PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

June 9, 2017 | Autor: Roberto Darós | Categoria: Direito Processual Penal, Direito Penal, Filosofia do Direito
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Princípio nemo tenetur se detegere no Estado Democrático de Direito

PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Revista dos Tribunais | vol. 941/2014 | p. 145 | Mar / 2014 DTR\2014\910 Roberto Antônio Darós Malaquias Mestre em Direito Processual. Especialista em Direito Constitucional UFES. Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal pela Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal. Professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Constitucional. Área do Direito: Constitucional; Penal; Processual Resumo: O princípio nemo tenetur se detegere tem evoluído e conquistado lugar de destaque no sistema jurídico pátrio, passando a ser considerado garantia fundamental do cidadão, atuando como obstáculo ao arbítrio estatal na busca desenfreada da verdade processual para somar resultados positivos de combate ao crime, em detrimento do respeito à dignidade da pessoa humana. Trata-se de princípio com caráter garantista no sentido de resguardar a liberdade e a moral do acusado, protegendo-o contra os abusos e excessos da atividade estatal na persecução penal, resguardando-o de possíveis violências físicas e morais empregadas pelo agente estatal no sentido de fazê-lo cooperar com a investigação criminal e o processo penal. Não existe incompatibilidade entre o princípio nemo tenetur se detegere e a busca da verdade no processo penal. O referido princípio representa o respeito à dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Autoincriminação - Nemo tenetur se detegere - Direito ao silêncio - Ampla defesa Estado Democrático de Direito Abstract: The principle nemo tenetur se detegere has evolved and gained a prominent place in the legal country system, will then be considered a fundamental citizen guarantee, acting as an obstacle to the state agent the frantic search of the truth procedure for adding positive results to combat crime, to the detriment respect for human dignity. It is guaranteed in principle with nature in order to safeguard the freedom and morality of the accused, protecting it against the abuses and excesses of state activity in criminal prosecution, to protect it from possible physical and moral violence employed by the state agent in the sense make it cooperate with the criminal investigation and prosecution. There is no incompatibility between the principle nemo tenetur se detegere and searching for the truth in criminal proceedings. This principle is a respect for human dignity. Keywords: Self Incrimination - Nemo Tenetur se Detegere - Right to Silence - Full Defense Democratic State of Law Sumário: 1.Introdução - 2.Contexto histórico - 3.Devido processo legal - 4.Direito a não autoincriminação 5.Nemo tenetur se detegere no processo civil - 6.Nemo tenetur se detegere no processo penal 7.Privilege against self-incrimination - 8.Considerações finais - 9.Referências 1. Introdução Esta pesquisa aborda o tema princípio nemo tenetur se detegere e o direito ao silêncio, também estudado como o direito de não produzir prova contra si mesmo, situando-o no contexto constitucional e a sua aplicação como direito fundamental no processo penal e todas as nuances originada na investigação criminal. O princípio nemo tenetur se detegere consagrou-se como direito fundamental com o surgimento e a gradativa consolidação do Estado Democrático de Direito, fundamentando-se como importante diretriz principiológica, tendo em vista sua ampla dimensão e abrangência no direito processual penal. Maria Elizabeth Queijo leciona que a manifestação mais tradicional desse princípio, embora não seja a única, é a expressão de direito ao silêncio que somente ocupou posição no modelo acusatório, tendo em vista que o modelo inquisitório compelia o acusado a confessar, sendo considerado objeto da prova. Página 1

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Naquela ocasião, vivia-se o império da barbárie, em que era permitida a utilização de métodos ortodoxos e injustos na obtenção da prova para a obtenção de qualquer tipo de verdade pré-concebida que se pudesse literalmente arrancar do investigado, inclusive e principalmente com a utilização da tortura. Outro marco paradigmático no processo penal foi o direito a constituição de advogado para a análise e desenvolvimento da defesa técnica, viabilizando definitivamente o direito ao silêncio. Assim, o princípio nemo tenetur se detegere conquistou o status de direito fundamental do cidadão para conter a famigerada atividade estatal da busca da verdade no processo penal, em detrimento do respeito à dignidade da pessoa humana. "O estudo do tema desvenda duas tendências existentes no processo penal: de um lado, a vertente garantística, que reconhece o princípio 'nemo tenetur se detegere' e suas várias repercussões no interrogatório e nas provas que dependem da colaboração do acusado. De outro, a vertente que se inclina pelo recrudescimento da persecução penal, com a mitigação dos direitos e garantias individuais. Segundo a última vertente, o direito ao silêncio sobre diversas restrições. A colaboração do acusado na produção das provas passa a ser exigida ou, quando menos, sensivelmente estimulada".1 Prossegue afirmando que uma pesquisa com esse grau de complexidade suscita o debate sobre a predominância do interesse individual do acusado sobre o interesse público e vice-versa. Entretanto, alerta para o fato que a busca da verdade real, sem limites, abriria espaço para a arbitrariedade estatal e a violação de direitos. Todavia, o extremismo da prevalência do interesse individual pode inviabilizar a persecução penal. Outro aspecto de fundamental importância é a questão dos poderes instrutórios do juiz e seus limites relativos a medidas coercitivas contra o acusado visando sua participação na produção das provas. Entretanto, nesse instante da pesquisa, torna-se mais coerente enfocar o princípio nemo tenetur se detegere sob a ótica dos direitos fundamentais e suas aplicações. A análise se amplia sob o constitucionalismo brasileiro e sua receptividade no direito interno, associado à garantia do devido processo legal, da ampla defesa, do direito ao silêncio e da presunção de inocência, numa estreita relação com a tutela da dignidade da pessoa humana. 2. Contexto histórico Há uma certa nebulosidade na identificação exata das origens do princípio nemo tenetur se detegere relativo à antiguidade. Durante o período das civilizações clássicas como Grécia e Roma, admitia-se o emprego da tortura para obtenção de confissões e a delação de cúmplices, sendo, portanto, desconhecida a utilização de tal princípio. Na Idade Média, a tortura no interrogatório era um meio de obtenção da prova plenamente aceitável. Nessa época, o processo inquisitório partia do pressuposto que o acusado era culpado e a confissão adviria com a tortura, tendo em vista que o indivíduo tinha a obrigação de responder, sendo que o interrogatório era o principal meio de obtenção da prova e o direito ao silêncio era algo impensável naqueles "tempos de escuridão". O período de concepção, desenvolvimento e evolução do privilégio que se constituiu contra a autoincriminação é percebido com maior nitidez no direito hebreu, onde se visualizava a ausência de juramento como regra no interrogatório do acusado. João Cláudio Couceiro2 leciona que por volta do século III a.C., o Talmud interpretava a lei no sentido de não se admitir que o acusado fosse forçado a depor contra si mesmo, tendo por fundamento que as severas consequências de uma confissão deviam ser atribuídas exclusivamente a Deus, sendo que, comumente culminava em pena capital. Couceiro afirma também que, no direito pré-clássico, o poder instrutório do magistrado de ouvir testemunhas não sofria qualquer tipo de restrição, admitindo aplicação de pena de flagelo, prisão ou multa ao interrogado que, submetido a juramento, se negasse a responder o que lhe fosse inquirido. Com a chegada do Iluminismo na Idade Moderna, o princípio nemo tenetur se detegere se consolidou, criando limitações ao interrogatório do acusado. Maria Elizabeth Queijo prossegue em sua cátedra afirmando que o Iluminismo trouxe importantes conquistas para a humanidade e,Página nessa 2

