PRINCÍPIO DA ABSORÇÃO E AS SANÇÕES PELO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS

May 29, 2017 | Autor: C. Leite | Categoria: Tax Law
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PRINCÍPIO DA ABSORÇÃO E AS SANÇÕES PELO DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS

Corália Thalita Viana Almeida Leite Professora de Direito Tributário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Professora de Direito Tributário da Faculdade Independente do Nordeste Pós-Graduada em Direito Processual pela Faculdade Independente do Nordeste Advogada

1. Introdução; 2. Da definição jurídica de obrigação; 2.1. As obrigações acessórias no Direito Civil; 3. A obrigação tributária e questões suscitadas pela doutrina pátria; 3.1. A utilização do termo obrigação para a definição dos deveres tributários de fazer, não fazer ou tolerar; 3.2. O conteúdo da obrigação tributária principal: o pagamento do tributo e da penalidade pecuniária; 3.3. A conversão das obrigações tributárias acessórias em principais; 4. O Princípio da Absorção e as obrigações acessórias; 4.1. Do princípio da absorção (princípio da consunção); 4.2. A aplicação do Princípio da Absorção à sanção pelo descumprimento das obrigações acessórias; 5. Referências bibliográficas;

1. Introdução

Atualmente, não há obrigação mais repudiada para o cidadão do que as obrigações tributárias. Principalmente por que a expectativa do contribuinte é de perceber os serviços do Estado, o que dificilmente ocorre. E, para agravar esta situação, a notícia constante de desvio de receitas públicas na casa dos milhões e bilhões é fator desmotivador da crença nos órgãos públicos.

Diante de tais constatações, resta aos operadores do Direito a árdua tarefa de proteger o direito de propriedade do cidadão contra as investidas, sem retorno, do Poder Público. Não há aquele que não se queixe da autuação fiscal, das exigências exageradas de escrituração, emissão de cupom fiscal e a nota respectiva, etc., e quando o assunto é a multa, as queixas transformam-se em verdadeiras síndromes de pânico. Por quê? Simples, porque a multa tributária, além dos percentuais elevadíssimos, é exigida conforme o montante do tributo não recolhido. Em termos práticos, quando o contribuinte não paga o tributo, que só existe em decorrência do fato gerador, lhe é cobrado o valor referente a este, acrescido de percentagens sobre o mesmo. A base de cálculo da multa é o tributo. Mas esta é apenas parte da história. Quando o devedor tributário não recolhe o tributo e ainda não cumpre com os deveres acessórios fiscais, que são verificadores da regularidade fiscal do contribuinte, também lhe é imposta uma sanção pecuniária que, a depender de sua gravidade, reflete no valor da multa pelo não recolhimento do tributo. Desta sorte, nos deparamos com a seguinte questão: se os deveres acessórios tributários, quando descumpridos juntamente com o não pagamento do tributo, é elemento graduador da multa por este último ilícito, não seria justa a exigência da multa pelo descumprimento da obrigação tributária acessória. Baseada nesta idéia garantista é que nos propomos a tratar sobre a obrigação tributária principal e acessória e as conseqüências de seu inadimplemento.

2. Da definição jurídica de obrigação

As primeiras formulações legais e jurídicas sobre a teoria geral das obrigações advêm do Direito Romano, a partir do momento em que houve a distinção entre os direitos reais e os direitos creditícios, pois, esta relação jurídica era um “iuris vinculum hábil a prender um devedor a um credor”.1 Reconheceu-se à vontade o poder jurídico criador de deveres. Num primeiro momento, o credor comprometia-se com o seu próprio corpo pelo cumprimento da obrigação e mais valia a forma e os ritos para estabelecê-la que a vontade emitida pelas partes. Com o passar dos tempos, eliminada a execução das obrigações sobre a pessoa do devedor, fazendo-a recair sobre seus bens, a valorização da forma foi cedendo espaço à manifestação das partes. No século VI da era cristã, o Corpus Iuirs Civiles apresenta uma definição de obrigação como um vínculo proveniente da vontade entre os pactuantes, que tem por objeto uma prestação de dare ou facere ou um praestare, recaindo a seu cumprimento sobre os bens do devedor, não mais sobre o seu corpo. Já no Direito Moderno, especialmente após a aplicação do princípio do pacta sunt servanda e com o advento do Código Civil Napoleônico, a manifestação de vontade é o ponto de alta relevância e fonte por excelência das obrigações. O Direito Obrigacional, contudo, em meados do século XX e início do presente, inova ao impor determinados limites à autonomia da vontade, passando o Estado a intervir na liberdade contratual do indivíduo, a fim de se assegurar princípios e direitos públicos.

