um convento. Por sua vez cabia ao missionário tratar dos enfermos, atendendo-os espiritual, corporal e economicamente. Devia ocupar-se da preparação religiosa de cada indígena, sendo pessoalmente responsável pela catequização. Ocupava-se do ensino espiritual, da alfabetização e cristianização dos filhos dos indígenas (criando escolas). E procurando fornecer uma formação profissional ou de artes e ofícios.17 Neste sistema de reduções/vigararias os índios mantinham-se arregimentados sobre a alçada religiosa dos missionários. O que não queria dizer que não houvesse conflitos entre o poder civil e o religioso. Bartolomé Bennassar refere que o poder civil exerceu sempre um controlo importante sobre as ordens religiosas, quer através da figura do Vice-rei, quer através das Audiências que respondiam directamente ao Vice-rei e ao Consejo de Indias. Os superiores de cada ordem estavam sujeitos a comunicar ao Vice-rei, governador, Audiência sempre que necessitassem de religiosos. Facto que só era possível após consentimento do Consejo de Indias. 18 O sistema da “encomienda” mantido pelos colonizadores desde cedo, nunca o fora uma relação de posse ou redução do índio ligado à pertença da terra. O encomendero exercia uma relação de usufruto num distrito, região, conjunto de povoados, aquém os habitantes lhes devia serviços. Sobretudo a encomienda recaía sobre o cacique e a sua tribo. A própria Coroa o usou apesar de o restringir proibindo que se cobrasse impostos e serviços à cabeça(1552). O missionário das Mercês acabaria por ser confrontado com este sistema procurando salvaguardar a “liberdade” dos índios em seus povoados.19 5

Expedição de Pedro Teixeira de Belém a Quito Pedro Teixeira e a exploração do Amazonas A questão da exploração do Amazonas desde o inicio do séc.º XVI foi importante fosse pela exploração de Francisco de Orellana, fosse pela fixação de franceses, ingleses e holandeses na foz do Amazonas (sécs. XVI/XVII). Assim em 1539, Orellana partia do Marañon em direcção à foz do Amazonas, em busca da terra da canela. Do mito das Amazonas, mulheres guerreiras, estendia-se ao mito do El Dourado. Passando o Coca ao Napo e deste ao Marañon, atravessando de oeste a este saíram na foz do Amazonas, em pleno Atlântico, 24 de Agosto de 154220. O Amazonas e suas gentes passavam a ser do conhecimento e cobiça do homem branco. As suas drogas e riquezas desejadas e exploradas por aventureiros, bandeirantes e missionários. A bacia amazónica a maior do mundo era um “oceano” transponível. Agora era preciso conhecer os limites do Tratado de Tordesilhas (1494). Até onde chegavam as terras de Portugal e onde começavam as de Espanha. Mitos, lendas e relatos pululavam o imaginário destes primeiros colonos. Querendo eles enriquecer, quer com as drogas quer com a cativação dos gentios. Os missionários não ficaram incólumes. Em 1614 os portugueses para se afirmarem na região que lhes pertencia conquistam o nordeste e norte do Brasil, dá-se a criação por conquista de S. Luís do Maranhão(1614) e de Belém do Pará (1616), teve como objectivo fixar os colonos e expulsar os huguenotes franceses que por ali se estabeleceram. A figura de Alexandre de Moura, Francisco Caldeira Castelo Branco e Bento Maciel Parente e de outros, mostravam a tenacidade e persistência da afirmação de Portugal sobre aquelas partes. Acompanhando este movimento o Padroado português apoiava as missões, entradas e estabelecimento de missionários capuchos de Sto. António de Portugal, da Ordem do Carmo e da Companhia de Jesus. A 26 de Outubro de 1637, após negociações e da preparação da expedição, Pedro Teixeira, um sertanista, convertido em Capitão-mor e General do Estado do Maranhão, saía de Cametá (PA) e iniciava a sua lenta subida pelo Amazonas até Quito (actual capital do Equador). Era preciso conhecer a terra, a bacia dos rios e afluentes, as gentes (tribos) com quem se poderia tirar alianças. A viagem se fez lentamente por falta de guias, na sua companhia seguiam línguas e religiosos como Fr. Domingos de Brieba. O desânimo quase os tomou, no entanto a persistência fê-los chegar a Quito sendo recebidos em festa21. O regresso a Belém e a vinda dos padres Mercedários Após o recebimento de Pedro Teixeira em Quito pelo Vice-rei e pela Audiência, empresa-se a descida do rio, para tal o Vice-rei ordenou a 10 de Novembro de 1639 que Pedro Teixeira regressasse urgentemente a Belém do Pará. Assim e por ordem do Vice-rei acompanhavam Pedro Teixeira duas pessoas de sua confiança que após a chegada a Belém seguiriam para Espanha para dar noticia ao rei. 6

