Probioticos e a permeabilidade intestinal

June 15, 2017 | Autor: Marcio Souza | Categoria: Nutrition, Probiotics
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PROBIÓTICOS E A PERMEABILIDADE INTESTINAL Márcio Leandro Ribeiro de Souza1

RESUMO: Os probióticos estão relacionados a inúmeros efeitos benéficos no organismo, entre eles a melhora da função de barreira intestinal. Os mecanismos que podem explicar essa interação estão sendo propostos. Entre eles, podemos citar o estímulo para aumento da produção de muco, de peptídeos antimicrobianos como defensinas e catelicidinas, e outras moléculas antimicrobianas como ácidos graxos de cadeia curta, bacteriocinas ou microcinas. Essas bactérias probióticas também competem com patógenos por sítios de ligação nas células epiteliais e na camada mucosa sobrejacente, além de diminuir alterações nas junções tight e aumentar a produção e liberação de IgA secretória. Assim, existem evidências sobre os benefícios decorrentes do uso dos probióticos para melhoria da função de barreira intestinal e controle da permeabilidade intestinal e este estudo pretende abordar os mecanismos pelos quais as bactérias probióticas contribuem para o controle dessa permeabilidade. PALAVRAS-CHAVE: Probióticos. Permeabilidade. Mucosa intestinal.

INTRODUÇÃO

transporte das mesmas bem como a função de barreira. O ter-



O intestino humano representa a parte final do tubo di-

mo permeabilidade intestinal se refere a essa função de barreira,

gestório e é dividido em intestino delgado e grosso. O intestino

capaz de permitir ou não a passagem de moléculas por meca-

delgado é responsável por completar a digestão e absorção da

nismos de difusão não mediada, por diferenças de gradiente de

maioria dos nutrientes, enquanto o intestino grosso é responsá-

concentração ou pressão, sem a assistência de um sistema car-

vel pela absorção da maior parte de água e alguns eletrólitos, o

reador bioquímico passivo ou ativo (TRAVIS; MENZIES, 1992).

que fornece consistência firme às fezes (SHILS et al., 2002). O

Além disso o TGI contribui para a saúde garantindo a digestão e

intestino delgado contém aproximadamente 7 metros de com-

absorção adequada de nutrientes, minerais e fluidos, induzindo

primento, variando entre 5 e 8 metros, e o intestino grosso tem

a tolerância da mucosa e sistêmica, defendendo o hospedeiro

aproximadamente 1,5 metro (NETTER, 2011).

de infecções e outros patógenos, e enviando sinais da periferia



O trato gastrointestinal (TGI) contém um epitélio contí-

para o cérebro, conforme esquematização na Figura 1. Assim a

nuo que apresenta diferentes propriedades em relação às subs-

barreira intestinal contribui para prevenção de desnutrição, aler-

tâncias presentes na luz intestinal, promovendo a função de

gias e infecções no hospedeiro (BISCHOFF, 2011).

Figura 1: O impacto do intestino na saúde

Fonte: Adaptado de Bischoff, 2011.

PÓS EM REVISTA l 299

Os probióticos são microrganismos vivos, administrados em quantidades adequadas, que conferem benefícios à saúde

probióticos e a barreira intestinal, e suas interferências na permeabilidade intestinal.

do hospedeiro. Os probióticos atualmente estão relacionados a inúmeros efeitos no organismo, como função hipocolesterolê-

METODOLOGIA

mica, tropismo na mucosa intestinal, efeito anticarcinogênico,

O presente estudo é uma revisão bibliográfica, realizada

tratamento e prevenção da diarreia, melhoria da digestão da lac-

no período de abril a maio de 2012, com consulta às bases

tose (WHO, 2002; SANDERS, 2003).

de dados LILACS, MEDLINE e SciELO. Utilizou-se como crité-

Os probióticos podem interferir diretamente na barreira

rio de busca o formulário básico com os seguintes descritores:

intestinal, podendo ou não prejudicar a permeabilidade intes-

microbiota intestinal, probióticos, permeabilidade intestinal. Fo-

tinal. Diversos mecanismos vêm sendo propostos para expli-

ram selecionadas pesquisas em português, inglês e espanhol,

car essa possível interação, como estímulo para aumento da

prevalecendo publicações dos últimos 10 anos (2002 a 2012).

