PROBLEMÁTICAS E SOLUÇÕES NAS METODOLOGIAS DE REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA CENTRO TÉCNICO TEMPLO DA ARTE

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CENTRO TÉCNICO TEMPLO DA ARTE

LACUNAS NA OBRA DE ARTE PROBLEMÁTICAS E SOLUÇÕES NAS METODOLOGIAS DE REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA Silvana Borges da Silva

2016

0 Pós-graduação lato-sensu em Conservação e Restauro de Pintura de Cavalete

CENTRO TÉCNICO TEMPLO DA ARTE

PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSU EM CONSERVAÇÃO E RESTAURO DE PINTURA DE CAVALETE

LACUNAS NA OBRA DE ARTE: PROBLEMÁTICAS E SOLUÇÕES NAS METODOLOGIAS DE REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA

Silvana Borges da Silva Orientadora: Profa. Me. Lúcia de Souza Dantas Coorientador: Prof. Sérgio Augusto Vizzaccaro Amaral

SÃO PAULO 2016

SILVANA BORGES DA SILVA

LACUNAS NA OBRA DE ARTE: PROBLEMÁTICAS E SOLUÇÕES NAS METODOLOGIAS DE REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA

Monografia apresentada ao Centro Técnico Templo da Arte – SP como parte dos requisitos para obtenção do certificado de conclusão no curso Pós-Graduação Lato-Sensu em Conservação e Restauro de Pintura de Cavalete.

Orientadora: Profa. Me. Lúcia de Souza Dantas Coorientador: Prof. Sérgio Augusto Vizzaccaro Amaral

SÃO PAULO 2016

Eu dedico esta pesquisa ao meu avô João Borges, que sempre me disse que o saber não ocupa lugar, e me ensinou o gosto pelo fazer das coisas; herdei uma sede pelo saber-fazer que nunca saciarei.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Centro Técnico Templo da Arte por tornar acessível o estudo e a experiência da prática da conservação e restauro para aqueles que desejam se profissionalizar no Brasil, confesso que estudar nesta instituição foi realizar um sonho. Minha sincera admiração e gratidão aos conservadores-restauradores, que se dedicam pela preservação do nosso patrimônio cultural, e a todos os professores do CTTA, cujos ensinamentos carrego diariamente no exercício profissional, em especial: Prof. Raul Carvalho Jr., um exemplo de ética profissional, sua fala de que “a obra de arte é sagrada” resume que nem sempre o caminho da solução restaurativa se mostra de forma fácil, é preciso refletir pensar com clareza e segurança sobre os processos de conservação do que repetir simplesmente um passo-a-passo, e entender que a escolha justificada de materiais nunca poderá estar dissociada de uma metodologia. Profa. Me. Lúcia de Souza Dantas, você me mostrou que de tudo o que eu sei, eu nada sei, e me instigou a saber mais, suas aulas desvendaram mistérios, decifraram símbolos; olhar uma obra de arte agora é como ler um mapa do tesouro, tudo tem mais cor e significado, como mestra você é uma inspiração para qualquer aprendiz. Profa. Gabriela Baldomá, por sua generosidade e paciência em colocar à disposição em tão curto espaço de tempo uma experiência profissional ímpar e enriquecedora na conservação e restauro de arte contemporânea. Gratidão a todas as pessoas cuja experiência me proporcionou o conhecimento e aprendizado necessário para a formação acadêmica e profissional como conservadorarestauradora, e também ao nosso coorientador que encarou o desafio de fazer a turma PGPC1 um time vencedor já no final do segundo tempo com um gol de placa, parabéns meninas! Cinthia, Luzia, Fernanda, Débora e Sylvia, formamos uma equipe imbatível, parceiras daqui em diante, somamos olhares e experiências durante todo o curso, foram muitos risos mesmo nas discussões mais acaloradas de nossas dúvidas, e foram tantas! Sempre agradecendo à Deus, que me possibilitou escolhas, à minha família, que sempre me apoiou, e ao Zedu que me recorda o que a minha modéstia as vezes coloca no esquecimento, o meu real valor como pessoa e como profissional.

“Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende." Leonardo da Vinci

Índice Resumo:......................................................................................................................................... 1 1.

Introdução ............................................................................................................................. 2

2.

A teoria e a prática ................................................................................................................ 5

3.

A reintegração pictórica ...................................................................................................... 10

4.

Métodos de reintegração cromática ..................................................................................... 12

5.

Não intervenção................................................................................................................... 13

6.

Reintegração parcial de obras fragmentadas ....................................................................... 17

7.

Reintegração invisível ou mimética .................................................................................... 18

8.

O retoque visível ................................................................................................................. 29 8.1 Reintegração com tons neutros ................................................................................. 29 8.2 Técnica de pontilhismo ............................................................................................ 32 8.3 Técnica de tratteggio romano ................................................................................... 34 8.4 Técnica de selezione cromatica ................................................................................ 36 8.5 Técnica de astrazione cromatica .............................................................................. 37

9.

Restauração digital .............................................................................................................. 40

10.

O estudo da cor................................................................................................................ 44

11.

Os materiais para a reintegração cromática ..................................................................... 60 11.1 Aquarela ................................................................................................................. 65 11.2 Resina natural x resina sintética. ........................................................................... 67 11.3 Resinas acrílicas ..................................................................................................... 69 11.4 Resinas uréia-aldeído ............................................................................................. 71

12.

PWR – Pigmented Wax Resin ........................................................................................ 74

13.

Considerações finais ........................................................................................................ 80

14.