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temática, considerava imorais os meios utilizados para se obter uma confissão do acusado. "Nesta época, marcada pela construção e reconhecimento das garantias penais e processuais penais, que nos dias de hoje parecem tão sedimentadas, o princípio 'nemo tenetur se detegere' revela-se como garantia relativa ao resguardo do acusado no interrogatório. Isso decorre do fato de o acusado, nesse período, já não ser visto exclusivamente como objeto da prova. Os iluministas combateram o emprego da tortura e o juramento imposto ao acusado, observando que qualquer declaração autoincriminativa era antinatural. Além disso, consideravam imoral os meios utilizados para fazer com ele falasse, ou seja, confessasse se autoincriminando."3 Prossegue, fazendo referência à grande obra clássica Dei Delitti e Delle Pene, de Cesare Beccaria,4 afirmando que há enorme contradição entre a lei e os sentimentos naturais no juramento de dizer a verdade que se impõe ao acusado. Beccaria sentencia que é impossível o acusado jurar que vai contribuir com sua própria destruição e que o interesse comum segue no sentido de que não se cometam delitos. Entretanto, quando algum fato criminoso ocorre, a punição deve se materializar na proporção do mau que se impôs à sociedade na proporção entre o delito e pena. Com a evolução do pensamento racional, à proporção que foram ampliadas as proteções aos direitos individuais e limitando a voracidade punitiva estatal, gradativamente, o emprego da coação contra o indivíduo no interrogatório foi sendo minimizado até a completa extinção de tais métodos desumanos. Entretanto, persiste até os dias de hoje em alguns sistemas jurídicos de países subdesenvolvidos as consequências negativas da possibilidade de silenciar e que tal atitude seria interpretada em seu prejuízo. Felizmente, a evolução do princípio nemo tenetur se detegere foi gradualmente sendo entendida como uma diretriz contrária à presunção de culpabilidade em desfavor do acusado que se mantivesse calado e exigisse seu direito ao silêncio. No contexto atual, faz-se necessário implementar analise que proporcione visão ampla do sistema jurídico pátrio sob a ótica dos direitos humanos, trazendo o entendimento que se tratam de direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos, daí decorrendo os direitos fundamentais que são àqueles direitos do ser humano, institucionalmente garantidos por um sistema jurídico, limitados num contexto de espaço e tempo. Assim, direitos fundamentais têm nítida concepção positivista, ou seja, são aqueles que o direito positivo tutela e classifica como tais, formalmente especificados na Constituição. Dentre os direitos fundamentais decorrentes da ordem constitucional vigente está o princípio nemo tenetur se detegere, que visa proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado. Asseguram-se os direitos por meio de normas, dividindo-os em princípios e regras. A teoria dos princípios de Ronald Dworkin5 tem uma grande importância na discussão contemporânea, tendo em vista a legitimação interna do sistema jurídico, representando uma evolução para a elaboração do conceito de direito, de sua validade e de seus processos de aplicação. Dworkin traz uma ideia de integridade, inovando com uma doutrina que questiona como deve ser compreendido o direito. Na visão dworkiana, o direito deve ser compreendido como um complexo de normas que tem como peculiaridade o poder de apresentar soluções jurídicas a quaisquer situações de fato, mesmo que tais casos pareçam não estarem regulados diretamente pelo ordenamento jurídico, por isso, sendo exigido que o direito seja visto como um sistema completo. Quando Dworkin analisa esta nova visão integralista do direito, busca explicação em ensinamentos pós-positivistas sobre aquilo que é entendido como normas jurídicas que se subdividem em regras e princípios para tentar alcançar o fundamento de sua sustentação que é a integridade do direito. As teses de Dworkin tem sido objeto de estudo e implementadas na jurisprudência e na doutrina brasileiras, inclusive, tendo conceitos de direito elaborados a partir da constatação de que os juízes não decidem somente com base em regras. O direito não seria um sistema exclusivamente composto de regras, mas um sistema composto de regras e princípios. 3 Portanto, o conceito de direito para Dworkin é composto de duas variáveis distintas que Página são as

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regras6 e os princípios.7 As regras utilizam-se dos fundamentos apontados pelos princípios. Os princípios são normas que merecem um enorme destaque no ordenamento jurídico, tendo em vista que servem de fundamentos norteadores para a correta interpretação e aplicação do direito. Os princípios são como vetores a coordenar o sistema jurídico, não sendo possível uma aplicação direta, tendo em vista que, não possuem uma hipótese de incidência direta que decorresse uma consequência jurídica imediata. Portanto, os princípios seriam uma espécie de diretriz, um fundamento normativo, com o objetivo de alcançar a regra de direito mais adequada a ser aplicada no caso concreto. A proposta inovadora de Dworkin estabelece uma modificação profunda no cenário do estudo das normas jurídicas, promovendo um verdadeiro ataque ao positivismo. Assim, introduz um processo complexo de interpretação judicial para fazer jus à exigência de que somente o fechamento operacional, ou seja, a utilização de técnicas interpretativas adequadas garante a abertura para a cognição, diante do papel do juiz na aplicação do direito. Humberto Ávila8 também traz sua contribuição sobre o estudo evolutivo das normas afirmando que os princípios trazem em si um verdadeiro conteúdo axiológico e se complementariam com o comando das regras, sendo que, os princípios se submeteriam a uma ponderação entre si com a finalidade de determinar qual deles prevaleceria diante de determinado caso concreto. Prossegue afirmando que regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, por intermédio da referida aplicação que se poderá exigir a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e dos fatos. Leciona também que os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, por meio da qual se aplica uma demanda avaliativa de correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como útil à sua promoção. Ávila afirma que, além de regras e princípios, existe uma terceira categoria de normas que são os postulados normativos aplicativos, entendidos como normas imediatamente metódicas que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, relativamente específica, interagindo entre elementos com base em critérios. Entretanto, essa classificação trinaria é pouco utilizada e difundida na doutrina pátria tradicional. 3. Devido processo legal Trata-se de princípio fundamental que dá suporte a diversos outros, mas que não será tratado nesta pesquisa sobre seus aspectos históricos, a fim de não se distanciar do tema principal. Entretanto, é importante estabelecer que o due process of law, foi mencionado pela primeira vez na história da humanidade por intermédio da Magna Charta do Rei João Sem Terra, outorgada no ano de 1215, aos barões ingleses, fundamentados pelo sistema jurídico do common law. Muito particularmente no ordenamento jurídico brasileiro, o referido princípio teve sua tradução fixada como devido processo legal. Entretanto, uma melhor hermenêutica se abstrairia gerando uma compreensão mais ampla se a tradução tivesse sido devida adequação ao direito, tendo em vista que a maioria dos sistemas jurídicos da América Latina são fundamentados pelo civil law, especialmente sob o parâmetro da dimensão substancial. O due process of law é muito significativo para o sistema jurídico americano, sendo preceituado na 5.ª e 14.ª emendas da Constituição dos EUA. José Celso de Mello Filho9 afirma que a referida garantia constitucional se apresenta com amplitude e abrange à citação, o conhecimento do teor da acusação, o direito a um rápido julgamento, ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais, ao procedimento contraditório, a não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto, à plena igualdade entre acusação e defesa, contra medidas ilegais de busca e apreensão, de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas, à assistência judiciária e ao privilege against self-incrimination. Página 4

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A doutrina entende que o devido processo legal é um conjunto de garantias constitucionais que são indispensáveis ao correto e impecável exercício da jurisdição, assegurando às partes seus direitos, faculdades e poderes processuais. Desta forma, o princípio do devido processo legal fundamenta as garantias que objetivam tutelar o próprio processo e consolidar o exercício da jurisdição, além de resguardar o interesse das partes como direitos públicos subjetivos. A visão que se tem desse princípio relativo ao processo, segue no sentido de que se possa entendê-lo muito além de uma concatenação de atos procedimentais tendentes a um provimento judicial, mas que o processo deve ser realizado com as garantias do contraditório e de todas as demais garantias necessárias para que as partes exerçam a plenitude de seus direitos e possam influir no convencimento do magistrado. O princípio do devido processo legal, como ficou conhecido no sistema jurídico pátrio, também considerado e analisado como devida adequação ao direito, finalizou por sedimentar outros importantes princípios: razoabilidade (inspirado no direito norte-americano) e proporcionalidade (oriundo do direito alemão), que serão disponibilizados para a ponderação que se pretende realizar nesta pesquisa, juntamente com o princípio nemo tenetur se detegere e os demais princípios constitucionais. 4. Direito a não autoincriminação A Idade Média foi marcada pelos Tribunais de Inquisição que, com a finalidade de combaterem a heresia contra a Igreja, utilizavam a tortura como forma de obrigar o acusado a responder ao interrogatório e, a maioria das sessões, terminava em confissão ou morte. A confissão era entendida como a expressão da verdade máxima que se poderia obter como resultado de um processo penal e, diante disso, os meios utilizados para atingi-la eram praticamente ilimitados, culminando na total negação do princípio nemo tenetur se detegere. Com o advento do Iluminismo, o acusado deixou de ser visto como meio de prova e a ele foram atribuídas diversas garantias, sedimentadas por intermédio do tempo e, dentre as quais, o direito a não autoincriminação. A Inglaterra contribuiu para a evolução das garantias dos acusados e testemunhas, em período imediatamente posterior, delineando os pontos iniciais para que o referido princípio chegasse à abrangência que possui atualmente. Os ideais ingleses atravessaram o Atlântico e foram ancorar nas colônias norte-americanas que, após a revolução e implantação do Governo Federal, deram lugar às garantias individuais, dentre as quais o privilege against self-incrimination. Os relatos históricos apontam que o mencionado princípio foi transladado para o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas. Diana Helena de Cássia Mármora Zainaghi10 leciona que, em período posterior, a Suprema Corte norte-americana estendeu o alcance do direito a não autoincriminação, inicialmente refletido apenas no direito ao silêncio, assentando que o exercício do referido direito não poderia jamais acarretar prejuízo à defesa do acusado. Assim, planificando o raciocínio é viável situar o princípio nemo tenetur se detegere no cenário atual brasileiro, demanda analisar também as concepções que lhe foram atribuídas com as consequentes mudanças políticas e sociais que lhe exerceram indiscutível influência, sobretudo no período ditatorial que antecedeu a promulgação da Constituição Federal de 1988. O Código Penal (LGL\1940\2), de 07.12.1940 e o Código de Processo Penal (LGL\1941\8), de 03.10.1941, foram concebidos sob a égide da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, motivo pelo qual se torna necessário relembrar o quadro político e social em que se encontrava o Brasil nessa mencionada época. Durante o período monárquico, houve uma preocupação em se retirar a autonomia que as províncias detinham e como consequência disso, o poder se consolidou nas mãos dos senhores locais, haja vista o verdadeiro estado de abandono em que viveu a colônia durante a exploração pela metrópole portuguesa. Página 5

