Prioridade Absoluta das Crianças diante da Publicidade

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Descrição do Produto

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Direito

Corinne Sciortino

Prioridade absoluta das crianças diante da publicidade

Rio de Janeiro 2015

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Corinne Sciortino

Prioridade absoluta das crianças diante da publicidade

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof.ª Dra. Milena Donato Oliva

Rio de Janeiro 2015

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CCS/C

S417p Sciortino, Corinne. Prioridade absoluta das crianças diante da publicidade / Corinne Sciortino. - 2015. 95f. Orientador: Prof. Drª. Milena Donato Oliva. “Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito”. 1.Direito do consumidor. 2.Brasil. [Estatuto da criança e do adolescente (1990)]. I. Oliva, Milena Donato. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Direito. III. Título. CDU 343.121.5  

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta monografia, desde que citada a fonte. _______________________________________ Assinatura

_____________________ Data

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Corinne Sciortino

Prioridade absoluta das crianças diante da publicidade

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em ____ de dezembro de 2015. Banca Examinadora: _________________________________________ Prof.ª Dra. Milena Donato Oliva (Orientadora) Faculdade de Direito da UERJ _________________________________________ Prof. Eduardo Nunes de Souza CEPED-UERJ _________________________________________ Prof.ª Dra. Paula Greco Bandeira CEPED-UERJ

Rio de Janeiro 2015

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha mãe, Rita, minha maior inspiração na busca de um mundo que respeite plenamente a infância.

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AGRADECIMENTOS

A Milena, orientadora querida e professora que admiro, pois sem a sua atenção e gentileza não teria conseguido finalizar este trabalho. A minha mãe, Rita, que me inspira com o tema de proteção da infância desde pequena e cujo amor transborda todos os limites. Ao meu pai, Salvatore, que mesmo de longe sempre escuta minhas reflexões, contribuindo com muito amor e sabedoria. Ao meu irmão, Gabri, cuja espiritualidade é a minha fonte de tranquilidade. Ao meu namorado, Alan, sempre paciente e companheiro, que incentiva a superar-me diariamente e alcançar os meus maiores objetivos, dando-me apoio incondicional para vencer todos os meus desafios. A minha amiga, Deborah, que, presente em todos os passos que dei na faculdade, não hesitou em me escutar e aconselhar durante toda a elaboração deste trabalho, e as minhas amigas, Yasmin, Julia, Raissa e Carol, que tornaram os anos na UERJ muito mais fáceis e divertidos.

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RESUMO

SCIORTINO, Corinne. Prioridade absoluta das crianças diante da publicidade. 2015. 95 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

Considerando a vulnerabilidade agravada das crianças dentro do contexto da sociedade de consumo atual, este estudo pretende ser uma contribuição para o debate sobre os efeitos da publicidade dirigida à infância. A publicidade impõe uma lógica de consumo e busca a obtenção de lucro, não tendo as crianças, seres hipervulneráveis ainda em processo de desenvolvimento, a capacidade de se protegerem sozinhas de seus apelos mercadológicos. A proteção dos direitos da criança merece prioridade absoluta ante a publicidade, a fim de respeitar o status especial conferido a esses direitos pela Constituição da República, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e por outros diversos documentos internacionais, em especial, a Convenção sobre os Direitos da Criança. Palavras-chave: Publicidade. Vulnerabilidade. Consumidor. Criança. Princípio da Prioridade Absoluta.

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ABSTRACT

SCIORTINO, Corinne. Absolute priority of children before advertising. 2015. 95 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

In view of the aggravated vulnerability of children within the current consumer society, this study aims to be a contribution in the debate about the effects of advertising towards children. Advertising imposes a logic of consumerism and seeks profit, not having the children, substantially vulnerable beings still in the process of development, the capacity for protecting themselves from its marketing appeal. The protection of children’s rights deserves absolute priority before advertising, in order to respect these rights’ special status as conferred by the Constitution of the Republic, the Child and Adolescent Statute and by other international documents, especially, the Convention on the Rights of the Child. Keywords: Advertising. Vulnerability. Consumer. Children. Principle of Absolute Priority.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10 1 PUBLICIDADE ................................................................................................................... 14 1.1 Conceito de Publicidade e as diferenças entre institutos similares .............................. 14 1.2 Técnicas Publicitárias ....................................................................................................... 17 1.3 Perspectiva Jurídica da Publicidade ............................................................................... 20 1.3.1 Princípio da Vinculação Contratual da Publicidade ........................................................ 21 1.3.2 Princípio da Identificação da Publicidade........................................................................ 23 1.3.3 Princípio da Veracidade da Publicidade .......................................................................... 24 1.3.4 Princípio da Não Abusividade da Publicidade................................................................. 26 1.3.5 Publicidade na Constituição da República ....................................................................... 27 1.4 Sujeitos da Publicidade e suas responsabilidades .......................................................... 29 1.5 Controle da Publicidade ................................................................................................... 34 1.5.1 Por que controlar a Publicidade? Modelos de controle da Publicidade com base no objetivo do controle .................................................................................................................. 35 1.5.1.1 Modelo Concorrencial .................................................................................................. 35 1.5.1.2 Modelo Informativo ...................................................................................................... 35 1.5.1.3 Modelo de Manipulação de Preferências ...................................................................... 36 1.5.1.4 Modelo Cultural ............................................................................................................ 36 1.5.2 Como controlar a Publicidade? Modelos de controle da Publicidade com base na interferência estatal ................................................................................................................... 37 1.5.2.1 Modelo Autorregulamentar Puro .................................................................................. 37 1.5.2.2 Modelo Estatal Puro...................................................................................................... 38 1.5.2.3 Modelo Misto ................................................................................................................ 38 2 VULNERABILIDADE ........................................................................................................ 41 2.1 Vulnerabilidade no Direito do Consumidor ................................................................... 41 2.2 Conceito de Consumidor e a Vulnerabilidade ............................................................... 43 2.3 Formas de Vulnerabilidade............................................................................................. 48 2.3.1 Vulnerabilidade Técnica .................................................................................................. 48 2.3.2 Vulnerabilidade Jurídica ou Científica ............................................................................ 49 2.3.3 Vulnerabilidade Fática ou Socioeconômica..................................................................... 49 2.3.4 Vulnerabilidade Informacional ........................................................................................ 49

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2.4 Vulnerabilidade e Hipossuficiência ................................................................................. 50 2.5 Hipervulnerabilidade........................................................................................................ 52 2.6 Direito da Criança e do Adolescente ............................................................................... 55 2.6.1 Breve evolução histórica do Direito da Criança e do Adolescente .................................. 55 2.6.2 Doutrina da Proteção Integral .......................................................................................... 56 2.6.2.1 Princípio da Prioridade Absoluta .................................................................................. 58 2.6.2.2 Princípio do Melhor Interesse ....................................................................................... 59 3 PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS DIANTE DA PUBLICIDADE ..................................... 61 3.1 Como a Publicidade afeta as crianças ............................................................................ 61 3.2 Exemplos de Publicidade infantil abusiva ...................................................................... 68 3.3 Controle da Publicidade infantil ..................................................................................... 70 3.3.1 Formas de proteção da criança diante da Publicidade .................................................. 70 3.3.2 Limitação da atuação publicitária por princípios constitucionais no âmbito da Publicidade infantil ................................................................................................................... 75 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 83 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 87

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INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea apresenta um sistema econômico e social no qual os meios de comunicação possuem um papel fundamental. Seja através de ferramentas antiquadas, como o rádio, ou as novíssimas redes sociais dos smartphones, os meios de comunicação fazem parte do cotidiano e representam de forma significativa o atual contexto social. Para além dos avanços tecnológicos e da massificação do consumo, o cenário observado é marcado por uma crescente dificuldade na filtragem do excesso de informações e da blindagem da incitação do consumo como um fim em si próprio. Inserida nesta ótica, está a publicidade: fenômeno do mercado de consumo que se expressa fortemente com a ajuda da mídia. Os apelos publicitários, por vezes discretos, por vezes exacerbados, são absorvidos diariamente por todo o globo. A publicidade, como forte instrumento de convencimento a favor do consumo, encontra na criança um alvo expressivo para os seus anúncios. A sua condição peculiar de desenvolvimento, ainda em processo de formação de todas as suas capacidades intelectuais e emocionais, representa um incrível potencial aquisitivo e de manipulação publicitária. Assim, cresce o mercado de produtos e serviços destinados exclusivamente às crianças - com programação ininterrupta de desenhos e filmes infantis, o licenciamento de produtos de personagens queridos pelos pequenos e, especialmente, uma publicidade criada e moldada para convencer as crianças dentro de uma lógica de consumo. Este trabalho pretende investigar a exposição do público infantil diante da publicidade para dimensionar a tutela necessária à sua proteção, contribuindo na ilustração dos efeitos da publicidade no pleno desenvolvimento infantil e na discussão de possíveis formas e instrumentos para a garantia efetiva de seus direitos. Sendo assim, o primeiro capítulo deste trabalho se dedica ao estudo da publicidade, analisando o seu conceito e os institutos similares a fim de delimitar o fenômeno publicitário. Será discutida a perspectiva jurídica da publicidade, assim como os princípios trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor e o tratamento dispensado pela Constituição da República. Ainda, neste primeiro capítulo, as ferramentas de controle da publicidade serão detalhadas, questionando-se o porquê de se controlar a publicidade e como realizar esse controle, analisando as vantagens e desvantagens dos modelos de controle estatal, autorregulamentar e misto.

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Dentro da ótica consumerista, destaca-se a vulnerabilidade como o conceito que irá servir de base para a efetiva proteção do consumidor. As crianças, no entanto, fazem parte de um grupo merecedor de uma atenção especial, em virtude do seu grau acentuado de fragilidade, conferindo-lhes a nomenclatura de “hipervulneráveis”. Torna-se crucial para entender a tutela necessária às crianças, a compreensão de sua fragilidade intrínseca. Para isso, o segundo capítulo inicia-se com a análise do conceito de vulnerabilidade e sua importância para a conceituação do sujeito consumidor e a proteção de todo o sistema consumerista. Em seguida, passa-se a apreciação das diferenças entre os conceitos de vulnerabilidade e hipossuficiência e, especialmente, ao conceito de hipervulnerbilidade. O sistema jurídico de garantia dos direitos das crianças será brevemente exposto na última seção do segundo capítulo. Se examinará a transição da doutrina da Situação Irregular, presente antes da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e Adolescente de 1990, para a doutrina da Proteção Integral, fundamental para o tratamento das crianças como sujeitos de direitos, dignos de uma tutela prioritária por parte do Estado, da família e da sociedade. Uma vez examinado o fenômeno da publicidade, o conceito da hipervulnerabilidade e enxergando as crianças como sujeitos de direitos, parte-se para o último capítulo deste trabalho, que tem como objetivo avaliar quais efeitos os anúncios publicitários podem trazer à infância e o regime jurídico aplicável à sua proteção. Faz-se, também, uma apreciação sobre a influência dos meios de comunicação, em especial a televisão, e os anúncios publicitários no comportamento dos pequenos. A fim de ilustrar a problemática, traz-se à análise diversos dados de pesquisas nacionais e internacionais que estudaram a relação da infância com a publicidade e a mídia, tanto em uma perspectiva econômica, quanto social e cultural. Pesquisas indicam que o uso excessivo da televisão e da internet pode trazer muitos efeitos nocivos à criança, desde problemas de saúde, como obesidade e anorexia, até o estímulo a comportamentos violentos. Um estudo norte-americano evidenciou, por exemplo, que bastam 30 segundos para uma publicidade influenciar as preferências alimentares das crianças. Discute-se, ainda, sobre a responsabilidade da mídia e da publicidade na origem de transtornos familiares. Observa-se, portanto, a relevância da análise das implicações causadas pela publicidade dirigida às crianças, não somente no seu próprio desenvolvimento como pessoa, potencial modeladora de sua personalidade, mas nas suas relações com a família, com os

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amigos e com a sociedade. Ademais, os apelos publicitários influenciam os pequenos na criação de sua visão de mundo e no estabelecimento de suas metas para o futuro. São elucidados exemplos de publicidades abusivas veiculadas no Brasil e qual o tratamento jurídico ou autorregulamentar foi dispensado em cada um dos casos, como no famoso anúncio “Compre Batom”, em que crianças hipnotizavam os espectadores a adquirir o chocolate - ou, ainda, o paradigmático caso da Nestlé em que crianças arrombavam um estabelecimento para furtar doces. Por fim, neste mesmo capítulo, estuda-se quais formas de proteção vigoram no ordenamento jurídico brasileiro e se estas são suficientes para a proteção da criança. São trazidos ao debate os textos legais que tratam sobre o tema em questão, inclusive o Projeto de Lei nº 5.921/2001, atualmente em trâmite no Congresso Nacional, que pretende proibir a publicidade infantil no país. O exame dos instrumentos legais existentes é de extrema importância para este estudo. Observa-se um regulamento não exaustivo e pouco específico, incapaz de devidamente coibir os abusos publicitários. Além disso, são trazidas ferramentas de ponderação para os aplicadores do direito, em especial os magistrados, que são os responsáveis por fixar os parâmetros já existentes aos casos concretos enquanto o sistema legal é aperfeiçoado. O papel das associações, Ministério Público, Procons e Defensoria Pública também é examinado, juntamente com possíveis sanções, como a ação civil pública e a contrapropaganda. São comparados os posicionamentos de estudiosos acerca da proibição da publicidade infantil e sua regulamentação, expondo as possíveis soluções para a proteção das crianças diante da publicidade. Discute-se, neste interim, se toda e qualquer publicidade infantil deve ser coibida, por entender como ilegal o mero direcionamento dos anúncios a este público incapaz de se proteger de suas artimanhas manipulativas – acompanhando o que já foi realizado em países como Suécia e Noruega. Serão mencionadas, também, outras propostas consideradas mais brandas para a problemática. Dessa forma, é trazida uma noção abrangente da questão, que pode apoiar na construção de instrumentos para a tutela das crianças, atualmente prejudicadas pela demora legislativa. A título de exemplo, são apresentadas soluções interessantes encontradas por outros países, especialmente europeus, que há mais tempo direcionam esforços para coibir os efeitos prejudiciais da publicidade infantil – como o Reino Unido, que proíbe a publicidade de alimentos não saudáveis às crianças.

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Conclui-se este estudo com o exame da limitação da atuação publicitária como possível forma de violação dos princípios constitucionais da liberdade de expressão e da livre iniciativa em ponderação com o princípio da prioridade absoluta dos direitos das crianças. É fundamental compreender, neste ponto, a força de cada um desses princípios envolvidos dentro da ordem constitucional brasileira. Mesmo na falta de uma lei específica, a ponderação dos princípios e a aplicação dos instrumentos já existentes se tornam ferramentas importantes para efetivar a garantia de direitos. Assim, pode-se apreender que a aplicação de um princípio em detrimento a outro irá determinar o tratamento que se quer dar, enquanto aplicadores do direito, juízes ou Estado, à problemática da publicidade e à tutela da infância no Brasil.

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1 PUBLICIDADE

1.1  Conceito de publicidade e as diferenças entre institutos similares

O vocábulo “publicidade” deriva de “público”, do latim publicus, e expressa o ato de tornar público, divulgar, vulgarizar1. Historicamente, considera-se que a publicidade apareceu pela primeira vez em 1477 na Inglaterra através de um comunicado impresso que anunciava livros religiosos publicados por William Caxton. Em meados do século XVII, os jornais britânicos, chamados de “mercuries”, passaram a veicular diversos anúncios, desde medicamentos a tabelas de navios mercantes. A publicidade ganha notoriedade, no entanto, apenas a partir da última década do século XIX nos Estados Unidos, em paralelo ao fenômeno da produção em massa. O termo “publicidade”, com o sentido atual, foi divulgado inicialmente no início do século XIX para se diferenciar da palavra propaganda, então associada aos métodos de conscientização política e governamental utilizados pelo nazi-fascismo2. A chegada do rádio nos anos 20 impulsionou a publicidade. Em 1944, a televisão, por sua vez, transformou de forma definitiva a publicidade em uma grande indústria3, atingindo milhões de consumidores e movimentando grandes recursos financeiros. Vislumbra-se, desde então, um cenário de potencialização do consumo. A globalização dos meios de comunicação, em especial com a popularização da internet a partir da década de 19904, traz excesso de informações e um incontrolável mercado de consumo. Jean Baudrillard5 afirma que “a nossa sociedade pensa-se e fala-se como sociedade de consumo (...) e a publicidade é o hino triunfal desta ideia”. A publicidade torna-se, indubitavelmente, um dos mais importantes fenômenos da sociedade contemporânea6. 1

CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 7. 2 MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. Ed. rev., ampl, atual. São Paulo: Ed. RT, 2013, p. 854. 3 BENJAMIN, Antônio Herman V. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor, vol. 9, São Paulo: Ed. RT, 1994. p. 27. 4 INSTITUTO TAMIS, Rede Nacional de Pesquisa. Popularização da Internet: Introdução ao uso de correio eletrônico e web. Disponível em: http://memoria.rnp.br/_arquivo/documentos/ref0186.pdf. 5 BAUDRILLARD, Jean. 1995, apud EFING, Antônio Carlos; BERGSTEIN, Laís Gomes; GIBRAN, Fernanda Mara. A ilicitude da publicidade invisível sob a perspectiva da ordem jurídica de proteção e defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 81. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 94.

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Antônio Herman Benjamin (1994, p. 57) destaca que a publicidade possui um papel fundamental nas relações econômicas, sociais e jurídicas, em especial porque atua como “instrumento poderosíssimo de influência do consumidor” e representa uma ferramenta na formação do consentimento do consumidor.7 O anúncio publicitário, será, portanto, responsável pela aproximação do consumidor com o fornecedor, através de dois elementos basilares: a informação e a persuasão. O objetivo principal da publicidade é fazer com que os consumidores tomem conhecimento do produto ou serviço, informando-os sobre as qualidades do mesmo e levando-os, assim, a uma decisão de compra. Logo, além do viés informativo, a publicidade também traz consigo o componente persuasivo que leva o consumidor a comprar certo produto ou serviço.8 No sentido informativo, a publicidade beneficia tanto os fornecedores quanto os consumidores e traz vantagens para toda a economia, ajudando a criar um cenário de transparência e confiança nas relações de consumo. Antônio Herman Benjamin (1994, p. 29) ressalta, neste ponto, que um dos objetivos do Código de Defesa do Consumidor é mitigar a desigualdade informativa existente entre o fornecedor e o consumidor, o que demonstra a importância da informação nesse cenário. A publicidade nasce justamente com o intuito de informar, a chamada “publicidade informativa”. Observa-se, porém, que essa forma de publicidade declina a partir dos anos de 1920, sendo substituída pela “publicidade de estilo de vida”, que tem como objetivo essencial a incitação e persuasão pela utilização de estilos de vida diretamente atrelados aos produtos e serviços anunciados.9 “O consumidor é induzido a consumir, bombardeado pela publicidade massiva que o cerca em todos os lugares e momentos de seu dia-a-dia. Como autômato, responde a esses estímulos, sem discernir corretamente. Age pela emoção, embotado em seu juízo crítico. E se tudo isso ocorre em relação à publicidade normal sobre o homem médio, pode-se imaginar os efeitos nefastos e devastadores da publicidade enganosa ou abusiva incidente sobre pessoas em formação, como crianças e adolescentes”.10

Embora tenha esse viés informativo, como visto acima, a publicidade não se confunde com o conceito de informação. A informação strictu sensu é aquela inserida nos livros, no cinema, nas notícias ou nos jornais, sem o caráter passional, o fim incitativo ou o objetivo 6

BENJAMIN, Antônio Herman V. Op. cit. p. 57. Ibid. p. 26. 8 Ibid. p. 32. 9 Ibid. p. 27. 10 ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 113. 7

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comercial da publicidade.11 A publicidade tem o escopo maior de incitar e é necessariamente tendenciosa, uma vez que é unilateral.12 Curiosamente, o sistema jurídico brasileiro, mais especificamente o Código de Defesa do Consumidor, apesar de regular a publicidade, não a define. A doutrina entende por publicidade “qualquer forma de oferta, comercial e massificada, tendo um patrocinador identificado e objetivando, direta ou indiretamente, a promoção de produtos ou serviços, com utilização de informação e/ou persuasão”.13 Claudia Lima Marques (2013, p. 853), inspirada na Lei Belga de 1971, a define como: “toda informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto ao consumidor a aquisição de um produto ou utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado”14. Outro conceito diverso àquele da publicidade é o conceito de marketing. O marketing possui uma noção mais ampla que inclui pesquisa de mercado, design e seleção de produtos, escolha dos distribuidores, promoções de vendas, fixação do preço e planejamento geral da estratégia de mercado. Vê-se, assim, que o universo do marketing é maior que aquele da publicidade, envolvendo todas as atividades comerciais relacionadas com a movimentação de mercadorias e serviços. Logo, a publicidade é uma forma de marketing, mas o marketing não se limita à publicidade.15 Antônio Herman Benjamin (1994, p. 31) afirma que a expressão “oferta” dentro da sistemática do Código de Defesa do Consumidor pode ser traduzida como sinônimo de marketing, significando “todos os métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados à sua disposição no mercado pelos fornecedores”. Faz-se necessário diferenciar, também, a publicidade do instituto da propaganda. A palavra propaganda deriva do latim propagare, que significa “enterrar o rebento de uma planta no solo”, em outras palavras, enterrar, mergulhar, plantar. Ou seja, vislumbra-se como a propagação de princípios, teorias e doutrinas.16 Enquanto a publicidade tem intuito comercial ou profissional, a propaganda tem escopo ideológico, político, filosófico, ético ou religioso. A publicidade visa captar a atenção

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CHAISE, Valéria Falcão. Op. cit. p. 9. BENJAMIN, Antônio Herman V. Op. cit. p. 33. 13 Ibid. p. 30. 14 MARQUES, Claudia Lima. op. cit. p. 853. 15 BENJAMIN, Antônio Herman V. Op. cit. p. 31. 16 CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 10. 12

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do público para o consumo de determinado bem, já a propaganda visa influenciar ou modificar a opinião alheia a respeito de determinada ideologia.17 Apesar das diferenças doutrinárias, a lei brasileira utiliza os termos como sinônimos, no Decreto-Lei n. 4.112 de 1942, por exemplo, que proibia médicos de divulgar anúncios de “propaganda”, quando queria dizer “publicidade”, devido ao objetivo comercial envolvido. 18 Tal equívoco na diferenciação do conceito de publicidade e propaganda também é claramente observado no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que, em seu Art. 8º, define publicidade como “toda atividade destinada a estimular o consumidor de bens e serviços, bem como promover, instituições, conceitos ou ideias”.