1

PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil (Teoria Geral das Obrigações). Vol.II. 20ªed. Forense: Rio de Janeiro. 2004. p.10

Entretanto, não é a vontade a única fonte criadora de obrigações. Os romanos admitiam que ora tinham origem no contrato ou no ato ilícito. Ocorre que se percebeu que nem todo ajuste de vontades se caracterizava como contrato, porém era merecedor do tratamento jurídico similar, ao mesmo tempo, verificou-se que determinados atos que não se enquadravam nas descrições delitivas também deveriam gerar direitos e deveres entre os envolvidos. Passou-se, destarte, a admitir como fonte obrigacional os quasi ex contractu e quasi ex delicto. Mas ainda há, na doutrina, as maiores divergências. Tendo em vista que o presente estudo não se destina ao tratamento específico da matéria, trazemos as lições do Prof. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA que a descreve de forma bastante compreensível: “...podemos mencionar duas fontes obrigacionais, tendo em vista a preponderância de um ou outro fator: uma, em que a força geratriz imediata é a vontade; outra em que é a lei. Não seria certo dizer que existe obrigações que nascem somente da lei, nem que as há oriunda só da vontade. Em ambas trabalha o fato humano, em ambas atua o ordenamento jurídico, e, se de nada valeria e emissão volitiva sem a lei, também de nada importaria esta sem uma participação humana, para a criação do vínculo obrigacional. Quando, pois, nos referimos à lei como fonte, pretendemos mencionar aquelas q que o reus debendi é subordinado, independentemente de haver, neste sentido, feito uma declaração de vontade: são obrigações em que procede a lei, em conjugação com o fato humano, porém fato humano não volitivo”...2

Atualmente, definição moderna de obrigação, independentemente de sua fonte, consiste “em um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra uma prestação economicamente apreciável”.3 É uma relação entre pessoas com repercussão no patrimônio do devedor. Em todo evoluir doutrinário, que, diga-se de passagem, deu-se no campo do Direito Civil, podem-se perceber três elementos comuns e persistentes no conceito de

2 3

idem, p.37 idem, p.13

obrigação desde sua origem: os sujeitos envolvidos, o vínculo entre os obrigados e o dever, seu objeto. No entanto, no Direito Civil, é inerente à obrigação o conteúdo patrimonial da prestação, o que não se pode afirmar para os outros ramos do Direito.

2.1. As obrigações acessórias no Direito Civil

Uma das classificações proposta pelo Direito Civil categoriza as obrigações, quanto aos seus elementos não fundamentais, em duas espécies: principal e acessória4. Diz-se principal aquela que tem existência autônoma e independente de qualquer outra, e acessória, ao revés, aquela que tem subordinada a sua existência e autonomia à da principal de que faça parte. Deste modo, é identificável a relação de dependência da obrigação acessória à principal, afinal, a regra geral é a de que o acessório segue o principal (accessorium sequitur principale). Assim, qualquer vício de nulidade ou anulabilidade, ou, causa extintiva da obrigação principal, geralmente reflete na sorte da acessória. O contrário, todavia, não se verifica. Tendo em vista a autonomia e independência da obrigação principal o destino da obrigação acessória nada causa àquela.