Ainda a comitiva era constituída por missionários Franciscanos e Mercedários, destes últimos salientemos Pedro de la Rue Cirne, que ia como comissário da O.M., Fr. Afonso de Armejo, Diogo da Conceição e João da Mercê. Fr. Armejo e Diogo da Conceição não concluiriam a jornada. A jornada de subida e descida do Amazonas por Pedro Teixeira durara dois anos e dois meses. A 12 de Dezembro de 1639, a expedição de Pedro Teixeira, ou que restava dela, entrava em Belém. Os padres Mercedários, que consigo traziam alfaias e ornamentos de prata, ficaram em Belém, fundando um convento e igreja (Março de 1640, actual Alfândega de Belém). E recebiam de Mateus Cabral fazendas na ilha de Joanes (Marajó), onde possuíam manadas de gado vacum. Enquanto Pedro Teixeira e os jesuítas que o acompanhavam seguiram para S. Luís do Maranhão, onde foram recebidos com festejos. Pedro Teixeira era nomeado Capitão-mor do Grão-Pará, enquanto Fr. Cristóvão de Acuña partia para Madrid para dar noticia ao rei. A expedição comprovava a navegabilidade do Amazonas até Quito, e reforçava o poder das monarquias ibéricas sobre a bacia amazónica. Esta tornou-se a médio e largo curso importante para o reforço dos limites da presença portuguesa e alargamento do território brasileiro.22

Estabelecimento dos frades de Nsa. Sra. Das Mercês no Estado do Maranhão A Ordem das Mercês estabelecia-se definitivamente no Estado do Maranhão, primeiramente em Belém, onde asseguraria a catequização dos gentios e o resgate dos católicos que se encontravam longe da Igreja, prestando assistência aos colonos. O modelo seguido nas regiões sob domínio espanhol, da criação de escolas junto aos conventos, a visitação dos povoados indígenas, o uso da musica como meio de evangelização e difusão do culto de Sta. Maria das Mercês e de Cristo Redentor, era transportado agora para a região que em 1640 “voltava” ao reino de Portugal. D. João IV obrigou a que lhe fosse prestada explicitamente fidelidade. Estes primeiros Mercedários estavam ligados ao Vice-reino do Perú, e que para dissipar as dúvidas Fr. Pedro de Rue Cirne, desloca-se a Lisboa para obter do rei o Alvará de legalização da O.M. no Pará e Maranhão (9/Dez/1645). Daqui se instalariam em S. Luís do Maranhão (1654). O Padre António Vieira refere, na inauguração da Igreja da Nsa. Sra das Mercês, em S. Luis do Maranhão, que a presença da Ordem das Mercês se fez pela primeira vez naquele Estado após quatrocentos anos da sua fundação. Pelas palavras do Pe. António Vieira: “Só o Estado do Maranhão pode dar nova religião a Portugal, porque lhe deu a das Mercês. Cá começou, e de cá foi, e já lá começa a ter casa, e quererá a mesma Senhora que cedo tenha casa e província.”23 Pois em 1654 a Ordem apenas tinha Comissário no Estado do Maranhão e eram poucos os religiosos comparativamente aos jesuítas, capuchos de Sto. António e carmelitas. Da presença dos Mercedários na segunda parte do séc.XVII pouco se sabe, apenas que foi um período crucial para o estabelecimento desta na bacia amazónica e do que nos é transmitido pelo processo de Fr. Lucas de Sousa (O.M.), acusado na Inquisição de sodomia24. 7