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Segundo leciona José Afonso da Silva,11 nesse período, procurava-se centralizar o poder, retirando qualquer autonomia das mãos dos senhores regionais. Criou-se, para tal fim, a formulação quadripartita de Benjamin Constant, mecanismo que se fundamentou no poder moderador e tinha a chave da centralização política. Tal mecanismo mostrou-se inviável para os liberais, que lutaram contra essa política centralizadora, cujas bases se refletiram nas novas teorias políticas que dominavam a Europa que era o sistema federalista. Prossegue em sua cátedra afirmando que, em 1889 os poderes e a autonomia dos senhores locais foram restaurados com a vitória das forças liberais que promulgaram a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, no ano de 1891, conferindo competências remanescentes aos Estados, possibilitou-lhes garantirem maior autonomia. O poderio das oligarquias contou ainda com a difusão do coronelismo. No ano de 1929, foi rompido o ciclo alternado de manutenção do poder na Presidência da República Federativa do Brasil entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais, acabando com a política do café com leite, onde as forças políticas do Estado de Minas Gerais aliaram-se ao Estado do Rio Grande do Sul para lançar a candidatura de Getúlio Vargas que, como forma de garanti-la, adotou um discurso socialista, propondo medidas de proteção ao trabalhador, às mulheres, às crianças, além de ter prometido também reforma eleitoral e um plano de investimentos econômicos diversificados para implantação de outras culturas além do plantio do café. Mesmo diante da arrojada campanha política de Getúlio Vargas, o vencedor desse pleito eleitoral que ocorreu em 01.03.1930 foi Júlio Prestes. Todavia, em novembro de 1930, Getúlio Vargas, aliado aos revolucionários, assume a Presidência da República de forma indireta após o assassinato de seu vice-candidato, dando início a um novo governo que, conforme leciona Boris Fausto,12 tratou de centralizar em suas mãos, tanto as decisões econômico-financeiras, quanto àquelas de natureza política. Desse modo, passou a arbitrar os diversos interesses em questão que dominavam o cenário político brasileiro. Apesar de ter criado o Ministério do Trabalho, o Ministério da Educação e Saúde, além de estruturar o sistema eleitoral, o governo getulista estabeleceu o papel central do exército, dissolveu o Congresso Nacional e nomeou interventores nos Estados, instituindo outros mecanismos que serviram para sua consolidação no poder. Cedendo às pressões que cercavam o país, Getúlio Vargas determina eleições para a Assembléia Constituinte em 1933, responsável pela promulgação da Constituição de 1934, inspirada no modelo alemão, que o elegeu, por intermédio do voto indireto, com mandato de quatro anos à Presidência da República. Neste período, especialmente em virtude da ascensão do comunismo, Getúlio Vargas exercitou diversos mecanismos de repressão, dentre os quais a criação de um Tribunal de Exceção destinado ao julgamento dos indivíduos que se mostrassem adeptos às ideias de implantação de um governo popular. Nos anos seguintes que serviram de base para a criação dos Códigos Penal e de Processo Penal, sob o fundamento de um levante comunista, as eleições foram suprimidas e Vargas adotou uma política ainda mais autoritária e repressiva, com a promulgação de uma nova Constituição, em 1937. Os comentários de Nelson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso concluem que os pilares do Estado Novo não estavam refletidos na Carta de 1937. Afirmam que, em virtude das continuadas medidas de exceção que mergulhou o país da época, gerou àquela hipertrofia estatal. "A Constituição de 37 não se podia dizer totalitária só porque procurou corrigir certos excessos do individualismo e armar a própria democracia contra os extremismos da direita e da esquerda. A hipertrofia do poder executivo, que se seguiu, não resultou do sistema constitucional de 37, mas, ao contrário, da suspensão dele, em virtude do continuado estado de emergência, que redundou em franca ditadura."13 Trata-se de comentário extremamente tendencioso, tendo em vista a flagrante ideia de totalitarismo da Constituição de 1937, pois apesar de não impor medidas nesse sentido, foi deliberadamente permissiva com tais posicionamentos políticos posteriores. Haja vista, a hermenêutica abstraída dos arts. 96 e 180 da referida Carta Política, que preceituavam a possibilidade do Poder Executivo, juntamente com o Congresso (nessa época, dissolvido), tornar ineficaz a inconstitucionalidade de leis Página 6

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declarada pelo STF e do Presidente da República ter o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias de competência legislativa da União. Além disso, no corpo da Constituição, possibilitava-se ainda que a lei, pautada em interesse social, viesse a estabelecer a pena de morte e a restrição à liberdade de imprensa. Não resta dúvida que foram as ideias do Estado Novo que puseram em prática a supressão de direitos. Mas, o Governo pautou seus atos executivos em exageros liberais garantidos pela Carta de 1937. Assim, são esclarecedoras as lições de Silva14 que, ao analisar o golpe de Estado de 1964, advertindo que o governo tratou de reduzir a autonomia individual, permitindo a suspensão de direitos e garantias constitucionais, o que demonstra claramente ser ela mais autoritária que as Constituições anteriores, com exceção a de 1937. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que prescreve a regra do sistema acusatório, ficou assegurado ao acusado todos os direitos e garantias inerentes ao pleno exercício de sua defesa, principalmente a imparcialidade do órgão julgador, garantindo ao acusado o direito a um julgamento justo, sendo a função acusatória transferida a um órgão independente, o Ministério Público. Deve-se enfatizar também a definição do processo regido pela publicidade, onde o sistema de provas adotado foi o do livre convencimento motivado. Todavia, percebem-se as características basilares do sistema acusatório imperfeito, conforme analisa Paulo Rangel. "O Brasil adota um sistema acusatório que, no nosso modo de ver, não é puro em sua essência. Pois, o inquérito policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade (…) integra os autos do processo, e o juiz, muitas das vezes, pergunta, em audiência, se os fatos que constam do inquérito policial são verdadeiros. (…) Nesse caso, observe o leitor que, o procedimento meramente informativo, inquisitivo e sigiloso, dá o pontapé inicial na atividade jurisdicional à procura da verdade real (…)."15 Apesar da ressalva feita acerca do sistema acusatório, este é sem dúvida considerado um grande avanço frente aos demais sistemas implementados nas vastas legislações penais. Dentro deste modelo acusatório e garantista, surge o princípio nemo tenetur se detegere com reflexos em diversas passagens da Carta Política brasileira, a qual se pode destacar o preceito contido no art. 5.º, LXIII, da CF/1988 (LGL\1988\3),16 que garante ao indivíduo, no ato da prisão, o direito de ser informado sobre seus direitos, inclusive o de permanecer em silêncio, como uma das manifestações do direito à não autoincriminação. Prosseguindo nessa análise, todavia a discussão em torno das diferenças conceituais entre tratado e convenção17 ensejarem uma síntese mais elaborada, será fixado um conceito básico para se prosseguir neste estudo, sem a obrigação de se detalhar o conteúdo semântico das referidas expressões. Pontua-se aqui que tratado é um tipo de acordo formal genérico celebrado entre Estados soberanos e acordo é um ajuste, uma carta de compromisso que convenciona um protocolo de intenções. Assim, o importante é consolidar o entendimento do conteúdo normativo, enfocando as recentes alterações feitas na Constituição Federal de 1988. Leciona Queijo18 que os seguintes tratados guardam importância para este tema: a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948; a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, aprovada na Conferência de São José de Costa Rica em 1969; o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 e a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950. Dentre os tratados acima mencionados, somente o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos foram incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro por meio dos Decretos 592 e 678, respectivamente. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, em seu art. 14, n. 3, letra g, determina expressamente que nenhuma pessoa será obrigada a depor contra si mesma, nem confessar-se culpada. Desta forma, pode-se extrair desse enredo na norma a presença do princípio nemo tenetur se detegere da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos que, em seu art. 8.º, § 2.º, Página letra g, 7