3. A obrigação tributária e questões suscitadas pela doutrina pátria

4

ibidem, p.121

O Código Tributário Nacional não definiu ou conceituou o que vem a ser obrigação tributária, apenas delimitou suas modalidades em principal e acessória e o fato gerador de cada uma delas, ficando a cargo da doutrina a precisão do conceito. O certo é que toda obrigação, e com a obrigação tributária não é diferente, expressa um dever perante alguém. Então, é também possível identificar-se os três elementos constantes no instituto jurídico das obrigações: o dever (elemento objetivo), o devedor e o credor, e o liame entre ambos (elemento subjetivo). Em linhas gerais, a obrigação tributária é um vínculo jurídico entre o Ente Tributante e o contribuinte, originado pela concretização da hipótese de incidência prevista em lei, cujo conteúdo pode consistir numa obrigação de dar (obrigação tributária principal) ou de fazer (obrigação tributária acessória). Vejamos o que diz o art. 113 do CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL: Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extinguese juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.

Segundo o dispositivo transcrito, a obrigação tributária principal tem como conteúdo o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária (obrigação de dar), a acessória, prestações positivas ou negativas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (obrigação de fazer, não fazer ou tolerar), como por exemplo: mantença de escrituração contábil, emissão de documentos, submissão à fiscalização e etc.

Quanto aos sujeitos envolvidos na relação jurídica, ocupa a posição de credor das obrigações tributárias aquela pessoa de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento, ou seja, o Ente Tributante, via de regra, configurado nas pessoas da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Na condição de sujeito passivo, o art.121 do CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL descreve como devedor da obrigação principal o contribuinte, assim entendido aquele que materializa pessoalmente a descrição hipotética da norma, e o responsável, que é aquela pessoa que não se enquadra na condição de contribuinte, mas tem sua responsabilidade determinada em lei. Há ainda o sujeito passivo da obrigação acessória, estando insertas nesta qualidade todas as pessoas que estão submetidas às prestações que constituam seu objeto. Interessante notar que, diferentemente das obrigações civis, o CTN adotou autonomia e independência das obrigações principal e acessória, ou seja, sobrevinda qualquer causa de exoneração ou extintiva do tributo ou da penalidade pecuniária ainda remanescem os deveres relativos ás obrigações acessórias, ou de outra sorte, pode inexistir obrigação principal em virtude de imunidade, isenção, por exemplo, ou estar esta extinta mesmo assim persistem as obrigações acessórias. A Lei Tributária equiparou, ainda, à condição de obrigação tributária principal a inobservância da obrigação tributária acessória, determinando a conversão desta naquela, no tocante ao pagamento da sanção pecuniária. Em linhas gerais, é este o tratamento legal conferido à obrigação tributária, que não passa despercebido pelas críticas doutrinárias às quais se passa a expor.

3.1. A utilização do termo obrigação para a definição dos deveres tributários de fazer, não fazer ou tolerar

Viu-se que o conteúdo jurídico da definição de obrigação é herança do Direito Civil Romano, sendo que o caráter patrimonial de seu objeto lhe é inerente. No Direito Tributário, entretanto, não é constatada essa característica em relação às obrigações acessórias cujo objeto são meros deveres formais. Nas palavras do Prof. HUGO DE BRITO MACHADO “O objeto da obrigação acessória é sempre não patrimonial. Na terminologia do Direito privado diríamos que a obrigação é uma obrigação de fazer. Fazer em sentido amplo”...5 A finalidade das obrigações acessórias é comprovar a regularidade no cumprimento da obrigação tributária principal, tais deveres, meramente administrativos, de fazer ou não fazer não tem cunho pecuniário, o que implicaria na utilização indevida do instituto da obrigação para designá-las. A Profa. MISABEL ABREU MACHADO DERZI, sintetiza a censura doutrinária da seguinte forma: “não poderia o legislador tributário denominar de obrigação acessória dos deveres de fazer ou não fazer, sem cunho pecuniário (como escriturar livros, emitir documentos, tolerar fiscalizações, prestar declarações, etc.) uma vez que a estimabilidade patrimonial é essencial às obrigações.”...6

Outra relevante é de que tais obrigações acessórias não são propriamente acessórias, visto que são independentes da obrigação tributária principal. No dizer de Sacha Calmon Coelho:

5

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ªed. Malheiros:São Paulo, 2001, p.103 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro (atualização: Misabel Abreu Machado Derzi). 11ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p. 698. 6

“O Código adota a terminologia clássica e fala em obrigação, adjetivando-a de tributária, para dividi-la em principal e acessória. Contudo, rigorosamente, inexistem obrigações acessórias, senão que prescrições de fazer e não-fazer diretamente estatuídas em lei”...7