A organização aos poucos tomaria a sua consistência estabelecendo-se cargos de Comissário, Prelado, Padre Superior, Comendador, Padre, Noviços e Coristas. Por volta da década de 1670 chegariam a ser cerca de onze religiosos.25 Dos Mercedários pouco se lhes conhece o serviço missionário junto dos índios. A principio chegaram com promessa de lhes darem casas e propriedades para sua missão. No entanto segundo Vieira estes missionários além de trabalharem a favor de Deus, também trabalhavam para o rei: “(… era sua) profissão reunir cativos.” (1654) 26 No entanto apenas se sabe das missões de Fr. Francisco de Andrade e Fr. Teodósio da Veiga, que fundaram várias aldeias e missionaram ao longo dos rios Urubu e Negro.27 Falar da presença, destes poucos missionários Mercedários, é sobretudo referir a sua presença na região amazónica. Tirando a participação em conjunto com os bandeirantes e colonos, é sublinhar a importância, militar, geopolítica e económica, desta região. Apesar das drogas do sertão e gado nunca conseguir suplantar a economia açucareira; os rios e igarapés, florestas e campos seriam intensamente vasculhados pelos colonos portugueses que buscavam ouro, pedras preciosas, “drogas” e índios cativos. Outras referências aos padres Mercedários foram feitas pelo Pe. António Vieira enquanto superior da Companhia no Maranhão entre 1654 e 1661. Em 1655 promovia-se, em Lisboa, uma “junta (das missões)”28, Junta Geral das Missões, ou Junta da Propagação da Fé29 (1657), instituição administrativa secundária do Conselho Ultramarino, devido aos protestos dos colonos e mais tarde contra a actuação dos jesuítas no Maranhão e que levaria à expulsão destes e interdição definitiva da entrada do Pe. António Vieira naquele Estado (1662). Os jesuítas conheceram durante este período dura oposição dos colonos, caracterizado por motins contra a imposição do novo regimento sobre a administração dos Índios30. Vieira em 1654 iniciava o seu tempo de missionar, afirmando as intenções de trabalhar pela salvação das almas. A Lei (Alvará Régio de 1647) em que se fundamentava Vieira, apontava a nova direcção, assegurar a liberdade dos Índios. Tal se iria tornar a obra principal, neste período da vida de Vieira, enquanto missionário, pregador, escritor e diplomata.31 O Maranhão passou-se a definir como espaço-tempo da sua práxis social. Testemunho este que ele fará junto do rei em 1662, já em Lisboa, no Sermão da Epifania. 32 Pe. António Vieira e os Mercedários (Intervenção dos Mercedários e do seu Comissário na “junta das missões” e inquirição sobre os trabalhos do Pe. António Vieira) Vieira enquanto Padre Superior dos Jesuítas no Maranhão (1655) iria sempre debater-se pelo cumprimento da Lei da Liberdade do Gentio, que fora renovada em 1653. E é neste âmbito que se refere aoS trabalhos dos colonos e sobretudo de Fr. João Nolasco, que segundo ele passara muitas