1.2  Técnicas Publicitárias

Dentre as técnicas publicitárias, a publicidade subliminar merece destaque. Esta técnica consiste em atingir o subconsciente do consumidor, utilizando-se de mensagens ocultas e imperceptíveis. No ordenamento jurídico brasileiro de proteção ao consumidor, a publicidade subliminar é proibida, uma vez que, por não poder ser identificada como tal, viola o Princípio da Identificação da Publicidade, expresso pelo Art. 36, caput, do Código de Defesa do Consumidor.19 Neste sentido, a publicidade subliminar seria considerada um ato ilícito, civil e penal. Vale destacar que devido ao seu grande poder sugestivo, esta forma de publicidade está proibida no mundo desde os anos setenta.20 A publicidade subliminar começou nos EUA, em meados de 1950, quando o publicitário Jim Vicary projetou fotogramas em um cinema de Nova Jersey com mensagens de “Coma pipoca” e “Beba Coca-Cola” durante a exibição de filmes. Pesquisas mostraram que as vendas desses produtos aumentaram significativamente neste período.21 Os fotogramas consistem na técnica de inserção de imagens em frações de segundo dentro de um filme de forma que não se consegue captar a mensagem conscientemente. Justamente por atuar de forma inconsciente aos olhos do consumidor que a publicidade 17

BENJAMIN, Antônio Herman V. Op. cit. p. 92. CENEVIVA, Walter. Publicidade e Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 1991. 19 “Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”. 20 MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 854. 21 CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 15. 18

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subliminar é rechaçada pelo ordenamento jurídico. O fotograma, ao passar despercebido, pode influenciar o consumidor a absorver um comando e agir de certa forma sem nem saber que leu a mensagem. Em outro caso famoso, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos tirou do ar, em 1973, a publicidade do jogo Kusher Du sob a acusação de contrariar o interesse do público ao piscar várias vezes, em frações de segundo, a expressão "Compre-o".22 O merchandising, por sua vez, é uma técnica publicitária muito utilizada em novelas e filmes e se identifica pela demonstração do uso do produto pelos personagens, fazendo com que haja uma relação deste produto com o personagem, a sua classe social ou determinada conduta social dentro da narrativa. Claudia Lima Marques (2013, p. 855) observa que o aparecimento do produto não é gratuito nem fortuito, mas ocorre através de um contrato entre o fornecedor e o anunciante do produto. Esta técnica não é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Ressalta-se, no entanto, que para não haver violação do Princípio da Identificação da Publicidade, deve ocorrer uma chamada antes e depois do programa televisivo, filme ou peça que informe o consumidor do merchandising.23 Orlando Celso da Silva Neto24 informa que apesar desta técnica ser muito utilizada nos Estados Unidos, é pouco vista em países da Europa e até proibida em alguns deles, como na França. Outra técnica publicitária que se pode analisar é o chamado “puffing” ou exagero publicitário. Está presente, por exemplo, no anúncio de um remédio que afirma que “Tomou, passou”. Apesar de essa técnica ser permitida no ordenamento, deve-se atentar ao limite desse exagero, que não pode conduzir o consumidor em erro ou será caracterizado como publicidade enganosa, conforme Art. 37, §1º do Código de Defesa do Consumidor.25 A publicidade comparativa, por outro lado, é uma técnica publicitária que consiste na comparação por um anunciante de seu produto em relação a outro de seu concorrente de forma a indicar que o seu produto ou serviço é melhor ou mais barato que os demais.26

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LOPES, Artur Louback. O que são mensagens subliminares? Disponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-sao-mensagens-subliminares 23 CHAISE, Valéria Falcão, Op. cit. p. 16. 24 SILVA NETO, Orlando Celso da. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2013, p. 483. 25 “Art. 37, §1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”. 26 CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 16.

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Destaca-se que, de regra, a publicidade já visa criar uma diferenciação do produto ou serviço em relação aos seus competidores.27 Como mostra Valéria Chaise (2001, p. 17), em alguns países, como na França, a publicidade comparativa é vedada. Ademais, Claudia Lima Marques (2013, p. 855) detalha que a publicidade comparativa foi considerada como prática de concorrência desleal pela jurisprudência de alguns países28 e vista pela doutrina29 como positiva ao consumidor se baseada em dados corretos. No Brasil, no entanto, a técnica não é proibida pelo ordenamento jurídico, contanto que respeite os princípios e requisitos impostos pelo Código de Defesa do Consumidor. “AÇÃO COMINATÓRIA POR CONCORRÊNCIA DESLEAL – PROPAGANDA ENGANOSA. A propaganda comparativa entre escolas de língua inglesa somente se mostra enganosa ou falsa, de modo a configurar a concorrência desleal, quando fornecer informações incorretas ou difamar intencionalmente. Apelação desprovida”. (TJRS, Ap. Cível 59902591, Rel. Des. Jorge Luis Dall’Agnol, j. 15.06.1999)

Outro exemplo de publicidade comparativa no Brasil seria o caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no qual uma campanha publicitária denominada “Banho Quente” divulgava o produto para aquecimento a gás “G. Instantâneo”. Valendo-se da publicidade comparativa, mostrava um chuveiro que caíam alguns pingos d’água e o seu aparelho que jorrava água em abundância, demonstrando que o seu produto seria a melhor solução para o banho. A ré foi condenada a arcar com as despesas para a realização de uma nova campanha publicitária por ter denegrido a imagem da concorrente, conforme ementa abaixo transcrita: “PUBLICIDADE. PROPAGANDA COMPARATIVA. CHUVEIRO ELÉTRICO. UTILIZAÇÃO DE UM MODELO FACILMENTE IDENTIFICÁVEL COM O CHUVEIRO ELÉTRICO PRODUZIDO PELA LORENZETTI, EM COMPARAÇÃO COM O AQUECEDOR A GÁS FABRICADO PELA RÉ, COM O PROPÓSITO DE DEPRECIÁ-LO JUNTO AO PÚBLICO CONSUMIDOR. PROPAGANDA COMPARATIVA INACEITÁVEL”. (TJRS, Ap. Cível 591051560, 5ª Câmara Cível, Rel. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, j. 22/08/1991).

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BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 32. A Corte Suprema Alemã (BGH), em decisão de 1986, considerou a publicidade comparativa ilícita quando tenta tirar proveito da reputação de outro produto (publicidade parasitária) ou quando se refere ao produto concorrente de maneira a denegri-lo (publicidade dénigrante). 29 Claudia Lima Marques (op. cit. p. 855) cita como exemplos da doutrina: FONTAINE, p. 218, e SCHUMACHER, p. 25-26. 28

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O Art. 32 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária30, citado pela decisão, serve como orientação para estabelecer os parâmetros da publicidade comparativa no Brasil.

1.3  Perspectiva Jurídica da Publicidade

Antônio Herman Benjamin (1994, p. 26) demonstra que a publicidade tem repercussões no regime jurídico devido à sua interferência no consentimento do consumidor e sua capacidade de lhe causar danos, sejam eles patrimoniais ou morais. O mesmo autor explica que a publicidade é unilateral, parcial e subjetiva, não tendo o consumidor qualquer controle sobre ela. Ademais, ainda que apresente benefícios à indústria e às empresas, e em seu viés informativo também aos consumidores, traz grandes riscos ao consumidor devido à complexa compatibilização entre a necessidade de informação adequada e a intenção de convencimento. O consumidor é afetado, também, pela impessoalidade de um mercado de consumo de difícil compreensão, o que gera o chamado “alienamento mercadológico”. Ao mesmo tempo, a atual cultura imediatista do lema “fazer tudo agora” e o ritmo apressado da vida moderna geram um abismo informativo ao consumidor que não tem tempo de analisar os produtos e pensar na consequência de sua compra.31 Diante desse cenário, vislumbra-se um consumidor que se sente necessitado a confiar na informação passada a ele pelo fornecedor. As técnicas e os abusos publicitários impedem o arbítrio pleno do consumidor no mercado. Além disso, os outros fornecedores também são lesados com a diminuição da confiança do consumidor no sistema mercadológico.

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“Art. 32: Tendo em vista as modernas tendências mundiais - e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites: a) seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor; b) tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o Consumidor; c) a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação; d) em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado; e) não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes; f) não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa; g) não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros; h) quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio”. 31 BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 34-35.

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Logo, resta confirmada a relevância do tema da publicidade dentro do âmbito jurídico. Para o Direito do Consumidor, ainda, consiste a publicidade em uma de suas maiores preocupações.32 Em momento anterior ao Código de Defesa do Consumidor, o direito brasileiro regulava a publicidade somente no que se relacionava aos seus efeitos como forma de concorrência desleal ou como forma de proteger a imagem da pessoa e a criação autoral.33 A publicidade ganha notoriedade jurídica a partir da perspectiva pré-contratual. Fábio Konder Comparato34 explica que o Direito do Consumidor alargou a noção de compra e venda para um quadro mais realista de economia de empresa. Por conseguinte, passou-se a entender que a publicidade, pela sua importância decisiva dentro da visão da produção e do consumo, integra o próprio mecanismo do contrato e deve merecer uma disciplina de ordem pública análoga à das estipulações contratuais. Superou-se, portanto, a visão da publicidade como mero convite à oferta (invitatio ad offerendum) que não vinculava o fornecedor. O contrato e a publicidade já não eram fenômenos estranhos e apartados. O Código de Defesa do Consumidor, ao estipular em seu Art. 30 que toda publicidade ou informação suficientemente precisa obriga o fornecedor e integra o contrato a ser celebrado, confirma a ideia de que a publicidade é causa obligationis, ou seja, é fato jurídico que dá origem à obrigação.35 Claudia Lima Marques36 fundamenta que o Código de Defesa do Consumidor impôs um qualificado dever de informar aos fornecedores e uma responsabilidade contratual aos anunciantes que se utilizam da publicidade. Assim, a publicidade passa a ser vista, claramente, como uma atividade negocial vinculativa e com claros efeitos obrigacionais ex vi lege. Passa-se a analisar, em seguida, o sistema de proteção do consumidor a partir da ótica dos Princípios trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor.

1.3.1   Princípio da Vinculação Contratual da Publicidade

32

BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 29. MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 854. 34 COMPARATO, Fábio Konder apud BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 37. 35 CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 2-3. 36 MARQUES, Claudia Lima, op.cit. p. 770 – 775. 33

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Inicia-se a análise pelo Art. 30 do Código de Defesa do Consumidor, abaixo transcrito: “Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.

O artigo supracitado trata da oferta, conceituada como declaração inicial de vontade direcionada à realização do contrato.37 Claudia Lima Marques (2013, p. 770) explicita que o Código de Defesa do Consumidor busca valorizar o momento de formação do contrato de consumo, examinando a qualidade da vontade manifestada pelo consumidor. Observa-se, portanto, uma regulação das manifestações do fornecedor que tenta atrair o consumidor para uma relação contratual. Nesse sentido, está inserida a publicidade dentro do conceito maior de oferta veiculada pelo fornecedor.38 Como já mencionado, houve uma ampliação conceitual da oferta pelo Código de Defesa do Consumidor com a afirmação de que a mesma integra o futuro contrato. Logo, qualquer informação ou publicidade que precisar os elementos essenciais do contrato será considerada como uma oferta vinculante, confirmando o Princípio da Vinculação Contratual da Publicidade. A publicidade, de tal modo, passa a ser fonte de obrigações, criando um vínculo précontratual de manter a oferta nos termos em que foi veiculada e de cumprir com os seus deveres anexos de lealdade, informação e cuidado. A vinculação da publicidade traz a mesma sujeição que se analisa quando da aceitação de uma proposta contratual (MARQUES, 2013, p. 776). No caso de aceitação da oferta pelo consumidor, deverá o fornecedor prestar contratualmente o que prometeu ou sofrer as consequências do Art. 35 do Código de Defesa do Consumidor.39 Importante mencionar neste momento o Princípio da Transparência, princípio básico que rege a formação do contrato entre consumidores e fornecedores, previsto pelo Art. 4º, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Esse princípio pressupõe lealdade e respeito nas relações entre os contratantes e informações claras e corretas sobre os produtos ou serviços 37

MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 772. Recorda-se, como já citado anteriormente, que Antônio Herman Benjamin entende que “oferta” e “marketing” são sinônimos dentro da ótica do Código de Defesa do Consumidor; sendo a publicidade uma forma de marketing. 39 O artigo 35 traz as seguintes opções, exclusivas ao consumidor: (i) concluir o contrato, conforme a oferta; (ii) rescindi-lo com perdas e danos ou; (iii) aceitar outro produto e serviço. 38

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oferecidos. A transparência regulará não somente a fase pré-contratual, mas também a eventual conclusão do contrato. A transparência nada mais é que um reflexo da boa-fé exigida aos agentes contratuais.40 O mesmo Art. 4º irá mencionar a necessária harmonia das relações de consumo, atingida através da boa-fé de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica.41 A boa-fé, como fonte autônoma de deveres de informação, de cooperação e de cuidado, se violada, gerará quebra contratual pelo desrespeito aos deveres anexos (MARQUES, 2013, p. 772). Ainda como consequência do princípio da transparência e uma demonstração do dever de boa-fé e cooperação nas relações de consumo, cita-se o Art. 31, que traz o dever do fornecedor de apresentar a oferta e a publicidade de forma clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa, especificando, dentre outros dados, os possíveis riscos à saúde e segurança dos consumidores. Destaca-se que a informação é, ao mesmo tempo, um conteúdo e um direito, conforme o Art. 6º do Código de Defesa do Consumidor. Assim, confirma-se que a publicidade não é um mero convite à oferta, pois desperta confiança e expectativas legítimas sobre a informação veiculada (MARQUES, 2013, p. 790).

1.3.2   Princípio da Identificação da Publicidade

O Art. 36 do Código de Defesa do Consumidor, transcrito abaixo, traz o Princípio da Identificação da Publicidade. “Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem”.

Este princípio visa proteger o consumidor ao assegurar-lhe o conhecimento de que a informação transmitida tem propósito comercial e objetivo de promover a venda de um 40

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2011, p. 826. 41 Artigo 170 da Constituição da República de 1988.

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produto ou serviço. Faz-se necessário tornar o consumidor consciente de uma mensagem patrocinada para que este possa fazer as devidas ressalvas em relação à informação veiculada. A identificação da publicidade proíbe a técnica da publicidade subliminar e limita a prática de merchandising. Vale ressaltar que o descumprimento do Art. 36 constitui um ato ilícito civil e penal, segundo Claudia Lima Marques (2013, p. 854).42 O parágrafo único do Art. 36, transcrito acima, dispõe sobre o dever do fornecedor de ter e manter os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem, confirmando o Princípio da Transparência da Fundamentação.

1.3.3   Princípio da Veracidade da Publicidade

São duas as formas de publicidade ilícita no ordenamento jurídico brasileiro: a publicidade abusiva e a publicidade enganosa, conforme dicção do Art. 37, caput, do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva”. O parágrafo primeiro deste artigo, transcrito abaixo, tratará da publicidade enganosa: “§1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.

A principal característica da publicidade enganosa é a probabilidade de induzir o consumidor em erro. Não se exige a indução em erro de maneira efetiva, ou seja, a consumação desse erro, mas apenas a potencialidade de que a publicidade induza em erro os destinatários. A intenção culposa ou dolosa do fornecedor é irrelevante para caracterizar a enganosidade. O dolo se torna necessário somente no âmbito penal.43 O parágrafo terceiro do Art. 37 dispõe sobre a publicidade enganosa por omissão, nos seguintes termos: “§3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”. A proibição de anunciar dados falsos, seja de forma plena, parcial ou omissa, consagra o Princípio da Veracidade da Publicidade. 42

“Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva. Pena: Detenção de três meses a um ano e multa”. 43 CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 33-34.

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Vale destacar, neste ponto, a diferenciação que Orlando Celso da Silva Neto faz entre “fantasia” e “enganosidade”. A fantasia é permitida pelo Código de Defesa do Consumidor e consiste na informação que é falsa, mas que não é enganosa, ou seja, não induz o consumidor em erro.44 Nesse mesmo sentido, observa-se o já mencionado “puffing”, técnica comum referente ao exagero publicitário. Assim como a mensagem fantasiosa, a mensagem que exagera as qualidades do produto também é permitida dentro do ordenamento jurídico, mas possui limites a serem observados.45 Para um melhor entendimento, convém relembrar as noções de “dolus bonus” e “dolus malus” trazidas pelo Direito Civil. O primeiro é considerado um dolo tolerável sem gravidade suficiente para viciar a manifestação de vontade, pois facilmente identificável e dissipado pelos sujeitos envolvidos. O segundo, no entanto, traz consigo a clara intenção de prejudicar o outro e vicia a manifestação de vontade.46 Assim sendo, considera-se o exagero uma forma de “dolus bonus”, permitido no âmbito publicitário enquanto não induzir o consumidor em erro, pois senão se estaria diante de uma forma de publicidade enganosa. “Vale lembrar que, todavia, o Código de Defesa do Consumidor veta a propaganda enganosa, suscetível de induzir em erro o consumidor. Portanto, o dolus bonus não “dá salvo-conduto para o exagero”, só é considerado legal quando não tiver a capacidade de induzir o consumidor em erro”. (RAMIS, 2009).

Frise-se que a enganosidade pode se dar tanto quando há uma divulgação de informação falsa ou quando o prometido não encontra correspondência com a prática do fornecedor durante a execução do contrato. Será enganosa, por exemplo, a publicidade que menciona uma liquidação de preços inexistente. Observa-se o caso: “EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROPAGANDA ENGANOSA DURANTE A CAMPANHA "LIQUIDA PORTO ALEGRE" DE FEVEREIRO DE 1997. CONDENAÇÃO A VEICULAÇÃO DE CONTRAPROPAGANDA (ART. 56, XII, CDC) E AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO AO FUNDO DE RESTITUIÇÃO DE 44

SILVA NETO, Orlando Celso da. Op.cit. p. 489. Vide Seção 1.2 deste trabalho. 46 RAMIS, Diogo Dias. O dolo no direito civil. Disponível em . 45

26

BENS LESADOS (ART. 13 - LEI N. 7347/85). PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. DECISÃO ESCORREITA. NÃO-PROVIMENTO. Caracteriza-se propaganda enganosa a prática, por estabelecimento comercial participante da campanha "liquida porto alegre" de fevereiro de 1997, de veiculação de publicidade anunciando mercadorias, cujos preços estavam iguais e, no caso de alguns produtos, até superiores aos praticados anteriormente a referida campanha, já que consumidores foram enganados, na medida em que, atraídos pela grande publicidade do evento liquidatário, dirigiram-se ao estabelecimento, pensando encontrar produtos a venda com preços mais baixos, no que foram negativamente surpreendidos. Em assim agindo, infringiu, o estabelecimento comercial, o código de defesa do consumidor no seu art. 37 e correlatos, sendo condenado a veicular contrapropaganga e a pagar indenização ao fundo de restituição de bens lesados, de acordo com o art. 13 da lei n. 7347/85”. (TJRS, Ap. Cível 598498970, 4ª Câmara Cível, j. 17.02.1999).

Claudia Lima Marques (2013, p. 863) afirma que a interpretação da enganosidade da publicidade deve ser necessariamente ampla, uma vez que o erro é a falsa noção da realidade e é variável de acordo com o consumidor que recebe a mensagem, tendo em vista que a mensagem publicitária não tem sempre o mesmo público-alvo. Para a autora, o parâmetro para se definir a enganosidade deve ser o “observador menos atento”. Valéria Chaise47, por outro lado, toma como referência o “consumidor médio”, ressaltando, porém, que este é um conceito mutável e de difícil definição. Para Antônio Herman Benjamin48, deve-se utilizar o consumidor que está abaixo do consumidor médio.

1.3.4   Princípio da Não Abusividade da Publicidade

O parágrafo segundo do Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, expressa: “§2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”.

47 48

CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 35. BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 37.

27

A publicidade abusiva é identificada como a publicidade antiética, que fere a vulnerabilidade do consumidor, valores sociais básicos e a própria sociedade como um todo (MARQUES, 2013, p. 864). Em interessante definição, a Suprema Corte dos Estados Unidos assentou que “abusivo é aquilo que ofende a ordem pública, o que não é ético, o que é opressivo ou inescrupuloso, o que causa dano substancial aos consumidores”.49 Ao vedar a publicidade abusiva, o Código de Defesa do Consumidor pretendeu coibir a prática publicitária atentatória às regras morais, aos direitos e às liberdades individuais, resguardando princípios de ordem superior.50 Segundo Rizzatto Nunes: “O caráter da abusividade não tem necessariamente relação direta com o produto ou serviço oferecido, mas sim com os efeitos da propaganda que possam causar algum mal ou constrangimento ao consumidor”.51 Abusiva também será a publicidade que se vale da fraqueza de determinado grupo de consumidores, como no caso das crianças ou idosos. As situações descritas no parágrafo segundo do Art. 37 são apenas exemplificativas. Valéria Chaise informa que a noção de abusivo será moldada pelos aplicadores da lei, tendo em vista as variadas práticas mercadológicas.52 O abuso do direito, vale lembrar, pressupõe a existência de um direito exercido de forma excessiva, irregular e que cause danos ao outro. Conforme definição de Heloisa Carpena: “Aquele pelo qual o sujeito excede os limites de exercício do direito, sendo estes fixados por seu fundamento axiológico, ou seja, o abuso surge no interior do próprio direito, sempre que ocorra uma desconformidade com o sentido teleológico, em que se funda o direito subjetivo. O fim – social ou econômico – de um certo direito subjetivo não é estranho à sua estrutura, mas elemento de sua 53 própria natureza”.