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resguarda à pessoa o direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem se declarar culpada. A eficácia normativa de um tratado ou convenção no ordenamento jurídico brasileiro passa pela complexidade da representação inicial subscrita pelo Presidente da República, nos termos do art. 84, VIII, da CF/1988 (LGL\1988\3).19 Ato contínuo reputa-se necessária sua aprovação pelo Congresso Nacional por intermédio de decreto regulamentar, obedecendo-se, assim, ao disposto pelo art. 49, I, da CF/1988 (LGL\1988\3).20 Prossegue-se com o Presidente da República dispondo sobre a matéria por meio de decreto, encerrando-se o ritual legislativo com a incorporação do tratado ao ordenamento pátrio. Independentemente da clareza na disposição de lei acima mencionada referente à eficácia normativa dos tratados, visualiza-se uma questão nebulosa, tanto para a doutrina quanto na jurisprudência. Além da polêmica sobre a prevalência ou não dos tratados sobre as normas internas, há autores que conferem força constitucional aos tratados incorporados ao nosso ordenamento jurídico, ao passo que outros entendem que os mesmos passam a integrar o sistema como leis ordinárias. Observa-se que, com base no art. 5.º, § 2.º, da CF/1988 (LGL\1988\3),21 que preceitua sobre a não exclusão dos direitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais adotados pelo Brasil, entende que as normas internacionais de direitos fundamentais, quando incorporadas ao direito interno devem possuir o status de norma constitucional. Prossegue argumentando sobre o tema, também entende que deve haver eficácia constitucional aos mencionados tratados. Para a autora, ao se fazer uma exegese sistemática e teleológica não podemos chegar a outra conclusão, sendo que a dignidade da pessoa humana não poderia ser reduzida ao patamar de lei ordinária, pensando desta forma, haveria a existência de hierarquia entre direitos fundamentais: os expressos na Constituição teriam status constitucional e os demais de lei ordinária. Prossegue a autora dizendo que a existência de hierarquia entre os direitos fundamentais repercutiria na própria sistemática legislativa, ou seja, sendo norma constitucional, não poderia sofrer alteração pelo fato de ser cláusula pétrea e, de outro lado, constituindo-se como direito fundamental infraconstitucional, sua alteração se daria por simples manifestação legislativa. Ada Pellegrini Grinover et al, lecionam que o sistema normativo brasileiro é composto também pelas garantias processuais penais da Convenção Americana e possuem o mesmo nível hierárquico dos preceitos constitucionais. "(…) todas as garantias processuais penais da Convenção Americana integram, hoje, o sistema constitucional brasileiro, tendo o mesmo nível hierárquico das normas inscritas na Lei Maior. Isto quer dizer que as garantias constitucionais e as da Convenção Americana (e também do Pacto de Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque) interagem e se completam: e, na hipótese de uma ser mais ampla que outra, prevalecerá a que melhor assegure os direitos fundamentais."22 Alexandre de Moraes afirma que as normas de um tratado possuem força normativa de lei ordinária no direito interno, entendendo que as normas oriundas de tratados internacionais ingressam no ordenamento interno como normas infraconstitucionais e dessa maneira devem ser interpretadas. "As normas previstas nos atos e tratados, (…) quando preveem normas sobre direitos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico como atos normativos infraconstitucionais (…) sendo que Canotilho e Moreira assim concluem: 'as normas de direito internacional público vigoram na ordem interna com a mesma relevância das normas de direito interno, desde logo quanto à subordinação à Constituição – sendo, pois, inconstitucionais se infringirem as normas da Constituição ou seus princípios' (…)."23 O STF possui o entendimento que os tratados e convenções quando incorporados ao direito nacional possuem hierarquia de lei ordinária. A Carta Magna (LGL\1988\3) tem sido alvo de inúmeras alterações por parte do poder constituinte derivado. Nesse passo, a EC 45/2004, acrescentou o § 3.º ao rol do art. 5.º da CF/1988 (LGL\1988\3),24 consolidando esse entendimento ao preceituar que os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que obtiverem a respectiva aprovação por ambas as casas do Congresso Nacional, analisadas em 2 turnos de votação em que participem 3/5 de seus membros, ingressarão no ordenamento jurídico pátrio como emendas constitucionais. O dispositivo constitucional recentemente incluído à Carta Política procura encerrar com as Página 8

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discussões acerca do conteúdo normativo dos tratados e convenções. Portanto, a hierarquia infraconstitucional dos tratados e convenções é a posição que se coaduna com a jurisprudência da Suprema Corte, salvo quando se tratar de direitos humanos e houver votação equivalente ao processo de emenda, quando então terão força constitucional. Ao se analisar o sistema jurídico em perspectiva diferenciada, deduz-se que inserir um rol de direitos na Constituição para não dispor de garantias que deem efetividade aos comandos negativos é atitude impensável e inaceitável. Atualmente se verifica que inúmeros preceitos constitucionais não possuem a efetividade que normalmente deles se esperariam e persistir nesse ato equivocado de transformar a Constituição em mero pedaço de papel que se altera ao sabor das tendências momentâneas é cultivar o perigo da ineficácia normativa. Não adianta dar força normativa constitucional aos tratados e convenções internacionais, caso não se consiga garantir a plena eficácia dos preceitos já previstos na Carta Política. Trata-se de ato perigoso a inserção indiscriminada de direitos individuais no Texto Constitucional criando a falsa sensação de segurança imediatista que advém da inclusão, já que o direito não mais passa a ser uma força viva em movimento e transformação constantes, o que acaba por provocar uma ruptura na credibilidade do sistema, pois o mesmo deixa de adequar as realidades e aspirações sociais. Iure Pedroza Menezes faz um retrospecto analítico sobre os diversos ordenamentos jurídicos internos de Estados soberanos, lecionando que existem alguns ordenamentos jurídicos que estimulam a harmonia com os tratados e acordos internacionais e alguns sistemas chegam ao ponto extremo de dar prevalência desses aos respectivos textos constitucionais. "Há, atualmente, muitas Constituições que pregam a harmonia do direito internacional junto ao direito interno, como exemplo da Espanha e dos Estados Unidos. Há outras que, mais contundentemente, declaram a obediência ao direito internacional, a exemplo da Constituição Francesa de 1946 e alemã de 1949. Esta última, à guisa de exemplo, declara expressamente que os tratados internacionais prevalecerão sobre as leis internas e, em casos específicos, os tratados podem até mesmo modificar o Texto Constitucional."25 Parecem lógicas as conclusões do autor quando analisamos as características do ordenamento interno de certos entes soberanos europeus. Para Alemanha, por exemplo, levando-se em consideração décadas de welfare state, parece óbvio o citado posicionamento. Entretanto, esta é inversamente proporcional à realidade brasileira que ainda sequer experimentou o verdadeiro sentido de um Estado Democrático de Direito, conquistado recentemente pelo país. Ademais, possibilitar a alteração constitucional, por via de tratado ou convenção internacional, seria entregar às comunidades internacionais a manipulação de todas as diretrizes e rumos nacionais. O sistema jurídico brasileiro se posiciona de modo equilibrado, cauteloso e estruturado quanto aos tratados e convenções internacionais, fazendo uso de seus avanços sem atribuir-lhe poder excessivo. É importante enfatizar que, apesar da existência de tratados e convenções internacionais que preceituam o princípio nemo tenetur se detegere, a recepção de tais diretrizes apenas se somariam ao conteúdo dos dispositivos constitucionais na Constituição Federal de 1988 que proíbem a autoincriminação, necessitando que sejam realmente efetivados. 5. Nemo tenetur se detegere no processo civil As aplicações do princípio em estudo no direito processual penal são extremamente claras e as restrições geradas quanto à produção da prova contra si mesmo tem maior aplicabilidade. Entretanto, faz-se necessário uma pequena inserção paralela para demonstrar suas aplicações e consequências no direito processual civil como, por exemplo, a inércia do requerido que vai gerar efeitos previamente estabelecidos. A não exibição de documentos ou coisas quando o requerido os detinha, pretendia provar, mas não o fez no tempo hábil, o magistrado admitirá como verdadeiros os fatos alegados pelo requerente, conforme estabelece o art. 359 do CPC (LGL\1973\5).26 O juiz aplicará a pena de confissão, caso a parte seja intimada para prestar depoimento pessoal e não comparecer ou caso compareça, mas se recuse a depor, que é a admissão sobre a verdade Páginade 9