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 83

Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que, citada a fonte. e-mail: [email protected]

LACUNAS NA OBRA DE ARTE: PROBLEMÁTICAS E SOLUÇÕES NAS METODOLOGIAS DE REINTEGRAÇÃO CROMÁTICA Silvana Borges1

Resumo: Esta pesquisa aborda algumas experiências da prática restaurativa na imaginária sacra, arquitetura e pintura de cavalete, apontando as diferentes metodologias e instrumentos disponíveis aplicados na reintegração cromática, refletindo além dos aspectos técnico e material; ao considerar o contexto da função e significado do objeto, tendo como referência as teorias do restauro no que diz respeito à reintegração da lacuna de perda pictórica na obra de arte, e também demonstrando como o estudo da cor é fundamental nas tomadas de decisão em intervenções restaurativas na reintegração de pinturas. Palavras-chave: reintegração pictórica, conservação, restauração, lacuna.

Abstract: This research approaches some experiences of the restorative practice in the sacred imagery, architecture and easel painting, pointing out the different methodologies and available instruments applied in the chromatic reintegration, reflecting beyond the technical and material aspects; when considering the context of the function and meaning of the object, with reference to restoration theories regarding the reintegration of the pictorial loss in the work of art, and also demonstrating how the study of color is fundamental in decision making in restorative interventions in the reintegration of paintings. Keywords: pictorial reintegration, conservation, restoration, pictorial loss.

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Arquiteta especialista em conservação e restauro de imaginária, arte-sacra e pintura mural.

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1. Introdução A policromia de uma obra de arte seja escultura, pintura de cavalete ou mural, é apenas uma das etapas de execução do objeto composto por um sistema complexo de materiais de origens diversas (animal, mineral e vegetal) e que formam um conjunto de estabilidade frágil, cuja preservação é papel do profissional conservador-restaurador. Na conservação e restauro de pinturas, a fase de reintegração da cor de uma obra de arte é parte de um conjunto de ações que objetivam a restauração das lacunas de perda cromática da pintura e do objeto como um todo. Essas perdas podem também atingir o substrato de suporte da pintura, implicando na recomposição da sua base de preparação, com textura e relevo diferenciados, que como a etapa de acabamento com um verniz, pode alterar sensivelmente a saturação e brilho das cores, influindo no aspecto final da superfície em tratamento. Esta pesquisa aborda alguns dos materiais e teorias referentes às metodologias de restauração da película de pintura, onde as etapas de nivelamento e uso de vernizes serão mencionados por estarem relacionadas ao processo de reintegração de lacunas, com a finalidade de reconstituir ou minimizar a interferência visual da perda na obra de arte dentro dos limites ditados pela permanência do registro de sua historicidade. A finalidade do retoque é reduzir o aparecimento da lacuna, constituída por nível e cor diferentes do original: uma lacuna profunda é colocada no nível da camada pictórica por uma massa, que recebe em seguida uma camada de cor para obtenção de uma identificação cromática com o original mais próximo. Um desgaste superficial é reintegrado por uma simples camada de cor sem nivelamento. Pode-se deixar visíveis alguns desgastes quando não perturbam a leitura, o que permite deixar sensível a passagem do tempo e fazer um mínimo de retoque, isto é, escolher o que se chama um grau leve de reintegração (BERGEON apud NÓBREGA, 2002, p.7).

Na minha experiência na conservação e restauro de bens culturais observei que embora todos os profissionais atuantes levem em consideração as mesmas teorias e fundamentos do restauro, na prática as exigências e peculiaridades de cada obra de arte é que determinam as tomadas de decisões quanto à escolha dos materiais e às metodologias de intervenção que serão adotadas.

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Devemos ainda considerar que o papel ou função desempenhado pela obra de arte também são fatores determinantes nas decisões do conservador-restaurador quanto aos processos que a ela se aplicam, e mais especificamente nesta pesquisa quanto à reintegração das lacunas de perda da pintura, seja na imaginária sacra, pintura mural ou de cavalete. Para compreender como a função de uma obra de arte determina as ações na sua conservação há algumas variantes a considerar, como por exemplo: - um colecionador particular poderia desejar que a obra de arte permanecesse com sua passagem do tempo intocada, testemunho do seu valor histórico intrínseco; - uma casa de leilões, que objetiva a venda do bem, gostaria que a obra de arte tivesse suas características estéticas reconstituídas e valorizadas; - as peças em exposição no museu não sofrem intervenções restaurativas, a menos que a deterioração implique no comprometimento da leitura da obra ou de sua estabilidade estrutural, no espaço museal o valor do objeto está justamente no registro da passagem do tempo identificado pelo seu desgaste; - um objeto devocional ou pintura existente no espaço litúrgico necessitam da recomposição de todas as partes e lacunas da obra de arte, pois salvo raras exceções, o decoro pelo sagrado não permite que se exponham as imagens dos santos desfigurados para a devoção. O tratamento de objetos que estão em uso atual é a fonte de dilemas clássicos de conservação. Como as preferências dos usuários variam de forma idiossincrática, suas preferências não podem ser assumidas, mas devem ser buscadas caso a caso. Os guardiões do bem cultural podem querer que um objeto em uso continue a parecer novo ou que haja sinais de uso que permaneçam (APPELBAUM, 2015, p.186).