1.3.5   Publicidade na Constituição da República

49

CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 40. Loc. cit. 51 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2012. 52 CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 39. 53 CARPENA, Heloisa. O abuso do direito no Código Civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo Código Civil – Estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 370. 50

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A publicidade, todavia, não encontra tutela apenas no Código de Defesa do Consumidor. A Constituição da República de 1988 traz no Art. 220, §4º, a previsão de algumas restrições legais à publicidade de tabacos, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias. “Art. 220 (...) §4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso”.

Observa-se que o mesmo Art. 220, em seu caput e parágrafos 1º e 2º, reforça o princípio da liberdade de expressão, de pensamento e de criação trazidos pelos incisos IV e IX do Art. 5º, também da Carta Magna.54 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. §1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. §2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Orlando Celso da Silva Neto55 elenca diversas leis extraordinárias que tratarão da publicidade de produtos específicos. A Lei 9.294/96 trata do tabaco, de seus subprodutos e das bebidas alcóolicas. Dentre as restrições trazidas pela lei, estão: a proibição de veiculação de publicidade de bebidas alcóolicas fora da faixa de horário de 21 horas a 6 horas nas emissoras de rádio e televisão (Art. 4º); a proibição de associação do produto ao esporte olímpico e de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas (Art. 4º, §1º); e a não inclusão de crianças e adolescentes em publicidades de produtos fumígeros.56 54

A discussão sobre a divergência da visão da publicidade no âmbito da liberdade de expressão e da livre iniciativa será aprofundada no Capítulo 3 deste trabalho. 55 SILVA NETO, Orlando Celso da. Op.cit. p. 487-489. 56 Esclarece-se que, para os fins desta lei, se consideram apenas bebidas que contenham teor alcoólico superior a 13%. Por esta razão, a publicidade de bebidas consideradas de baixo teor alcoólico, como cervejas, não está sujeita às restrições desta lei.

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A Lei 11.265/06 regula produtos alimentícios destinados a lactentes, crianças de primeira idade e produtos de puericultura57, procurando “contribuir para a adequada nutrição dos lactentes e das crianças de primeira infância”. Recentemente, um decreto regulamentando esta lei foi assinado com a intenção de reduzir a publicidade de produtos que desestimulem o aleitamento materno, tendo sido vedada a inserção de textos como “baby” ou “kids” e de desenhos com personagens do mundo infantil.58 Neste mesmo sentido, o Decreto 4.680/2003 regulamenta o “direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados”.

1.4  Sujeitos da Publicidade e suas responsabilidades

“A publicidade passou a interferir fortemente nas relações de consumo, e assim, na vida de todos os cidadãos. A interferência observada foi um dos fenômenos geradores da economia de massa, terminando por provocar a conveniência de estabelecer especial proteção para interesses coletivos, desligados da atuação 59 individual dos componentes da sociedade”.

A publicidade é um fenômeno da coletividade, dirigido à massa de consumidores, como conjunto indeterminado de pessoas. “É um fenômeno universal, acompanhado de riscos sociais e danos em série (...) Todos os consumidores, indistintamente, são afetados pela publicidade”.60 Por conseguinte, o consumidor na atividade publicitária não é apenas aquele consumidor potencial ou o consumidor que efetivamente consome o produto veiculado, mas todos os expostos e atingidos pelas práticas publicitárias61 - toda a população, mesmo os excluídos do consumo. Isso se depreende da proteção coletiva e geral da dignidade da pessoa humana como direito constitucional.62 57

Puericultura: ciência médica responsável pelo estudo dos cuidados com o desenvolvimento infantil. Cf. MELDAU, Débora. Disponível em: http://www.infoescola.com/medicina/puericultura/ 58 Conforme artigo publicado na página eletrônica da UOL em 03 de Novembro de 2015. Disponível em: http://maesdepeito.blogosfera.uol.com.br/2015/11/03/dilma-regulamenta-publicidade-de-produtos-queinterferem-na-amamentacao/ 59 CENEVIVA, Walter. Op. cit. 60 BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 36-37. 61 Conforme o Art. 29 do Código de Defesa do Consumidor: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Assenta-se que o próximo capítulo deste trabalho aprofundará a análise do conceito de consumidor. 62 Art. 1º, III, Constituição da República de 1988.

30

“Em um país de tantas diferenças sociais, econômicas e culturais, a jurisprudência brasileira foi exemplar ao estabelecer que a publicidade abusiva e enganosa atinge a todos, mesmo aqueles excluídos do consumo, aqueles aos quais a publicidade não se dirige, pois não possuem condições para consumir, mas que, por intermédio da televisão, placares e outdoors deste imenso País, são atingidos, expostos a estas práticas comerciais abusivas. Em belíssima visão de plenitude do consumidor equiparado como sujeito de direitos (em potencial), como pessoa, mais do que como homo economicus ou ser razoável, estabeleceu uma visão de consumidor digno”.63

Essa noção de “consumidor” poderá ser observada na jurisprudência brasileira, em especial na publicidade abusiva, como demonstrou o leading case da “Nestlé”64, no qual foram considerados consumidores crianças pobres que não contratavam ou consumiam os produtos em questão. Tendo em vista que o destinatário da mensagem publicitária é a coletividade65, a defesa contra ela também será coletiva. Claudia Lima Marques (2013, p. 864-865) nota que o Ministério Público e as associações de defesa dos consumidores estão fazendo uso constante das Ações Civis Públicas para evitar a publicidade abusiva ou enganosa, como no caso abaixo: “Ação Civil Pública. Propaganda Enganosa. Art. 37 do CDC. Propaganda veiculada nos meios de comunicação para a realização de curso de juízes arbitrais e mediadores, garantindo salários rendosos, possibilidade de atuarem em câmaras já constituídas e palestrantes que não confirmaram sua participação. Informações não condiziam com a realidade. Sempre que o anúncio for capaz de induzir o consumidor em erro, mesmo que esta não seja a intenção do anunciante, caracterizada está a publicidade enganosa, ao que dispõe o Código de Defesa do Consumidor. Sentença mantida. Apelo desprovido. Unânime”. (TJRS, Ap. Cível 70004023669, 20ª Câmara Cível, Rel. Rubem Duarte, j. 17.11.2004).

Além do consumidor destinatário, figuram como principais atores da mensagem publicitária o anunciante, a agência de publicidade e veículo de comunicação.

63

MARQUES, Claudia Lima, op.cit. p. 830. Processo 01191756947, Rel. Wilson Carlos Rodycz, j. 22.02.1992. A análise deste caso é feita de forma mais detalhada no Capítulo 3 deste trabalho. 65 Lembra-se, aqui, a diferença entre danos individuais homogêneos, coletivos e difusos, de acordo com o Art. 81 do Código de Defesa do Consumidor: “A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. 64

31

O anunciante é o responsável imediato, pois o anúncio a ele aproveita diretamente. Também chamado de fornecedor, é a empresa interessada em promover a venda de seus produtos ou serviços. A agência, por sua vez, é a pessoa ou empresa que, por conta de seu cliente, anunciante fornecedor, cria e produz o anúncio. O veículo ou meio de comunicação, por fim, será a empresa que coloca à disposição do anunciante um meio, canal, para transmissão da mensagem, o que pode ser feito através de um jornal, de cartazes, da rádio, da televisão, entre outros.66 Para Rizzatto Nunes67, a responsabilidade do anunciante, da agência e do veículo é objetiva e solidária, seguindo a disposição do parágrafo único do Art. 7º do Código de Defesa do Consumidor.68 “Seguindo a regra geral da Lei 8.078/90, para a averiguação da abusividade do anúncio não há necessidade de exame do dolo ou da culpa do anunciante. Para que fique caracterizada a infração, basta que o anúncio em si comporte abusividade ou que na sua relação real com o produto ou serviço anunciado possa causar dano. Não há que fazer a pergunta a respeito de dolo ou culpa, porque, mesmo que esses elementos não se verifiquem, ainda assim o anúncio será tido como abusivo. A responsabilidade do anunciante, de sua agência e do veículo é objetiva, e como tal será considerada”.69

Esta visão é corroborada pelos Arts. 3º e 45, alíneas “b” e “e”, do Código Nacional de Autorregulamentação Publicitária: “Art. 3º Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor”. “Art. 45: A responsabilidade pela observância das normas de conduta estabelecidas neste Código cabe ao Anunciante e a sua Agência, bem como ao Veículo, ressalvadas no caso deste último as circunstâncias específicas que serão abordadas mais adiante, neste Artigo: b) A Agência deve ter o máximo cuidado na elaboração do anúncio, de modo a habilitar o Cliente-Anunciante a cumprir sua responsabilidade, com ele respondendo solidariamente pela obediência aos preceitos deste Código; e) A responsabilidade do Veículo será equiparada à do Anunciante sempre que a veiculação do anúncio contrariar os termos de recomendação que lhe tenha sido comunicada oficialmente pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária - CONAR”.

66

CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 18. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. op. cit. p. 565. 68 “Art. 7º (...) Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. 69 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. op. cit. 565. 67

32

Estes sujeitos só não seriam responsabilizados quando a ocorrência da enganosidade ou abusividade fosse posterior ao anúncio, como em interessante exemplo trazido por Rizzatto Nunes: “O fornecedor-anunciante encomenda para agência a elaboração de um anúncio para inserção em jornais e revistas oferecendo 50% de desconto em seus produtos. A agência elabora o anúncio e manda veiculá-lo. No dia seguinte os consumidores vão até o estabelecimento do anunciante e constatam que o desconto é de apenas 20%. (...) Note-se que a mensagem do anúncio em si não é enganosa; a enganosidade surgiu depois, no momento real do comparecimento do consumidor à loja”.70

Claudia Lima Marques (2013, p. 864) ressalta, no entanto, que não é preocupação do Código de Defesa do Consumidor imputar responsabilidade à agência ou ao veículo, responsabilizando apenas o anunciante fornecedor que se beneficia da publicidade. Para a professora, toda a cadeia de fornecedores anunciantes será solidariamente responsável pela mensagem publicitária, na forma do Art. 18 do Código de Defesa do Consumidor. “A publicidade integra o contrato (faz parte da oferta) como uma cláusula ou promessa a mais realizada pelo fornecedor que ‘a veicular ou dela se utilizar’; logo, não importa se foi o fornecedor direto ou algum fornecedor da cadeia solidária, fabricante, chefe do grupo bancário ou da franquia que veiculou, todos 71 ficam vinculados (v. Art. 30 c/c 18, 20, 22 e 35)”.

Ressalta, ainda, que há a possibilidade de direito de regresso72 do fornecedor responsável contra outro fornecedor, anunciante, agência ou veículo que efetivamente cometeu o erro. Antônio Herman Benjamin73, por sua vez, detalha que a agência e o veículo serão apenas corresponsáveis quando agirem culposa ou dolosamente, mesmo em sede civil. Logo, teriam eles, uma responsabilidade meramente subjetiva, em sentido contrário à responsabilidade objetiva do fornecedor.

70

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. op. cit. p. 566. MARQUES, Claudia Lima. op. cit. p. 828. 72 Este direito de regresso obedeceria, na opinião da Prof. Claudia Lima Marques, as regras de direito comercial e civil e não do direito do consumidor, pois não envolveria sujeitos vulneráveis equiparáveis a consumidor. 73 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. 71

33

Observa-se divergência também na jurisprudência quanto à responsabilização do veículo de comunicação74. Destaca-se o REsp 92395/RS, no qual o STJ considerou o veículo culpado.75. Não se pode olvidar que os agentes publicitários e o veículo de comunicação têm o dever ético de recusarem a produção e a veiculação de mensagens abusivas e enganosas.76 Dentre as sanções administrativas trazidas pelo Art. 56 do Código de Defesa do Consumidor, tem destaque para o tema da publicidade a Contrapropaganda A sanção tem por base o Princípio da Correção do Desvio Publicitário e pretende a restauração da realidade dos fatos, obrigando o fornecedor a veicular nova mensagem publicitária que desfaça os impactos causados pela publicidade ilícita anteriormente transmitida. “Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator. §1º A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva”.

Valéria Chaise (2001, p. 32) explica que a doutrina não é pacífica quanto à possibilidade de imposição da contrapropaganda pelo Poder Judiciário, uma vez que o parágrafo 4º do Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor que previa o instituto foi vetado. No entanto, o Poder Judiciário, no intuito de prevenir a publicidade ilícita, vem condenando os fornecedores à contrapropaganda, com base nos Arts. 6º, inciso VI e 56, XII do Código de Defesa do Consumidor. Para exemplificar, traz-se os seguintes julgados77 envolvendo a contrapropaganda: “REVELIA - EFEITOS - PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO - CDC - CONTRAPROPAGANDA. 1) Os efeitos da revelia no direito pátrio são relativos, uma vez que nele predominante o princípio do livre convencimento do juiz, podendo este firmar seu juízo de convicção através de outros meios. 2) Tratando-se de erro material constante de material de propaganda, a divulgação posterior de publicidade corrigindo o equívoco, pelos mesmos meios de divulgação inicial, procedida de forma ampla, atende ao que dispõe o artigo 60, § 1º, do CDC. 3) Recurso não provido”. (TJMG, 200000036895250001, Rel.

74

MARQUES, Claudia Lima, op.cit. p. 864-865. No caso em questão, a emissora SBT foi considerada culpada pela propaganda enganosa e pelo produto defeituoso em episódio no qual um consumidor adquiriu um bilhete da Telessena em branco e não conseguiu trocá-lo. 76 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. op. cit. p. 566 – 567. 77 Vide também Apelação Cível n. 598498970, 4ª Câmara Cível do TJRS, de 17.02.1999, transcrita na Seção 1.3.3 deste trabalho. 75

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ALBERTO ALUÍZIO PACHECO DE ANDRADE, j. 12/11/2002) (grifos inseridos) “CONSUMIDOR Ação Civil Pública Parcial procedência da ação Publicidade enganosa Ré que ofereceu ao consumidor, mediante anúncios em revistas, comerciais de televisão e demais meios informativos, o modelo do automóvel i30, indicando ser equipado com vários itens de série mesmo na versão "básica", sendo que os estão disponíveis apenas na sua versão mais "luxuosa" Determinação de contrapropaganda. Dano moral difuso caracterizado. Recurso do Ministério buscando a condenação genérica nos termos do art. 95 do CDC, majoração da condenação do dano moral e obrigação da ré em abster-se de publicar anúncios da mesma espécie. Recurso da ré alegando ausência de publicidade enganosa - Descabimento Prova de que a ré forneceu os dados para as matérias publicadas. Publicidade enganosa nos termos do art. 37, § 1º, do CDC. Prática que por si só causa dano ao consumidor Contrapropaganda com o fim de esclarecer o consumidor. Dano moral difuso configurado. Valor fixado em R$ 540.000,00, majorado para R$ 1.000.000,00. Recurso parcialmente provido”. (TJSP – Ap. 01493354120108260100, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Ramon Mateo Júnior, j: 12/06/2013) (grifos inseridos)

Por fim, além das sanções administrativas, o Código de Defesa do Consumidor também prevê o controle da publicidade no âmbito penal nas seguintes hipóteses: a)   crime de publicidade enganosa (art. 67); b)   crime de publicidade abusiva (art. 67); c)   crime de publicidade capaz de provocar ou encorajar comportamento prejudicial à saúde ou segurança do consumidor (art. 68); d)   crime de não-organização dos dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade (art. 69).

1.5  Controle da Publicidade

Diante do exposto, conclui-se necessário algum tipo de controle da publicidade a fim de evitar os abusos publicitários e proteger os consumidores. Sendo a publicidade um fenômeno próprio da sociedade de consumo e um meio lícito de promover e estimular o mercado de consumo, deve-se ter em mente uma forma de contenção e limite da publicidade, para que esta se baseie nos princípios básicos que guiam as relações entre fornecedores e consumidores, em especial a boa-fé. Antônio Herman Benjamin (1994, p. 48) assevera que a posição de banir totalmente a publicidade é uma visão infantil e radical, que desconhece do fato de que a publicidade é um

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fenômeno de difícil eliminação da sociedade capitalista; além de ser um golpe muito forte na sustentação financeira dos veículos de comunicação em massa. O controle da publicidade possui vários objetivos, entre eles favorecer e ampliar a concorrência, garantir um fluxo adequado de informações; evitar abusos no exercício de seu poder de persuasão e limitar seu potencial de modificação de padrões culturais. O autor divide cada um desses objetivos em uma forma de modelo de controle de publicidade, baseados no escopo do controle, conforme se analisará a seguir.

1.5.1   Por que controlar a Publicidade? Modelos de controle da Publicidade com base no objetivo do controle

1.5.1.1  Modelo Concorrencial

Enxerga os desvios da publicidade como prejudiciais à concorrência, uma vez que a publicidade ilícita, em especial a enganosa, colocaria o adversário concorrente que se utilizou de argumentos indevidos e falsos em uma posição de vantagem. Do mesmo modo, o abuso na publicidade também seria um fator que faria o consumidor perder confiança no mercado, prejudicando todos os concorrentes. É uma visão superada, pois prioriza de forma exagerada o fornecedor em detrimento ao consumidor.78

1.5.1.2  Modelo Informativo

Pressupõe que a publicidade deve ser um instrumento de informação e visa assegurar a informação como forma de consentimento adequado e de ampliação na liberdade de escolha do consumidor. É o modelo dominante e contribui para um mercado de consumo mais saudável com informações corretas.

78

BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 42-43.

36

Na visão de Antônio Herman Benjamin, (1994, p. 46), no entanto, este é um modelo que se torna insuficiente, pois identifica apenas um mínimo de proteção ao consumidor. Controlar a informação serve de forma adequada para impedir a publicidade enganosa, mas não consegue alcançar a publicidade abusiva. Ademais, ao focar-se de forma única na informação, esquece que a publicidade também possui um viés persuasivo que dificilmente deixará que a informação se demonstre de forma plena e objetiva, o que faz deste modelo, nas palavras do autor79, uma forma de “alienação ideológica”. Ressalta-se que em países em desenvolvimento, como no Brasil, a publicidade é a principal forma de transmissão da informação no âmbito do consumo, senão o único veículo para tal, uma vez que as outras formas de transmitir informações, como a rotulagem de produtos, os contratos, as campanhas, os testes comparativos - muito utilizadas nos países desenvolvidos - não são realizadas, são desconhecidas ou ineficientes devido ao alto número de analfabetos.

1.5.1.3  Modelo de Manipulação de Preferências

É a publicidade que visa diferenciar a imagem dos produtos e serviços disponíveis no mercado. O intuito deste modelo é transformar e manipular os interesses dos consumidores através de uma diferenciação artificial, incentivando a criação de desejos e preferências relacionados a diferentes marcas, ao invés da compra pela simples satisfação de necessidades reais.

1.5.1.4  Modelo Cultural

É notório que a publicidade é um privilegiado instrumento de formação de comportamentos. Logo, deve-se atentar para o grau de influência da publicidade nas ideologias particulares dentro da sociedade. Se a publicidade é capaz de criar, reforçar,

79

BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 46.

37

transformar ou extinguir valores dentro da sociedade, pode-se afirmar que a publicidade também é responsável pela substituição de matizes culturais e estereótipos. Este modelo enxerga a publicidade como forma de controle social e tem o intuito de controlar a publicidade para dar uma visão crítica ao consumidor que está inserido em uma indústria cultural que o impede de pensar claramente. Antônio Herman Benjamin (1994, p. 47-48) assevera que o Estado se manifesta de forma indiferente para com os aspectos culturais da publicidade, o que dificulta um adequado controle da publicidade abusiva.

1.5.2   Como controlar a Publicidade? Modelos de controle da Publicidade com base na interferência estatal

Além da divisão analisada acima, é possível dividir o controle da publicidade tendo em mente a forma como se dará esse controle. Os modelos analisados a seguir considerarão o aparato de regulamentação da publicidade baseado na presença ou ausência do Poder Público.

1.5.2.1  Modelo Autorregulamentar Puro

Constitui um sistema de controle interno, no qual apenas o próprio setor publicitário controla a publicidade, através de códigos de ética criados por órgãos próprios e privados, sem interferência estatal. A autorregulamentação traz consigo um conteúdo de “legítima defesa”, de proteção da livre iniciativa e o intuito de melhorar a imagem da publicidade.80 Este modelo traz vantagens devido à rapidez na resolução de conflitos e a ausência de onerosidade ao consumidor. Ao mesmo tempo, é visto com desconfiança pelos juristas, pois suas normas não têm caráter legal, possuindo eficácia limitada e carência de coerção efetiva das suas medidas.81

80 81

CHAISE, Valéria Falcão. Op.cit. p. 25. BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 50-51.

38

Ademais, a Diretiva do Conselho das Comunidades Europeias n. 84/45082 expressamente condena um modelo exclusivamente autorregulamentar. No Brasil, foi criado o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) em 1980 para controlar a publicidade no âmbito privado. O CONAR constitui uma associação civil formada por agentes do mercado publicitário. Na mesma época, em 1978, foi aprovado pelo III Congresso Brasileiro de Propaganda um conjunto de normas de caráter privado que se tornou o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Antônio Herman Benjamin (1994, p. 49) ressalta que é de fácil constatação que o controle interno da publicidade no Brasil, como em outros países, não é suficiente para coibir abusos na publicidade. Carlos Alberto Bittar83 entende que a ação do CONAR, por mais saneadora que tenha sido, não impediu o fato de que “inúmeras mensagens incompatíveis com os citados valores povoaram as televisões, revistas, rádios, jornais e outros veículos de comunicação, a exigir a criação de regime jurídico-estatal do controle de publicidade”.