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um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao seu adversário. É o que preceitua o art. 343, §§ 1.º e 2.º, do CPC (LGL\1973\5)27 e o art. 348 do CPC (LGL\1973\5).28 Se o requerido não apresentar resposta à pretensão deduzida pelo requerente, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo por ele. São os efeitos da revelia, estabelecidos no art. 319 do CPC (LGL\1973\5).29 Existem também as exceções previstas para a recusa à exibição de documentos ou coisas, conforme preceituado no art. 363 do CPC (LGL\1973\5),30 caso haja possibilidade de ofensa a determinados valores. Em se tratando de direitos indisponíveis, não vale os efeitos da confissão contida no art. 351 do CPC (LGL\1973\5)31 e não haverá ocorrência dos efeitos da revelia preceituados no art. 320, II, do CPC (LGL\1973\5).32 A análise racional dos preceitos de lei no processo civil acima mencionados foram necessários para demonstrar o limite que se impõe para o princípio nemo tenetur se detegere, quando em confronto com os demais valores constitucionais, alcançando relevância e destaque especial nas demandas que objetivam a declaração de paternidade, diante da realidade científica contida no método e resultado do exame pericial feito por intermédio do Ácido Desoxirribonucléico (DNA), onde os níveis de falibilidade são insignificantes. Assim, poderá o requerido recusar submeter-se ao exame pericial em demandas desta natureza, invocando o princípio nemo tenetur se detegere? Em questões dessa natureza, haveria um expresso confronto com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que o interesse do filho em conhecer sua verdadeira identidade genética? Nesse caso, qual valor deve preponderar para dirimir o conflito? Preliminarmente poderia se alegar que os arts. 231 e 232 do CC/2002 (LGL\2002\400)33 resolveriam o problema apresentado. Os citados preceitos de lei estabelecem que a recusa a exame médico necessário não poderá ser aproveitada pelo recalcitrante e que a recusa à perícia médica ordenada pelo magistrado poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame. Não obstante as discussões veiculadas sobre a verdade processual, sendo que a hipótese de recusa pode ser suplementada pela decisão com base em presunções. Entretanto, a verdade científica que se extrairia do exame de DNA permitiria ao filho o direito de filiação com base em realidade científica e irrefutável, ao passo que a verdade jurídica apenas garantia a filiação porque a jurisdição disse que assim deve ser feito, fundamentada em mera presunção. O Min. Francisco Rezek, do STJ, analisou essa questão afirmando que a identificação da verdade jurídica com a verdade científica é um confronto que o magistrado deve enfrentar, sendo voto vencido no julgamento do HC 71373-4/RS. Além dele, mais três Ministros: Ilmar Galvão, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, todos entenderam que era lícito ao juiz de 1.ª instância, no ano de 1994, determinar a condução coercitiva do requerido em ação declaratória de paternidade para submetê-lo à coleta de material com vistas à execução do exame pericial de DNA. O acórdão daí emanado é paradigmático e as discussões nele veiculadas representam posições que devem ser melhores analisadas. O Min. Marco Aurélio que atuava como relator do Acórdão em virtude do relator originário ter sido voto vencido fundamentou seu argumento sobre a ofensa ao princípio da legalidade e que a hipótese não é daquelas na qual o interesse público se sobrepõe ao individual como, por exemplo, as vacinações obrigatórias. Tampouco se enquadraria no caso de preservação da vida, quando a jurisdição se defronta com aquela situação em que convicções religiosas ortodoxas conduzem a perda da racionalidade e proíbe a equipe médica de executar transfusão de sangue ou qualquer outra atividade de salvamento, submetendo à risco de vida o paciente sob sua guarda e cuidados. Haveria ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista a intangibilidade do corpo. Assim, retornado ao início do exemplo acima referido, qual direito deve preponderar? O direito do filho em definir cientificamente sua filiação ou o direito do requerido à sua intangibilidade física. A decisão e consolidação do acórdão seguiu no sentido de estabelecer que a recusa atenta contra o art. 339 do CPC (LGL\1973\5)34 e o art. 27 da Lei 8.069/1990,35 sendo o reconhecimento do estado de filiação um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. Na síntese do acórdão, o Ministro relator cita passagem do parecer do Subprocurador-Geral Cláudio Fontes, no qual consta raciocínio que demonstrando a diferença assinalada ao processo penal onde Página 10

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o conflito se põe entre a sociedade e o indivíduo no sentido de privá-lo da liberdade. Nesse caso, ninguém será obrigado a autoincriminação. Entretanto, na ação declaratória de paternidade, o conflito se coloca entre o filho investigante e o pai investigado para se estabelecer o vínculo familiar, e nesse caso, ninguém pode se eximir à colaboração na definição desse vínculo. É bastante esclarecedor o trecho do voto do Min. Ilmar Galvão, in verbis, sobre o assunto debatido, demonstrando que o interesse de ordem pública contido no pedido do suposto filho supera o interesse individual do pai omisso. "Trata-se de interesse que ultrapassa os limites estritos da patrimonialidade, possuindo nítida conotação de ordem pública, aspecto suficiente para suplantar, em favor do pretenso filho, o egoístico direito à recusa, fundado na incolumidade física, no caso, afetada em proporção ridícula." Estas são as ponderações que servem apenas de apoio para reflexão das implicações do princípio nemo tenetur se detegere no campo do direito processual civil. Tem como pretensão trazer à discussão a aplicabilidade das regras e princípios constitucionais ao caso concreto, em detrimento de uma discussão meramente teórica, com abstração dos valores que influenciam a sociedade, buscando-se, consequentemente, uma coerência que traga a devida legitimidade à jurisdição. 6. Nemo tenetur se detegere no processo penal A produção da prova em quaisquer das áreas específicas do direito, enseja sempre a geração de um conflito de valores. No campo do direito penal, tem-se o clássico e antigo duelo entre o direito de punir do Estado (ius puniendi) e o direito de defesa do acusado. A análise desta pesquisa segue no caminho de buscar um novo modelo de processo penal, onde o direito à não autoincriminação seja interpretado de forma a garantir os direitos do cidadão sem tornar o processo penal inócuo, posto que muitos delitos demonstram serem de alta complexidade e, portanto, de difícil elucidação, diante de um sistema de segurança despreparado para assumir tal encargo principalmente se vislumbrada a inexistência do voluntarismo testemunhal ou a necessidade de colaboração do réu ou do investigado. O problema maior se situa nos casos em que o órgão acusador necessita de entrar na esfera de privacidade e dignidade do réu, bem como nos casos em que se faz necessária sua participação ativa. A participação do réu na produção de prova contrária ao seu interesse somente pode ocorrer em casos excepcionalíssimos, devendo conter expressa previsão legal e inexistir risco de afetação dos direitos fundamentais da mencionada pessoa. Trata-se de conhecimento comum o fato de o ônus da prova no processo penal ser exclusivo do órgão acusador, diante da existência do princípio da presunção de inocência. A evolução social sedimentou que atualmente se vive um completo estado de inocência. Assim, ao Ministério Público ou ao querelante cabe fornecer elementos de convicção ao juiz. As lições de Beccaria36 ilustram essa temática desde o século XVIII, onde já de discutia a contradição existente entre a exigência de dizer a verdade imposta pela lei e os sentimentos instintivos de defesa e proteção da liberdade pelo indivíduo. Beccaria afirma que a busca exagerada da verdade que objetiva exclusivamente a pena jamais terá o condão de desfazer o delito consumado. É necessário que haja um moderador dos atos passionais particulares e do inútil instrumento de fúria estatal e do fanatismo débil de todo tirano. A pena não pode ser um instrumento de crueldade ou tortura do infrator, mas deve ter como fim impedir que novos delitos sejam cometidos e demover a ideia do crime da mente dos demais cidadãos. O princípio nemo tenetur se detegere se fortalece diante dos demais princípios constitucionais na esfera penal. A Constituição Federal de 1988 resguardou esse mencionado princípio que ganha base por intermédio dos demais princípios: devido processo legal, da inocência e da ampla defesa, além de sua expressa incorporação ao Texto Constitucional por meio da homologação do Pacto de São José da Costa Rica. Desta forma, a seguir serão implementadas as análises que demonstrarão alguns pontos onde o princípio nemo tenetur se detegere gerou reflexos relevantes no processo penal brasileiro, dando especial destaque para o interrogatório, sendo este o tema onde mais se expressa a sua aplicação na persecução criminal brasileira. Página 11