Com exceção dos objetos e espaços citados como exemplo que ainda desempenham a sua função litúrgica, os bens culturais pertencentes a coleções particulares ou expostos em museus foram retirados de seu uso original. Desta forma, os tratamentos de conservação muitas vezes são elaborados para a preservação de obras de arte que foram retiradas do seu contexto, ou seja, na sua concepção original o objeto foi revestido de um propósito, um papel a desempenhar para o espaço a que se destinava, assim, os objetos em coleções estão “descontextualizados”, e em alguns casos “mortos”

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em relação as suas culturas originárias, e esses significados não podem ser desconsiderados pelo conservador-restaurador. A transição dos objetos para a vida do museu é sinalizada por sua colocação em um novo tipo de espaço sob um novo conjunto de regras; mas tanto o que o objeto perdeu, quanto o que ele ganhou, em questão da sua função e significados, são fundamentais para compreendê-lo plenamente (APPELBAUM, 2015, p. 161).

As ações de conservação e restauro de obra de arte devem ser consideradas além das decisões referentes à técnica escolhida e do material a ser empregado, ao refletir sobre uma metodologia restaurativa o conservador é responsável pela análise de um conjunto de informações; o conhecimento sobre a história, uso e valores da obra de arte em questão, e na ausência desses dados, o necessário estudo comparativo de objetos semelhantes, investigando a técnica do artista e iconografia do objeto. As categorias que as pessoas usam para descrever objetos são uma fonte adicional de pistas. A terminologia revela muito sobre como os objetos são percebidos em estágios de vida diferentes e por espectadores diferentes e como as ideias sobre eles mudaram através da história (APPELBAUM, 2015, p.161).

O objetivo de uma intervenção na reconstituição pictórica das perdas da pintura de um bem cultural é recuperar a unidade de leitura da obra de arte alterada pelas perdas cromáticas causadas por abrasão ou descolamento do estrato pictórico em consequência da degradação natural provocada por fatores como o tempo, acidentes ou vandalismo. Para resolver o efeito negativo que a lacuna de perda causa na percepção da composição é necessário uma intervenção de caráter estético na reconstituição da pintura que no campo da restauração tem gerado muita discussão e controvérsia sobre os seus limites. É fundamental que o profissional realize uma correta avaliação crítica e formal do problema, uma vez que disso dependerá atingir um resultado equilibrado e metodologicamente correto. Assim, tanto a arbitrariedade de uma intervenção baseada no ‘gosto’, como a objetividade de uma intervenção ‘científica’ será limitada (ORTIZ, 2012, p.225).

Uma questão polêmica na reintegração das obras de arte é a do chamado “falso histórico”, ou seja, quando a técnica restaurativa reconstitui a perda de forma muito próxima do original e não distinguível visualmente a olho nu.

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Do ponto de vista científico atual, podemos considerar que a reintegração mimética ou ilusionista de uma obra de arte dificilmente remeteria a uma falsificação dado a evolução dos exames e testes a que uma obra de arte pode ser submetida para se atestar a sua veracidade, além do comprometimento ético do profissional conservadorrestaurador em registrar cada etapa de intervenção, sem realizar acréscimos que não existiam anteriormente. Assim, as reintegrações de lacunas apresentam problemáticas não apenas restritas à perda material da obra de arte, além das premissas estabelecidas pelas teorias de restauro, observam-se critérios históricos e éticos, além do significado dos objetos para à comunidade ao qual pertencem, entre as informações a se considerar na conservação e restauro do patrimônio cultural. Esta pesquisa abordará a reintegração pictórica exemplificando algumas práticas restaurativas, com a discussão das teorias que originaram as metodologias de retoque, bem como a aplicabilidade dos materiais e instrumentos utilizados na reconstituição das pinturas; traçando um panorama de conteúdos e habilidades cujo conhecimento um conservador-restaurador deve constantemente aprimorar para o exercício da profissão.

2. A teoria e a prática A restauração de uma obra de arte compreende um conjunto de medidas tomadas que implicam na reversão do seu estado de degradação para um estado anterior conhecido. O objetivo da restauração é revelar as qualidades culturalmente significativas do patrimônio, baseada no respeito ao material original restante e evidência clara do estado anterior, respeitando a integridade do objeto. Deve ser axiomático que todas as ações profissionais de um conservador ser governado pelo respeito inabalável para a integridade das obras de arte. Tal respeito é manifesto não apenas nas políticas de restauração, mas na seleção de cursos de tratamento, na salvaguarda contra acidentes, na proteção contra perdas e evitar estritamente interpretações errôneas de provas técnicas (Seção II A, em "The Murray Pease Report", 1963).2

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Disponível em: http://conservacion.inah.gob.mx/normativa/wp-content/uploads/Documento2761.pdf.

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O tratamento de conservação e restauro compreende todas as intervenções diretas realizadas sobre os bens culturais com o objetivo de retardar a sua deterioração ou auxiliar na sua interpretação e pode variar desde uma estabilização mínima até uma restauração ou reconstrução extensa. Os conceitos de mínima intervenção, distinguibilidade e reversibilidade propostos em 1963 por Cesare Brandi (1906-1988)3 são pontos de discussão que merecem a nossa reflexão na atualidade (BRANDI, 1988). Na questão da reversibilidade, por exemplo, deve-se diferenciar os conceitos referentes ao processo de restauração das qualidades dos materiais utilizados. Em geral a reversibilidade é considerada na escolha tanto de materiais como de métodos, permitindo identificar os materiais adicionados de forma a removê-los com segurança quando outro tratamento se fizer necessário, portanto, o conceito de reversibilidade se refere mais especificamente ao processo que ao material em uso. A reversibilidade é o atributo de um processo, não de um material. A confusão neste ponto pode levar a uma ideia errada de que a reversibilidade

de

um

tratamento

depende

unicamente

das

características de solubilidade ou envelhecimento dos materiais de tratamento. Os materiais insolúveis podem ser removíveis de um objeto, enquanto que os materiais solúveis podem ou não ser removíveis de forma segura, dependendo da sua localização sobre ou dentro de um objeto,

da

sensibilidade

do

substrato,

e

assim

por

diante

(APPELBAUM, 2015, p.355).