1.5.2.2  Modelo Estatal Puro

Pressupõe que somente o Estado é capaz de impor limites apropriados à publicidade para coibir abusos. Isso se dá pelo aparato estatal mais técnico que o privado, com a disposição de órgãos especializados e instrumentos de coerção mais eficazes. No entanto, esse sistema de controle externo traz desvantagens, uma vez que se apresenta mais lento, de difícil adaptação às rápidas mudanças do mercado e oneroso aos consumidores devido à movimentação da máquina pública.84.

1.5.2.3  Modelo Misto

82

Por exemplo, no trecho: “Esta Diretiva não exclui o controle voluntário da publicidade enganosa por mecanismos autorregulamentares, se os procedimentos perante tais organismos forem em adição aos procedimentos judiciais ou administrativos” (grifos inseridos). 83 BITTAR, Carlos Alberto, 1992, apud CHAISE, Valéria Falcão. op.cit. p. 27. 84 BENJAMIN, Antônio Herman V. op.cit. p. 51.

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Modelo visto como ideal, por misturar a atuação estatal à autorregulamentação. Há a verificação dos controles interno e externo inseridos em um mesmo sistema. Entende-se que o sistema de autorregulamentação não é suficiente para exercer a autoridade necessária das decisões, de modo que se aplicado isoladamente, apresenta riscos ao consumidor. No modelo misto, é possível a proteção do consumidor de forma repressiva, reparatória e preventiva, sendo esta última a ideal, especialmente com a atuação do Poder Judiciário através de medidas cautelares85. O Código de Defesa do Consumidor adota esse sistema, conjugando a autorregulamentação e a participação da Administração e do Poder Judiciário. Salienta-se, porém, que a publicidade repreendida pelo Código é apenas aquela caracterizada como abusiva ou enganosa. Valéria Chaise (2001, p. 41) destaca que o CONAR sempre foi atuante, embora suas decisões não sejam coercitivas. É o que se observa pelo Boletim de Jurisprudência do CONAR, que publica alguns casos julgados pelo Conselho de Ética, demonstrando que o Conselho está cumprindo o seu papel de orientar o mercado.86 A mesma autora traz um exemplo de atuação conjunta do controle externo exercido pelo Poder Público e do controle interno exercido pelo CONAR. É um caso de publicidade enganosa anterior à edição do Código de Defesa do Consumidor que envolvia campanha de ar condicionado de duas fabricantes. O comercial da primeira sustentava “tem horas que a melhor resposta é o silêncio: linha mundial S” e a segunda dizia “silêncio sob medida”. O Conselho de Ética do CONAR entendeu que ambas as propagandas passavam o sentido de um silêncio absoluto, que não era o que ocorria com o aparelho em funcionamento e recomendou que fossem alteradas. Todos os anúncios foram devidamente alterados à época, por recomendação do CONAR. Além disso, o Ministério Público Federal, em 1989, ajuizou Ação Civil Pública objetivando a reparação dos danos causados aos consumidores e as empresas foram condenadas em sentença proferida pelo Juiz da 21ª Vara da Justiça Federal por prática de publicidade enganosa.87 Por fim, em episódio recente, o CONAR acatou um pedido de liminar feito pela operadora de telefonia Oi, suspendendo uma campanha “Claro Pré é o chip da internet” da 85

Ibid. p. 52. Exemplos: Representação n. 022/97: “O anúncio não deve contribuir para a banalização da violência, problema que vem afligindo toda a sociedade brasileira” ou, ainda, Representação n. 151/96: “o anúncio pode estabelecer o debate de ideias em torno da privatização de serviços públicos; não deve, no entanto, provocar eventual e injusto pânico entre seus usuários”. 87 Conforme artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil, em 26 de abril de 1994 – citado por Valéria Chaise, 2001, p. 30. 86

40

operadora Claro, que foi veiculada em seu site e no YouTube anunciando acesso gratuito aos aplicativos WhatsApp, Facebook e Twitter na franquia pré-paga, mas omitindo detalhes sobre cobranças e condições para acesso aos serviços que, portanto, tornavam o uso oneroso.88

88

Conforme artigo publicado na página eletrônica do Jornal O Globo em 17 de julho de 2015. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/conar-suspende-campanha-da-claro-por-propagandaenganosa-16803447

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2   VULNERABILIDADE

2.1  Vulnerabilidade no Direito do Consumidor

O sujeito vulnerável é aquele que se encontra em uma posição frágil, inferior, passível de ser ameaçado ou ofendido. A vulnerabilidade se conceitua nesta ideia de submissão e inferioridade. Heloisa Helena afirma que todos os seres humanos são, por natureza, vulneráveis, visto que são todos passíveis de serem feridos. No entanto, nem todos as pessoas são atingidas da mesma forma, revelando diferentes níveis de vulnerabilidade. Para a autora, a vulnerabilidade se apresenta sob múltiplos aspectos existenciais, sociais e econômicos e deve ser conceituada considerando a cláusula geral de tutela da pessoa humana. Logo, apesar do conceito incluir qualquer pessoa, destaca-se que determinados seres vivos são circunstancialmente fragilizados ou vulnerados. Um exemplo disso são os trabalhadores e os consumidores, no que concerne as situações patrimoniais, e as crianças e adolescentes, em referência às situações existenciais. Para uma efetiva proteção, complementa a autora, é preciso atentar para as situações substanciais específicas, para que, mediante uma tutela específica, a proteção constitucional possa ser concretizada.89 No âmbito consumerista, pode-se observar que é vulnerável aquele que está submetido ao mercado e não tem controle sobre o processo produtivo.90 A Resolução da ONU nº 29/248 reconhece a vulnerabilidade dos consumidores e confirma o seu desequilíbrio no tocante à condição econômica, educacional e capacidade financeira.91 Claudia Lima Marques92 define a vulnerabilidade como um conceito multiforme e indeterminado, em suas palavras: 89

BARBOZA, Heloisa Helena. Vulnerabilidade e cuidado: aspectos jurídicos. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme. Cuidado e Vulnerabilidade. Ed. Atlas S.A.: São Paulo, 2009, p. 106-111. 90 CARPENA, Heloisa. O Consumidor no Direito da Concorrência. Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2005. p. 182. 91 BITENCOURT, José Ozório de Souza. O princípio da vulnerabilidade: Fundamento da Proteção Jurídica do Consumidor. Revista da EMERJ, v. 7, n.25. Ed. EMERJ: Rio de Janeiro, 2004. p. 258. 92 Ver no mesmo sentido: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, Ed. Atlas: São Paulo, 2011; NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Op. cit.; MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. Ed. RT: São Paulo, 2014; KONDER, Carlos Nelson. Vulnerabilidade patrimonial e vulnerabilidade existencial : por um sistema diferenciador. Revista de Direito do Consumidor, vol. 24, n. 99, p. 101 - 123. São Paulo: Ed. RT, 2015; e CALIXTO, Marcelo Junqueira. O Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor. In:

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“Um estado de fraqueza sem definição precisa, mas com muitos efeitos na prática, em especial, pois presumida e alçada a princípio de proteção dos consumidores. É um estado de pessoa, um estado inerente de risco, ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificado no mercado, é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação”.93

Reforça a autora que a vulnerabilidade servirá para justificar a própria existência da norma protetiva do consumidor. Além disso, irá definir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor tendo como objetivo o reequilíbrio das relações de consumo. O Princípio da Vulnerabilidade está expressamente elencado no Código de Defesa do Consumidor em seu Art. 4º, I, abaixo transcrito: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.

Importante destacar a relação intrínseca entre o Princípio da Vulnerabilidade e o Princípio da Igualdade. Nota-se que o sujeito que é vulnerável necessariamente se encontra em uma situação desigual. Por isso, Heloisa Carpena afirma que a vulnerabilidade é um subprincípio derivado do princípio constitucional da igualdade, expresso no caput do Art. 5º da Constituição da República.94 A noção de igualdade, por sua vez, está em harmonia com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Conclui-se, então, que a vulnerabilidade será “uma projeção da isonomia substancial e da dignidade da pessoa humana”.95 Assim, será o exame detalhado da noção de vulnerabilidade que irá garantir a justa aplicação do Código de Defesa do Consumidor a fim de respeitar os princípios supracitados. Por fim, o Princípio da Vulnerabilidade também atuará de modo a indicar o conceito jurídico de consumidor, como se verá no tópico a seguir.

MORAES, Maria Celina Bodin de (Coord.). Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006. 93 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 6ª ed. Ed. RT: São Paulo, 2011. p. 322 - 323. 94 CARPENA, Heloisa. op.cit. p. 183. 95 Ibid. p. 184.

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2.2  Conceito de Consumidor e a Vulnerabilidade

Existem grandes controvérsias na doutrina e na jurisprudência entorno do conceito de consumidor. O caput do Art. 2º do Código de Defesa do Consumidor traz a noção econômica de consumidor, desta forma: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Logo, para o Código, é consumidor aquele que adquire bens ou utilize serviços como destinatário final. Este conceito integra-se ao conceito de fornecedor do Art. 3º, bem como com as definições de produto e serviço, dos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo – definindo, assim, a relação de consumo.96 Portanto, tendo como pressuposto a desigualdade entre as partes na relação de consumo, será a destinação dada ao produto ou serviço adquiridos que definirá o âmbito da aplicação do conceito de consumidor. Neste sentido, três teorias são desenvolvidas para tentar explicar e aprofundar a noção de consumidor trazida pelo Código: (i) teoria maximalista; (ii) teoria finalista ou teleológica; e (iii) teoria do finalismo aprofundado. Para os maximalistas, o Código de Defesa do Consumidor é uma ferramenta para regular o mercado de forma geral, abrangendo o máximo de relações possíveis. Por isso, trazem uma interpretação extensiva e um conceito abrangente de consumidor. Não importa se aquele que consome esgota em si o ciclo econômico, se reutiliza ou revende o produto, se é pessoa jurídica ou física, com ou sem fim lucrativo, ainda será visto como consumidor.97 Já os finalistas, ao contrário, restringem a aplicação do Código, sustentando que este tem o objetivo de tutelar apenas o grupo mais vulnerável dentro da sociedade e não de servir como instrumento genérico de regulamentação do mercado. Claudia Lima Marques critica os maximalistas justamente por acreditar que a expansão do conceito de consumidor compromete o nível de proteção e leva a uma aplicação indiscriminada da norma. A professora acredita que o conceito de consumidor é “o pilar que 96

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. §1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. §2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. “ 97 MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 306.

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sustenta a tutela especial” e, dentro da ótica finalista, deve ser restringido àquele que adquire o bem sem o intuito de revenda ou uso profissional. Consumidor seria, então, o sujeito que retira o produto da cadeia produtiva de maneira definitiva e para uso próprio ou de sua família, ou seja, é o destinatário fático e econômico do bem ou serviço.98 Ainda segundo Claudia Lima Marques, a jurisprudência brasileira absorveu ambas as correntes, denominando a primeira de corrente objetiva (maximalista) e a segunda de subjetiva (finalista). A partir do novo Código Civil de 2002, a jurisprudência, em especial o STJ, começa a identificar certas situações em que a vulnerabilidade estava presente independentemente de haver um consumidor de forma técnica. Assim, foi tecida uma terceira teoria, denominada de finalismo aprofundado. “Denota-se certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente e desde que demonstrado em concreto a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, como pequenas empresas e profissionais liberais. Quer dizer, ao revés do preconizado pelos maximalistas, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem e do serviço, apenas, como exceção, e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante seja um profissional, passa-se a considera-lo consumidor”. (STJ, REsp 827.318/RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 12.09.2006).

Nota-se que esta última corrente irá abranger sujeitos que tecnicamente não seriam consumidores (a exemplo dos profissionais citados no julgado acima), mas que se encontram em situações de vulnerabilidade – vulnerabilidade esta que, como visto anteriormente, é o que justifica a aplicação justa das regras do Código de Defesa do Consumidor. Não se confunde o finalismo aprofundado com a corrente maximalista, pois não se está alargando indiscriminadamente o conceito de consumidor, apenas incluindo a aplicação da norma de proteção consumerista a situações excepcionais.99 No entanto, cumpre ressaltar que a própria lei estende o conceito de consumidor para alcançar outros sujeitos que a rigor não seriam consumidores.100 Observa-se, desta forma, que o Código traz quatro espécies de consumidor. São elas: a)   O consumidor strictu sensu do supratranscrito Art. 2º;

98

MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 305. Ibid. p. 350 - 351. 100 CARPENA, Heloisa. Afinal, quem é consumidor? Campo de aplicação do CDC à luz do princípio da vulnerabilidade. Revista Trimestral de Direito Civil. n. 19, v. 5, Ed. RT: São Paulo, 2004. p. 30. 99

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b)   A coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, e potenciais consumidores do parágrafo único do Art. 2º: “Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”; c)   As vítimas do acidente de consumo do Art. 17: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”; e d)   O consumidor por equiparação do Art. 29, ou seja, aquele exposto às práticas comerciais, como publicidade, oferta, cláusulas gerais e práticas abusivas: “Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Destaca-se que o Art. 29 possui importante papel na construção e aplicação da teoria do finalismo aprofundado, servindo como instrumento para a aplicação expansiva das normas protetivas quando presente o critério da vulnerabilidade.101 Convém analisar, também, algumas situações para compreender de que forma a jurisprudência tem aplicado as normas consumeristas aos profissionais e pessoas jurídicas. Heloisa Carpena102 traz os seguintes cenários para análise: a)   Pessoa jurídica que adquire ou utiliza bens e serviços para revenda, dentro da sua atividade fim; b)   Pessoa jurídica que adquire e ou utiliza bens e serviços para transformação ou incorporação no processo produtivo de outro bem ou serviço; c)   Pessoa jurídica que adquire ou utiliza bens e serviços para consumo próprio, relacionados apenas indiretamente à sua atividade fim. O primeiro caso se verifica quando a pessoa jurídica adquire bens para revenda dentro de sua atividade fim, como um importador, por exemplo. A jurisprudência, de forma geral, não aplica o Código de Defesa do Consumidor neste cenário103, como observado na ementa abaixo transcrita: “COMERCIAL. TRANSPORTE DE MERCADORIAS POR VIA MARÍTIMA. IMPORTAÇÃO DE VIDROS. DEMORA DA CONSIGNATÓRIA EM 101

MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 352. CARPENA, Heloisa. op.cit. p. 40 - 45. 103 Ibid. p. 40.

102

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DEVOLVER OS ‘CONTAINERS’. COBRANÇA DAS SOBRESTADIAS (‘DEMURRAGES’). INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR. 1. Estando provado que houve a importação de vidros e que ocorreu a demora na devolução dos ‘containers’, a responsabilidade pelo pagamento das sobrestadias é do importador consignatário. 2. Não se aplica o CDC à hipótese, pois o importador das mercadoras que irá comercializar não é destinatário final (art. 2. do CDC). 3. Apelo provido. (TJRJ, Ap. Cível 1999.001.12470, 16ª Câmara Cível, Rel. Nilson de Castro Dião, j. 14.10.1999)”. (grifos inseridos).

O segundo caso diz respeito aos insumos adquiridos pelo profissional para realização da sua atividade. Também nesse caso há a interpretação de que o ciclo econômico não será esgotado com a compra do bem ou serviço pela pessoa jurídica. No entanto, este cenário apresenta julgados contraditórios da jurisprudência, havendo ressalvas com a aplicação do Princípio da Vulnerabilidade. É o que se vê, por exemplo, quando comparados os seguintes julgados: primeiramente, o REsp 208793, que envolve a compra de adubo por um produtor agrícola para o preparo do plantio. Neste processo, o STJ considerou que houve o encerramento da cadeia produtiva, não sendo o adubo objeto de transformação – aplicando, assim, o Código de Defesa do Consumidor. “Código de Defesa do Consumidor. Destinatário final: conceito. Compra de adubo. Prescrição. Lucros cessantes. 1. A expressão "destinatário final", constante da parte final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, alcança o produtor agrícola que compra adubo para o preparo do plantio, à medida que o bem adquirido foi utilizado pelo profissional, encerrando-se a cadeia produtiva respectiva, não sendo objeto de transformação ou beneficiamento. 2. Estando o contrato submetido ao Código de Defesa do Consumidor a prescrição é de cinco anos. 3. Deixando o Acórdão recorrido para a liquidação por artigos a condenação por lucros cessantes, não há prequestionamento dos artigos 284 e 462 do Código de Processo Civil, e 1.059 e 1.060 do Código Civil, que não podem ser superiores ao valor indicado na inicial. 4. Recurso especial não conhecido”. (STJ, REsp 208793/MT, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 18/11/1999)

Por outro lado, não foi aplicado o Código neste leading case julgado pelo STF, em que se observa um contrato de comércio internacional de fornecimento de algodão celebrado com uma indústria têxtil brasileira. “HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO ARBITRAL ESTRANGEIRO. REQUISITOS FORMAIS: COMPROVAÇÃO. CAUÇÃO: DESNECESSIDADE. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA LEI Nº 9.307/96. CONTRATO DE ADESÃO: INEXISTÊNCIA DE CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS. INAPLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. Hipótese em que restaram comprovados os requisitos formais para a homologação (RISTF, artigo 217). 2. O Supremo Tribunal Federal entende desnecessária a caução em homologação de sentença

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estrangeira (SE nº 3.407, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, DJ DE 07.12.84). 3. As disposições processuais da Lei nº 9.307/96 têm incidência imediata nos casos pendentes de julgamento (RE nº 91.839/GO, RAFAEL MAYER, DJ de 15.05.81). 4. Não é contrato de adesão aquele em que as cláusulas são modificáveis por acordo das partes. 5. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, conforme dispõe seu artigo 2º, aplica-se somente a "pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Pedido de homologação deferido”. (STF, SEC 5847/IN, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 01/12/1999).

Por último, o terceiro caso seria a pessoa jurídica consumidora que adquire bens e serviços que não serão empregados na sua atividade fim. Identifica-se quase que uma unanimidade na jurisprudência no sentido de considerar a pessoa jurídica consumidora neste cenário.104 A dificuldade, neste caso, reside apenas na determinação de quais bens ou serviços são de fato destinados à atividade fim da pessoa jurídica. As duas maiores problemáticas se relacionam aos contratos de prestação de serviços essenciais e aos contratos bancários ou financeiros. No que tange os contratos bancários ou financeiros, a jurisprudência tende a não aplicar o Código quando presentes os objetivos de financiar a atividade produtiva ou incrementar a atividade negocial. No entanto, Heloisa Carpena faz uma importante ressalva ao observar que dessa forma dificilmente se aplicariam as normas consumeristas.105 A autora identifica que a interpretação correta cogita aspectos da vulnerabilidade, quase sempre presentes em se tratando de bancos comerciais. No tocante aos serviços essenciais, o mesmo cenário de incerteza se apresenta. Há decisões que não aplicam o Código de Defesa do Consumidor, desprotegendo a pessoa jurídica inclusive de práticas comerciais abusivas e cobranças vexatórias. Heloisa Carpena e Claudia Lima Marques106, no entanto, afirmam que se deve notoriamente considerar a pessoa jurídica consumidora quando se tratar de serviços essenciais, especialmente quando prestados em regime de monopólio. Neste cenário, sempre haverá vulnerabilidade, mesmo que se trate de uma empresa de grande porte. A imprescindibilidade de tais serviços, por si só, já é suficiente ao reconhecimento da vulnerabilidade de forma genérica. É o que se observa na Ementa do STJ colecionada abaixo: “ADMINISTRATIVO. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO 104

CARPENA, Heloisa. op.cit. p. 43. Ibid. p. 43 - 44. 106 CARPENA, Heloisa. op.cit. p. 45 e MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 333 – 334.

105

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DOS ARTS. 2º E 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC. 1. Há relação de consumo no fornecimento de água por entidade concessionária desse serviço público a empresa que comercializa com pescados. 2. A empresa utiliza o produto como consumidora final. 3. Conceituação da elação de consumo assentada pelo art. 2º do Código de Defesa do Consumidor. 4. Tarifas cobradas a mais. Devolução em dobro. Aplicação do art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor. 5. Recurso provido”. (STJ, RESP 263229/SP; 1ª Turma; Rel. Min. José Delgado; j. 9.4.2001).

Diante do exposto, não restam dúvidas de que será a ideia de vulnerabilidade que delimitará a melhor aplicação do Código e orientará a interpretação da expressão “destinatário final”. A regra do Art. 2º, portanto, deve ser interpretada de acordo com o sistema de tutela especial do Código de Defesa do Consumidor e conforme a finalidade da norma consumerista, claramente determinada pelo Art. 4º do Código. Somente uma interpretação teleológica permitirá definir de forma ideal os consumidores e prever as exceções em relação à pessoa jurídica, sempre levando em conta o critério da vulnerabilidade.

2.3  Formas de Vulnerabilidade

A vulnerabilidade é um estado de fato que poderá se manifestar de várias formas. Uma divisão muito usada na doutrina e na jurisprudência é a da Professora Claudia Lima Marques107, que divide a vulnerabilidade em quatro aspectos. Basta que um deles se manifeste para que a pessoa seja considerada consumidora.108

2.3.1 Vulnerabilidade Técnica

É vulnerável de forma técnica aquele que não possui conhecimento suficiente para avaliar a qualidade do produto ou serviço nem os riscos que estes apresentam. Refere-se a um conhecimento específico que possibilita uma escolha livre, prévia e esclarecida do consumidor na hora da compra do bem ou serviço, de forma a não ser enganado quanto às 107

MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 323 – 342. CARPENA, Heloisa. O Consumidor no Direito da Concorrência. Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2005. p. 187. 108

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características do que se está adquirindo. A medida da vulnerabilidade técnica não será dada pelo consumidor médio, mas pelo adquirente específico, avaliando suas qualidades e características pessoais dentro da ótica do caso concreto. 2.3.2 Vulnerabilidade Jurídica ou Científica

O consumidor vulnerável juridicamente ou cientificamente tem dificuldade em conhecer os seus direitos ou os aspectos contábeis e econômicos envolvidos na relação de consumo. É aquele que não dispõe de meios de acesso à justiça, sendo menos esclarecido em relação aos seus direitos e menos capaz de efetivá-los.