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certidões de cativeiros, e que estas “peças” foram objecto de comércio enquanto escravos. Vieira acusava de que este prelado não verificara a verdadeira intenção dos colonos e que com isso não respeitava a Lei do rei que proibia todos os resgastes no Maranhão. 33 No seguimento deste documento (Informação do modo com que foram tomados e sentenciados por cativos os índios no ano de 1655 (Belém), foi nomeado para juiz deste tribunal o Pe. Frei Estevão da Natividade, comissário das Mercês, entre outros onde se contava o Pe. Vieira, pelos jesuítas. E entre as argumentações para o cativeiro dos índios (do Gurupá) era posta à consideração do preceito de guerra justa, dada a beligerância dos índios da região e que eram cativos. Refere ele que os Comissários do Carmo e das Mercês se manifestaram a favor do cativeiro destes índios, porque todas as guerras que à entre estes No Maranhão são justas, e que assim que todos aqueles que nelas fossem tomados ficariam cativos conforme a Lei de Sua Majestade 34. Vieira relata que em muitas das argumentações tidas em aquele juízo ouvia-se os prelados de Sto. António e das Mercês a afirmarem “Cativos, Cativos!” (“Este era sempre o seu voto e modo de votar” 35).No entanto prossegue Vieira sobre isso que se viram vencidos e não quiseram assinar a sentença, a aplicação da referida Lei. Sobretudo a razão do comissário das Mercês votar contra a liberdade dos índios é apontada por Vieira, dizendo que este tinha muitos em seu poder cativos, e que esses cativeiros seriam ilegítimos e suspeitos36. A grande preocupação de António Vieira era a aplicação da Lei sobre a Liberdade do Gentio, o resgate dos cativos, e a administração das aldeias de índios, onde gozavam da liberdade e protecção dos padres da Companhia. A resposta que dava ao senado do Pará em 1661 era sobretudo que respeitassem o regimento de Sua Majestade. 37 Neste ano na sequência dos desentendimentos entre os governadores, colonos e mesmo religiosos, os jesuítas eram expulsos do Estado Maranhão. Tal acção levou a que Vieira protestasse junto do Senado de Belém do Pará, argumentando que: “Lembro a Vossas Mercês que todas estas nações estão não só reduzidas à Igreja, mas também à obediência e vassalagem de Sua Majestade, a qual obediência a vassalagem aceitaram por se lhe prometer e jurar, em nome do dito senhor, que viveriam debaixo do patrocínio dos padres, e que em tudo o mais se lhe guardariam as leis e regimentos de Sua Majestade, que lhe foram declaradas, e se fizeram disto papeis autênticos, …”38 Ao tão grande protesto de António Vieira, responde o procurador do povo do Maranhão, Jorge de Sampaio, em termos que justifica a acção do Pe. António Vieira, mas apresenta argumentação em que não havia repartição pelas diferentes ordens/ religiões, nem geograficamente, nem de modo alternado ou repartido. E que as autoridades civis e religiosas sempre cumpriram com a Lei. 39 E que os jesuítas em algumas ocasiões fizeram entradas reduzindo ao cativeiro os índios, pois necessitavam para as suas roças e trabalhos nos colégios. Em 1678, Vieira, instado a defender-se, refere que tal não se tratavam de escravos, mas sim de que todo aquele trabalho “era para a conversão das almas dos gentios e cultura dos que já eram cristãos” 40. As acusações somam-se umas às outras, é o caso da Petição dos Índios do (da aldeia )Maracanã que pedem a libertação do seu principal, Lopo de Sousa, o qual fora instado a se apresentar diante do Pe. Vieira e de imediato foi posto a ferros no forte do Gurupá, acusado de rebeldia à Igreja e ao rei. 41 9