produção de muco, de pepitídeos antimicrobianos como de-

Algumas publicações anteriores a 2002 foram utilizadas quando

fensinas e catelicidinas, e outras moléculas antimicrobianas

estas representavam estudos clássicos sobre os temas.

como ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e bacteriocinas ou microcinas. Essas bactérias probióticas também podem contribuir para a função de barreira intestinal competindo com patógenos por sítios de ligação nas células epiteliais e na camada mucosa sobrejacente, além de diminuir alterações nas junções tight e aumentar a produção e liberação de IgA secretória (COLLINS; BERCIK, 2009; BARTON; KAGAN, 2009; RESTA-LENERT; BARRETT, 2006; MUMY et al., 2008; MADSEN et al., 2001; EWASCHUK et al., 2008; GALDEANO; PERDIGON, 2006).

Assim, o presente trabalho pretende descrever as fun-

ções dos probióticos na saúde humana, bem como os principais mecanismos envolvidos na interação entre os microrganismos

O INTESTINO O intestino humano representa a parte final do tubo digestório e é dividido em intestino delgado e grosso. Juntas, essas duas porções podem atingir aproximadamente 9 metros de comprimento (SHILS et al., 2002; NETTER, 2011). O termo “intestino saudável” vem sofrendo alterações pela comunidade científica desde a definição de saúde como ausência de doenças pela OMS em 1948 até a conceituação mais aceita atualmente. Hoje em dia, existem cinco critérios que precisam ser preenchidos pelo indivíduo para que se possa confirmar o diagnóstico de intestino saudável, conforme descrito na Tabela 1 (BISCHOFF, 2011).

Legenda: TGI, trato gastrointestinal; IgA, imunoglobulina A; Qi, ideograma chinês. Fonte: Adaptado de Bischoff, 2011.

300 | PÓS EM REVISTA

Entre os cinco critérios para classificação de um “intestino

sem a assistência de um sistema carreador bioquímico passivo

saudável” percebe-se a importância da manutenção da integri-

ou ativo. Essa função pode ser considerada dinâmica, com al-

dade da barreira intestinal, bem como da composição normal da

terações transitórias reversíveis após estresse hiperosmolar e

microbiota (BISCHOFF, 2011). O intestino humano contém uma

também afetada por doenças, hormônios, drogas, dieta, cito-

abundante flora, aproximadamente 100 trilhões de células bac-

cinas e fatores ambientais. Essas alterações podem provocar

terianas, que fornecem uma média de 600.000 genes a cada ser

maior permeação de antígenos à mucosa intestinal, iniciando

humano, localizadas fundamentalmente no cólon e que abran-

ou prolongando processos inflamatórios locais (TRAVIS; MEN-

gem centenas de espécies de bactérias. Existe uma alta diver-

ZIES, 1992).

sidade microbiana interindividual de espécies e de cepas, ou

O epitélio intestinal é sustentado por uma estrutura de-

seja, cada indivíduo abriga seu próprio padrão de composição

nominada citoesqueleto, que se estende através das porções

bacteriana, determinado em parte pelo genótipo do hospedeiro

látero-apicais das células e forma as junções firmes ou zônulas

e pela colonização inicial no nascimento via transmissão vertical

ocludentes. Essas junções representam uma interrupção natural

(WGO, 2011).

à continuidade da membrana celular, tornando-se uma via de

A microflora do adulto é um ecossistema complexo que

acesso de macromoléculas e permitindo ou não a passagem

abriga mais de 500 espécies bacterianas diferentes. Acredita-

bidirecional de várias substâncias, como as células inflamatórias

-se que o tamanho da população de cada espécie seja rigoro-

(DeMEO et al., 2002).

