Probabilidades: sistemas, dinâmicas, cognição

July 28, 2017 | Autor: Maria Odete Madeira | Categoria: Emergence, Complexidade, Ciência dos Sistemas
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Probabilidades: sistemas, dinâmicas, cognição Maria Odete Madeira, Março 2015

Probabilis, com os significados de provável, verosímil; probatio, com os significados de prova, confirmação e probo, com os significados de provar, aprovar, recomendar, julgar, estimar, são os termos latinos que formam o entrelaçamento disposicional judicativo comprometido com um sentido de plausibilidade, prova, verificação e argumentação, no qual radicula a noção de probabilidade, do latim probabilitas, com os significados de probabilidade, plausibilidade. Em termos conceptuais o que é probabilidade?! É um nome para uma sistémica que sinaliza um exercício de cálculo sustentado por sínteses cognitivas complexas, suportadas por fluxos padronizados de reenvios cognitivos projectivos, trabalhados nos e pelos organismos agentes a partir do presente para o/um futuro antecipável cenarizado e que envolve critérios de abstração e esquematização projectiva táctica e estratégica, suportados pela configuração de cenários conjecturais, compatíveis com a causalidade sistémica disposicional dos factos, das situações, dos processos, dos contextos, das dinâmicas e dos limites sistémicos concretos observáveis, com recurso a dados recolhidos, ordenados e processados, conectáveis com objectivos, fins ou finalidades a serem atingidos pelos agentes envolvidos e que são sempre condicionados pela autopoiética1 dos ritmos de sustentabilidade dos sistemas na manutenção das respectivas auto-

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Do grego poiein (verbo) e poiesis (nome), respectivamente, com os significados de fazer e criação ou produção. Aristóteles trabalhou o termo poiesis relacionando-o com o termo praxis, definindo a praxis como a actividade de uma coisa e a poiesis como o produto dessa actividade (Metafísica, 1050a). Auto, do grego auto, forma combinada de autos (de origem incerta), com o significado de o próprio, o mesmo. Autopoiesis: autoprodução. Francisco Varela conceptualizou o termo autopoiesis, relacionando-o com a noção de auto-referência, atribuindo-lhe o significado de auto-ontogeneização (A Complexidade, Vertigens e Promessas). Auto-ontogeneização: auto (termo grego), o próprio; onto (termo grego), ser; geneização, acção de fazer nascer, termo relacionado com o grego genesiz, com o significado de nascimento. Genesiz tem equivalência semântica conectada com gignomai (termo grego) com o significado de chegar a ser.

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referências2, identidades e permanências: todos querem permanecer, sem perdas de integridade, no jogo(s) da vida, ou se se preferir no jogo(s) de sobrevivência, um jogo sempre arriscado, mesmo quando o jogo ganha uma sustentabilidade robusta de tal modo que se torna visível para todos os jogadores qual será o resultado, o inesperado pode acontecer com consequências que podem obrigar a uma mudança

imediata de regras táctico/estratégicas sem recurso ao

processamento de esquematização projectiva reflexiva planificada, ficando todos os jogadores expostos ao clinamen3 sistémico. A probabilidade não é o operador, nem um operador, os sistemas ou organismos agentes são os operadores. Qual é o papel da probabilidade?! O de apoio específico aos exercícios de cálculo antecipatório táctico/estratégico para a escolha, decisão e determinação. A intensidade causal a ser processada nos critérios que determinam as acções

dos

agentes,

como

sendo

as

melhores

acções,

em

termos

táctico/estratégicos, para os objectivos a atingir, em tempo oportuno, ocorre entre a sustentabilidade dos sistemas e a respectiva espontaneidade autopoiética de cada um. O latim tem, para o termo espontaneidade, um suporte cognitivo formativo muito interessante: espontâneo é primitivamente radiculado em sponte, de spons, mea/tua/sua sponte, que significa: pela minha/tua/sua vontade/arbítrio. À espontaneidade ontológica sistémica imanente está ligada a imediatez, explicada pela capacidade inata dos organismos para agirem sem necessidade

da

mediação

de

esquemas

cognitivos

para

a

configuração/representação das figuras/objectos/situações/mundo/coisas…, o

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Auto-referência, enquanto noção, sinaliza a capacidade de um sistema se referir a si mesmo, enquanto posição reflexiva de si para si, em si mesmo. Em termos básicos: eu sou mim. A autopoiesis constitui um exemplo de auto-referência, estando ambas as noções conectadas com as noções de identidade (coincidência da entidade consigo mesma: mesmidade: eu sou eu) e autonomia de auto (o próprio) e nomos (lei): viver segundo a sua lei/leis/regras. Nos termos de Varela, enagir (enact) as suas próprias regras de acção. Varela operacionalizou o termo enação como síntese conceptual de proximidade cognitiva entre os agentes e as respectivas acções. 3