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6.1 Interrogatório O direito ao silêncio é a manifestação mais evidente do princípio nemo tenetur se detegere no processo penal, ganhando expressividade por ocasião do interrogatório. A primeira confusão feita é a de igualar o princípio em estudo ao direito ao silêncio. Trata-se de enorme equívoco porque a significação do referido princípio é muito mais ampla. A questão sobre o direito ao silêncio por parte do réu indica apenas uma das vertentes do princípio do nemo tenetur se detegere. O modelo acusatório foi se estruturando nos sistemas jurídicos sem permitir ou reconhecer o direito ao silêncio, tendo em vista que o acusado era obrigado a falar, mesmo que fosse necessária a utilização da tortura. O objetivo principal centralizava-se na descoberta da verdade que viria com uma confissão voluntária ou por intermédio de violação da integridade física, da liberdade moral e do constrangimento do acusado. O processo penal dependia da "verdade arrancada à força" do acusado que ficava submetido a mero objeto de prova, facilmente manipulável nos sistemas autoritários e tiranos. Além do inquisidor não reconhecer o direito ao silêncio, o acusado era obrigado a falar e confessar, pois somente ele detinha a verdade real. A regra era a autoincriminação, sendo a confissão considerada como a mais convincente das provas. O acusado jamais poderia silenciar porque o processo inquisitório da Idade Média exigia uma confissão e partia do pressuposto que a culpabilidade seria plenamente demonstrada por intermédio da tortura. Como o advento do modelo acusatório no processo penal, inicia-se um período de crescente civilidade com a evolução que trouxe a prescindibilidade do conhecimento do acusado, deixando de tratá-lo como objeto de prova. A partir daí, foi reconhecido o direito ao silêncio dentro de um contexto mais amplo que começou a sedimentar o privilege against self-incrimination, representando um dos grandes avanços e conquista insofismável da sociedade mundial. A natureza jurídica do interrogatório permite que se identifiquem as consequências na aplicação do princípio nemo tenetur se detegere dentro de um ordenamento jurídico. O interrogatório pode possuir a natureza de meio de prova e nesse caso o acusado não possuir o direito ao silêncio, característica do modelo inquisitório. Quando o interrogatório é considerado meio de defesa, emerge a faculdade que tem o acusado de responder àquelas perguntas formuladas ou simplesmente silenciar. A ele é atribuído o direito de contribuir ou não com informações para o processo no qual é acusado. No ordenamento jurídico brasileiro, o interrogatório passou por severas modificações com o advento da Lei 10.792, de 01.12.2003, que alterou o teor do art. 186 do CPP (LGL\1941\8).37 Anteriormente esse preceito de lei criava obrigação do acusado responder as perguntas formuladas em interrogatório, sob pena de o seu silêncio ser interpretado em prejuízo da defesa. Portanto, não era comportado o direito ao silêncio. Com a modificação trazida pela lei posterior, a partir de 2003, o sistema processual penal incorporou expressamente o princípio nemo tenetur se detegere, garantindo aos acusados em geral, o direito ao silêncio e toda amplitude conceitual que se fundamenta no princípio a não autoincriminação. A herança tirânica e autoritária no direito brasileiro ainda guarda suas marcas e se encontra em processo de consolidação as garantias decorrentes do princípio nemo tenetur se detegere e sua expressão mais direta que é o direito ao silêncio como fundamentação de um processo liberal e justo. Quando o acusado prefere silenciar durante o interrogatório, a única consequência admissível é a sua não apresentação da versão dos fatos que deixa de utilizar o momento oportuno para colimar dados que eventualmente poderia beneficiar a sua defesa. Entretanto, é inadmissível que tal atitude de silenciar seja utilizada em seu desprestigio e conclua por uma confissão ficta como se fazia num passado ainda bastante latente. Não se pode interpretar o silêncio como indício de culpabilidade e tampouco o magistrado permitir-se ao exercício de constranger, induzir ou autodeterminar o acusado para que responda às suas perguntas. Desta forma, as modificações que se verificaram no interrogatório o transformaram em meio de defesa, deixando de ser um meio de prova que se consolidava como ato privativo do juiz. Assim, Página 12a

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revogação tácita do art. 198 do CPP (LGL\1941\8)38 é voz unânime na doutrina brasileira. Outro enfoque interessante recai sobre o silêncio parcial. Bem sabemos que o silêncio total do réu não pode refletir negativamente, contudo, será que a abstenção em responder apenas certas perguntas pode ter tal repercussão? Obviamente que a resposta é afirmativa. Observe que se o réu opta por algumas perguntas e prefere excluir outros questionamentos, demonstra inconsistência em sua defesa. Além disso, trata-se de conhecimento recorrente o fato de o juiz possuir habilidades intelectivas suficientes para avaliar a coerência e idoneidade de um depoimento, os quais fatalmente demonstrar-se-ão prejudicados quanto ao fato de ocorrência do silêncio parcial. O direito ao silêncio inclusive traz repercussões sobre o procedimento de inquirição do réu ou indiciado, sobe pena de ilicitude da prova. Nesse sentido, a jurisprudência tem pacificado a necessidade de que o réu seja efetivamente alertado do seu direito de ficar em silêncio pela autoridade responsável. Nesse sentido, transcrevemos parte do acórdão em julgamento pelo STF do HC 80.949/RJ: "4. O privilégio contra a autoincriminação – nemo tenetur se detegere –, erigido em garantia fundamental pela Constituição – além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 Código de Processo Penal (LGL\1941\8) – importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência – e da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em 'conversa informal' gravada, clandestinamente ou não."39 É importante ressaltar que o direito ao silêncio não é garantido apenas ao réu. Em certos casos a jurisprudência tem admitido que o silêncio também pode ser importante para as testemunhas, em caso de haverem fatos que venham a incriminá-las. Assim decidiu o STJ: "Habeas corpus. Direito processual penal. Crime de licitação. Testemunha. Direito constitucional à não autoincriminação. Ordem concedida. 1. O art. 5.º, LXIII, da Constituição da República (LGL\1988\3), corolário do princípio nemo tenetur se detegere, que preceitua que o '(…) preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado', há de ser estendido aos casos em que as testemunhas são arroladas pelo Ministério Público por função de condutas descritas na denúncia, postas em relação com os crimes imputados. 2. As testemunhas têm o direito de permanecer em silêncio relativamente a pergunta cuja resposta importe em autoincriminação. Precedentes. 3. Ordem concedida."40 Desta forma, a colaboração trazida pela presente análise do interrogatório cinge-se ao direito ao silêncio, contudo este não se confunde com o princípio do nemo tenetur se detegere. Assim, é plenamente possível a esse tempo da análise, preceituar a diferença entre o princípio da não autoincriminação e o direito de permanecer calado. Basicamente, o princípio da não autoincriminação é mais amplo e abrange o direito ao silêncio no interrogatório, ou seja, a pessoa acusada criminalmente tem o direito de se esquivar de perguntas que podem levá-la à confissão do crime. O direito de não participar da formação de sua própria culpa irradia, portanto, no direito ao silêncio a sua expressão máxima dentro do interrogatório. Todavia, como será analisado posteriormente, a abstenção do réu não se limita às hipóteses de interrogatório, mas também às outras espécies de provas. Assim, diante de todos os parâmetros expostos, fica evidente o raciocínio conclusivo de que o direito ao silêncio, expressão do princípio nemo tenetur se detegere no interrogatório, decorre também diretamente do princípio da ampla defesa, sendo hoje inabalável sua aceitação até para os operadores do direito mais ortodoxos e menos garantistas. Página 13