samente controlado pela competição pelos nutrientes e pelo

Duas rotas de permeação de substâncias pela mucosa

espaço. Esta “resistência à colonização” é uma função da mi-

do intestino são aceitas atualmente: transcelular e paracelu-

croflora normal. A colonização bacteriana do TGI começa no

lar. Na rota transcelular, as moléculas menores que 0,4nm,

parto, a partir de bactérias pertencentes à flora materna. Gra-

como o manitol por exemplo, atravessam as membranas ce-

dualmente o número de bactérias eleva-se, podendo algumas

lulares através de pequenos poros aquosos (0,4nm a 0,7nm

vezes aumentar rapidamente e provocar infecções neonatais

de raio), de alta incidência, presentes na membrana dos

(ADLERBERTH, 1998).

enterócitos. Já na rota paracelular, as moléculas maiores

O trato gastrointestinal representa o maior sítio de exposi-

que 0,5nm, como lactulose e celobiose, atravessam canais

ção do organismo ao meio externo e participa das reações en-

aquosos maiores (6,5nm de raio) existentes nas junções fir-

tre microrganismos presentes na luz intestinal e o hospedeiro.

mes, de baixa incidência e susceptíveis ao estresse hiperos-

A adequada manutenção da integridade epitelial exerce papel

molar (TRAVIS; MENZIES, 1992). Essa teoria é denominada

fundamental contra a patogenicidade exercida por bactérias, to-

teoria das duas vias de permeação e está demonstrada na

xinas e outras moléculas que podem funcionar como antígenos

Figura 2.

(TRAVIS; MENZIES, 1992). O trato digestório apresenta outras li-

Quando se utilizam marcadores com pesos moleculares

nhas de defesa, além da barreira exercida pelo intestino, como a

variados, em diferentes gradientes osmóticos, constata-se a

ação exercida pelo suco gástrico ácido e pelas enzimas pancre-

presença tanto de poros eletroneutros maiores (6,5nm), quan-

áticas, IgA, defensinas, além da resposta imunológica (SARKER;

to de poros menores (0,7nm), cátio-seletivos, localizados entre

GYR, 1992; BENVIS; MARTIN-POWER; GANZ, 1999).

as células epiteliais. Esse modelo é conhecido como teoria da via única, também demonstrado na Figura 2, no qual as molé-

PERMEABILIDADE INTESTINAL E ROTAS DE PERMEAÇÃO

culas maiores passariam apenas pelos poros maiores através

A permeabilidade intestinal se refere à função de barreira

da via paracelular, enquanto as menores passariam tanto pelos

exercida pelo epitélio intestinal, capaz de permitir ou não a pas-

poros maiores quanto menores, utilizando as vias transcelular

sagem de moléculas por mecanismos de difusão não media-

e paracelular (DAVIS et al., 1982; PAPPENHEIMER; RENKIN;

da, por diferenças de gradiente de concentração ou pressão,

BORRERO, 1951).

PÓS EM REVISTA l 301

A permeação a macromoléculas aumenta em processos

que eles são microrganismos vivos, administrados em quantida-

que causam reação inflamatória na mucosa intestinal, favoreci-

des adequadas, que conferem benefícios à saúde do hospedei-

da por afrouxamento nas junções intercelulares, enquanto a per-

ro (WHO, 2002; SANDERS, 2003).

meação dos monossacarídeos retrata a área absortiva intestinal,

Vários microrganismos são usados como probióticos, en-

embora não haja consenso para explicar as vias de permeação

tre eles bactérias ácido-lácticas, bactérias não ácido-lácticas e

(VILELA, 2005).

leveduras. Bactérias pertencentes aos gêneros Lactobacillus e

A quebra da integridade da barreira intestinal e aumento da

Bifidobacterium e, em menor escala, Enterococcus faecium,

permeação aumentada de macromoléculas têm sido associa-

são mais frequentemente empregadas como suplementos pro-

das a mecanismos etiopatogênicos comuns a várias doenças

bióticos para alimentos, uma vez que têm sido isoladas de todas

de caráter inflamatório do trato digestivo, bem como a doen-

as porções do trato gastrintestinal do humano saudável. O íleo

ças auto-imunes, como diabetes mellitus e a dermatite atópica

terminal e o cólon parecem ser, respectivamente, o local de pre-

(SECONDULFO et al., 2004; ROSENFELDT et al., 2004). Para

ferência para colonização intestinal dos lactobacilos e bifidobac-

que a mucosa possa exercer sua função de forma adequada,

térias. Dentre as bactérias pertencentes ao gênero Bifidobacte-

sua integridade deve ser mantida e o uso de bactérias probió-

rium, destacam-se a B. bifidum, B. breve, B. infantis, B. lactis,

ticas vem sendo associado a essa manutenção da integridade

B. animalis, B. longum e B. thermophilum. Dentre as bactérias

do epitélio intestinal.