Não são poucos os adeptos e respeitáveis juristas os quais expõem tais pensamentos, como por exemplo: PAULO DE BARROS CARVALHO, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, ZELMO DENARI, entre outros... No entanto, em voz contrária, a citada MISABEL DERZI, utilizando o pensamento de SOUTO MAIOR BORGES, assim se manifesta: “Tais críticas, não obstante, são críticas de política legislativa, pelo objetivo que têm de alcançar o aperfeiçoamento técnico ou univocidade de sentido em ramos jurídicos distintos...” “Coube a Souto Maior Borges despir de seu aspecto maniqueísta aquelas críticas que se levantaram contra a terminologia adotada pelo Código Tributário Nacional. Assim contradiz o Professor...de que prevalece no Direito Civil a tese de que toda obrigação é um vínculo entre sujeitos, cujo objeto tem necessariamente cunho patrimonial:” “A relação entre obrigação e dever jurídico não é uma relação entre espécie e gênero, mas uma relação entre forma e conteúdo. Porque o dever é uma categoria forma, estudada pela Teoria Geral do Direito, e a obrigação, uma categoria dogmática, estudada pelas disciplinas jurídicas particulares. Daí a possibilidade de falar-se - com pertinência ou objeto do estudo - de obrigações de Direito Civil, Comercial, Tributário, etc.”. .................................................................................................. “Como a obrigação não é uma categoria lógico-jurídica, mas jurídico-positiva, construção de direito posto, é ao direito positivo que incumbe definir os requisitos necessários à identificação de um dever jurídico qualquer como sendo um dever obrigacional. Significa dizer: a obrigação é definida, em todos os seus contornos, pelo direito positivo.” “Simplesmente, não há atributos ‘essenciais’ da obrigação. E que assim o fossem porque vinculantes para o direito positivo. Ao contrário, atributos da obrigação são os que estiverem contemplados em norma construída como

7

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p.367

obrigacional”...(Cf. Obrigação tributária. Uma introdução metodológica, São Paulo, Saraiva, 1984, p.23-25)8

Neste diapasão, pode-se concluir que, sendo a obrigação um instituto que tem seu conteúdo formulado pelo direito positivo do qual faça parte, na qualidade de categoria dogmática que é, nos dizeres de MAIOR BORGES, a Lei Tributária é que vai definir os elementos e atributos essenciais das obrigações para o Direito Tributário. Assim, estariam resolvidas as questões suscitadas pela doutrina quanto ao tema, pois, sendo o dever jurídico uma categoria formal genérica, que faz parte da Teoria Geral do Direito, portanto, com conteúdo invariável nos diversos ramos do Direito, os deveres jurídicos tributários têm como espécies a obrigação tributaria principal, cujo objeto é o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária, e a acessória que tem por objeto prestações de fazer ou não fazer no interesse da Administração Pública Fazendária, destituídas de valoração patrimonial. Ambas são deveres jurídicos. Assim afirma MISABEL DERZI: “Estamos diante de deveres jurídicos (principais ou acessórios), sem dúvida, e isso é essencial a todas as obrigações, que correspondem a deveres, no plano lógico. São deveres qualificados de obrigacionais pelo CTN, que poderia fazê-lo, sendo uma categoria de Direito positivo. Como toda obrigação, no sentido material positivo, configura também um dever, no plano lógico-jurídico, deduz que o legislador, ao referir-se à obrigação, afasta a idéia de meras condutas facultativas, nas quais haveria certa dose de discricionariedade para o sujeito”.9

No que diz respeito à real acessoriedade entre as obrigações, neste ponto, a norma tributária, como se pode observar, se desconectou totalmente da tradicional norma civil. Aqui merece atenção a diferença entre acessoriedade e dependência.