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6.2 Intervenções corporais Entretanto, antes de se analisarem algumas considerações mais concretas sobre as intervenções corporais e o princípio da não autoincriminação, ressalto que o posicionamento da Corte Constitucional pátria é de total inadmissibilidade de tais provas. Fácil é conceber que, por decorrência lógica do princípio nemo tenetur se detegere, ninguém pode se ver obrigado à contribuir com a reprodução simulada de que fala o art. 7.º do CPP (LGL\1941\8). A conclusão é clara também sobre a não obrigatoriedade de participação na diligência chamada de "reconhecimento de pessoas", trazida pelo CPP (LGL\1941\8) no art. 226 e ss. Em ambas as hipóteses, exigem-se um comportamento ativo do acusado e, como se tem visto, é inadmissível tal prática processual obrigatória no ordenamento pátrio, diante da assimilação do princípio da não autoincriminação. Leciona também Pacelli41 que, por decorrência do direito ao silêncio e do direito à não autoincriminação, assim como em respeito às garantias sobre intimidade, privacidade, dignidade e estado de inocência, o réu jamais poderá ser obrigado a participar da chamada "reconstituição do crime" do art. 7.º do CPP (LGL\1941\8). Tal conclusão do autor decorre do constrangimento que é inerente a esse referido meio de prova, principalmente quando o acusado é submetido a constrangimentos e exposição arbitrária à execração pública. Também alcança destaque especial a prova pericial, principalmente quanto à forma de extração de carga genética, em que diversas vezes se suscitem o direito à intimidade e dignidade da pessoa humana, à vista de evitar a exploração do corpo do réu. José Barcellos de Souza,42 comparando o direito à não autoincriminação ao instituto anglo-saxão do privilege against self-incrimination, sobre o ponto complementa: "De sua vez, o 'privilege against self-incrimination' (direito de não se autoincriminar), consagrado já em 1791 na 5.ª Emenda da Constituição americana, ainda hoje protege nos Estados Unidos apenas o direito de permanecer calado, objetivo restrito com que ali surgiu, e não atua, por exemplo, para evitar a extração de sangue."43 Prossegue em suas lições, acrescentando que na Alemanha se permite a coação para a coleta de sangue, desde que por médico, em hospital. Entretanto, na Espanha e em Portugal penalizam como crime de desobediência quem se nega a fazer exame. 6.3 Etilômetro O etilômetro, popularmente conhecido como "bafômetro", é o aparelho capaz de medir o grau de álcool etílico do sangue, representando hoje um forte meio de obtenção de prova especialmente nos crimes de trânsito. A análise preliminar sobre esse tema indica que o art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro (LGL\1997\90),44 modificado pela Lei 11.275/2006, dá o respaldo legal para a realização do teste com o etilômetro. Desde 1997 o Código de Trânsito Brasileiro (LGL\1997\90) reconheceu a utilização do etilômetro para fins de medição de alcoolemia, devidamente regulamentada pela Res. Contran 52/1998. É certo que o próprio Código admite atualmente a hipótese de o motorista se recusar a se submeter ao exame, casos em que a autoridade policial estará então autorizada a atestar os "notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes" (art. 277, § 2.º). Em estudo sobre o tema, José Barcelos de Souza ressalta que é descabida a argumentação de que a prova pericial deixa de ser fundamental quando se vislumbra a possibilidade de outras provas para substituí-la, eis que dificilmente se conseguirá uma prova igualmente robusta.45 A este fato se junta o argumento de que o exame do etilômetro é um procedimento não invasivo, no qual apenas se exige um sopro. Assim, por mais que se queira proteger o direito a não autoincriminação, bem sabemos que para isso é preciso que se constate a violação de algum direito fundamental. Ainda no dizer de José Barcelos de Souza,46 leciona o referido jurista que o prejuízo na Página 14

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obtenção de provas, respeitados os direitos fundamentais, terá como consequência desastrosa o favorecimento da impunidade. 6.4 Exame grafotécnico Outro ponto que merece rápido destaque é o exame grafotécnico. Sobre o tema, já se posicionou o STF pela impossibilidade de compelir o acusado à colaborar com a produção do exame, conforme preceitua a ementa, a seguir transcrita: "Ementa: Habeas corpus. Crime de desobediência. Recusa a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para exames periciais, visando a instruir procedimento investigatório do crime de falsificação de documento. Nemo tenetur se detegere. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inc. IV do art. 174 do Código de Processo Penal (LGL\1941\8) há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a autoincriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa."47 O exame grafotécnico significa a coleta de material gráfico do acusado, exigindo a cooperação do acusado escrevendo palavras que serão objeto de exame ou reconhecendo sua autoria em algum escrito. O procedimento do exame grafotécnico está devidamente previsto no art. 174 do CPP (LGL\1941\8), permitindo que a autoridade requisite documentos que existirem em arquivos ou estabelecimentos públicos. Trata-se de questão ainda muito debatida, eis que, em princípio, igualmente não se vislumbra qualquer violação de direito fundamental, a despeito do posicionamento da Corte Constitucional pátria. 7. Privilege against self-incrimination A fonte primária de pesquisa para esse tema foi fundamentada na clássica obra estrangeira The Privilege Against Self-Incrimination,48 donde foram extraídas as preciosas lições que indicam a origem do instituto da não autoincriminação no sistema anglo-saxão. Diferentemente do termo em latim que aqui foi utilizado (nemo tenetur se detegere), observa-se que o direito anglo-saxão faz menção à expressão nemo tenetur prodere seipsum, sendo rotineiramente chamado apenas de privilege. Sabe-se que, em estudo do direito inglês da Idade medieval, existem demonstrações de que o princípio teve suas origens no chamado ius commune, termo utilizado para designar a justiça comum proveniente do direito romano e direito canônico. Desde então já se constatava que os juristas tinham a noção de que os acusados não podiam ser requisitados para servir de produtores das provas para sua própria condenação, sendo que o Estado poderia apenas exigir tal contribuição quando houvesse boas razões de suspeita sobre os mesmos. Já na era moderna, a Inglaterra experimentava um estatuto outorgado em 1640 que passou a não exigir a prestação de juramento pelos acusados quando da oitiva em interrogatório. Esse gesto foi considerado um grande avanço para o emergente instituto. Contudo, foi somente no século XVIII que o privilege ganhou efetivo desenvolvimento, mais especificamente com o reconhecimento da possibilidade de participação de advogados na defesa dos réus. Até então os acusados na área criminal não tinham direito a advogado e somente era permitida a autodefesa. Ao desenvolvimento inglês do instituto veio se juntar a colaboração da Justiça norte-americana. Ressalta-se, por antecipação, a manifestação expressa do instituto na 5.ª Emenda da Constituição norte-americana (1791), bem como em quase a totalidade das Constituições estaduais daquele país. A efetivação prática do princípio nemo tenetur se detegere, em ambos os países, só ocorreu no século XIX, por ocasião da migração de uma série de regras e modificações legislativas. A partir daí, no início dessa nova fase social, pode-se perceber a aplicação cotidiana dos direitos dos réus, assim como os já reconhecidos para as testemunhas. O instituto foi alvo de críticas ferrenhas por parte de renomados juristas, tendo como destaque o Página 15