láticas pertencentes ao gênero Lactobacillus, destacam-se a Lb. acidophilus, Lb. helveticus, Lb. casei- subsp. paracasei e

PROBIÓTICOS

subsp. tolerans, Lb. paracasei, Lb. fermentum, Lb. reuteri, Lb.

O termo probiótico possui origem grega e foi proposto ini-

johnsonii, Lb. plantarum, Lb. rhamnosus e Lb. Salivarius (HOL-

cialmente para descrever compostos ou extratos de tecidos ca-

ZAPFEL; SCHILLINGER, 2002).

pazes de estimular o crescimento microbiano. Os probióticos

Para que os probióticos possam atuar satisfatoriamente

eram definidos como suplementos alimentares à base de mi-

no organismo, eles devem apresentar algumas características

crorganismos vivos, que afetam beneficamente o animal hospe-

específicas: serem habitantes normais do intestino; reproduzi-

deiro, promovendo o seu balanço microbiano (FULLER, 1989).

rem-se rapidamente; produzirem substâncias antimicrobianas;

Entretanto, a definição atualmente aceita internacionalmente é

resistirem ao tempo entre a fabricação, comercialização e inges-

302 | PÓS EM REVISTA

tão do produto devendo atingir o intestino ainda vivos na con-

por sítios de adesão. O segundo desses mecanismos seria a

centração mínima de 106 UFC/mL ou g. Assim, o mecanismo de

alteração do metabolismo microbiano, através do aumento ou

atuação dos probióticos no organismo se refere principalmente

da diminuição da atividade enzimática. O terceiro seria o estímu-

à inibição que estes exercem na colonização do intestino por

lo da imunidade do hospedeiro, através do aumento dos níveis

bactérias patogênicas. Os mecanismos através dos quais os

de anticorpos e o aumento da atividade dos macrófagos. O es-

probióticos reduzem as bactérias patogênicas seriam: produção

pectro de atividade dos probióticos pode ser dividido em efeitos

de substâncias bactericidas; disputa por nutrientes; alteração do

nutricionais, fisiológicos e antimicrobianos (FULLER, 1989).

metabolismo microbiano; estimulação do sistema imunológico a

Os benefícios à saúde do hospedeiro atribuídos à ingestão

partir da capacidade de adesão à mucosa intestinal (ALVAREN-

de culturas probióticas que mais se destacam são: controle

GA et al., 2001).

da microbiota intestinal; estabilização da microbiota intestinal após o uso de antibióticos; promoção da resistência gastrin-

FUNÇÕES DOS PROBIÓTICOS

testinal à colonização por patógenos; diminuição da popula-

A influência benéfica dos probióticos sobre a microbiota in-

ção de patógenos através da produção de ácidos acético e lá-

testinal humana inclui fatores como efeitos antagônicos, com-

tico, de bacteriocinas e de outros compostos antimicrobianos;

petição e efeitos imunológicos, resultando em um aumento da

promoção da digestão da lactose em indivíduos intolerantes à

resistência contra patógenos. Assim, a utilização de culturas

lactose; estimulação do sistema imune; alívio da constipação;

bacterianas probióticas estimula a multiplicação de bactérias

aumento da absorção de minerais e produção de vitaminas.