2.3.3   Vulnerabilidade Fática ou Socioeconômica

Esta vulnerabilidade é observada quando há um cenário de monopólio entre fornecedores ou diante de alguma situação de superioridade econômica do fornecedor. O consumidor é claramente frágil em face da forte posição econômica do fornecedor, não havendo àquele possibilidade de negociação. É o que ocorre no caso da prestação de bens e serviços essenciais visto no tópico anterior.

2.3.4   Vulnerabilidade Informacional

Verifica-se com a desigualdade existente na disposição e oferecimento da informação entre consumidores e fornecedores. Observada sob uma perspectiva mais ampla, como problema intrínseco da sociedade moderna atual que tenta lidar com o excesso de informação. Neste cenário, o consumidor se vê mais vulnerável, pois não consegue acompanhar a oferta de informações existentes. A vulnerabilidade informacional é presumida com a intenção de impor ao fornecedor o dever de compensar este novo fator e risco na sociedade e o cumprimento de seus deveres de boa-fé. Claudia Lima Marques afirma que essa vulnerabilidade informacional, mais do que as

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anteriores, é essencial à dignidade do consumidor, em suas palavras: “o conjunto informacional e de aparências é valorizado a ponto de ser instrumento de defesa da dignidade da pessoa humana”.109 Importante ressaltar que muitos princípios estão envolvidos neste aspecto informacional da vulnerabilidade, como o direito à vida, à liberdade de escolha, à informação e a proteção dos interesses do consumidor. Essa vulnerabilidade informacional é valorizada, especialmente, em exemplos de produtos e serviços alimentícios que afetam diretamente a saúde dos consumidores. Como exemplo, pode-se citar o Art. 220 da Constituição da República que regula a publicidade de tabaco e medicamentos e o Decreto 4.680/2003 que regula a informação ao consumidor de alimentos geneticamente modificados. Há uma presunção legal absoluta quanto à vulnerabilidade do consumidor.110. Assim, a princípio, o consumidor será visto como vulnerável, seja de forma técnica, jurídica, fática ou informacional. No entanto, somente a situação de vulnerabilidade do consumidor pessoa física que é presumida pela lei, enquanto a de pessoa jurídica deve ser demonstrada e aferida caso a caso. Logo, desde que demonstrada alguma dessas formas de vulnerabilidade do consumidor profissional e pessoa jurídica, será admitida a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor. Porém, como já mencionado, trata-se de um caso excepcional, e não da regra – devendo haver uma necessária conjunção de fatores finalísticos, entre a destinação final fática e econômica do produto ou serviço e o ratio da vulnerabilidade.111

2.4   Vulnerabilidade e Hipossuficiência

Importante apontar que o Princípio da Vulnerabilidade não se confunde com a noção de hipossuficiência. A hipossuficiência se aplica no âmbito processual, quando o consumidor possui dificuldades de provar o fato constitutivo de seu direito.112 Enquanto a vulnerabilidade, expressa no Art. 4º, I do Código de Defesa do Consumidor, justifica a criação dos meios de defesa ao consumidor, a hipossuficiência está 109

MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 336. CARPENA, Heloisa. op.cit. p. 188. 111 MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 343. 112 CARPENA, Heloisa. op.cit. p. 185. 110

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mencionada no texto consumerista no Art. 6º, VIII. Como se afirmou anteriormente, a vulnerabilidade é presumida. A hipossuficiência, por sua vez, deve ser demonstrada.113 É o que se compreende pela redação do dispositivo legal, abaixo transcrito. “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; “ (grifos inseridos)

Logo, é considerado hipossuficiente somente aquele que, por ausência de condições, tem menos chance de reunir as provas que demonstrem a existência do seu direito. Ademais, observa-se que a vulnerabilidade importa para o direito material, sendo fonte de direitos e deveres. Já a hipossuficiência traz efeitos no plano processual e se constatada implicará na determinação da inversão do ônus da prova pelo juiz. Vê-se, portanto, que a determinação da hipossuficiência se dá em concreto pelo magistrado de acordo com a ausência de condições de defesa, seja por razoes técnicas, econômicas ou até mesmo, por exemplo, porque o consumidor não obteve a cópia do contrato realizado com o fornecedor.114 Parte da doutrina implica que é a condição financeira inferior que caracteriza a hipossuficiência do consumidor. Contudo, há um entendimento oposto que defende que o conceito de hipossuficiência deve ser geral e abranger a dificuldade do consumidor de produzir provas como um todo, não importando se isso se dá por uma condição intelectual, financeira, física, técnica, econômica ou da própria natureza do serviço prestado ou produto adquirido.115 “O reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais ‘pobre’. Ou, em outras palavras, não é por ser mais ‘pobre’ que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição econômica do consumidor diz respeito ao direito 116 material”.

No mesmo sentido relatou o Min. Sidnei Beneti no julgado abaixo:

113

PEREIRA, Isabella Cristina Ribeiro. A vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor: distinções significativas. Revista Jurídica Consulex. Ano XVII, Nº 399, Ed. Consulex: Brasília, 2013. p. 64. 114 PEREIRA, Isabella Cristina Ribeiro. op.cit. p. 64. 115 Ibid. p. 65. 116 NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. DANOS MATERIAIS E MORAIS PELO FATO DO PRODUTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. HIPOSSUFICIÊNCIA. AMPLA DEFESA. 1.Para garantia do exercício do direito de ampla defesa do consumidor, estabelece-se a possibilidade a inversão do ônus da prova em seu benefício quando a alegação por ele apresentada seja verossímil ou, alternativamente, quando for constatada a sua hipossuficiência. 2.A hipossuficiência a referida pela Lei 8.078/90 na parte em que trata da possibilidade de inversão do ônus da prova está relacionada, precisamente, com o exercício dessa atividade probatória, devendo ser compreendida como a dificuldade, seja de ordem técnica seja de ordem econômica, para se demonstrar em juízo a causa ou a extensão do dano. [...] (STJ, REsp 1325487/MT, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 14.09.2012) (grifos inseridos).

2.5   Hipervulnerabilidade

A Constituição da República procurou proteger algumas pessoas por sua natural vulnerabilidade. É o que ocorre com os consumidores (Art. 5º, XXXII) e com os trabalhadores rurais e urbanos (Art. 7º). No entanto, existem sujeitos que merecem uma tutela de proteção mais densa, por serem considerados ainda mais vulneráveis: estes sujeitos são denominados de hipervulneráveis. Claudia Lima Marques117 define a hipervulnerabilidade, também chamada de vulnerabilidade agravada, como: “A situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor, como sua idade reduzida (publicidade para crianças) ou sua idade alentada (cuidados com idosos, contratos cativos e assistência à saúde) ou sua 118 situação de doente (caso do glúten ou informações na bula de remédios).”

Enquanto a vulnerabilidade geral do Art. 4º, I do Código de Defesa do Consumidor está presente em todos os consumidores, a hipervulnerabilidade é observada em pessoas com situações específicas, normalmente em posição de grave discriminação e mais suscetíveis às violações de seus direitos. “Os hipervulneráveis são esses que exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a ‘pausterização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade 117 118

Ver no mesmo sentido: MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 126. MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 360 – 361.

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moderna. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador”. (STJ, REsp 586.316/MG, Rel. Min Herman Benjamin, j. 17.04.2007)

O Código de Defesa do Consumidor menciona esta forma de vulnerabilidade agravada no Art. 37, §2º, em relação às crianças e à publicidade abusiva, como já visto no capítulo anterior deste trabalho, e no âmbito das práticas abusivas no Art. 39, IV, transcrito abaixo: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.

A noção de hipervulnerabilidade possui garantia constitucional no que toca a proteção das crianças e adolescentes (Art. 227), idosos (Art. 230) e portadores de deficiência (Art. 227, §1º, II e §2º). Isso pode levar a compreender que somente estes sujeitos citados na Constituição da República merecem tutela especial. Atualmente, no entanto, já se entende que também outras pessoas além das supracitadas podem ser consideradas hipervulneráveis. Claudia Lima Marques leciona que a hipervulnerabilidade, assim como a vulnerabilidade geral, é um estado subjetivo multiforme e pluridimensional, e que, com base no princípio da igualdade e da equidade, podem ser incluídos outros sujeitos em situação de fraqueza, como os doentes, por exemplo.119 Logo, confirma-se que os hipervulneráveis não são somente aqueles mencionados na Constituição da República. A diferença será que aqueles mencionados teriam uma proteção constitucional adicional. Os que não estão ali contemplados dependeriam da atuação ativa do Judiciário e das especificidades do caso concreto. A jurisprudência desenvolveu a noção de hipervulnerabilidade como um corolário positivo da proibição da discriminação. Portanto, o conceito de vulnerabilidade agravada servirá para assegurar o Princípio da Igualdade, o pleno desenvolvimento da personalidade e a Dignidade da Pessoa Humana.120 Nesse sentido, traz-se à análise o seguinte julgado do Min. Antônio Herman Benjamin: “A categoria ético-política, e também jurídica, dos sujeitos vulneráveis inclui um subgrupo de sujeitos hipervulneráveis, entre os quais se destacam, por razões óbvias, as pessoas com deficiência física, sensorial ou mental. 4. É dever de todos salvaguardar, da forma mais completa e eficaz possível, os interesses e 119 120

MARQUES, Claudia Lima. op.cit. p. 361. Ibid. p. 363.

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direitos das pessoas com deficiência [...] 9. A tutela dos interesses e direitos dos hipervulneráveis é de inafastável e evidente conteúdo social [...] 10. Ao se proteger o hipervulnerável, a rigor quem verdadeiramente acaba beneficiada é a própria sociedade, porquanto espera o respeito ao pacto coletivo de inclusão social imperativa, que lhe é caro, não por sua faceta patrimonial, mas precisamente por abraçar a dimensão intangível e humanista dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade” (STJ, REsp 931.513/RS, rel. Min. Herman Benjamin, j. 25.11.2009).

Merece destaque, ainda, o voto da Min. Fátima Nancy Andrighi: “Promove-se com isso [o reconhecimento da hipervulnerabilidade] – sempre nos estritos termos da lei – a igualdade substancial entre as partes, em detrimento da mera igualdade formal – que, em última análise, é apenas uma roupagem diferente para o arbítrio” (STJ, REsp 691.738/SC, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.05.2005).

A fim de ilustrar o conceito exposto, passa-se a analisar de forma breve a situação dos portadores de deficiência, dos idosos e das crianças e adolescentes. Os portadores de deficiência apresentam uma vulnerabilidade agravada no que tange o acesso aos bens de consumo. A Constituição da República, em seus Arts. 244 e 227, §1º, II e §2º, exige que o acesso seja facilitado, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. Para os idosos, a hipervulnerabilidade se demonstra com a diminuição ou perda de aptidões físicas ou intelectuais que os tornam mais frágeis nas relações comerciais, além da maior dependência e necessidade em relação a determinados produtos e serviços. Essa maior dependência a certos contratos, notoriamente os de assistência de saúde e seguros, os tornam mais vulneráveis, ensejando a proteção Constitucional do Art. 230 e do Art. 10, §2º do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). Por fim, a situação das crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento merece especial atenção, pois são consideradas um público alvo mais vulnerável e suscetível aos efeitos persuasivos da publicidade e de outras práticas comerciais abusivas121, tendo o Código de Defesa do Consumidor reconhecido isto no âmbito da publicidade (Art. 37, §2º), bem como no das práticas abusivas (Art. 39, IV).

121

DENSA, Roberta. NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção dos consumidores hipervulneráveis: os portadores de deficiência, os idosos e as crianças e adolescentes. Revista de Direito do Consumidor, vol. 76. Ed. RT: São Paulo, 2010. p. 33.

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2.6   Direito da Criança e do Adolescente

2.6.1   Breve evolução histórica do Direito da Criança e do Adolescente

Na Idade Antiga, as crianças eram vistas como propriedade, objetos de uma relação jurídica sobre a qual o pai ou o Estado exercia o seu direito e poder absoluto.122 Os gregos, por exemplo, mantinham vivas apenas crianças saudáveis e fortes. Não era incomum, no Oriente, o sacrifício religioso de crianças doentes, deficientes ou malformadas. Já na Idade Média, o Cristianismo contribuiu para enxergar as crianças como indivíduos que mereciam direitos, ainda que presente a severidade nas relações parentais e a discriminação para com os filhos nascidos fora do casamento.123 No Brasil Colônia, o pai também era figurado como autoridade máxima dentro da dinâmica familiar, assegurando a este o direito de castigar os filhos como forma de educá-los. A preocupação com infratores, tanto crianças como adultos, conduz a política repressiva fundada no medo e em penas cruéis da fase do Império no Brasil. Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era observada até os sete anos de idade. Com o Código Penal do Império de 1830, se tornam inimputáveis os menores de quatorze anos. Foi introduzido com o Código, no entanto, o exame de capacidade de discernimento para a aplicação da pena, ou seja, se fosse comprovado discernimento na faixa dos sete aos catorze anos, poderiam estes ser encaminhados para Casas de Correção. O período republicano foi marcado pela crescente problemática das crianças abandonadas, paralelamente ao incremento dos males sociais trazidos pelo aumento populacional nos centros urbanos. Diante desse cenário, se tornam cada vez mais comuns as práticas de caridade e as medidas higienistas das Casas de Recolhimento. Assim, foi se construindo a visão de uma infância carente e delinquente, focada nos menores abandonados e expostos a situações de risco. O Código Mello Matos de 1927 é o primeiro marco jurídico deste movimento que potencializou a criminalização da infância

122

Segundo Andréa Rodrigues Amin, observa-se na cidade grega de Esparta, que o Estado tinha a propriedade das crianças, enquanto em Roma, o pai exercia o direito de proprietário sobre os filhos. 123 AMIN, Andréa Rodrigues. Evolução Histórica do Direito da Criança e do Adolescente; Doutrina da Proteção Integral; e Princípios Orientadores do Direito da Criança e do Adolescente. In: MACIEL, Katia. Curso de Direito da Criança e Adolescente: aspectos teóricos e práticos. Ed. Lumen Juris, 2010, p. 3.

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pobre. Desde então, o termo “menor” possui caráter estigmatizante, referindo-se àquelas crianças que mereciam preocupação correcional do Estado. O Código de Menores, instituído em 1979, consolida a lógica dessa sistemática de tratamento restrito às crianças e adolescentes que se enquadravam em um modelo prédeterminado de situação irregular, denominada de Doutrina da Situação Irregular. A atuação do Poder Público era centralizada no Juiz de Menores, que sozinho tinha o dever de decidir o futuro da criança, que geralmente era levada à internatos ou institutos de detenção. “Não era uma doutrina garantista, até porque não enunciava direitos, mas apenas pré-definia situações e determinava uma atuação de resultados. Agia-se apenas na consequência e não na causa do problema, ‘apagando-se incêndios’. Era um Direito do Menor, ou seja, que agia sobre ele, como objeto de proteção e não como sujeito de direitos. Daí a grande dificuldade de, por exemplo, exigir do poder público construção de escolas, atendimento pré-natal, transporte escolar, direitos fundamentais que, por não encontrarem previsão no código menorista, 124 não eram, em princípio, passíveis de tutela jurídica”.

A redemocratização e o anseio por uma sociedade mais justa e fraterna, estabelece com a Constituição da República de 1988 o modelo de proteção da dignidade da pessoa humana. Com isso, mudanças sociais de alcance coletivo foram positivadas no texto constitucional. Pouco tempo depois, a Lei nº 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) é editada e fortalece esse novo sistema de garantia de direitos chamado de Doutrina da Proteção Integral. O Estatuto apresenta um avanço significativo125, colocando o Brasil em sintonia com os esforços internacionais de proteção à infância. Destarte, o ordenamento brasileiro supera a Doutrina da Situação Irregular que via a criança como menor abandonado e delinquente, merecedor de uma política filantrópica e assistencialista. A Doutrina da Proteção Integral entra em cena, caracterizada por políticas públicas de inclusão de todas as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos merecedores de absoluta prioridade.

2.6.2   Doutrina da Proteção Integral

124 125

AMIN, Andréa Rodrigues. Op.cit. p. 13 -14. BARBOZA, Heloisa Helena. Op. cit. p. 108.

57

A preocupação com a garantia dos direitos das crianças e adolescentes é observada inicialmente em esforços internacionais. Em 1924, a Liga das Nações redige o primeiro documento internacional com esse intuito, a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra. Em 1959, a Declaração Universal dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) toma lugar como o grande marco do reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.126 Este importante documento estabelece proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual da criança, além de assegurar, dentre tantos outros direitos, educação gratuita e compulsória e proteção contra negligência, crueldade e exploração. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 (Pacto San José da Costa Rica) também complementa esse sistema de garantias, dispondo em seu Art. 19 que “toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”. No entanto, é a Convenção sobre os Direitos da Criança127, aprovada em 1989, que adota pela primeira vez a Doutrina da Proteção Integral.128 Reconhece-se a condição peculiar da criança como ser em desenvolvimento, titular de proteção especial, com direito à convivência familiar e absoluta prioridade na garantia de seus direitos. No Brasil, a doutrina da Proteção Integral encontra-se insculpida no Art. 227 da Constituição da República129, que de forma prioritária assegura às crianças e adolescentes seus direitos fundamentais, diluindo o dever legal de garantia desses direitos entre a família, a sociedade e o Estado. Merece destaque nessa dinâmica participativa, o Conselho Tutelar como representativo da comunidade e o Ministério Público como grande garantidor de direitos. Os Arts. 18 e 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente130 reforçam a noção de que é dever de todos evitar e prevenir ameaças e violações aos direitos da infância e juventude. Diferentemente da Doutrina da Situação Irregular que era restrita, a Doutrina da Proteção Integral é universal, ampla e abrange toda e qualquer criança e adolescente, pois os

126

CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. A proteção do consumidor-criança frente à publicidade no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, vol. 94. Ed. RT: São Paulo, 2014. p. 182 184. 127 A Convenção foi internalizada no Brasil pelo Decreto 99.710/1990. 128 AMIN, Andréa Rodrigues. Op.cit. p. 11 – 12. 129 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (...).” 130 Art. 18: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” e Art. 70. “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”.

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enxerga como titulares de direitos e seres humanos, respeitada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.131 Esta condição peculiar é reconhecida pelo Art. 15 do Estatuto.132 O Art. 17, por sua vez, ressalta que as crianças e adolescentes devem ser respeitadas em sua integridade física, psíquica e moral: “Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Ademais, merecem destaque dois princípios trazidos pelo Estatuto, quais sejam: o Princípio da Prioridade Absoluta e o Princípio do Melhor Interesse.

2.6.2.1 Princípio da Prioridade Absoluta

Este princípio, expresso pelo Art. 227 da Constituição da República e pelo Art. 4º do Estatuto, estabelece primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesses. Logo, diante de qualquer atuação administrativa, judicial, extrajudicial, social ou familiar, o interesse da infância e da juventude deve ser prioritário. Este princípio tem o objetivo de garantir a proteção integral da criança e do adolescente e concretizar seus direitos fundamentais enumerados nos dispositivos supracitados. Essa prioridade deve ser assegurada por todos: Poder Público, família e sociedade em geral. Ademais, leva-se em consideração a condição peculiar da criança e adolescente como pessoa em desenvolvimento e sua natural fragilidade. Como exemplo de sua aplicação, traz-se à análise o seguinte julgado do Ministro Luiz Fux: “DIREITO CONSTITUCIONAL À ABSOLUTA PRIORIDADE NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NOS ARTS. 7º E 11 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICAS. 131

DENSA, Roberta. NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Op. cit. p. 32 – 35. Art. 15. “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”. 132

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EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA. 1. Ação civil pública de preceito cominatório de obrigação de fazer, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina tendo vista a violação do direito à saúde de mais de 6.000 (seis mil) crianças e adolescentes, sujeitas a tratamento médico-cirúrgico de forma irregular e deficiente em hospital infantil daquele Estado. 2. O direito constitucional à absoluta prioridade na efetivação do direito à saúde da criança e do adolescente é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts. 7º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente (...) 12. O direito do menor à absoluta prioridade na garantia de sua saúde, insta o Estado a desincumbirse do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 13. Recurso especial provido para, reconhecida a legitimidade do Ministério Público, prosseguir-se no processo até o julgamento do mérito”. (STJ, RESP 577836/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21/10/2004). (grifos inseridos)

2.6.2.2  Princípio do Melhor Interesse

O Princípio do Melhor Interesse, por sua vez, já se encontrava presente no Código dos Menores, ainda sob a égide da Doutrina da Situação Irregular. No entanto, neste cenário, o princípio estava limitado às crianças e adolescentes em situação irregular. A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, incorporada pelo Art. 227 da Carta Magna brasileira, amplia esse princípio para toda a infância e juventude. Atualmente, é muito aplicado nos litígios de natureza familiar.133 Trata-se de um princípio orientador da aplicação do direito, seja por parte do Legislativo ou por parte do Judiciário, determinando a primazia das necessidades das crianças e adolescentes como critério de interpretação de normas e circunstâncias. Em colisão com outros direitos, na análise do caso concreto, deve-se utilizar este princípio como garantidor do respeito aos direitos fundamentais da infância e da juventude. Sua aplicação pode ser ilustrada pelos casos jurisprudenciais colecionados abaixo: “O BRASIL AO RATIFICAR A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA, ATRAVÉS DO DECRETO 99.710\1990, IMPÔS, ENTRE NÓS, O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. RESPALDADO POR PRINCÍPIOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS. O que faz com que se respeite no caso concreto a guarda de uma criança de 03 anos de idade, que desde o nascimento sempre esteve na companhia do pai e da avó 133

AMIN, Andréa Rodrigues. Op.cit. p. 27.