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ilustre Jeremy Bentham, dentre tantos outros. O famoso escritor se posicionava radicalmente contra o privilege, chegando a chamá-lo de "produto de um preconceito irracional" que afastava a busca da verdade, chegando até mesmo a considerar o princípio como um "argumento totalmente falacioso da história". Por fim, a obra destaca que houve uma modificação no estatuto legal inglês em 1994 para permitir que juízes e jurados façam such inferences as appear proper (algumas inferências que acharem apropriadas), por ocasião da ausência do réu no momento do interrogatório. Entretanto, tal prerrogativa foi vista com preconceito e causou preocupação aos juristas ortodoxos daquela época. As análises de Pacelli49 trouxeram também importante enlevo contido no direito anglo-saxão sobre a impossibilidade de silêncio parcial, ou seja, o réu adquiriu o direito de não ser interrogado e manter em completo silêncio ou teria que responder, caso contrário, a todas as perguntas que lhe fossem formuladas. Prossegue lecionando que no sistema anglo-saxão não existe o interrogatório nos moldes do sistema brasileiro. Naquele citado sistema, quando o réu decide prestar seu depoimento espontaneamente, é imediatamente ouvido na condição de testemunha e sob o compromisso de dizer a verdade, sob pena de perjúrio. Essas são algumas contribuições do direito anglo-saxão que ajudaram a fundamentar a origem do denominado princípio da não autoincriminação. 8. Considerações finais O princípio nemo tenetur se detegere tem evoluído e conquistado lugar de destaque no sistema jurídico brasileiro, passando a ser considerado direito do cidadão que atua como obstáculo ao arbítrio estatal, limitando-o na busca da verdade processual, atuando como medida de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, consolidando-se como direito fundamental no Estado Democrático de Direito. Trata-se de princípio com caráter garantista no sentido de resguardar a liberdade e a moral do acusado, protegendo o indivíduo contra os abusos e excessos da atividade estatal na persecução penal, resguardando o indivíduo de possíveis violências físicas e morais empregadas pelo agente do Estado no sentido de fazê-lo cooperar com a investigação criminal e o processo penal que visa apurar e punir o infrator. Não existe incompatibilidade entre o princípio nemo tenetur se detegere e a busca da verdade no processo penal. Tal princípio representa o respeito à dignidade da pessoa humana e em tudo se harmoniza com a persecução penal dentro dos parâmetros da legalidade e da ética. O princípio nemo tenetur se detegere tem sua fundamentação no sistema jurídico pátrio com a incorporação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos , refletido no preceito do art. 5.º, § 2.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), adquirindo o status de direito fundamental, o que lhe garante a solidez e não pode ser suprimido por emenda constitucional. A expressividade desse preceito se mostra também por intermédio das garantias do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência, conforme consta no art. 5.º, LIV, LV e LVII, da CF/1988 (LGL\1988\3). Vale ressaltar que o direito ao silêncio se apresenta como decorrência do mencionado princípio, tendo sua previsão expressa no art. 5.º, LXIII, da CF/1988 (LGL\1988\3). Portanto, a recusa em prestar declarações ou informações é legítima e fundamentada no princípio nemo tenetur se detegere, decorrendo daí o direito ao silêncio, a vedação de determinadas técnicas e métodos de interrogatório, a inexistência do dever de dizer a verdade e a inexistência do dever de comparecimento, configurando-se como interesse público na apuração dos delitos que deve se harmonizar com a persecução penal, a proteção e o respeito à dignidade da pessoa humana. 9. Referências Ávila, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2003. Beccaria, Cesare. Dei delitti e delle pene. 16. ed. Milano: Feltrinelli, 2010. Couceiro, João Cláudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. RT, 2004. Darós Malaquias, Roberto Antônio. A função social do processo no Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2010. Página 16

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De Souza, José Barcellos. Recursos, artigos e outros escritos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Dworkin, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Fausto, Boris. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: USP, 2004. Grinover, Ada Pellegrini; Fernandes, Antônio Scarance; Gomes Filho, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2004. Helmholz, R. H. et al. The privilege against self incrimination: its origins and development. Chicago: Universidade de Chicago, 1997. Hungria, Nelson; Fragoso, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal (LGL\1940\2). 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. Mello Filho, José Celso de. A tutela judicial da liberdade. São Paulo: Ed. RT, 1979. Menezes, Iure Pedroza. Os tratados internacionais e o direito interno dos Estados. Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 48. p. 302. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2004. Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. Oliveira, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. Queijo, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003. Rangel, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. Zainaghi, Diana Helena de Cássia Mármora. O direito ao silêncio: evolução histórica: do talmud aos pactos e declarações internacionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. vol. 48. p. 133. São Paulo: Ed. RT, jul.-set. 2004.

1 Queijo, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 2. 2 Couceiro, João Cláudio. A garantia constitucional do direito ao silêncio. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 29. 3 Queijo, Maria Elizabeth. Op. cit., p. 8. 4 "Non solamente è interesse comune che non si comettano delitti, ma che siano più rari a proporzione del male che arrecano alla società. Duque più forti debbono essere gli ostacoli che risospingono gli uomini dai delitti a misura che sono contrari al bem pubblico, ed a misura delle spinte che gli portano ai delitti. Dunque vi deve essere uma proporzione fra i delitti e le pene. È impossibile di prevenire tutti i disordini nell'universal combattimento delle passioni umane. Essi crescochiamento degl'interessi particolari che non è possibile dirigire geometricamente alla pubblica utilità. All'esatezza matemática bisogna sostituire nell'aritmetica política il calcolo delle probabilità. 'Si getti uno sguardo sulle storie e si vedranno crescere i disordini coi confini degl'imperi, e, scemando nell'istessa proporzione il sentimento nazionale, la spinta verso i delitti cresce in ragione dell'interesse che ciascuno prende ai disordini medesimi: perciò la necessita di aggravare le pene si va per questo motivo sempre più aumentando'." Beccaria, Cesare. Dei delitti e delle pene. 16. ed. Milano: Feltrinelli, 2010. p. 44. 5 Dworkin, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 271. 6 As regras são normas válidas ou inválidas apenas pelo fato de estarem de acordo ou não com a 17 Página

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norma de reconhecimento que Dworkin chama de teste de pedigree. 7 Os princípios não obtêm sua validade pela recondução a uma norma fundamental ou a uma norma de reconhecimento, mas é retirado da praxis do tribunal ou de um conjunto de regras e tem sua validade declarada no caso concreto e somente nesta instância poderá ter também o seu peso avaliado. 8 Ávila, Humberto. Teoria dos princípios. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 26-31. 9 Mello Filho, José Celso de. A tutela judicial da liberdade. São Paulo: Ed. RT, 1979. p. 291-302. 10 Zainaghi, Diana Helena de Cássia Mármora. O direito ao silêncio: evolução histórica: do talmud aos pactos e declarações internacionais.RDCI 48/144-145. 11 Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 75. 12 Fausto, Boris. História do Brasil. 12. ed. São Paulo: USP, 2004. p. 327. 13 Hungria, Nelson; Fragoso, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal (LGL\1940\2). 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1977. vol. 1, p. 41. 14 Silva, José Afonso da. Op. cit., p. 87. 15 Rangel, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público: visão crítica. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 198. 16 "Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado." 17 Menezes, Iure Pedroza. Os tratados internacionais e o direito interno dos Estados.RDCI 48/303. 18 Queijo, Maria Elizabeth. Op. cit., p. 26. 19 "Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…) VIII – celebrar tratados, convenções, atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional." 20 "Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (…) I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional." 21 "§ 2.º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." 22 Grinover, Ada Pellegrini; Fernandes, Antônio Scarance; Gomes Filho, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 76. 23 Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 591. 24 "§ 3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (incluído pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)." 25 Menezes, Iure Pedroza. Op. cit., p. 318. Página 18

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26 "Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar: I – se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357; II – se a recusa for havida por ilegítima." 27 "Art. 343. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento. § 1.º A parte será intimada pessoalmente, constando do mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor. § 2.º Se a parte intimada não comparecer, ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão." 28 "Art. 348. Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial." 29 "Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor." 30 "Art. 363. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa: I – se concernente a negócios da própria vida da família; II – se a sua apresentação puder violar dever de honra; III – se a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consangüíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal; IV – se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo; V – se subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição. Parágrafo único. Se os motivos de que tratam os ns. I a V disserem respeito só a uma parte do conteúdo do documento, da outra se extrairá uma suma para ser apresentada em juízo." 31 "Art. 351. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis." 32 "Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente: I – se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação; II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato." 33 "Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame." 34 "Art. 339. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade." 35 "Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça." 36 "Dalla semplice considerazione delle verità fin qui esposte egli è evidente che il fine delle pene non è di tormentare ed affliggere um essere sensibile ne di disfare um delitto già commesso. Può egli in um corpo político, che ben lungi di agire per passione, è il tranquillo moderatore delle passioni particolari, può egli albergare questa inutile crudeltà stromento del furore e del fanatismo o dei deboli tiranni? Le strida di um infelice richiamano forse dal tempo che non ritorna le azionegià consumate? Il fine dunque non è altro che d'impedire il reo dal far nuovi danni ai suoi cittadini e di rimuovere gli altri dal farne uguali. Quelle pene dunque e quel método d'infliggerle deve esser prescelto che, serbata la proporzione, fará uma impressione più efficace e più durevole sugli animi degli uomini, e la meno tormentosa sul corpo del reo." Beccaria, Cesare. Op. cit., p. 54. 37 "Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa." Página 19

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38 "Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz." 39 STF, HC 80.949/RJ, 1.ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2001. 40 STJ, HC 57.420/BA, 6.ª T., rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 15.05.2006. 41 Oliveira, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 19. 42 De Souza, José Barcellos. Recursos, artigos e outros escritos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 145. 43 Oliveira, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 19. 44 "Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado." 45 De Souza, José Barcellos. Op. cit., p. 142. 46 Idem, ibidem. 47 STF, HC 77.135/SP, 1.ª T., rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.11.1998. 48 Helmholz, R. H. et al. The privilege against self incrimination: its origins and development. Chicago: Universidade de Chicago, 1997. 49 Oliveira, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 313.

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