benéficas, em detrimento à proliferação de bactérias potencial-

Embora ainda não comprovados, outros efeitos atribuídos a

mente prejudiciais, reforçando os mecanismos naturais de defe-

essas culturas são a diminuição do risco de câncer de cólon

sa do hospedeiro (PUUPPONEN-PIMIA et al., 2002). São vários

e de doença cardiovascular. É sugerida, também, a diminui-

os efeitos benéficos atribuídos aos probióticos, entre os quais

ção das concentrações plasmáticas de colesterol, efeitos anti-

se destacam o efeito trópico na mucosa intestinal, hipocoleste-

-hipertensivos, redução da atividade ulcerativa de Helicobacter

rolêmico, anticarcinogênico, tratamento e prevenção da diarréia

pylori, controle da colite induzida por rotavírus e por Clostri-

e melhora da digestão da lactose. Os probióticos exercem efei-

dium difficile, prevenção de infecções urogenitais, além de

tos inibidores sobre a microflora intestinal patogênica. Também

efeitos inibitórios sobre a mutagenicidade (KAUR, CHOPRA,

podem existir efeitos indiretos como a estimulação de outros

SAINI, 2002; TUOHY et al., 2003).

lactobacilos, diferentes dos microrganismos do probiótico administrado. O mecanismo causador destes efeitos inibidores não é bem conhecido, embora estudos sugiram que a concorrência por receptores de aderência no intestino talvez seja uma explicação possível (FULLER, 1989). As bactérias patogênicas do tubo digestório possuem sistemas enzimáticos responsáveis pela produção de carcinogênicos. A administração de probióticos pode suprimir a atividade de enzimas como a β-glicosidase e a β-glicoronidase. Também podem provocar diminuição da 7 α-desidroxilase dos ácidos biliares que produzem o ácido desoxicólico, um ácido biliar secundário. Os probióticos também podem atuar na supressão dos sintomas das enfermidades. Embora essa ação de supressão não seja bem descrita, isto pode acontecer através da ação direta sobre o número de agentes patogênicos ou sobre sua atividade, pelo estímulo à imunidade do hospedeiro ou competição pelos receptores de adesão (FULLER, 1989). Três possíveis mecanismos de atuação são atribuídos aos probióticos, sendo o primeiro deles a supressão do número de células viáveis através da produção de compostos com atividade antimicrobiana, a competição por nutrientes e a competição

PROBIÓTICOS E A PERMEABILIDADE INTESTINAL Durante muitos anos, os mecanismos propostos para explicar os efeitos benéficos dos microrganismos probióticos estavam concentrados na sua capacidade de suprimir o crescimento de patógenos. De fato, essa competição entre probióticos e bactérias patogênicas por sítios específicos no epitélio intestinal constituía-se no seu principal mecanismo de ação (CLANCY, 2003). Algumas hipóteses são formuladas para explicar possíveis mecanismos pelos quais as bactérias probióticas podem interferir na barreira intestinal. Uma delas está relacionada às camadas de muco. Ao longo de todo o epitélio intestinal existem inúmeras células de Goblet (células caliciformes). Essas células são glandulares polarizadas do tipo mucoso, pois secretam mucina, que se dissolve na água formando muco. Essa camada de muco fornece proteção contra antígenos e moléculas estranhas, ao mesmo tempo que atua como lubrificante para a motilidade intestinal. O muco é a primeira barreira que as bactérias intestinal encontram, e os patógenos precisam penetrá-la durante uma PÓS EM REVISTA l 303

infecção para atingir as células epiteliais (PHILLIPSON et al.,

secreção de ácidos acético e lático, o que inibe o crescimen-

2008). Alguns microrganismos, como Helicobacter pylori, Can-

to de alguns patógenos, incluindo a E. coli enterohemorrágica

dida albicans e Entamoeba histolytica, desenvolveram diversos

(OGAWA et al., 2001). A produção de AGCC pode provocar

métodos para degradar o muco (BRADSHAW et al., 1994; MON-

rompimentos das membranas de patógenos gram-negativos,

CADA et al., 2000).

inibindo o crescimento (ALAKOMI et al., 2000). Lactobacillus

Os probióticos podem promover secreção de muco como

salivarius produz um peptídeo que inibe o crescimento de es-

um dos mecanismos de melhorar a função de barreira e elimina-

pécies de Staphylococcus, Bacillus, Listeria e Enterococcus

ção de patógenos. In vitro, algumas espécies de Lactobacillus

(FLYNN et al., 2002).