Considerando a reversibilidade de tratamentos aplicados no restauro de uma obra, no que condiz à limpeza de superfícies sabe-se que “todas as formas de limpeza são irreversíveis […] mesmo que cada pedaço do material limpo fosse mantido para fins científicos, sua disposição original seria perdida para sempre” (VIÑAS, 2011, p.186). A frequente preocupação entre restauradores pela escolha de materiais reversíveis na conservação também depende do grau de solubilidade desses produtos, uma característica que geralmente diminui ao longo do tempo, e muitas circunstâncias particulares podem afetar a taxa em que um dado material torna-se progressivamente insolúvel. “Mesmo que um material permanecesse totalmente solúvel para sempre, sua mera presença ainda teria um efeito químico irreversível sobre o material do objeto 3

Crítico de arte e historiador, que em 1963 publicou Teoria del Restauro, um ensaio teórico, marco na restauração de obras de arte.

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tratado” (VIÑAS, 2011, p.186). Da mesma forma, no tratamento de superfícies de materiais porosos, a ação capilar e os fenômenos de absorção tornam a remoção dos produtos aplicados completamente impossível. Portanto, a reversibilidade tem provado ser um objetivo difícil, não é possível obter total reversibilidade na conservação retornando um objeto para um estado anterior, “tanto a partir de uma perspectiva científica como de uma perspectiva de conservação, não é possível obter uma total reversibilidade na conservação” (VIÑAS, 2011, p.186). Assim, o conservador utiliza o princípio da reversibilidade no tratamento de uma obra de arte evitando o uso de materiais que impossibilitem a retratabilidade do objeto, ou cuja remoção implique na sua maior degradação, o conceito se aplica no uso de técnicas e metodologias que possam, até certo ponto, serem revertidas, e por isso a intervenção se limitaria ao mínimo necessário. Mínima intervenção e reversibilidade são conceitos diferentes. A reversibilidade possibilita mais tranquilidade aos conservadores na realização de tratamentos intervencionistas. Uma intervenção mínima seria lógica para um tratamento proposto que não é reversível, especificamente quando o problema do objeto pode ser tratado com um nível menor de intervenção (APPELBAUM, 2015, p.304).

Mas a opção na reintegração pictórica por materiais reversíveis, não significa intervir menos na obra de arte. A premissa da mínima intervenção pode ser antagônica no que diz respeito a reintegração pictórica, ao objetivar a unidade da leitura da imagem e consequentemente afetando a obra de arte em sua totalidade. Usando a intervenção mínima como um guia em todos os casos desconsideraria as necessidades individuais do objeto e de seu custodiante, sua interpretação, e sua longevidade. Parece confiar pelo menos parcialmente na suposição injustificada que todos os objetos vivem em ambientes abrigados onde podem sobreviver alegremente em qualquer estado em que se encontram. Ao prover o estado físico de um objeto, seu uso, seu contexto e seu futuro provável, um bom tratamento pode ser qualquer coisa menos que mínimo (APPELBAUM, 2015, p.305).

Quanto ao conceito de distinguibilidade aplicado à reintegração pictórica, a prática de recomposição das lacunas da obra de arte está atualmente muito distante da

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teoria, haja visto que “a técnica ilusionista, que refaz a parte perdida, é largamente utilizada em vários países do mundo, inclusive no Brasil” (NOBREGA, 2002). Não bastassem as teorias do restauro que aparentemente parecerem estar distantes do que seja possível realizar na prática, o conservador restaurador ainda deve enfrentar os dilemas dos princípios éticos profissionais em suas tomadas de decisão. Deveria ser uma responsabilidade do conservador contratar para investigação ou tratamento apenas para os limites de sua competência profissional e instalações. Se ele não for treinado ou equipado para um estudo científico completo por meios técnicos atuais geralmente aceitos, quaisquer limitações específicas devem ser declaradas e aceitas por ambas as partes desde o início. Sempre que pareçam ser necessários outros pareceres, tais pareceres ou pareceres complementares são parte integrante de um relatório exaustivo. Do mesmo modo, um conservador deve ser considerado irresponsável se se comprometer a realizar um tratamento para o qual está mal treinado ou equipado (Seção II C, em "The Murray Pease Report", 1963).4

Com cada trabalho histórico ou artístico que um conservador se compromete a restaurar, independentemente da sua opinião sobre o valor ou qualidade do objeto, ele deve aderir ao mais alto e mais exigente padrão de tratamento. Portanto, qualquer escolha feita ou qualquer circunstância que possa limitar a extensão do tratamento deve ser consistente com o respeito do conservador pela integridade do objeto. Do ponto de vista do objeto, deve-se considerar os significados que possam estar a ele associados, sejam eles de aspecto ideológico, político ou religioso. A Teoria Contemporânea do Restauro (VIÑAS, 2011) aborda a obra de arte considerando o valor simbólico e os significados atribuídos pelos detentores do patrimônio cultural além dos seus valores material e estético, e dos preceitos científicos das teorias do restauro. A Teoria Contemporânea do Restauro enfatiza a conservação do patrimônio, apresentando seus significados em três instâncias principais a serem preservadas: - preservar ou melhorar os significados científicos de um objeto, isto é, garantir que possa ser utilizado como prova científica agora e no futuro; - preservar ou melhorar os significados simbólicos sociais ocultos que um objeto tem para grandes grupos; 4

Disponível em: http://conservacion.inah.gob.mx/normativa/wp-content/uploads/Documento2761.pdf

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- preservar ou melhorar os sentidos simbólicos sentimentais que um objeto tem para pequenos grupos ou mesmo para indivíduos (VIÑAS, 2011, p.175).