8

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro (atualização: Misabel Abreu Machado Derzi). 11ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p. 699. 9 Idem, p.700

As obrigações tributárias acessórias são acessórias, mas independentes e autônomas das principais. A condição de serem designadas como acessórias é devido ao fato que têm a sua razão de ser na existência da obrigação tributária principal, eis que sua finalidade é proporcionar o cumprimento das obrigações principais, trata-se de um instrumento de verificação e controle de seu implemento. O conceito de acessoriedade no Direito Civil está intimamente ligado ao de dependência, ou seja, ao de sujeição, visto serem as obrigações acessórias subordinadas à sorte da obrigação principal. Porém, esta não é a idéia positivada pela norma tributária. De fato, as obrigações tributárias acessórias assim o são porque existem em função da principal, “não precisariam existir se não existissem as obrigações principais10,” todavia, sob o aspecto da dependência e subordinação, as obrigações tributárias acessórias conservam sua existência de modo autônomo à da obrigação tributária principal.

3.2. O conteúdo da obrigação tributária principal: o pagamento do tributo e da penalidade pecuniária

Pelo CTN as obrigações tributárias principais são formadas pelo dever de pagar o tributo ou penalidade pecuniária, e é neste ponto, na penalidade pecuniária que reside o problema da caracterização das obrigações tributárias principais. A questão gira em torno do conceito de tributo posto no art. 3º/CTN, como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade 10

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ªed. Malheiros:São Paulo, 2001, p.105

administrativa plenamente vinculada”. Se o tributo não pode ser sanção de ato ilícito, por conseguinte, a obrigação que dele derive também não poderá sê-lo. Para agravar a situação, no art. 114, o CTN define como fato gerador da obrigação tributária principal a situação prevista em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência, o que seria o conceito de fato gerador do tributo, segundo a doutrina, e o fato gerador do tributo não pode ser uma situação ilícita. Partindo das lições acima expostas de MISABEL DERZI e SOUTO MAIOR BORGES, fica simples resolver o impasse. Tratando-se as obrigações de categorias dogmáticas e, portanto, tendo o seu objeto precisado pelo Direito posto, a norma tributária resolveu por incluir como deveres da obrigação tributária principal o pagamento do tributo ou da penalidade. Ademais, o fato gerador do tributo não se confunde com o fato gerador da obrigação tributária. Aquele se origina com a concretização de uma situação lícita descrita em lei, este, pelo fato gerador do tributo ou implemento de uma infração à norma de tributação, ou seja, de uma situação ilícita. Assim sendo, a conseqüência jurídica advinda da obrigação tributária principal (dever de pagar) tem como causa uma situação lícita (tributo) ou ilícita (penalidade pecuniária surgida do inadimplemento de uma obrigação tributária principal ou acessória). E as obrigações acessórias? Mais simples ainda. A causa geradora é a lei formal e material. Ocorrida a situação da norma, nasce o dever de fazer, não fazer ou tolerar, sem cunho pecuniário.

3.3. A conversão das obrigações tributárias acessórias em principais

Neste ponto, a crítica gira em torno do fato do CTN determinar a conversão da obrigação tributária acessória em principal, no caso de seu descumprimento, relativamente à penalidade pecuniária. Acredita-se não ser, realmente, a melhor técnica. A pena pecuniária é a sanção por excelência no Direito Tributário. Não adimplida a obrigação tributária principal ou acessória o resultado será a imposição de multa. A doutrina aponta que, em verdade, não há conversão alguma, apenas que em sendo a obrigação tributária acessória descumprida, a conseqüência jurídica é a aplicação de uma sanção pecuniária, mais propriamente, uma multa. Esta, representa uma relação de crédito da Fazenda Pública contra o infrator, não se encaixando no conceito legal de obrigação acessória, visto ser uma obrigação de dar, não de fazer. Deste modo, entende-se que a conseqüência jurídica do descumprimento da obrigação tributária acessória é uma obrigação principal. A intenção da lei foi a de conferir à relação jurídica nascida da inobservância dos deveres acessórios formais, ou seja, o crédito derivado da multa, mesmo tratamento para a cobrança do tributo e seus consectários, pois ambos são créditos tributários.