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paterna. Não é conveniente, enquanto não definida a guarda na ação principal, que haja o deslocamento da criança para a companhia da mãe, que inclusive, é portadora de transtorno bipolar. Agravo provido”. (TJRS. Agravo de Instrumento 70000640888, Rel. Des. Antônio Carlos Stangler Pereira, j. 06/04/2000). “ECA. GUARDA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Nas ações relativas aos direitos de crianças, devem ser considerados, primordialmente, os interesses dos infantes. Os princípios da moralidade e impessoalidade devem, pois, ceder ao princípio da prioridade absoluta à infância, insculpido no artigo 227 da Constituição Federal. Apelo Provido.” (TJRS, Ap. Cível 70008140303, Rel. Des. Maria Berenice Dias, j. 14.04.2004).

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3 PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS DIANTE DA PUBLICIDADE

3.1 Como a Publicidade afeta as crianças

A ideia de que as crianças134 necessitam de proteção especial tem origem na teoria do desenvolvimento infantil, que entende que a progressão da infância à vida adulta ocorre em estágios naturais biologicamente definidos por habilidades cognitivas e emocionais.135 Logo, tendo em vista sua falta de maturidade física e mental, as crianças são consideradas pessoas em desenvolvimento que necessitam de direcionamento e proteção por parte dos adultos. A tutela especial se justifica pela própria natureza da criança, que, por estar em processo de formação, se encontra desprovida de uma série de conhecimentos, habilidades e, especialmente, capacidade de perceber o perigo e de defender-se. Ademais, as crianças possuem, além das fragilidades acima citadas, uma confiança instintiva no mundo adulto136, o que as tornam particularmente mais vulneráveis diante das mensagens publicitárias. “Ocorre que as crianças constituem alvos fáceis para as mensagens publicitárias, já que possuem uma diminuta capacidade de seleção e contra-argumentação, não compreendem os objetivos econômicos da publicidade, são incapazes até certa idade de diferenciar programas não comerciais e publicidade, e, ainda, atribuem muita credibilidade à televisão”.137

Ao mesmo tempo, a criança é detentora de um massivo poder de aquisição, o que faz com que sua atenção seja disputada pelos anunciantes e fabricantes de produtos. Para o comércio, o segmento infantil representa vultosos recursos financeiros.138

134

Neste trabalho, o critério utilizado para definir “criança” será aquele trazido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 2º: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”. 135 CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Op.cit. p. 182. 136 BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. A Necessidade de Proteção da Criança diante do Mercado de Consumo. Conflito entre Liberdade e Intervenção. In: MARTINS, Guilherme Magalhães. Temas de Direito do Consumidor. Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2010, p. 177. 137 CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Op.cit. p. 182. 138 Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), o ramo de brinquedos brasileiro mobilizou R$ 5,16 bilhões em 2014 e a expectativa é que o ano de 2015 tenha uma expansão de pelo menos 15%, chegando a R$ 5,93 bilhões em receita. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/3994334/abrinq-preve-alta-de-15-em-vendas-de-brinquedos.

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Além disso, o direcionamento da publicidade voltada às crianças tem um efeito tríplice:

atinge

diretamente

a

criança,

influencia

as

compras

pelos

adultos 139

inconscientemente, influencia os futuros consumidores que as crianças se tornarão.

e,

Estudos

demonstram que o poder de influência dos pequenos atinge 80% de tudo que é comprado pela família.140 Os bebês pedem marcas assim que aprendem a falar, o que sugere que as crianças podem desenvolver sentimentos positivos em relação a logos e personagens antes mesmo de terem palavras para associar os produtos anunciados.141 Outra pesquisa aponta que 70% das crianças de 3 anos já reconhecem o símbolo do McDonald’s.142 O desenvolvimento do entendimento cognitivo143 durante a infância vai influenciar não apenas a compreensão da mensagem publicitária e de sua intenção de venda de produtos, como também a verificação da qualidade dos produtos apresentados pela publicidade. É comum, nessa etapa de verificação, que a criança sinta raiva, frustração e infelicidade por não encontrar nos produtos comprados a expectativa criada pela publicidade.144 A evolução desse entendimento cognitivo pode ser separada em quatro períodos desde o nascimento até os doze anos de idade.145 O primeiro período, que compreende o nascimento até os dois anos, é normalmente marcado pela primeira experiência com a comunicação publicitária. No segundo período, que varia de dois a cinco anos, ocorre um forte aumento da atenção dada à televisão e, em especial, ao comercial – mas ainda não há a total compreensão das histórias transmitidas. “As crianças de cinco a seis anos são capazes de perceber os elementos simbólicos que caracterizam as representações de infância (...) porém não entendem a publicidade no seu conjunto de representações e significados, ou

139

GONÇALVES, Tamara Amoroso. A proteção à vulnerabilidade infantil frente à comunicação mercadológica. In: PEREIRA, Tânia da Silva; OLIVEIRA, Guilherme. Cuidado e Vulnerabilidade. Ed. Atlas S.A.: São Paulo, 2009, p. 23. 140 Pesquisa TNS/InterScience de Outubro de 2003. Crianças consumidoras: influência na hora das compras em família. Disponível em: http://www.alana.org.br/banco_arquivos/arquivos/docs/biblioteca/pesquisas/interscience_influencia_crianca_co mpra.pdf. 141 GONÇALVES, Tamara Amoroso. Op. cit. p. 24. 142 COMPASS. Commercialisation of Childhood. Disponível em: http://www.compassonline.org.uk/wpcontent/uploads/2013/05/thecommercialisationofchildhood.pdf 143 Ver para aprofundamento: PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. CABRAL, A. (Trad.) Rio de Janeiro: Zahar, 1971 e VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. 144 BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op.cit. p. 191. 145 Ibid. Op. cit. p. 182.

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seja, a moral da publicidade, o motivo pelo qual ela faz rir ou emociona quem a assiste não é compreendido pelas crianças”.146

Na fase sucessiva, entre seis e oito anos, a atenção é voltada mais à narrativa do que à publicidade e há um avanço grande na compreensão da história, embora a capacidade de memorização das informações passadas ainda estar se desenvolvendo. Somente na última fase, no entanto, de nove a doze anos, que se pode diferenciar de forma clara a realidade da ficção – e, portanto, os programas da publicidade – havendo um aumento na capacidade de compreensão do conteúdo e uma diminuição no interesse pela televisão. Em consequência, começa-se a adquirir uma perspectiva crítica, especialmente em relação aos produtos apresentados na publicidade, iniciando a comparação entre diversos produtos e marcas. É neste período da pré-adolescência que as crianças começam a ser influenciadas pelos grupos sociais e a aquisição de produtos e marcas começa a ter destaque socialmente.147 “Não tendo as crianças de até 12 anos construído ainda todas as ferramentas intelectuais que lhes permitirão compreender o real, notadamente quando esse é apresentado através de representações simbólicas, a publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro e à ilusão (...) As crianças (...) não estão em condições de enfrentar com igualdade de força a pressão exercida pela publicidade no que se refere à questão do consumo”.148

As crianças tendem a comparar a mensagem transmitida pela publicidade com o mundo em que vivem ou com o mundo em que gostariam de viver. Por isso, no aspecto social, a aquisição do produto pode representar a possibilidade de a criança pertencer a um mundo ou grupo específicos.149 Outrossim, a absorção de maus exemplos e comportamentos passados pelos programas e pela publicidade ocorre facilmente devido à falta de amadurecimento e à inexperiência. A publicidade, além de condicionar comportamentos, influencia na formação da personalidade da criança.150

146

MÜLLER, Clarissa Borges. As representações de infância na publicidade pela percepção de crianças de cinco a seis anos. In: ANDI; Instituto Alana. Infância e Consumo: Estudos no campo da comunicação. 2010. Disponível em: http://www.andi.org.br/politicas-de-comunicacao/publicacao/infancia-e-consumo-estudos-nocampo-da-comunicacao 147 BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 183. 148 TAILLE, Yves de La. A Publicidade Dirigida ao Público Infantil. Considerações Psicológicas. In: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Considerações da Psicologia para o fim da publicidade dirigida à Criança. p. 20. Disponível em: http://site.cfp.org.br/wpcontent/uploads/2008/10/cartilha_publicidade_infantil.pdf 149 BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 178 e 184. 150 RANDAZZO, Antonella. Bambini psico-programmati. Essere consapevoli dell’influenza dela pubblicità, dela TV, dei videogiochi. Torino: Il Leone Verdi, 2007. p. 58.

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Diante disso, diversas mensagens passam a ser particularmente problemáticas, tendo como principal exemplo o culto à beleza e a conotação sexual da publicidade. A identificação e a reprodução de padrões de beleza impostos pela publicidade podem levar à erotização precoce e são associados a problemas de saúde, como bulimia e anorexia. Paradoxalmente, há também uma conexão entre a obesidade infantil e a publicidade, devido à comercialização massiva de produtos não saudáveis (com altas quantidades de sódio, açúcar e gorduras) destinados às crianças.151 A Associação Dietética Norte Americana152 evidenciou que bastam apenas 30 segundos para que uma marca de alimentos influencie as preferências alimentares de uma criança. Outra pesquisa norte-americana153 demonstrou que a eliminação da publicidade de alimentos não saudáveis reduziria em 10% os casos de sobrepeso em crianças de 3 a 11 anos de idade e em 12% os casos entre adolescentes de 12 a 18 anos. Além disso, a publicidade usualmente associa a aquisição de seus produtos à felicidade e satisfações instantâneas. Os anúncios visam convencer a criança de que ter é mais importante que ser, inibem a criatividade ao vender brincadeiras prontas, abalam a confiança das crianças nos adultos quando trazem mensagens contraditórias, estimulam a violência ao seduzir quem não pode comprar, incitando a transformação de desejos em necessidades. A criança não consegue entender de forma plena que não há real necessidade de adquirir os produtos para ser feliz.154 “A intensa comunicação mercadológica desenvolvida pelos mais variados setores empresariais tem atingido a infância de maneira particularmente prejudicial. Considerando que crianças não conseguem distinguir conteúdo televisivo de publicidade, ou mesmo compreender suas técnicas de persuasão características, direcionar-lhes mensagens como tais significa abusar de seu ainda pouco desenvolvido senso crítico com o objetivo de incrementar lucros”.155

Dentro do cenário dos meios de comunicação, a linguagem do consumo pode ser observada não somente na publicidade propriamente dita, mas também dentro de programas, filmes e jogos infantis. Não raro a televisão direciona a criança a sites ou jogos e estes 151

BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 192 – 193. Pesquisa realizada pela Associação Dietética Norte Americana em Janeiro de 2001. BORZEKOWSKI, D.L.; ROBINSON, T.N. The 30-second effect: an experiment revealing the impact of television commercials on food preferences of preschoolers. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11209583 153 Pesquisa realizada pelo National Bureau of Economic Research em Dezembro de 2005. CHOU, Shin-Yi; RASHAD, Inas; GROSSMAN, Michael. Fast-food restaurant advertising on television and its influence on childhood obesity. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w11879.pdf 154 Criança e Consumo. Porque a publicidade faz mal para as crianças. Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/por-que-a-publicidade-faz-mal-para-as-criancas.pdf 155 GONÇALVES, Tamara Amoroso. Op. cit. p. 18. 152

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anunciam produtos de forma camuflada. Independentemente da forma utilizada, nota-se que não há uma preocupação essencial com os fins didáticos, mas uma lógica exclusiva pautada no retorno econômico.156 “É fora de dúvida que a publicidade influencia a criança, daí inclusive, os investimentos notórios das empresas em estratégias de marketing. Por essa razão, inclusive, que estudos atuais apontam para efeitos deletérios da publicidade infantil no próprio processo de socialização das crianças e no estimulo à deterioração das relações entre pais e filhos mediante inserção de uma lógica de recompensas materiais”.157

A publicidade reflete a imagem de crianças autônomas e espertas em suas relações com os adultos, uma estratégia que minimiza a influência dos educadores sobre as crianças, aumentando a importância das mensagens que incentivam o consumo em relação aos comandos dos pais e professores. A estratégia publicitária “nag fator” deixa isso claro, pois induz que os filhos peçam aos pais de forma insistente a aquisição de produtos, gerando conflitos familiares.158 A televisão é responsável por ser o meio que mais influencia o comportamento infantil.159 Estima-se, segundo o IBOPE160, que as crianças brasileiras ficam 5 horas diárias na frente da televisão. A TV atua como uma forma de “escola paralela”, utilizada cada vez mais frequentemente nas salas de aulas e pelas famílias com o intuito de ensinar e educar as crianças.161 A pesquisa “A Descoberta do Brincar”162 apontou que “assistir televisão” é a primeira brincadeira mais praticada pelas crianças, com 97% de incidência. Não por outro motivo, são justamente os comerciais televisivos que mais influenciam as crianças no momento da escolha dos produtos. 156

Segundo a já mencionada pesquisa da TNS/InterScience, os fatores que mais influenciam o consumo pelas crianças na publicidade são: 1. Televisão; 2. Personagens famosos e; 3. Embalagens. 157 MIRAGEM, Bruno. Proteção da Criança e do Adolescente consumidores. Possibilidade de explicitação de critérios de interpretação do conceito legal de publicidade abusiva e prática abusiva em razão da ofensa a direitos da criança e do adolescente por resolução do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA. Revista de Direito do Consumidor, vol. 95. São Paulo: Ed. RT, 2014. p.476. 158 SAMPAIO, Inês Silvia Vitorino. Publicidade e Infância: uma relação perigosa. In: ANDI; Instituto Alana. Infância e Consumo: Estudos no campo da comunicação. 2009. Disponível em: http://www.andi.org.br/politicas-de-comunicacao/publicacao/infancia-consumo-estudos-no-campo-dacomunicacao 159 GONÇALVES, Tamara Amoroso. Op. cit. p. 22. 160 Pesquisa Painel Nacional de Televisores do IBOPE realizada em 2007. 161 BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 164. 162 CARNEIRO, Maria Angela Barbato. DODGE, Janine J. A Descoberta do Brincar. Disponível em: Pesquisa realizada pelo Grupo Unilever Brasil. Disponível em: http://midiaomo.fbiz.com.br/locales/pt-BR/download/adescoberta-do-brincar-livro2008.pdf

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O impasse ocorre, no entanto, na transmissão regular de conteúdos superficiais e violentos pelos programas televisivos. A percepção do mundo que é passada pela TV é predominantemente individualista, com grandes apelos sexuais e recheada de violência. Elys Brokamp alerta que, antes do final da escola fundamental, as crianças nos Estados Unidos são expostas a uma média de oito mil homicídios e cem mil atos de violência pelos conteúdos televisivos.163 Além disso, comprovou-se que a televisão pode causar efeitos prejudiciais, como o estresse excessivo, a diminuição da atividade dos músculos oculares, a subtração de tempo de atividades que envolvam esforço físico, o isolamento da criança e o incentivo a comportamentos agressivos e a um estilo de vida condicionado ao consumismo.164 “Desse ponto de vista, a televisão é, então, uma ladra de tempo e uma vendedora de mercadorias, que distorce a realidade, propondo programas inadequados às crianças, que não possuem condições de compreender a longa sequência de imagens, as motivações, as intenções dos personagens, na lógica de um mundo que considera esse tipo de jovem público-alvo de referência para um segmento de mercado mais relacionado ao enriquecimento e à obtenção de sucesso”. 165

As crianças possuem uma grande identificação com personagens infantis166, tendo o comércio de produtos destinados a este público se aproveitado disso no licenciamento de produtos com os mesmos personagens. A televisão fomentou esse processo ao criar canais dedicados às crianças167. Os canais exclusivos para o público infantil são grandes incentivadores no licenciamento de produtos de personagens de animações ou filmes infantis. A Disney gerou 40,9 bilhões de dólares em vendas de produtos licenciados somente em 2013.168 É notório que a televisão, se bem utilizada, pode trazer benesses à infância e à juventude. Reconhece-se que a televisão facilita a comunicação entre crianças e adolescentes, possibilita as crianças a expressarem suas emoções de vida através de situações que observam

163

BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 178 – 179. Ibid. p. 183 165 Ibid. p. 168. 166 TAILLE, Yves de La. Op. cit. p. 14. 167 A título de exemplo, pode-se citar os seguintes canais exclusivos para o público infantil: Nickelodeon, Cartoon Network e Discovery Kids. 168 GRASER, Marc. Disney Brands Generate Record $40.9 Billion from Licensed Merchandise in 2013. Variety US. Disponível em: http://variety.com/2014/biz/news/disney-brands-generate-record-40-9-billion-fromlicensed-merchandise-in-2013-1201221813/ 164

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na tela e permite um momento de interação entre os membros da família, além de ser um eficiente instrumento para o aprendizado e desenvolvimento intelectual e cultural.169 A TV é um instrumento incorporado à realidade contemporânea, logo, não se deve pensar em excluí-lo do cotidiano das crianças, apenas em cuidar para que seu uso seja o mais saudável possível. Além da televisão, outra ferramenta de destaque é a internet, indubitavelmente um dos maiores avanços tecnológicos dos últimos tempos. Para a criança, a internet representa a oportunidade de ser protagonista em um “micro-mundo”. Ao contrário da televisão, que é estática e isolada, a internet abre oportunidades das mais diversas. Dentre elas, há a possibilidade de criar espaços próprios para se expressar, através de blogs e sites, comunicarse, por meio de redes sociais e chats, além de ter acesso a uma gama infinita de informações e serviços.170 A problemática da internet surge na dificuldade que se tem de filtrar o acesso da criança para compatibilizar os conteúdos não adaptados e garantir sua segurança na rede quando em contato com terceiros. A televisão pode ser mais facilmente controlada com a determinação de senhas para o acesso a certos canais ou a proibição de transmissão de conteúdos inadequados em algumas faixas horárias. Fenômeno recente são os casos de publicidade camuflada na utilização de redes sociais, em especial nos blogs e no aplicativo Instagram. Celebridades têm utilizado esses instrumentos para expor produtos sem identificar que estão sendo pagas para indicar determinadas marcas.171 Em 2012, o CONAR denunciou pela primeira vez três blogueiras de moda e a loja Sephora por publicidade velada, tendo sido punidas pelo órgão com uma advertência pública.172 Em um caso parecido, em 2014, o CONAR abriu um processo para investigar suposta publicidade não identificada realizada pela “web celebridade” Gabriela Pugliesi no seu Instagram.173

169

VIVARTA, Veet (Coord.) Regulação de mídia e direitos das crianças e adolescentes: uma análise do marco legal de 14 países latino-americanos, sob a perspectiva da promoção e proteção. ANDI: Brasília, 2010. Disponível em: http://www.andi.org.br/politicas-de-comunicacao/publicacao/regulacao-de-midia-edireitos-das-criancas-e-adolescentes-edicao 170 BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 162-163. 171 Ver nesse sentido artigo publicado na página eletrônica da UOL em 2014, disponível em: http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/02/14/mistura-de-dicas-genuinas-e-anuncios-confundeseguidores-no-instagram.htm?mobile; 172 Conforme artigo publicado na página eletrônica da Veja em 2012, disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/conar-da-advertencia-publica-a-blogueiras-de-moda-e-sephora/ 173 Conforme artigo publicado na página eletrônica da Época Negócios em 2014, disponível em: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Dilemas/noticia/2014/02/conar-abre-processo-para-investigarpublicidade-velada-no-blog-de-gabi-pugliesi.html

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3.2  Exemplos de Publicidade infantil abusiva

Com o intuito de ilustrar o tópico acima, serão analisados alguns anúncios publicitários considerados abusivos. O primeiro caso paradigmático se refere ao Processo n. 01191112364, ação civil pública promovida pela Associação de Proteção ao Consumidor de Porto Alegre que tramitou na 7ª Vara Cível de Porto Alegre/RS, no qual foram questionadas duas peças publicitárias da empresa Nestlé. O magistrado Wilson Rodycz explica que: “Na primeira, algumas crianças penetram num armazém, à noite, sorrateiramente, através de um alçapão, e, cuidando para não acordar o vigia que dormia, apanham sobremesas Nestlé, na saída, o guarda acorda e as crianças jogam bolinhas de gude no chão, nas quais o guarda escorrega e cai; assim as crianças conseguem fugir com os produtos, obviamente sem pagar. A situação retrata cenas que poderiam ser classificadas como de furto. (...) A outra peça publicitária retratava uma situação classificável como de crime de extorsão: meninos invadem o acampamento feminino e, com ameaças de pererecas, fazem com que elas lhes entreguem as sobremesas Nestlé”. 174

Claramente, a publicidade se mostra abusiva ao retratar crianças praticando atos considerados criminosos. Conclui-se que a exibição desse anúncio poderia incentivar a reprodução do mau comportamento nas crianças, mostrando as ações criminosas como aceitáveis e como um possível caminho para a felicidade, caracterizando, inclusive, um incentivo à impunidade. O magistrado decidiu pela proibição da veiculação pública de ambos os anúncios publicitários. Em outra campanha da mesma marca, crianças aparecem recomendando aos pais que “comprem Batom”, repetindo a frase de forma ininterrupta, simulando uma técnica hipnótica. O caso foi analisado pelo CONAR na Representação n. 118 de 1992 e o parecer que optou pelo arquivamento da denúncia concluiu que “era suficientemente claro na publicidade o aspecto caricatural da hipnose. Ela não dá a impressão de mais do que uma espécie de paródia da hipnotização”. No entanto, é de se destacar como incorreta a decisão do CONAR, que concentrou sua análise mais na comprovação do uso efetivo do hipnotismo do que no comportamento estimulado pela publicidade. O anúncio pode ser considerado abusivo por incentivar um 174

RODYCZ, Wilson Carlos. Publicidade Abusiva: um caso concreto. Disponível em: http://www.amprs.org.br/arquivos/revista_artigo/arquivo_1283281714.pdf