Clinamen (declinação) termo de Epicuro: capacidade de os átomos se desviarem espontaneamente das suas trajectórias. No seu tempo, Epicuro sinalizou uma irredutível dinâmica sistémica de imprevisibilidade perturbadora, em termos paradigmáticos, nos critérios de verdade, trabalhados na época.

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que, em termos cognitivos, significa que a imediatez está ligada à intuição e ambas estão ligadas à espontaneidade. Intuição radicula nos termos latinos tueri e in com o significado de ver em: ver directamente dentro das coisas. À intuição e à imediatez está ligada a porosidade sistémica de fronteira, fortemente dependente do ethos e pathos sistémicos, respectivamente: carácter e capacidade para afectar e ser afectado pelas coisas, pelos factos, pelos acontecimentos, pelas entidades, pelo mundo, pelo cosmos…, no que diz respeito àquilo que acontece ao sistema, ou que o sistema faz acontecer, no que diz respeito àquilo que nos acontece ou que fazemos acontecer. Em situações bio-antropo-sociológicas específicas de risco sistémico de colapso iminente não antecipado pelos agentes, a dependência dos cálculos para evitar o mesmo colapso depende da capacidade disposicional dos respectivos agentes para se conectarem sincreticamente às situações de risco, no sentido de intuírem as melhores respostas táctico/estratégicas. Foi num registo de espontaneidade, imediatez e intuição, sincreticamente conectadas às práticas de sobrevivência predador/presa, que os primeiros hominídeos satisfizeram as suas necessidades permanentes de alimentos e de protecção contra as ameaças à sua existência. Cada sistema tem as suas próprias respostas de sobrevivência espontâneas e imediatas, nas quais aposta e joga o jogo da adaptação, do crescimento e da evolução. Não existe um campo de probabilidade, como condição de possibilidade do que quer que seja, existe deterministicamente viver e morrer, agregação e desagregação. Jogos?! Certamente! Jogos de predador/presa, jogos de cooperação, jogos de sobrevivência, jogos de vida, jogos de poder: poder ser, poder existir, poder viver, poder fazer, seja competindo, seja cooperando. O juízo probabilístico depende da recolha e processamento de dados, o que é sempre condicionado por limites sistémicos: nós, os outros e o meio entrelaçados em sistemas de reenvios cognitivos condicionados por teias comunicacionais complexas, radiculadas na (co)existência dos grupos, das

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famílias, das sociedades, das culturas, das civilizações, em que cada indivíduo é um sistema simultaneamente local/global/não-local4. A actividade cognitiva de cada indivíduo para a acção começa na actividade infra-celular dos respectivos organismos, envolvendo níveis quânticos determinantes, a partir dos quais os processos e as dinâmicas de emergência tomam lugar, dando origem à irrupção do inesperado para os agentes, configurado numa ontologia de acontecimento portador de causalidade, muitas vezes disruptora. Importa não separar dos sistemas as suas dimensões. O nível quântico é um nível dimensional dos sistemas, sejam entidades, agentes, organismos, ou relações (caso dos sistemas sociais), sendo, precisamente, o nível quântico que determina as respectivas organizações/estrutura/padrões/ordem feitas emergir, no sistema, pelo jogo de forças. São as forças, imanentes aos sistemas, que impõem regras de estrutura e limites aos mesmos. Limites ao nível do pathos e do ethos, ou seja, ao nível do carácter e da capacidade para afectarem e serem afectados. A emergência é sempre determinada por emaranhados multicausais de situações, de contextos ou de processos, com origem em níveis quânticos, cognitivamente não probabilizáveis e que são portadores de novas regras que exigem novas acções, novas respostas adaptativas, novos comportamentos, novas estórias. Não é possível sabermos tudo acerca de tudo, não é possível sabermos tudo acerca de todos, por isso probabilizamos e recorremos a ferramentas que nos ajudam a probabilizar.