4. O Princípio da Absorção e as obrigações acessórias

4.1. Do princípio da absorção (princípio da consunção)

O princípio da absorção, também conhecido como da consunção, é amplamente aplicado na seara do Direito Penal, e propugna que se o fato delitivo é compreendido

na hipótese descritiva de outro, mais abrangente, sendo passo essencial para sua realização, este absorverá aquele, de menor gravidade. Dentre outras causas, há absorção nos crimes progressivos que, segundo MIRABETE, trata-se de um tipo penal que “abstratamente considerado contém implicitamente outro que deve necessariamente ser realizado para se alcançar o resultado” 11 ou nos crimes complexos que contêm em sua hipótese descritiva um outro crime, neste caso, o mais abrangente absorve o de menor potencial ofensivo. No

iter

da

conduta

delitiva

o

crime

posterior,

para

se

concretizar,

necessariamente pressupõe o cometimento de um crime anterior. Exemplo clássico doutrinário: para a ocorrência do homicídio, necessário é que ocorra lesão corporal da qual resulte a morte da vítima. Deste modo o homicídio, crime mais abarcante, absorve a lesão corporal, aplicando-se a unicamente pena do primeiro. Existe, igualmente, absorção na progressão criminosa no antefato não punível e no pós-fato não punível. Na primeira hipótese, a primeira infração é de menor gravidade que a posterior, já no pós-fato não punível a situação se inverte, o crime posterior é menos gravoso que o anterior. Em ambos os casos o autor do fato delitivo deve ser punido somente pelo crime mais grave. O princípio da absorção, conforme CEZAR ROBERTO BITENCOURT, opera-se quando “A norma consuntiva constitui fase mais avançada na realização da ofensa a um bem jurídico, aplicando-se o princípio major absorbet minorem... A norma

11

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal (Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP). vol. 1.13 ª ed. Atlas: São Paulo, 1998, p.128.

consuntiva exclui a aplicação da norma consunta, por abranger o delito definido por esta 12”. A finalidade de ser do princípio é a de se evitar a responsabilização dúplice (non bis in idem) por um fato delitivo que esteja contido em outro ou seja passo essencial para seu cometimento. Interessante, para este ponto do estudo, o voto do DESEMBARGADOR WALTER JOBIM NETO, na Apelação n° 70000739565, Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,em 23.03.2000, que assim diz: “Em face do silêncio da legislação, e pela necessidade de uma aplicação concreta do ‘non bis in idem’ a doutrina e a jurisprudência, baseadas na hierarquia das normas, construíram determinadas soluções jurídicas a estas situações”. “Dentre as soluções está a da ‘consunção’ ou ‘absorção’, de acordo com qual uma norma é absorvida por outra quando o fato que proíba tenha sido meio indispensável ou fase normal da preparação de outro, de modo que a ação deva ser interpretada como única embora fracionável em atos que correspondam a outros tipos penais, mas somente realizados porque necessários segundo a ‘meta optata’ “.13

Percebe-se, ratificando o outrora afirmado e defendido, que há absorção é princípio derivado de outro, o do non bis in idem, este ultrapassa as barreiras do Direito e do Processo Penal, atingindo todos os demais ramos do Direito. O brocado vem do latim que significa literalmente exigir a mesma coisa duas vezes. O nosso sistema jurídico, no tratamento das sanções, de qualquer natureza, veda a imposição de duas ou mais penas pela mesma infração, caracterizado por

12

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal (Parte Geral). Vol. 1. 6ª ed. Saraiva: São Paulo, 2000, p.132 e 133. 13 In http://www.maxpages.com/julgados, acesso em 20.07.2007

MAURÍCIO GODINHO DELGADO de “critério da ausência de duplicidade punitiva”

14



um critério de fixação de penalidade.

4. 2. A aplicação do Princípio da Absorção à sanção pelo descumprimento das obrigações acessórias

Após tecidas algumas considerações sobre o Princípio da Absorção ou Consunção, passemos à analise do tema proposto. O efeito da prática de um ilícito tributário é a imputação da multa. O contribuinte não paga o tributo, não pratica o que é o ato exigido ou transgride a abstenção obrigatória, ser-lhe-á aplicada pena pecuniária. Daí se origina uma relação de crédito entre o Ente Tributante e o devedor tributário. Pode-se afirmar que o crédito tributário tem como elementos pecuniários o tributo ou a multa, isoladamente, ou tributo acrescido de multa.