Esse valor do significado do patrimônio não é recente, na conservação o apelo à significação dos objetos como característica do patrimônio cultural pode ser rastreado retrospectivamente à Carta de Veneza (ICOMOS, 1964)5 e consequentemente à primeira versão da Carta de Burra (ICOMOS, 1979)6, mas apenas nos anos 1990 que muitos autores passaram a reconhecer “a relevância básica da comunicação como característica de um objeto a ser considerado como um fator na sua conservação” (VIÑAS, 2011, p.44). De acordo com VIÑAS (2011), essa característica do objeto de comunicar um significado recebeu diferentes denominações por outros autores, como: simbolismo, conotação cultural, significação ou metáfora, mas qualquer que seja essa denominação, a existência de mecanismos de comunicação como uma característica essencial do patrimônio cultural passou a ser amplamente aceita na última década do século XX, concordando que todo patrimônio que é objeto de conservação tem como característica comum sua natureza simbólica e que todos comunicam alguma coisa. Isso não significa obviamente abandonar todas as teorias até então discutidas, o objetivo ainda primeiro de um conservador restaurador é preservar a obra de arte em sua originalidade e materialidade, e caso sejam necessárias intervenções restaurativas, permitir a sua futura “retratabilidade” (APPELBAUM, 1987). A expressão retratabilidade foi introduzida por Barbara Appelbaum em 1987, e acabou por deflagrar a ampliação do comprometimento do profissional em relação às suas intervenções. Isso porque, na medida em que se reconhece a limitação da reversibilidade, os conservadoresrestauradores passam a se responsabilizar ainda mais por suas ações com relação ao futuro dos objetos, dado que toda e qualquer intervenção trará uma consequência concreta para esses bens (CALDAS, 2012).

A importância de pensar hoje nas metodologias de conservação e restauração de uma obra de arte de forma a possibilitar a sua retratabilidade vai de encontro a constante

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Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf 6 Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Burra%201980.pdf

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evolução das técnicas e materiais no campo da preservação do patrimônio cultural que possibilitem um trabalho menos invasivo e mais eficiente na sua manutenção. Cada obra de arte é única e deve ser analisada em suas especificidades materiais, estética e histórica. “A solução justificada que o restaurador deverá encontrar para apresentar uma obra dependerá do tipo de problema, da variação de um caso para outro, da origem da obra, de sua história, sua estética, seus materiais, sua técnica, sua função e sua idade” (PAULINE7 apud NÓBREGA, 2002, p.10). Cabe ao conservador-restaurador embasar o seu trabalho, justificando a sua intervenção ou até a não intervenção, levando em consideração o significado da obra para o público e o local a que se destina, e considerar que sendo ela própria um registro histórico, certas marcas não devem ser retiradas.

3. A reintegração pictórica São muitos os autores e as suas metodologias de estudo quanto ao processo específico de reintegração pictórica de uma obra de arte, além das considerações quanto ao critério, a escolha de técnica ou material, consideram-se “três premissas básicas” (ORTIZ, 2012, p. 226): a) A reintegração da lacuna deve fundamentar-se no respeito ao bem cultural, deve ser um processo que facilite a leitura da obra, restituindo a unidade estética perdida, considerando que qualquer falha envolve uma interrupção na leitura da composição, mas sem alterar seus aspectos formais. b) A reintegração é feita independentemente de critérios estéticos e deve restringir-se estritamente às deteriorações existentes, limitada à lacuna em si, não sobrepondo em qualquer caso a pintura original. Não se tentará ocultar ou esconder os sinais de envelhecimento que fazem parte da historicidade da obra, neste contexto, o respeito ao original é um conceito moderno. c) A técnica e a metodologia de aplicação são escolhidas de acordo com as características da pintura original, mas sempre garantindo que a reintegração cromática se diferencie desta para evitar cair em um falso histórico. 7

PAULINE, Anne-Marie. Apresentação estética de uma obra de arte. Rascunho cedido pela autora para o Boletim da APCR, 1999.

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Referente à questão do falso histórico, esclarecemos que na atualidade a reconstrução e reconstituição no campo da restauração do patrimônio são meios considerados para o restabelecimento das qualidades culturalmente significativas de um bem cultural. A diferença desses processos da mera falsificação reside no fato de que são procedimentos realizados sem intenção fraudulenta, de forma que são totalmente documentados e detectáveis, embora não necessitem ser visíveis. As prescrições teóricas determinam as reintegrações cromáticas sejam reconhecíveis em todos os casos, como recomendado pela Carta de Restauro de 1987. A autenticidade da obra (em sua materialidade física) é um valor que deve ser preservado: pois é dito que ‘a legibilidade das reintegrações serve para tornar possível a leitura da história material da obra sem distorcer o original’. Neste enunciado há um duplo exercício: a apresentação de um documento histórico e a consideração da autenticidade física do objeto. Isso requer do restaurador habilidade suficiente para conseguir ao mesmo tempo revelar o potencial históricoartístico da obra e promover o conhecimento de sua história material através da leitura de suas reconstruções (ORTIZ, 2012, p. 226).