É nesta circunstância que é ouvido e requerida a certidão do Vigário Provincial da O.M. Fr. Marcos da Natividade. Este realmente confirma que um índio lhe confessara que os restantes da aldeia de Maracanã andavam levantados no mato e que a aldeia estava quase despovoada, por causa de Vieira ter mandado prender o principal. E refere ainda o referido prelado que da conversa depreendeu que tal seria grande perda para a Fazenda Real, uma vez que os índios fugiam para o sertão, sendo prejudicial para o trabalho nas salinas e na comunicação fluvial entre aquelas partes. 42 No âmbito do processo é chamado a testemunhar António de Matos de Sampaio que se referindo a Frei Marcos da Natividade afirmou que este lhe dissera que era verdade os padres da Companhia terem preso o principal e tirandolhe o hábito de Cristo43, o abalaram com safanões, deitando fora seu bastão, por o principal não consentir que os padres da Companhia tomassem o governo temporal da dita aldeia. Apesar de aceitar o governo espiritual e aceitar as suas doutrinas. Além disso testemunha que o dito principal era amistoso e colaborante com todos os portugueses. 44 Terá sido por estes “abusos” sobre os principais das aldeias de gentios, a obrigação da entrega das aldeias aos padres da Companhia que levariam à expulsão dos jesuítas e por último à proibição da entrada do Superior Provincial, Pe. António Vieira, no estado do Maranhão. Não estaria em causa a administração do governo espiritual e ou a catequização segundo as doutrinas; mas sim o desejo de controlar, talvez de tomar o governo temporal das aldeias. “Com esta administração se fizeram os padres da Companhia absolutos senhores daquele Estado, e em tanta soberania se puseram, que chegaram a dizer que Vossa Majestade não era rei mais do que das praias do Maranhão.”45, reportava-se desta feita, Jorge de Sampaio de Carvalho, Procurador do Povo do Maranhão, sobre o trabalho e actuação dos jesuítas durante o governo do Pe. António Vieira. Tais acusações chegaram ao ponto de acusarem Vieira de havido em tempos desflorado uma índia na aldeia de Gurupi. E que em certa altura agira contra a lei dos cativeiros, entrando sertão adentro resgatando grande quantidade de índios cativos (“escravos”) para os tomar por seus validos e afeiçoados, ou seja, cativá-los em suas reduções.46 Assim a 26 de Julho de 1662 a Câmara de Belém em consonância com a de S. Luís do Maranhão expulsa os jesuítas, obrigando-os a “embarcarem para o reino o sobredito padre e seus companheiros”. Passados 2 anos Afonso VI autorizava o regresso dos padres da Companhia aos seus colégios no Estado do Maranhão. Entretanto o retorno de Vieira era-lhe negado com a justificação de não ser de interesse do governo português (Lisboa,1663/Set/12, Provisão em forma de Lei sobre a liberdade dos 47

Índios, “ (…)E com estas declarações e clausulas, hey outrossy por bem que se guarde a ultima Ley do anno de 655 e o requerimento dos Governadores, e que os ditos religiosos da Companhia possão continuar naquela missão na forma que fica referido, excepto o Pe. António Vieira por não convir a meu serviço que torne aquelle Estado/(…)”).48 O libelo de Vieira escrito e proclamado em 1662, Sermão da Epifania, não teria assim o efeito desejado. Trata-se de um texto parenético onde a política da acção colonial portuguesa sobressai e onde o autor tenta com veemência refutar as acusações que lhe eram tidas:

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“Suposto, pois, que não peço nem pretendo castigo, e o que só desejo é o remédio, quero acabar este largo, mas forçoso discurso, apontando brevemente os que ensina o Evangelho. O primeiro e fundamental de todos era que aquelas terras fossem povoadas com gente de melhores costumes, e verdadeiramente cristã.”49 Os jesuítas, capuchos de Sto. António, Carmelitas e Mercedários continuariam a sua presença e trabalho na região maranhaense e na bacia do Amazonas. É claro que nos finais do sécº XVII a Junta das Missões iria tentar geograficamente distribuir os aldeamentos pelas religiões.

CONCLUSÃO Os Mercedários tinham assim desde 1639 um novo espaço, a bacia portuguesa do Amazonas e nordeste, ao que vulgarmente corresponde ao Estado do Maranhão. Apesar de pouco numerosos e dos poucos estudos e documentos conhecidos sobre a Ordem das Mercês no espaço português, estes constituíram parte importante da missionação e estabelecimento do catolicismo no nordeste brasileiro. As referências dadas por António Vieira revela-nos as relações de distribuição e influência das diferentes ordens e institutos. Acusações e disputas por aldeamentos, fuga de índios das reduções foram o quotidiano do período colonial durante os primeiros séculos do estabelecimento dos portugueses no nordeste brasileiro. Os Mercedários participariam em todo este movimento acompanhando a penetração pela bacia amazónica. Poucos! Realmente, sim, se comparados com as verdadeiras ordens e institutos religiosos transnacionais apoiados pelo Padroado português. No entanto deixariam a sua marca, mais que não fosse nos conventos criados símbolo da sua passagem e permanência.