Nesta última hipótese ter-se-ia um vínculo cuja causa fora o

descumprimento da obrigação tributária principal, com ou sem o descumprimento da obrigação acessória. Seria um crédito derivado do tributo, acrescido de multa pelo não pagamento do tributo e, se for o caso, somada a multa pela infração à obrigação acessória. Se a obrigação acessória tem por escopo conferir subsídios ao cumprimento da obrigação principal, seria lícita a cumulação de sanções por descumprimento da obrigação tributária principal e acessória, principalmente quando esta for elemento integrante da descrição normativa e graduador da sanção? Prefere-se pensar que não, pela aplicação do Princípio da Absorção. Entendamos o motivo.

14

DELGADO, Maurício Godinho. O Poder No Contrato De Trabalho - Diretivo, Regulamentar, Fiscalizatório, Disciplinar in Síntese Trabalhista nº 95 - MAI/1997, pág. 117

Não são raras as hipóteses em que a legislação do Ente Tributante, ao tipificar o descumprimento da obrigação principal, agrega aos seus elementos descritivos a infração a uma obrigação tributária acessória, impondo-lhe o conseqüente, multa. Tomemos como exemplo a Lei 7.014/96 do Estado da Bahia, que trata sobre o ICMS. Art. 42. Para as infrações tipificadas neste artigo, serão aplicadas as seguintes multas: ... II - 60% (sessenta por cento) do valor do imposto não recolhido tempestivamente: ... c) quando houver destaque, no documento fiscal, de imposto em operação ou prestação não tributada, que possibilite ao adquirente a utilização do crédito fiscal; III - 70% (setenta por cento) do valor do imposto não recolhido tempestivamente, em razão da falta de registro de documentos fiscais nos livros fiscais próprios, apurando-se a prática de atos fraudulentos, tais como suprimento de caixa de origem não comprovada, saldo credor de caixa, passivo fictício ou inexistente, entradas ou pagamentos não contabilizados, ou quaisquer outras omissões de receitas tributáveis constatadas por meio de levantamento fiscal, inclusive mediante levantamento quantitativo de estoque; IV - 100% (cem por cento) do valor do imposto: .. a) quando a operação ou prestação estiverem sendo realizadas sem documentação fiscal ou com documentação fiscal inidônea;

Note-se que o dispositivo transcrito trata de falta de pagamento do tributo, graduando a sanção em função da obrigação acessória transgredida. Então, pode-se concluir que a lei considera relevante o dever formal inobservado, que comprova o não pagamento o tributo. É interessante perceber, de igual modo, que ao inadimplir a incumbência de quitar o tributo, a lei pondera o instrumento que o contribuinte se valeu para fazê-lo: deixou de emitir nota, falta de registro de documentos fiscais em livros fiscais próprios, etc.

Certamente, tais obrigações inadimplidas isoladamente, mesmo que se tenha saldado o tributo, seriam passíveis de penalidade pecuniária, conforme o descrito no art.113, §3º do CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. Mas, quando cumuladas com a multa pelo descumprimento do pagamento do tributo, fazendo parte de sua descrição legal, seria um verdadeiro bis in idem. Se a aplicação do princípio da absorção é efetivação da regra do non bis idem o sistema jurídico admite que a sanção por descumprimento de uma obrigação acessória, que seja elemento descritivo ou circunstância graduadora da multa no inadimplemento do tributo, fique por esta absorvida. No Estado da Bahia já se tem admitido a aplicação do princípio da consunção, nos moldes aqui delineado. Trazemos um julgado administrativo que representa bem a idéia: EMENTA: ICMS. EXCLUSÃO DE MULTA FORMAL. Representação proposta de acordo com o art. 136 § 2º da Lei nº 3956/81 (COTEB). Falta de registro de entradas identificadas através de levantamento quantitativo de estoque. A multa de caráter formal é absorvida pela exigência do imposto. Representação ACOLHIDA. Decisão unânime. RELATÓRIO: Auto de Infração encaminhado para inscrição do débito na Dívida Ativa do Estado após julgamento. A Procuradoria da Fazenda Estadual com fundamento no art. 136 § 2º da Lei nº 3.956/81 (COTEB) propõe exclusão do item 04 do Demonstrativo de Débito constante às fls. 04 do presente PAF uma vez que se trata de exigência de multa formal de 5% relativa à falta de contabilização de entradas apurada através de levantamento quantitativo de estoques penalidade já absorvida pela cobrança do imposto com multa de 70% sobre as operações de saídas omitidas. Após o relato foram prestados maiores esclarecimentos sobre a proposta feita pela PROFAZ tendo na oportunidade lido na íntegra a justificativa apresentada. VOTO:

A Portaria SEFAZ 445/98 que tem o caráter interpretativo no seu art. 143 c/c o Art. 8º estabelece que detectando-se simultaneamente mediante levantamento quantitativo de estoques exercício fechado omissão de saídas e de entradas de mercadorias caso em epígrafe deve ser cobrado a omissão de saídas com multa de 70% não se aplicando a multa formal relativa à não escrituração das entradas sendo esta absorvida pela cobrança do imposto. Assim acompanhando o entendimento da PROFAZ o meu voto é pelo ACOLHIMENTO da presente Representação. RESOLUÇÃO: ACORDAM os membros da 2ª Câmara de Julgamento Fiscal do Conselho de Fazenda Estadual por unanimidade ACOLHER a Representação proposta.15

Ficou claro no acórdão administrativo acima que o motivo da exoneração do pagamento da multa relativa à obrigação acessória é porque esta se encontra absorvida pela multa decorrente do não pagamento do imposto. Não se deve esquecer que a razão de existir da obrigação tributária acessória é a conferência de regularidade do pagamento do tributo, por obvio, o não pagamento deste, por si só, já aponta o ilícito tributário, não se justificando, portanto, a concomitância de multas para o descumprimento da obrigação tributária principal e acessória. Ainda que as obrigações tributárias sejam autônomas, impondo àqueles que a elas se sujeita o seu cumprimento distinto, pagar e fazer, constata-se que a essa característica tem perfeita aplicação para as situações de adimplência ou de causas de exoneração da obrigação tributária principal (imunidade, isenção, não incidência), ou quando a falta tributária se restringe apenas ao não pagamento do tributo.

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PROCESSO - AI Nº 232946.0001/99-8 - RECORRENTE - FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL RECORRIDO - ... - RECURSO - REPRESENTAÇÃO DA PROFAZ - ORIGEM - INFAZ SIMÕES FILHO DOE - 05.04.2000 - 2ª CÂMARA DE JULGAMENTO FISCAL - ACÓRDÃO CJF Nº 0524/00 in http://www.sefaz.ba.gov.br/, acesso em 01.08.2007

Agora, nos casos em que o dever de fazer tributário é descumprido juntamente com o de pagar não se pode falar em exigência autônoma, eis que ambos têm a mesma conseqüência jurídica: só pagar. Lembremos, a multa pelo descumprimento do pagar já considera a do não fazer, pois lhe gradua ou é elemento descritivo, por isso a exigência de multas distintas (uma pelo não pagamento do tributo, outra pela falta no fazer ou não-fazer) se configura bis in idem. Como o ordenamento jurídico brasileiro adota como regra o non bis in idem, principalmente em regras restritivas de liberdades individuais, e assim se enquadra o Direito Tributário, limitador da disposição patrimonial, para as multas impostas no inadimplemento das obrigações tributárias acessórias quando, juntamente, não se paga o tributo, a sanção pecuniária desta falta absorverá a primeira.

5. Referências bibliográficas

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro (atualização: Misabel Abreu Machado Derzi). 11ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal (Parte Geral). Vol. 1. 6ª ed. Saraiva: São Paulo, 2000.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de Direito Tributário. 2ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002.

DELGADO, Maurício Godinho. O Poder No Contrato De Trabalho - Diretivo, Regulamentar, Fiscalizatório, Disciplinar in Síntese Trabalhista nº 95 - MAI/1997)

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ªed. Malheiros:São Paulo, 2001.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal (Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP). vol. 1.13 ª ed. Atlas: São Paulo, 1998.

PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil (Teoria Geral das Obrigações). Vol.II. 20ªed. Forense: Rio de Janeiro. 2004. http://www.maxpages.com/julgados http://www.sefaz.ba.gov.br

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