A decisão pela metodologia de reintegração cromática deve ainda levar em conta a extensão e tamanho das lacunas e sua localização, a datação da obra e sua importância estética e histórica, a documentação existente, a função e caráter da obra; e se existirem intervenções anteriores, o possível estado da matéria pictórica que está sob a restauração antiga e a possibilidade de recuperar o original com a realização de testes parciais. O processo deve ser concebido e construído, colocando cada decisão dentro de um sistema complexo de variáveis que incluem, entre outras, as características específicas da pintura, a matéria constitutiva, a época da criação, as degradações sofridas, a quantidade e a qualidade das lacunas. É conveniente prestar atenção em como a reintegração de cor incidirá sobre a estabilidade estrutural de todo o conjunto e determinará o aspecto estético final da obra (ORTIZ, 2012, p.227).

A tomada de decisão não é fácil, considerando que conforme o critério e metodologia de intervenção escolhidos pelo restaurador o espectador terá uma forma de percepção da obra. Para comparativo do exposto, seguem alguns exemplos de perdas pictóricas de casos em estudo para a observação da prática restaurativa na conservação de pinturas

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em algumas das abordagens dos métodos de reintegração cromática das lacunas na obra de arte: a não intervenção, a reconstituição parcial, a reconstituição total, a intervenção mimética ou ilusionista e o retoque visível.

4. Métodos de reintegração cromática A escolha de metodologias para a reintegração das perdas pictóricas de uma obra de arte não é uma tarefa simples, muitos são os fatores a serem considerados, tanto quanto ao material, como aos aspectos histórico-culturais intrínsecos que caracterizam um objeto. Quando o restaurador está diante de abrasões ou desgastes na superfície pictórica, causados pela passagem do tempo ou pela ação de limpezas que removeram parte das veladuras e sombreados finais de uma obra de arte, terá que lidar com o problema de conciliar as exigências da historicidade do objeto com a necessidade de recuperar uma certa unidade da pintura. O sistema adotado para conferir uma melhor legibilidade a toda obra não deve ter como objetivo esconder as marcas naturais do tempo, por nesse caso se reatualizaria a obra, reduzindo consideravelmente a sua qualidade e contrariando o princípio do respeito pela sua historicidade (ORTIZ, 2012, p.246).

A preservação das marcas características do passar do tempo em uma obra de arte significa realizar uma intervenção muito diferente da que seria adotada para apenas preencher as lacunas de perda da camada pictórica que comprometam a sua leitura, a reintegração da lacuna nem sempre é uma solução possível, necessária ou desejada. Algumas abrasões não costumam causar antagonismos entre figura e fundo em uma pintura, de modo que suas características cromáticas não diferem a ponto de prejudicar a visão da obra em sua totalidade, nesse caso, a perda é interpretada como parte autêntica, gerando desse modo uma situação de integração entre as partes desgastadas e saudável, por outro lado a perda da cor conduz a uma redução das características originais como nitidez, saturação, contraste e assim por diante. Diante do dilema entre manter a historicidade ou cobrir as perdas, muitas vezes se opta por não intervir nas falhas da pintura. Dadas as falhas na pintura, uma opção possível é não intervir, baseando o argumento sobre uma abordagem quase arqueológica; por exemplo,

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quando o "tom" de suporte que foi exposto se adequa cromaticamente ao tom da pintura. Esta abordagem pode ser considerada a mais respeitosa com a obra. Agora, deste modo, o suporte adquire uma classificação que anteriormente não tinha, pois passa a ter a mesma função óptica que a camada pictórica. Além disso, é uma decisão limitada a um pequeno número de trabalhos, principalmente aqueles executados em suportes de madeira que pode se assemelhar mais com a textura suave de uma pintura sobre tábua (ORTIZ, 2012, p. 247).

Mas se a decisão é pela reintegração das lacunas, deve-se avaliar os efeitos ópticos que as estruturas superficiais desempenham na percepção da composição, particularmente nas pinturas antigas com suas fissuras e desgastes característicos, que já fazem parte de sua identidade como obra de arte, atestando a sua antiguidade. Nesse ponto surgem muitas dúvidas diante das várias possibilidades de reintegração, seja ela, parcial ou total, visível ou invisível, ou apenas a não intervenção.

5. Não intervenção Muitas vezes a obra de arte carrega marcas que constituem o testemunho histórico do tempo e que não devem receber intervenção restaurativa, porque “às vezes menos é mais, mas às vezes menos é simplesmente menos” (APPELBAUM, 2015, p.305). Um exemplo encontrado da “não intervenção” em uma obra de arte com perdas pictóricas preservadas está na Igreja do Mosteiro de São João da Tarouca (Portugal). O convento de São João da Tarouca foi concluído em 1152, a igreja românica e as dependências conventuais foram remodeladas no século XVII, quando foi refeita a capela-mor. Os altares são de talha dourada, com retábulos de pintura sobre madeira, de São Pedro, o de Nossa Senhora da Glória e o do altar de São Miguel, do início do século XVI, atribuídos a Gaspar Vaz8 (CASIMIRO, 2006). No retábulo lateral da igreja temos uma pintura sobre madeira com a representação de Santa Luzia, que de acordo com sua iconografia traz nas mãos a palma do martírio e um prato com seus olhos, deste último conseguimos identificar apenas o prato, nesse local a pintura está gasta pelo costume dos fiéis de se tocar a superfície para

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Pintor português do início do século XVI no período de transição do manuelino para o renascimento.