aumentaram a expressão de mucina em células humanas intes-

Essas bactérias probióticas também podem contribuir para

tinais Caco-2 (MUC2) e HT29 (MUC 2 e 3), bloqueando então a

a função de barreira intestinal competindo com patógenos in-

invasão e aderência da Escherichia coli patogênica (MACK et

vasores por sítios de ligação nas células epiteliais e na camada

al., 2003; MATTAR et al., 2002). In vivo, poucos estudos foram

mucosa sobrejacente (BARTON; KAGAN, 2009). Também po-

realizados e estes mostraram uma tendência para o aumento da

dem inibir a diminuição da resistência e alterações nas junções

expressão de mucina pelos probióticos, embora haja a neces-

apertadas (tight) causadas por estresse, infecção ou citocinas

sidade de melhores estudos para que um resultado mais con-

inflamatórias em doenças inflamatórias intestinais (RESTA-

clusivo possa ser afirmado (OHLAND; MacNAUGHTON, 2010).

-LENERT; BARRETT, 2006; MUMY et al., 2008s; MADSEN et al.,

Outro mecanismo que pode explicar a interação entre pro-

2001; EWASCHUK et al., 2008) . Além disso, os probióticos au-

bióticos e a barreira intestinal correlaciona-se com os peptídeos

mentam os níveis totais de IgA secretória (IgAs) além dos níveis

antimicrobianos das células do hospedeiro. As duas principais

patógenos-especifícos nas infecções, enquanto normalmente

famílias desses peptídeos são as defensinas e catelicidinas. A

não induz a produção de IgAs probiótico-específico (GALDEA-

expressão de catelicidina é induzida pelo butirato, produzido

NO; PERDIGON, 2006).

pela microflora entérica (SCHAUBER et al., 2003). Rubhana et al. (2006) usou butirato para tratar infecção por Shigella em coe-

CONSIDERAÇÕES FINAIS

lhos e encontrou uma significativa redução na disenteria que foi

As funções dos probióticos e suas interações com o orga-

correlacionada com uma “upregulation” de catelicidina. Baixas

nismo humano vêm recebendo grande destaque nos estudos

produção de defensinas tem sido associada com o desenvol-

científicos recentes. A cada dia novas interações são descober-

vimento de doença inflamatória intestinal e com o aumento da

tas e descritas. As informações geradas ao longo dos últimos

susceptibilidade a infecções bacterianas (MENENDEZ; BRETT

anos indicam que vários probióticos têm diversas participações

FINLAY, 2007).

na saúde humana, além de sua atividade como promotores de

Kadowaki et al. demonstraram que tanto as células epite-

crescimento e reguladores da microbiota das mucosas. As evi-

liais quanto as células imunológicas possuem a capacidade de

dências acumuladas sobre os benefícios decorrentes do uso

discriminar diferentes espécies de microrganismos. Ao nível da

dos probióticos para melhoria da função de barreira intestinal

barreira mucosa, as células epiteliais expostas ao Streptococ-

e controle da permeabilidade intestinal justificam o aprofunda-

cus thermophilus e ao Lactobacillus acidophilus aumentam a

mento dos estudos sobre seu modo de ação, a fim de esclare-

fosforilação da actina e da ocludina nas junções firmes, com

cer melhor os mecanismos pelos quais as bactérias probióticas

isso impedem a adesão e a invasão da E. coli enteroinvasiva

contribuem para o controle da permeabilidade.

(KADOWAKI et al., 2001; RESTA-LENERT; BARRETT, 2003). Segundo Lammers et al (2002), as células epiteliais secretam interleucina-8 em resposta a bactérias como a E. coli, mas não o fazem na presença dos probióticos. Probióticos podem inibir o crescimento ou matar patógenos pela produção de moléculas antimicrobianas incluindo ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) e bacteriocinas ou microcinas (COLLINS; BERCIK, 2009). Estudos mostraram que tanto

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NOTA DE RODAPÉ 1 Graduado em Nutrição pelo Centro Universitário Newton Paiva. Mestrando em Saúde do Adulto na Faculdade de Medicina da UFMG. Pós-graduado em Treinamento Desportivo pela FACEL (PR) e pós-graduando em Nutrição Clínica Funcional pela UNICSUL / VP (SP).

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