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A noção de não-localidade está ligada à identidade sistémica, assumindo-se a definição de sistema, enquanto síntese dinâmica complexa interactiva de relações entre as partes do sistema e o todo (totalidade), ou no caso dos sistemas sociais, enquanto entidades e meio, sendo uma entidade qualquer existente concreto. A não-localidade sistémica é uma dinâmica da unidade sistémica para a sustentabilidade do sistema e respectiva identidade. Sendo as partes e o todo (totalidade) sistémico irredutíveis entre si, aquilo que garante a sua coesão e integridade é a sua unidade e respectiva identidade. A não-localidade sistémica operacionaliza cognitivamente a organicidade do sentido de unidade incorporado na síntese sistémica, ou seja, incorporado nos organismos, nos indivíduos, nos agentes, nas entidades, quaisquer que sejam as respectivas naturezas, entidades não-humanas, entidades humanas, grupos, famílias, instituições, culturas, civilizações.

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O sucesso ou insucesso das nossas acções depende, sobretudo, da capacidade disposicional cognitiva projectiva sustentada de cada um. As nossas ferramentas, os nossos modelos, as nossas técnicas poderão ser e serão úteis, se não nos alienarmos nelas, o cálculo fundamental e final deverá ser nosso, porque a responsabilidade das nossas acções é nossa, claro que há (co)limites para as mesmas: nós, os outros, o meio, o mundo e este cosmos que nos impõe as suas leis. Vivemos num cosmos determinista que nos impõe as suas leis de vida e de morte, necessariamente nascemos e morremos, mas mesmo dentro dos limites impostos, há intervalos oportunos para agirmos que podem ser intuídos, há tempo oportuno, momentos para fazermos mais, para fazermos melhor, os gregos têm um nome para os momentos de oportunidade: Kairos. O nosso futuro depende do bom exercício, nos momentos oportunos, do arbítrio possível incorporado no nosso kit de vida. Do ponto de vista dos postulados das teses Darwinistas, existe uma equivalência básica, em termos do processo evolutivo, entre as diferentes espécies, e entre os diferentes organismos de uma mesma espécie, no entanto, aquilo que a evidência empírica exibe é que cada organismo possui um tipo particular de ordem/organização disposicional irredutível que o determina, em termos onto-cognitivos, no que diz respeito às suas regras de acção, nas quais se inclui a acção de pensar e às quais apenas ele tem acesso directo. Assim, quando se fala em recolha de dados para os exercícios de cálculo antecipatório táctico/estratégico, há que ter presente que questões como certezas absolutas são fortemente improváveis quer no nosso planeta, em particular, quer no nosso Cosmos, em termos gerais. A probabilidade de um evento ou facto ocorrer conforme antecipação, segundo graus de previsibilidade cognitivos com suporte tecno/tecnológico corroborável, é tudo que temos, e se formos, oportunamente, sensatos para recuperarmos a agilidade operativa da capacidade de imediatez e intuição sincréticas dos nossos antepassados hominídeos, provavelmente temos muito, talvez o suficiente para que o nosso sísifico rochedo não se desloque para planos projectivos de replicação morfogenética com

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deslocamento kafkiano para tabuleiros de xadrez, em que a grande aposta seja a do apagamento do referente sapiens.

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Bibliografia •

Aristóteles, 1990, Metafísica, edição trilingue por Valentín Garcia Yebra, Editorial Gredos, Madrid.



Varela, Francisco, 2004, Autopoiese e Emergência, in Benkirane, Réda, A Complexidade Vertigens e Promessas, p. 139-147, Instituto Piaget, Lisboa.



Goodwin, Brian, 1998, A Biologia É Uma Dança, in Brockman, John, A terceira Cultura, p. 85-97, Temas e Debates.



Madeira, Maria Odete, 2013, …on nonlocality: hypertextualizing… , https://www.academia.edu/5048643/_on_nonlocality_hypertextuali zing_



Madeira, Maria Odete; Gonçalves, Carlos Pedro, 2012, On Systems and Their Fields of Sustainability, http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2185513; http://www.academia.edu/2464371/On_Systems_and_Their_Fields _of_Sustainability.



Maturana, Humberto, R., Varela, Francisco, J., ([1972], 1980), Autopoiesis and Cognition, D. Reidel Publishing Company, London.



Popper, Karl, ([1972], 1975), Conhecimento Objectivo, Editora da Universidade de São Paulo, Belo Horizonte.



Varela, Francisco, ([1988], 1990), Conhecer, Instituto Piaget, Lisboa.

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