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Mestre em História e Cultura do Brasil (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Também conhecida por Ordem de Sta. Eulália ou Mercedários. 3 https://archive.org/stream/sermesdopadrean00vieigoo#page/n665/mode/2up, 17/07/2016 4 Idem, ibidem 5 Idem, ibidem 6 Idem, ibidem 7 Idem, ibidem 8 Idem, ibidem 9 Em 1690 a O.M. iria evoluir transformando-se em ordem mendicante deixando de vez o caracter militar. Bernardo Vasconcelos e Sousa (Dir.), Ordens Religiosas em Portugal- Das Origens a Trento, Guia Histórico, Lisboa, Livros Horizonte, 2005, p.450; 10 Idem, ibidem, p.450; 11 Idem, ibidem, p. 451. 12 Luiz Vazquez, Evangelizacion pacificadora de los mercedarios durante la conquista de Perú, p.71 13 Não se ignore o intento de Colombo atingir a Ásia navegando para ocidente. 14 Pedro Borges, Religiosos en Hispanoamérica,Madrid, Madrid, MAPFRE, 1992,p.16 15 Idem, ibidem, p.19 16 Idem, ibidem ,p.38 17 Idem, ibidem, p.39 18 Bartolomé Bannassar, La América Española y la América Portuguesa, siglos XV-XVIII, Madrid, Akal, 1996, p.197 19 F.A. Kirpatrick, Los Conquistadores Españoles, Madrid, Espasa Calpe, 1986, p.235 20 A. Cezar Ferreira Reis, História do Amazonas, 2ªed., Rio de Janeiro, Itatiaia, 1989, p.45 2

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Idem, ibidem, p.60 Idem, ibidem, p.62 23 Pe. António Vieira, Sermão de S. Pedro Nolasco, S. Luís do Maranhão (1654), Sermões II, Dir. Arnaldo Espirito Santo, Lisboa, INCM, 2010, pp.247 e ss. 24 Luiz Mott, Travessuras de um frade sodomita no Convento das Mercês de Belém do Pará (1652-1658), Ver. Estudos Amazônicos, vol.IV, nº2, S. Salvador, Univ. Federal da Bahia, 2009,p.14 25 Idem, ibidem,p.26 26 Sérgio Ricardo Coutinho, Fr. Teodósio da Veiga e José Lopes Espínola: missionários do rio Urubu, Rev. Eletrônica de História do Brasil, vol.2, Juiz de Fora, UFJF,1998, p. 7 27 Arlindo Rupert, Historia de la Iglesia en Brasil, Madrid, MAPFRE, 1992,p.197. 28 João Lúcio de Azevedo, História de António Vieira, t.1, Lisboa, Liv. Clássica, 1931, p.278. 29 Pe. António Vieira, Escritos sobre os Índios, Lisboa, Temas e Debates, 2016, p.207. 30 Alvará de 12/Nov/1647 31 José Óscar Beozzo, Leis e Regimentos das Missões, São Paulo, Loyola,1983,p.35 32 Beatriz Cruz Santos, O Pináculo do Templo, Brasília, Universidade de Brasília, 1997,p.49. 33 Pe. António Vieira, Escritos sobre os Índios, p.82 34 Idem, ibidem, p.94 35 Idem, ibidem, p.95 36 Idem, ibidem, p.98 37 Idem, ibidem, p.153 38 Idem, ibidem, p.163 39 Idem, ibidem, pp.179 e ss 40 Idem, ibidem, p.272 41 Idem, ibidem, p.316 42 Idem, ibidem,, p.319 43 Facto da habilitação para a Ordem de Cristo a um nativo era raro, senão pouco usual. 44 Idem, ibidem,, p.323 45 Idem, ibidem,, p.333 46 Idem, ibidem,, p.337 47 Idem, ibidem,, p.343 48 Livro Grosso do Maranhão (1948), pp.29-31 49 https://archive.org/stream/sermesdopadrean00vieigoo#page/n665/mode/2up, 17/07/2016 22

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