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comportamento de insistência na aquisição do produto pelas crianças, o que, além de gerar conflitos nas relações com os pais, pode causar sentimentos de inferioridade e impotência nos menores.175 Foi neste sentido a decisão do CONAR na Representação nº 131 do mesmo ano, na qual foi analisada publicidade das Tesouras Mickey e Minnie. O anúncio mostrava um diálogo apresentado por uma menina e um menino que repetiam o bordão “Eu tenho...Você não tem!”. Nesse caso, o Conselho redigiu parecer no sentido de sustar a veiculação da publicidade176 por induzir nas crianças que não possuem o produto anunciado um sentimento de inferioridade e frustração. Em caso diverso, a 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina reformou a decisão177 que condenou a empresa de telefonia Claro ao pagamento de indenização de R$ 20 mil por danos morais por uma publicidade considerada abusiva. O anúncio mostrava uma conversa em que a mãe anuncia à família que a tarifa mensal do plano telefônico havia chegado, mas antes que ela revele o valor, o pai afirma já saber que a quantia é de R$50. Neste meio tempo, o filho diz "é um picareta mesmo". Segundo o Desembargador Jânio Machado que reformou a decisão: “A propaganda faz uso de expressão de mau gosto e é totalmente inadequada ao fim buscado, a despeito do propósito de explorar o bom humor em uma situação envolvendo uma típica família brasileira. Mas daí a se concluir que o termo ‘picareta’ ofende a entidade familiar ou estimula o tratamento desrespeitoso dos filhos em relação aos pais vai uma distância muito longa, que não se quer, em absoluto, percorrer”.178

Por fim, analisa-se outro caso paradigmático que envolveu o tênis Xuperstar anunciado pela artista e celebridade Xuxa. A publicidade foi objeto da Representação nº 091 de 1992 que teve como denunciante o CONAR. No anúncio, a artista convocava uma plateia de crianças a trocar os seus tênis velhos pelo produto em questão e mostrava as crianças imediatamente retirando os tênis que estavam usando e estragando-os, pintando-os ou cortando-os, para transformá-los em objetos desgastados. Em seguida, as crianças pedem às mães que comprem o tênis Xuperstar. O voto do Conselho concluiu pela suspensão da publicidade, pois estimulava um comportamento inadequado nas crianças para que

175

BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 186. Sanção prevista no Art. 50, “c”, do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. 177 Apelação Cível 2007.022085-4. 178 Conforme artigo publicado na página eletrônica da Migalhas em 2009, disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI89455,31047TJSC+Claro+reverte+condenacao+por+publicidade+em+que+filho+chama+pai 176

70

inutilizassem seus tênis, sem cuidar de como tal ação poderia afetar as crianças que não tivessem recursos para comprar um tênis novo. Além disso, verifica-se que o anúncio se utilizou de personagem estimada pelo público infantil, aproveitando-se da ingenuidade e da lealdade das crianças para com a celebridade, para estimular o mau comportamento e forçar o pedido de aquisição do produto das crianças aos seus pais. Também aqui é possível observar que a publicidade pode promover um sentimento de inferioridade nas crianças que não têm o produto, além de gerar conflitos nas relações familiares.179

3.3  Controle da Publicidade infantil

3.3.1   Formas de proteção da criança diante da Publicidade

Ante o exposto, conclui-se que a publicidade infantil tem de fato potencial lesivo. Destacam-se, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que trazem dispositivos para reforçar a proteção especial da criança diante dos abusos da publicidade. Inicialmente, recorda-se os já citados dispositivos do Código de Defesa do Consumidor no âmbito da publicidade abusiva que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança (Art. 37, §2º) e das práticas abusivas que se prevalecem da fraqueza ou ignorância do consumidor devido a sua idade (Art. 39, IV). A Carta Constitucional coleciona o Art. 221 que determina limites à veiculação de conteúdos de mídia direcionados à infância e à adolescência e o Art. 220 que estabelece a competência da União para exercer a classificação indicativa das diversões públicas e programas de rádio e televisão. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no mesmo sentido, traz o Art. 71, que garante pleno acesso à informação, cultura e produtos e serviços que estejam adequados à idade e à especial condição de pessoa em desenvolvimento. Ademais, o Art. 76 prevê normas a serem seguidas pelas emissoras de rádio e TV no tocante à sua programação para que deem

179

BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 188 – 189.

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preferência à conteúdos educativos, culturais, artísticos e informativos que respeitem valores éticos. Cita-se, também, a regulação a respeito de informação, cultura, lazer, esportes, diversões e espetáculos conferidos ao Poder Público pelos Arts. 74 a 80 do Estatuto, além da proibição de venda de certos produtos e serviços pelos Arts. 80 e 82. A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989, internalizada no Brasil pelo Decreto 99.710/1990, tem como destaque os artigos 17 e 31 que reforçam que a mídia direcionada à criança deve favorecer o seu pleno desenvolvimento físico, mental e emocional. Em tempo, o Art. 37 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBARP), editado pelo CONAR, traz diretrizes minuciosas para a atuação dos publicitários, estabelecendo que nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança e que as mensagens devem refletir a segurança e as boas maneiras, contribuindo para o bom desenvolvimento da criança. Em importante decisão de março de 2013, o CONAR estabeleceu normas mais severas em relação à publicidade infantil, proibindo, inclusive, ações de merchandising voltadas às crianças. 180 Merece citação a Resolução 163 de 2014 do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)181 que dispõe sobre a proibição do direcionamento da publicidade caracterizada como abusiva ao público infantil.182 Por fim, de forma mais específica em relação à publicidade de alimentos destinados às crianças, a Resolução nº 408/2008 do Conselho Nacional de Saúde determina diretrizes para a promoção de uma alimentação saudável sugerindo a regulamentação da publicidade, das práticas de marketing e adequação da rotulagem nas embalagens dos produtos. Apesar dos dispositivos expostos, conclui-se que o controle atualmente exercido no país diante da publicidade infantil não é suficiente para coibir os seus efeitos nocivos perante as crianças.183 180

Conforme Boletim publicado pelo CONAR, disponível em: http://www.conar.org.br/pdf/conar199.pdf A Resolução incentivou diversos debates, evidenciando diversos posicionamentos. Para alguns doutrinadores, esta Resolução teria banido totalmente qualquer publicidade dirigida à criança. Ver matéria: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI203254,41046Sim+a+publicidade+voltada+as+criancas+e+abusiva+e+ilegal. No entanto, Bruno Miragem em artigo já citado, explica que a Resolução extingue apenas a publicidade que for caracteriza abusiva conforme os ditames trazidos pela própria Resolução em seu Art. 2º. 182 A resolução lista os seguintes aspectos que caracterizam a abusividade: linguagem infantil, efeitos especiais e excessos de cores; trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; representação de criança; pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de animação; bonecos ou similares; promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil. 183 Nesse sentido ver: MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 494 – 495; CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza, op. cit. p. 194; e BERTONCELLO, Káren Rick Danilevicz. Os efeitos da publicidade na 181

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Tendo isso em vista, a doutrina se divide na apresentação de soluções para esta problemática. De forma mais extrema, alguns doutrinadores184 sustentam que toda e qualquer publicidade infantil deve ser proibida, entendendo que o simples direcionamento da publicidade ao público infantil é prática ilegal. “A publicidade dirigida ao público infantil não é ética, pois, por suas inerentes características, vale-se de subterfúgios e técnicas de convencimento parente um ser que é hipervulnerável, incapaz não só de compreender e se defender de tais artimanhas, mas também de praticar atos da vida civil”.185

Alegam que uma interpretação sistemática da Constituição da República, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU e do Código de Defesa do Consumidor infere que a atuação publicitária deve ser limitada diante da proteção e prioridade absoluta dos direitos da infância. Justifica-se que, como estudos comprovam que a criança não tem capacidade de captar a publicidade em suas reais intenções, esta publicidade estaria sempre maculada de ilegalidade por violar o Princípio da Identificação da Publicidade trazido pelo Art. 36 do Código de Defesa do Consumidor186. Ainda, o CONAR reconhece no Art. 37 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária a necessidade de se preservar a criança da publicidade. “Consoante o princípio do melhor interesse da criança, deve-se levar em conta, no momento da aplicação da lei, da criação de políticas públicas para a infância e adolescência – aí incluídas as de regulação de mídia (...) a garantia a todos os seus direitos fundamentais, o que inclui uma infância livre de pressões e imperativos comerciais, com plena observância ao trinômio liberdade, respeito e dignidade”.187

Reforça-se que a tutela da infância é um encargo compartilhado por todos (Estado, sociedade e família), logo, também é dever dos anunciantes e publicitários a proteção dos direitos das crianças.

“vulnerabilidade agravada”: como proteger as crianças consumidoras? Revista de Direito do Consumidor, vol. 90. p. 69-89. São Paulo: Ed. RT, 2013. p. 86 – 87. 184 Nesse sentido ver: GONÇALVES, Tamara Amoroso. Op. cit.; HENRIQUES, Isabella. Publicidade dirigida às crianças – a Constitucionalidade da Proibição. Revista Jurídica Consulex. Ano XV, nº 349, Agosto 2011; posicionamento do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), do Instituto Alana, do Instituto Akatu e a ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), entre outros. 185 HENRIQUES, Isabella. Op.cit. p. 34. 186 GONÇALVES, Tamara Amoroso. Op. cit. p. 33. 187 Ibid. p. 29.

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Nessa perspectiva, insere-se o Projeto de Lei nº 5.921/2001, aprovado na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados188, que prevê justamente a proibição da publicidade dirigida às crianças e a limitação da publicidade dirigida aos adolescentes. “Considerando a persistência de constantes abusos no que se refere ao direcionamento da publicidade às crianças, inobstante seja clara a legislação pátria em proibir tal prática – nota-se como imperiosa da restrição à publicidade dirigida ao público infantil e o seu monitoramento, seja porque corresponde ao dever legal atribuído à família, à sociedade e ao Estado de proteção integral à infância, seja porque se coaduna com o desejo da sociedade de garantir uma infância saudável e feliz, livre de imperativos publicitários, restritivos do direito fundamental à liberdade de escolha das crianças e ofensivos à sua integridade psíquica”.189

Bruno Miragem190, Lucia Ancona Dias191 e Nelson Nery Jr.192, por sua vez, concluem que o direito brasileiro deve proibir apenas a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, em homenagem à proteção dos direitos fundamentais da criança (Art. 227, CR) e da defesa do consumidor (Art. 5º, XXXII, CR). “Parece claro que a publicidade direcionada à criança não é proibida no Brasil. A proibição legal, mediante reconhecimento da abusividade da publicidade, se dá em relação àquelas que se aproveitem da deficiência de julgamento e experiência da criança. Abusiva, e, portanto, proibida, será a publicidade que se aproveita desta deficiência de compreensão da criança”.193

Elys Brokamp194 acredita que ações estatais devem ser feitas para regulamentar a publicidade, tendo como exemplo medidas adotadas na Itália, como a adoção de políticas públicas e legislação mais específica que controle o consumo das crianças. Em sentido símile, Diógenes Carvalho e Thaynara Oliveira195 expõem que a publicidade, inclusive a infantil, constitui fenômeno social inerente ao sistema capitalista, não podendo ser rechaçada ou proibida, apenas regulamentada. 188

Conforme andamento detalhado no site da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei foi aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor e pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços, Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática e aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania desde 2013. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=43201 189 GONÇALVES, Tamara Amoroso. Op. cit. p. 34. 190 MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 477 e 484. 191 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e hipervulneráveis: limitar, proibir ou regular? Revista de Direito do Consumidor, vol. 99, p. 285 – 305. São Paulo: Ed. RT, 2015. 192 JUNIOR, Nelson Nery. Limites para a publicidade infantil - direito fundamental à comunicação e liberdade de expressão da iniciativa privada. Soluções Práticas de Direito, vol. 1/2014, p. 427. São Paulo: Ed. RT, 2014. 193 MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 477. 194 BROKAMP, Elys D. Gonçalves da Cunha. Op. cit. p. 195.

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Concluem os autores, entretanto, que a regulamentação atual da tutela da infância diante da publicidade no Brasil se revela bastante genérica e imprecisa. O Código de Defesa do Consumidor apresentaria apenas um “piso mínimo” de proteção, sem especificar de forma exata quando a publicidade realmente se aproveita da falta de discernimento da criança, deixando a cargo do julgador ou administrador a tarefa de instituir os verdadeiros limites à publicidade. Para isso, destacam as diretrizes trazidas pelo Art. 37 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária como importante contribuição neste controle, ainda que careçam de caráter coercitivo legal196. Propõem que tais regras sejam utilizadas pelos magistrados e aplicadores do direito como fontes subsidiárias e referenciais interpretativos para a identificação de publicidades abusivas de forma a resolver esse déficit enquanto uma legislação mais específica não é editada. Bruno Miragem corrobora esta visão, afirmando que é ausente no ordenamento jurídico brasileiro uma regulamentação suficientemente específica que garanta a efetiva proteção à infância.197 Logo, a regulamentação da publicidade com a normatização legal especial da matéria é vista como um importante passo no cenário atual da publicidade infantil. Para exemplificar, essa regulação específica pode ser realizada de forma a criar distinções mais claras entre os comerciais e a programação infantil, não dando margem ao engano publicitário pelas crianças, proibindo a publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis e adotando uma lei especial com sanções de natureza jurídica aliada a uma política pública de educação para o consumo dirigida ao público infantil. As condutas vedadas devem incluir, ainda que não especificamente a publicidade, qualquer tipo de prática comercial abusiva, seja no formato de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e páginas na internet, embalagens, promoções, merchandising, ações por meio de shows e apresentações e disposição dos produtos nos pontos de venda.198 Além da ausência de uma legislação específica, nota-se que falta um controle prévio da publicidade transmitida no Brasil. Esse controle já ocorre em países como Portugal, 195

CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Op.cit. p. 184 e 195. Em 2012, o CONAR julgou 327 anúncios (12,5% referentes à propaganda voltada para crianças e adolescentes) e aplicou alguma das punições previstas na autorregulamentação em 60% delas. Conforme a Associação Brasileira de Associação Brasileira de Agências de Publicidade - ABAP. As leis, a publicidade e as crianças. O que é preciso saber. O que dá pra fazer. Disponível em: http://www.abapnacional.com.br/pdfs/03-leis.pdf. 197 MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 477. Ver também: BERTONCELLO, Káren Rick Danilevicz. op. cit. p. 86. 198 MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 489. 196

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Espanha e Reino Unido e se demonstra bastante útil da redução do descumprimento de normas. Importante ressaltar que o efetivo controle posterior da publicidade no Brasil atualmente pode ser realizado pelas associações de consumidores – que podem propor ações coletivas –, pelos Procons199 – que podem impor sanções administrativas, agir de forma preventiva e também propor ações coletivas –, pelo Ministério Público – que pode instaurar inquéritos civis e pleitear em juízo em nome da coletividade – e também pela Defensoria Pública.200 Dentro dessa ótica, uma importante ferramenta, já citada neste trabalho, é a Ação Civil Pública com imposição de contrapropaganda e danos morais e patrimoniais diante das violações das publicidades. Internacionalmente, pode-se citar alguns exemplos de controle da publicidade destinada ao público infantil201: a Finlândia e a Dinamarca proíbem a utilização de crianças ou de personagens de desenhos infantis em publicidades; na Áustria, Reino Unido, Luxemburgo e Bélgica há restrição de publicidade de produtos durante ou logo após programas de TV infantis; a Alemanha e a Dinamarca chegam a proibir a publicidade de alguns tipos de brinquedos; enquanto o Reino Unido proíbe totalmente a publicidade de determinados alimentos dirigidos à criança; e, por fim, a publicidade infantil é totalmente proibida na Suécia, na Noruega e na província de Quebec no Canadá.

3.3.2   Limitação da atuação publicitária por princípios constitucionais no âmbito da Publicidade infantil

É de relevância a discussão que se faz acerca da relação entre os princípios constitucionais envolvidos na questão, questionando-se se a limitação da atuação publicitária 199

Em caso emblemático, o Procon de São Paulo aplicou multa de R$ 3,19 milhões contra o Mcdonald's e R$2,4 milhões contra o Habib's pela venda conjugada de brinquedos com lanches (Processo 1722/10). Conforme artigo publicado na página eletrônica da Migalhas em 2013, disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI176705,61044McDonalds+e+multado+em+mais+de+R+3+mi+por+publicidade+infantil. Mais casos símiles nesta reportagem de 2012, também do MIGALHAS, disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI159558,101048Procon+multa+Nestle+Habibs+e+mais+tres+por+publicidade+infantil 200 CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Op.cit. p. 202 – 203. 201 MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 484; CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Op.cit. p. 198 e 207; e BERTONCELLO, Káren Rick Danilevicz. op. cit. p. 83 – 86.

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em respeito ao Princípio da Prioridade Absoluta não violaria os Princípios da Livre Iniciativa e da Liberdade de Expressão garantidos pela Constituição da República. A atividade publicitária é expressão da livre iniciativa econômica assegurada no Art. 170 da Constituição. A livre iniciativa também é disposta pelo Art. 1º, IV da Constituição como um fundamento da república. Dentro da lógica da ordem econômica do Art. 170, a defesa do consumidor possui importante papel conformador. Não se pode olvidar que a defesa do consumidor também é um direito fundamental assegurado pelo Art. 5º, XXXII da Carta Magna.202 Defende-se, então, que a publicidade não teria fundamento na liberdade de expressão devido a sua intenção comercial, desprovida de manifestação de opinião ou pensamento.203 Rizzatto Nunes204 expõe que não existe uma ampla garantia para a liberdade de criação e expressão em matéria de publicidade. Diferentemente do que ocorre com um artista, a atividade publicitária está ligada à venda de produtos e não ao direito de opinião. “Liberdade de informação, expressão e comunicação, no contexto constitucional de 1988, não se relaciona com liberdade de fazer publicidade comercial, que nunca sofreu censura, em momento algum da história das conquistas de direitos no Brasil. Garantir ao discurso publicitário o fundamento da liberdade de expressão constitucional é uma aparente banalização dos direitos humanos”.205

Não obstante, há quem sustente o duplo fundamento da publicidade tanto na liberdade de expressão quanto na livre iniciativa.206 Daniel Sarmento ressalta, porém, que apesar da publicidade ser protegida pela liberdade de expressão, ela não está no núcleo deste direito fundamental, mas situada em uma zona mais afastada, na qual a proteção constitucional é menos intensa. Justamente por isso, aceitaria restrições mais profundas à liberdade de expressão, como às voltadas à proteção do consumidor e da criança e do adolescente. “Assim, ressai clarividente que o regramento da publicidade não viola o direito de livre manifestação, mas apenas incide sobre o excesso no exercício desse direito, em consonância com o princípio da intervenção do Estado nas relações 202

MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 463. Ver nesse sentido: HENRIQUES, Isabella. Op. cit.; NUNES, Rizzatto. Liberdade de Expressão, Ética e Direito do Consumidor. Revista Jurídica Consulex. Ano XV, nº 349, Agosto 2011; BRITTO, Igor Rodrigues. Liberdade de Expressão Comercial: só se for nos Estados Unidos! Revista Jurídica Consulex. Ano XV, nº 349, Agosto 2011. 204 NUNES, Rizzatto. Op. cit. p. 27. 205 BRITTO, Igor Rodrigues. Op. cit. p. 30. 206 Ver nesse sentido: MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 467; CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Op.cit. p. 187; JUNIOR, Nelson Nery. op. cit.; e SARMENTO, Daniel. Comentários ao Artigo 5º, IX da Constituição do Brasil. In: CANOTILHO, J.J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. 203

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de consumo, e sobretudo, com a defesa do consumidor, que, por sua vez, constitui postulado norteador da ordem econômica na qual a comunicação comercial se insere”. 207

Nesse mesmo sentido, Igor Britto208 ressalta que o princípio constitucional da livre iniciativa sofre diversas restrições pelo próprio texto constitucional, o que demonstraria a intenção do constituinte originário de dar mais força aos princípios que limitam a ordem econômica. Ainda, o autor evidencia que a ideia de liberdade de expressão comercial como um direito fundamental ganhou força na década de 1940 nos Estados Unidos quando o Congresso definiu que o direito de fazer propaganda comercial estava sob a égide da Primeira Emenda norte americana.209 Para Bruno Miragem, reconhecer a liberdade de expressão como fundamento da atividade publicitária significaria presumir um conteúdo informativo e o direito do destinatário de receber a informação por ela veiculada. “A razão fundamental de reconhecer a publicidade sob o duplo domínio, é rejeitar a hierarquização do conteúdo objeto da manifestação humana e instrumentalizar a autonomia individual, no sentido de permitir escolhas”, afirma. Por fim, é de fácil constatação que independentemente do posicionamento acerca da publicidade como reflexo da liberdade de expressão, a proteção ao desenvolvimento saudável das crianças deve ser prioritária. “Assim, antes de constituir-se em ofensa à liberdade de expressão ou à realização de atividade laboral, o limite à publicidade dirigida a criança é visto como cumprimento de imperativo constitucional e de obrigações assumidas internacionalmente pelo Estado brasileiro”.210

Logo, não há que se falar em prevalência dos princípios da ordem econômica ou da liberdade de expressão no cenário da limitação da atividade publicitária dirigida à criança. Certamente que a publicidade não pode ser mecanismo da lesão a direitos fundamentais211, não podendo ir de encontro com imperativos de ordem pública que são superiores às intenções promocionais dos anunciantes.