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pedir as bênçãos e graças com relação ao bom sentido da visão dos devotos da santa, Figura 1. Em outra pintura neste mesmo retábulo está representada a cena da “matança dos inocentes”, onde os rostos dos soldados foram apagados por um senhor da comunidade, Figura 2, um devoto que depois do sermão do padre relatando o fato da matança das crianças, indignado com o ato dos soldados, riscou com um objeto pontiagudo os rostos pintados dos algozes.9

Figura 1 – (à esquerda), Santa Luzia, Igreja de São João da Tarouca, Portugal. (Foto: Silvana Borges, 2012). Figura 2 – (à direita), Matança dos Inocentes, Igreja de São João da Tarouca, Portugal. (Foto: Silvana Borges, 2012).

Outro exemplo é o encontrado pela equipe que integrei no restauro das pinturas da Igreja Matriz de Santo André (SP) na limpeza da pintura mural da Crucificação (1966) de autoria de Enrico Bastiglia (1905-1973)10; na figura de Cristo em uma área do lado esquerdo do perizônio11 se encontrou uma inscrição à lápis grafite que diz: “Jesus curai o Rodolfo”, Figuras 3 e 4.

Figura 3 – (à esquerda), foto do local com a inscrição à grafite. (Foto: Silvana Borges, 2016). Figura 4 – (à direita), destaque da expressão inscrita no mesmo local. (Foto: Silvana Borges, 2016). 9

Esse relato é de conhecimento popular entre os frequentadores da igreja. Os irmãos Bastiglia, Enrico (1905-1973) e Fernando (1913-2001), foram responsáveis pela pintura de muitas igrejas paulistas em meados do século XX. 11 Termo comumente empregado para designar uma espécie de faixa que cobre a nudez do Cristo Crucificado, envolvendo-o nos quadris (DAMASCENO, 1987). 10

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Esses exemplos ilustram que a arte sacra possui um aspecto que transcende a sua materialidade, isto é, possui as marcas de um conteúdo devocional, testemunho da fé dos devotos. Não é incumbência do conservador-restaurador apagar essas marcas características de um objeto de devoção, pois elas são parte integrante da religiosidade, a função de que a arte sacra é representativa. Tanto as abrasões nos retábulos na Tarouca, como a inscrição no altar da igreja em Santo André, não interferem na leitura visual e compreensão das figuras retratadas, não existindo desta forma um motivo que justifique uma intervenção restaurativa. São exemplos de casos de não intervenção, onde um profissional não poderia simplesmente restaurar as partes danificadas da pintura, reconstituindo as perdas ou removendo os acréscimos da inscrição, pois esses objetos ganharam outros significados pela ação da devoção, são testemunhos da fé viva em relatos de membros da comunidade, frequentadores do espaço litúrgico. Além do fato de não restar qualquer remanescente original da pintura que possibilitasse, por exemplo, a reconstituição estética da lacuna de perda no caso das pinturas do retábulo em São João da Tarouca. A justificativa da não intervenção ocorre também em acervos museológicos, onde os objetos possuem um valor agregado de autenticidade pelas marcas provocadas pelo passar do tempo, e mesmo quando uma lacuna de perda interfere na leitura da obra, há o agravante de inexistir uma referência para a sua reconstituição a um momento anterior à degradação. Como exemplo para esse caso temos a pintura sobre madeira “Madona no trono com menino” (1426-1427), acervo do Museu Diocesano de Velletri, Roma, Figura 5.

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Figura 5: Madona no trono com menino, 1426-1427, Museu Diocesano di Velletri, Roma. (Fonte: ORTIZ, 2012, p.247).

Seguindo o propósito brandiano de rebaixar a área de perda de cor em segundo plano da pintura, a lacuna se desvanece com o fundo, sendo que a sensibilidade perceptiva do espectador se satisfaz com a valoração da cor de fundo do próprio material de suporte, seja madeira ou tecido, do que com o estranhamento causado na execução de uma pintura lisa de alguma cor especial ou com um estuque colorido. Observa-se que a tonalidade do suporte descoberto da lacuna de perda se adequa cromaticamente às cores da pintura. Curiosamente, o suporte da madeira passa a ter uma valorização, desempenhando a mesma função óptica da capa pictórica original remanescente. Manter a pintura em seu estado original é sem dúvida um critério mais respeitoso com a historicidade da obra de arte. Devemos sempre considerar que qualquer interferência em uma pintura, por menor que seja, altera a originalidade não apenas o seu aspecto estético, artístico e material, mas também o seu valor histórico.

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6. Reintegração parcial de obras fragmentadas Em alguns casos se opera uma reintegração parcial de obras fragmentadas, onde se complementam algumas das lacunas de perda, em um processo considerado essencial para a compreensão da unidade formal da obra, exemplo da pintura de Giotto di Bodone (1266-1337)12, “Deus pai no trono” (1303-1305), acervo do Museu Cívico dos Eremitas em Pádua, Itália, Figura 6.

Figura 6: Dio Padre in trono (1303-1305), Giotto de Bodone, Museu Cívico dos Eremitas, Pádua. (Fonte: ORTIZ, 2012, p.248).

Segundo ORTIZ (2012), este tipo de solução era bastante comum por volta de 1960 para as perdas das pinturas em que não era possível reconstruir uma imagem severamente danificada. Não seria ético refazer totalmente a pintura, fantasiando os elementos perdidos, em especial na parte inferior do quadro onde a reintegração não foi completa, sem ter nenhum tipo de referência da obra como era anteriormente à degradação. Ao restaurador compete dentro da limitação ditada pela própria obra de arte, minimizar e quando possível completar um fragmento ou detalhe que considera essencial para a compreensão de todo o trabalho, mas sem desfigurá-lo ou acrescentar elementos que não existiam, recuperando a sua legibilidade, mas mantendo a sua originalidade enquanto documento histórico. 12

Pintor e arquiteto italiano, precursor da pintura renascentista, considerado o elo entre o renascimento e a pintura medieval e bizantina.