207

CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. Op.cit. p. 188. BRITTO, Igor Rodrigues. Op. cit. p. 29. 209 A Primeira Emenda garante a liberdade de expressão de forma a assegurar tanto o discurso do emissor quanto o recebimento da mensagem pelo destinatário. 210 GONÇALVES, Tamara Amoroso. Op. cit. p. 35. 211 MIRAGEM, Bruno. op. cit. p. 467. 208

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“A liberdade de expressão do pensamento, assim como as demais garantias constitucionais, é passível de limitação, sendo que, no caso, a proteção ao desenvolvimento sadio da infância é bem que merece maior amparo do que a busca de satisfação pecuniária por parte do mercado”.212

Diante de todo o exposto, chega-se à conclusão de que a publicidade infantil no Brasil não é absolutamente proibida, sendo vedada apenas aquela caracterizada como abusiva na forma do já citado Art. 37, §2º do Código de Defesa do Consumidor e Art. 71 do Estatuto da Criança e do Adolescente.213 A publicidade, per se, é permitida, restando proibido apenas o abuso publicitário. Infelizmente, a prática de tais abusos ainda é frequente – tornando-se necessário maior controle, regulamentação, e, especialmente, aplicação efetiva dos instrumentos já existentes de tutela. O entendimento de que toda e qualquer publicidade infantil é ilegal não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, podendo representar, inclusive, uma forma de privação da liberdade.214 A proibição de todo e qualquer anúncio dirigido à criança parece uma medida severa que dificilmente funcionaria na complexa sociedade atual, na qual novos meios de convencimento são articulados todos os dias. A publicidade de produtos educativos, de peças de teatro e eventos infantis – que podem trazer benesses às crianças - seria rechaçada, ao invés de ser estimulada. Além disso, isolar a criança de forma absoluta diante de todo e qualquer estímulo ou informação parece ser prejudicial, pois não lhe dá possibilidade de se tornar um adolescente crítico diante da publicidade que eventualmente lhe será direcionada. É uma conclusão semelhante ao que se faz com o uso da internet e da televisão: não se quer privar a criança da utilização desses instrumentos, mas ensinar-lhe a filtrar a informação, a ser crítica diante dos estímulos – sem olvidar-se de, paralelamente, coibir os abusos que possam ser nocivos à criança.

212

HENRIQUES, Isabella. Op. cit. p. 35. Como se vê, por exemplo, nas seguintes Ementas: “Ação civil pública. Comercialização de alimentos. Material publicitário voltado para o público infantil. Ausência de vedação constitucional ou legal de tal prática, não podendo se presumir que todo e qualquer material publicitário voltado para o público infantojuvenil seja lesivo. Princípio da legalidade (art. 5.o, II, da Constituição da República). Tutela da livre concorrência e do princípio da isonomia (art. 170 da Constituição da República). Recurso improvido” (TJSP, Ap 002961923.2010.8.26.0002, Des. Maia da Cunha, j. 19.09.2011); e “a campanha que tem como principal atrativo a participação em filme com a apresentadora Xuxa é inegavelmente dirigida ao público infantil, mas é certo que não há vedação constitucional ou legal da divulgação de publicidade dirigida a esse público. Não se pode presumir que todo e qualquer material publicitário voltado para o público infantojuvenil seja lesivo” (TJSP, Ap 0035929-18.2012.826.0053, rel. Des. Maria Laura Tavares, j. 21.10.2013). 214 Nesse sentido ver: JUNIOR, Nelson Nery. op. cit; MIRAGEM, Bruno. op. cit.; e DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Op. cit. 213

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É preciso traçar parâmetros mais claros para limitar a abusividade da publicidade dirigida às crianças. Assim, será possível dar instrumentos à população, aos aplicadores do direito e aos próprios legisladores para que compreendam a melhor forma de proteger as crianças. “Publicidade abusiva é um conceito jurídico indeterminado. Cabe ao juiz, diante de uma mensagem publicitária concreta, dizer se houve abuso ou não. O conceito está bem formulado. Dentro dele cabem as mais variadas situações. O que falta é adensar o entendimento sobre grupos de casos em que a abusividade pode ser reconhecida. Isso só se conseguirá com a formação de jurisprudência, o que demanda a necessidade de propor mais ações (bem fundamentadas) sobre publicidade abusiva dirigida às crianças”.215

Desde já, pode-se usar o que está disposto no Art. 37 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBARP) e na Resolução 163 do CONANDA, que já traz diretrizes bastante específicas, sem olvidar do esforço de transformar tais disposições em normas coercitivas.216 Além da regulamentação específica, o controle prévio realizado por órgãos autorregulamentares deve ser implementado para prevenir os casos de abusividade e impedir que o Judiciário seja sobrecarregado. Para ambos os controles, prévio e posterior, sugere-se os seguintes critérios para aferir a abusividade: primeiramente, o conteúdo deve ser baseado no respeito à dignidade, ingenuidade e inexperiência das crianças, evitando o estímulo a impulsos consumistas e o uso de personagens e celebridades ligadas ao público infantil, e, especialmente, sendo coibida a publicidade transmitida próxima à programação infantil. Relembra-se, nesse ponto, do anúncio do Tênis da Xuxa (Representação 91/1992 do CONAR) em que as crianças eram estimuladas a estragarem os seus tênis para comprar o produto anunciado, observando-se o uso da celebridade de forma a explorar o sentimento de ingenuidade e lealdade das crianças. É preciso promover a liberdade da criança, livre de estigmatizações, sendo vedada a publicidade que de alguma forma encoraje a prática de bullying e o sentimento de ridicularização e inferioridade nas crianças. Novamente, faz-se referência a outro caso julgado pelo CONAR (Representação 131/1992) em que as crianças anunciavam as Tesouras Mickey 215

PASQUALOTTO, Adalberto. Crianças são hipervulneráveis e precisam ser protegidas como tal. Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/criancas-sao-hipervulneraveis-e-precisam-ser/ 216 Um exemplo nesse sentido foi proposto no Projeto de Lei do Senado n. 283/2012, atualmente arquivado, que sugeriu a adição do inciso II à redação do Art. 37, §2 do CDC: “II – a publicidade dirigida à criança que promova discriminação em relação a quem não seja consumidor do bem ou serviço anunciado, contenha apelo imperativo ao consumo, estimule comportamento socialmente condenável ou, ainda, empregue criança ou adolescente na condição de porta-voz de apelo ao consumo”. Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106773

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e Minnie falando frases do tipo “Eu tenho, você não tem!”, uma forma clara de inferiorizar as crianças que não possuíam o produto. Nenhum anúncio deve conter conotação sexual, com valorização de padrões de beleza irreais e inalcançáveis. Assim, deve ser terminantemente proibida a publicidade de alimentos não saudáveis, como realizado pelo Reino Unido, pois pesquisas217 demonstraram a associação entre a publicidade de alimentos e os transtornos alimentares nas crianças, sendo estimado que a sua eliminação pode ser responsável por uma significativa redução nos casos de obesidade.218 Em tempo, a problemática da obesidade no Brasil já atinge índices de epidemia, conforme dados do IBGE que evidenciaram que 15% das crianças brasileiras estão obesas219. Ressalta-se, ainda, que a necessidade de redução da exposição de crianças à publicidade de alimentos com alta quantidade de açúcar, sal e gordura já foi confirmada pela Organização Mundial de Saúde em 2010 e pela Organização Pan-Americana da Saúde em 2012220. A publicidade não pode induzir em erro, fantasiar ou levar ao engano em relação às características do produto, dando margem à criação de expectativas irreais nas crianças ou possuir formato jornalístico que passe uma impressão de seriedade da informação veiculada. Disposição semelhante já é observada no Art. 37 I, “g” e “h” do CBARP.221 Também é proibida a demonstração de crianças saindo sozinhas ou com estranhos e que estimulem comportamentos perigosos e potencialmente lesivos, seguindo o exemplo do disposto pelo Art. 37, II, “e” do CBARP.222

217

Pesquisa realizada pelo National Bureau of Economic Research em Dezembro de 2005. CHOU, Shin-Yi; RASHAD, Inas; GROSSMAN, Michael. Fast-food restaurant advertising on television and its influence on childhood obesity. Disponível em: http://www.nber.org/papers/w11879.pdf 218 Nesse sentido, ver Projeto de Lei 1.637/2007 que institui regras para a publicidade de alimentos com elevados teores de sócio, gordura saturada, açúcar e gordura trans, inclusive vedando a sua transmissão durante programas infantis; além do Projeto de Lei 1.755/2007 que proíbe a venda de refrigerantes em escolas da educação básica e o Projeto de Lei 6.848/2002 que restringe a venda de guloseimas, frituras, molhos industrializados e alimentos calóricos também nas escolas de educação básica. 219 Conforme artigo publicado na página eletrônica da Câmara em 2014. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/saude/464289-obesidade-entre-as-criancas-atinge-indices-deepidemia-no-brasil.html 220 Conforme artigo publicado na página eletrônica da Época em 2015. Disponível em: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2015/03/publicidade-de-alimentos-e-obesidade-infantil-buma-reflexaonecessariab.html 221 “Art. 37, I: Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação a segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de: g: utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia”; h: apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares”. 222 “Art. 37, II: Quando os produtos forem destinados ao consumo por crianças e adolescentes seus anúncios deverão: e: abster-se de estimular comportamentos socialmente condenáveis”.

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Além disso, os anúncios não podem incitar diretamente as crianças à aquisição do produto ou fazerem que elas peçam aos seus pais que o comprem, não devendo ser usadas expressões em relação ao preço, como “apenas” ou “somente”. O Art. 37, I, f, do CBARP traz uma determinação sobre esse aspecto, qual seja: “empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto”. A última parte do artigo parece equivocada, pois abre uma brecha para uso das crianças nos comerciais de forma apelativa. Destaca-se, assim, como abusivo o conteúdo de promoções com sugestão de consumo excessivo de produtos e imperativo de consumo vocalizado ou protagonizado por crianças.223 A promoção “É hora do Shrek” ilustra bem esse critério. O anúncio prometia, após a compra de cinco produtos da linha “gulosos” da Bauducco e mais cinco reais, um relógio de pulso do Shrek. O TJSP224 decidiu que havia sugestão de consumo excessivo na publicidade, pois “induzia as crianças a quererem os produtos da linha gulosos para poderem (sic) obter os relógios. Havendo quatro tipos de relógio à disposição, seriam 20 produtos adquiridos”. Além do consumo excessivo, a decisão evidenciou o sentimento de inferioridade criado pela publicidade na criança que não tivesse o relógio, bem como a utilização de verbos no imperativo, em verdadeira “ordem para que a criança adquira os produtos e colecione os relógios”. É interessante notar, na fundamentação do magistrado, o uso das disposições do Art. 37 do CBARP. Em outro exemplo, a publicidade da promoção “Zoobremesas” da Dr. Oetker foi considerada abusiva por induzir consumo excessivo em sentença da 9ª Vara da Fazenda Pública (Processo 0044517-82.2010.8.26.0053). No anúncio, as crianças são mostradas comendo diversos doces, mas sendo proibidas, em um primeiro momento, de poder levar as 223

Reprovados, por exemplo, pelo CONAR, promoção da Cacau Show, denominada Chocobichos, por impor consumo excessivo (Representação 244/2011); promoção Bobs Trikids por conter imperativo de consumo dos produtos, tais como: “Vá até o Bobs”, “Peça Trikids”, “Só falta você” (Representação345/2008); publicidade “Experimente Mabelokos”, por conter imperativo de consumo e também não apresentar conteúdo adequado (Representação 300/2008); publicidade “Mamãe, eu quero Biotônico Fontoura”, protagonizado por crianças em apelo direto (Representação 233/2006); “Danoninho Ice” (Representação 290/2009); promoção “Mickey Mania” (mídia impressa) sustada pelo uso de imperativo “compre” e “colecione”; publicidade do biscoito “Spuleta”, pelo uso do imperativo às crianças “venha curtir essa emoção” (Representação 255/2009). 224 “Ação Civil Pública. Publicidade voltada ao público infantil. Venda casada caracterizada aquisição dos relógios condicionada à compra de 05 produtos da linha “Gulosos”. Campanha publicitária que infringe o artigo 37 do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária. Utilização de verbos no imperativo inadequada. Proibição pelo Conar do uso dessa linguagem em publicidade voltada às crianças. Prática comum, que deve ser repudiada. Publicidade considerada abusiva, que se aproveita da ingenuidade das crianças. Sentença reformada. Apelo provido. Verbas sucumbenciais impostas à ré. (TJSP, Ap. 0342384-90.2009.8.26.0000, rel. Ramon Mateo Junior, j. 08.05.2013). Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/wpcontent/uploads/2007/07/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-Pandurata.pdf

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guloseimas dentro de suas mochilas. Em seguida, as mochilas da promoção parecem adquirir vida, permitindo que seja burlada a proibição de levar os doces. As crianças pegam a maior quantidade de guloseimas que podem carregar, seguida da chamada da promoção: “Na compra de cinco produtos (e mais R$ 7,99) você ganha uma mochila animal. Agarre a sua”! A sentença concluiu que “há associação direta entre as mochilas e o permissivo de consumo exagerado dos doces mostrados e, ainda, existe estímulo imperativo para aquisição das citadas mochilas”. Fundamental também são as restrições concernentes aos horários de veiculação da publicidade de forma mais rígida. Por exemplo, toda e qualquer publicidade de bebidas alcoólicas não pode ser veiculada em horário diurno, independentemente de seu teor alcoólico.225 É importante também incentivar uma política pública de educação para o consumo nas escolas e em outros espaços públicos. Essencialmente, é a concepção da infância que deve ganhar sensibilidade por parte da sociedade e do direito. A prioridade absoluta dos direitos da criança deve ser levada à sério, como norma de ordem pública que é, diante da lesividade da publicidade. É preciso compreender a sua vulnerabilidade intrínseca, promover o seu desenvolvimento harmonioso e integral e enxergar que o consumo como um fim em si próprio pode ser altamente prejudicial para as crianças, pois atua como um limitador de sua liberdade e criatividade.

225

Lembrando que, conforme a disposição da Lei 9.294/96, a publicidade de bebidas alcóolicas com baixo teor alcoólico (inferior a 13%), como a cerveja, não sofre restrição de horários.

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CONCLUSÃO

A publicidade ganhou relevância no ordenamento jurídico brasileiro há relativamente pouco tempo. A sociedade contemporânea, caracterizada por um sistema cultural e econômico fortemente ligado ao consumo e à comunicação, absorve de várias formas os apelos publicitários, sendo estes fatores de influência no cotidiano, nas relações humanas, na formação cultural e nos anseios da população. Como observado durante a leitura bibliográfica deste estudo, a publicidade ultrapassa o viés informativo, sendo não apenas um instrumento de convencimento a favor do consumo, mas um aliado na manipulação de preferências sociais, culturais, na criação de ideologias, de comportamentos e de um padrão de estilo de vida para as pessoas. É mister observar que a publicidade já não possui apenas aquela forma típica caracterizada pelo anúncio televisivo, mas alcança novos meios de expressão com a internet, nas redes sociais, nos jogos de computador e em novas plataformas que vão se aperfeiçoando diariamente. De forma sutil, clandestina, subliminar, a publicidade vai se inovando e se tornando um desafio para o direito que deve acompanhar de forma eficaz todas essas modificações. Neste sentido, o Princípio da Identificação da Publicidade, consolidado pelo Art. 36 do Código de Defesa do Consumidor, possui papel crucial, pois garante a transparência, a boa-fé e a harmonia nas relações de consumo. Além disso, tem destaque o Art. 37, §2 do mesmo Código que traz o Princípio da Não Abusividade da Publicidade, mais importante ferramenta dentro da ótica consumerista a proteger as crianças do potencial abusivo da publicidade. É ideal que o controle da publicidade seja feito de forma mista, incluindo tanto os órgãos de controle privados e de autorregulamentação, como o CONAR, quanto os órgãos estatais. É necessário fortalecer a atuação judiciária, com instrumentos como a ação civil pública e a contrapropaganda. Ressalta-se a importância do Princípio da Vulnerabilidade trazido pelo Art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, que irá garantir a efetividade da proteção do consumidor, onde se insere a ótica da publicidade. Além disso, este mesmo princípio irá delimitar o conceito de consumidor, pois somente com uma interpretação teleológica que leve em

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consideração a vulnerabilidade pode-se cuidar da extensão da tutela do direito do consumidor apenas àqueles que realmente precisam. Paralelamente, conclui-se que as crianças, indubitavelmente, estão inseridas dentro da categoria de hipervulneráveis. Não apenas na ótica consumerista, mas, principalmente, assim como definido pela Constituição da República, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, documento internacional de suma importância já internalizado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Percebe-se, então, a indispensável necessidade de garantir uma tutela plena dos direitos da infância dentro da perspectiva da Doutrina da Proteção Integral, marco teórico essencial para enxergar as crianças como sujeitos de direitos. Além de dignas de direitos fundamentais, as crianças devem ser vistas como seres em processo de formação. Para isso, é preciso garantir um espaço de proteção dos seus direitos, efetivando os Princípios do Melhor Interesse e da Prioridade Absoluta, garantido por todos: sociedade, Estado e família. A visão de que todos são responsáveis pelo respeito da infância é um importante passo para a garantia de seus direitos, pois possibilita a construção de uma rede de apoio em todos os níveis, o que pode diminuir a ocorrência de crueldade, negligência e violência sobre as crianças. Dessa forma, chega-se à conclusão, após a análise da bibliografia e das pesquisas trazidas a este trabalho, que a publicidade dirigida ao público infantil pode ser uma forma de violação dos seus direitos. Como realizada atualmente no país, a publicidade infantil pode ter efeitos nocivos, prejudicar o pleno desenvolvimento das crianças, influenciar sua personalidade, suas metas para o futuro e manipular a sua visão de mundo. Pesquisas comprovam a influência dos anúncios publicitários no aumento do estresse nas relações familiares, na causa de comportamentos violentos, na erotização precoce e, especialmente, no aumento de transtornos alimentares e problemas de saúde entre as crianças. Por isso, deve-se proibir a publicidade abusiva dirigida à infância. A vedação, ressaltase, é apenas referente aos abusos publicitários, não havendo intenção de se vedar toda a atividade publicitária, mas somente aquela caracterizada como abusiva. Diante de um cenário ainda repleto de exemplos de anúncios publicitários abusivos e inadequados, reforça-se a necessidade de uma aplicação mais eficiente dos instrumentos de controle existentes, além do fortalecimento de uma regulamentação específica. É importante a construção de ferramentas jurídicas que possam minimizar os impactos negativos da publicidade nas crianças. De pronto, deve a publicidade infantil ser

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limitada,

restringida

e

filtrada,

observando

claros

parâmetros

que

respeitem

o

desenvolvimento sadio da criança, sem amarrá-la à preconceitos ou apelos consumistas. É fundamental, também, a presença de um controle prévio da publicidade, realizado por órgãos autorregulamentares, que possibilitem uma prevenção dos abusos sem sobrecarregar o Poder Judiciário. Posteriormente, uma legislação exaustiva garantirá a imposição necessária das diretrizes acerca da abusividade da publicidade, para que a sociedade, os aplicadores dos direitos e o Estado possam atuar de forma mais informada e efetiva diante da questão. Destaca-se a especial preocupação em relação à publicidade infantil associada a personagens e celebridades adorados pelas crianças, aos anúncios que incentivem o consumo de alimentos não saudáveis e que incitem padrões de beleza inalcançáveis. O preconceito, a inferioridade, a violência e os comportamentos nocivos não devem ser objeto de conteúdo direcionado às crianças. É preciso garantir sua criatividade, liberdade e alegria sem correlacionar tais sentimentos com a aquisição de produtos. Por fim, não ganha espaço a noção de que a limitação da atuação publicitária é uma forma de violação dos princípios da livre iniciativa e da liberdade de expressão. A publicidade, apesar de ter um viés informativo, concentra sua nocividade na incitação ao consumo e na busca de lucro. Logo, a publicidade não está no núcleo do direito da liberdade de expressão, mas em uma parte menos protegida deste direito que permite limitações. Não se confunde essa restrição com uma forma de censura, pois é evidente que a atividade comercial em si não está sendo abolida. O que se objetiva alcançar, claramente, é a proteção das normas de ordem pública, especificamente à prioridade absoluta dos direitos da criança. Acompanha-se, nesse sentido, a própria intenção do constituinte originário, que já previu limitações à ordem econômica no Art. 170 da Carta Constitucional, com, por exemplo, a defesa do consumidor no inciso V. A publicidade de alimentos não saudáveis, por exemplo, deve ser absolutamente abolida diante dos indícios claros de obesidade infantil no país e da relação entre os transtornos alimentares e os anúncios publicitários. Assim como os anúncios que incitem erotização precoce das crianças e padrões de beleza irreais. Comandos diretos, apelativos e imperativos ao consumo devem ser vedados, especialmente para não incentivar o consumo excessivo de produtos e a associação desse consumo com a troca por brindes e brinquedos. Expressões como “somente” ou “apenas” relacionadas ao preço dos produtos ou a sugestão de que as crianças peçam aos seus pais para

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comprar o produto também são proibidas. O uso de crianças como protagonistas da publicidade e atores dos anúncios também se configura como uma forma abusiva de publicidade, ainda mais se presentes personagens infantis ou celebridades. Dessa forma, toda e qualquer publicidade que promova sentimentos de inferioridade, medo, comportamentos potencialmente perigosos ou lesivos, atos de violência, racismo e bullying deve ser rechaçada. Ademais, nenhum anúncio dirigido às crianças pode se valer da fantasia e da enganosidade para criar expectativas irreais sobre os produtos divulgados. Ainda, o merchandising de produtos infantis em filmes, programas de televisão ou outras formas de comunicação, como internet e jogos, deve ser proibido, pois claramente imperceptível às crianças e caracterizado como abusivo. Por fim, ressalta-se a necessidade de melhor se restringir o horário de veiculação de publicidade de bebidas alcoólicas, independente do seu teor alcoólico, haja vista que os anúncios de cerveja, por exemplo, notadamente figuram como apelativos e inadequados ao público infantil. Finalmente, na espera de uma legislação mais específica e de uma regulamentação mais abrangente e clara, os critérios de abusividade expostos representam uma ferramenta importante na ponderação e na análise dos casos concretos para efetivar desde já a tutela das crianças - tendo em vista que a proteção das mesmas é, sem dúvidas, absolutamente prioritária diante de qualquer instrumento mercantil caracterizado como abusivo, garantindo as disposições fundamentais da Constituição da República, do Estatuto da Criança e Adolescente e da Convenção dos Direitos da Criança.

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