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7. Reintegração invisível ou mimética Esse método também é conhecido como técnica imitativa, ilusionista ou integral, definindo a forma de reintegração pictórica em que não se distingue a intervenção realizada na lacuna do remanescente original. Há, no entanto, alguns fatores que necessitam ser considerados para um bom resultado da reintegração invisível no exame da superfície da pintura original ao redor da lacuna, tais como: o nível da superfície, brilho e a sua textura ou relevo. Deve-se ainda, ajustar a transparência e opacidade da reintegração para que esta não se evidencie criando novas interferências na obra de arte pelas alterações provocadas pela reflexão da luz que incide na pintura. A reintegração mimética é usual na reconstituição das pinturas murais em ações restaurativas de espaços arquitetônicos. Participando da equipe de conservação e restauro das pinturas internas da Igreja Matriz da Freguesia do Ó em São Paulo, executou-se o processo de reintegração e reconstituição de algumas das pinturas murais, deterioradas dado o elevado grau de degradação do substrato das paredes e cuja recuperação era necessária para a unidade formal e estética do espaço litúrgico. A fundação da paróquia da Freguesia do Ó data de 1796 pelo alvará de constituição de 15 de setembro concedido pela Rainha de Portugal. A antiga matriz foi destruída em um incêndio em 1896. A construção atual data de 1901. Em 1992, através da Resolução no. 46/9, do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP a Igreja de Nossa Senhora do Ó no Largo da Matriz de Nossa Senhora do Ó foi classificada como bem tombado de nível de proteção 1 (NP-1): correspondendo aos bens de grande interesse histórico e arquitetônico determinando sua preservação integral. No ano de 2011, por intermédio de uma campanha em conjunto com a Prefeitura do Município de São Paulo, foi realizada a recuperação das fachadas13. Em 2014 passei a integrar a equipe que iniciou os trabalhos de Conservação e Restauro das pinturas no espaço interno da igreja. Além da degradação em virtude da infiltração generalizada na edificação ocasionada por problemas na cobertura, a ação humana inadequada nos reparos provocou muitas alterações com a execução de repinturas sobre a pintura original em 1992, a exemplo do “anjo com filactério”14 localizado sobre o arco-cruzeiro15, cuja

13

Disponível em: http://www.portaldoo.com.br/historia/linkhistoria.html Faixa de pergaminho com escritos religiosos. 15 Arco que separa a nave central da capela-mor de uma igreja 14

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remoção química dos repintes revelou os contornos e vestígios das tonalidades originais remanescentes da pintura, Figura 7.

a

b

c

Figura 7: (a) vista do Forro da Nave Central com a pintura do anjo restaurada; (b) estado da repintura executada em 1992; (c) o remanescente original após a limpeza química. (Fotos: Silvana Borges, 2015).

A reintegração pictórica só foi possível pela referência original remanescente, permitindo a reconstituição da pintura em seu contexto estético dentro do espaço litúrgico. Considerando o aspecto simbólico do quadro do Anjo com Filactério que anuncia o dogma de Maria Imaculada, iconograficamente temos uma relação entre a figura do anjo na pintura sobre o arco-cruzeiro com a figura central do forro da nave. Uma investigação histórica e iconográfica determinou que a origem da escrita no filactério está no poema "Tota pulchra es" do século XIV: "Tota pulchra es, Maria, / et macula originalis non est in te. Vestimentum tuum candidum quasi nix, et facies tua sicut sol. / Tota pulchra es, Maria, / et macula originalis non est in te. Tu gloria Jerusalem, / tu laetitia Israel, / tu honorificentia populi nostri. Tota pulchra es, Maria".16 Conhecer a origem da escrita no filactério determinou qual das duas grafias existentes se deveria preservar: “es” ao invés de “est” ao centro da pintura, Figura 8.

16

Disponível em: http://www3.cpdl.org/wiki/index.php/Tota_pulchra_es

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Figura 8: Anjo sobre o arco-cruzeiro após o processo de restauro. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Além do aspecto material da pintura, a investigação iconográfica foi de extrema importância, com a premissa de observar e preservar o remanescente original e recompor as partes deterioradas ou faltantes objetivando restabelecer com sucesso a leitura do conjunto de pinturas existentes na Igreja Matriz da Freguesia do Ó dentro das diretrizes da Conservação e Restauro do Patrimônio Artístico e Cultural. A iconografia foi outra questão também investigada no friso denominado “Putti e Guirlandas”. Putti é a forma plural de Putto17 (do latim putus ou do italiano puttus, menino) é um termo que, no campo das artes, se refere a pinturas ou esculturas de um menino nu, geralmente gordinho e representado às vezes com asas, deriva da figura mitológica grega do cupido jovem, simbolizando o amor e a pureza. Putti são um motivo clássico encontrado principalmente em sarcófagos de crianças do século II d.C.; considera-se que as primeiras representações escultóricas pós-antiguidade dos Putti foram realizadas pelo escultor renascentista italiano Donatello (1386-1466), que desde então tem sido chamado de o autor do Putto por sua contribuição para a arte em restaurar a sua forma clássica, com um caráter distinto, infundindo significados cristãos ao usá-lo em novos contextos, tais como os anjos músicos. Nesse período a figura dos Putti se tornou popular no espaço litúrgico, Figura 9, em obras que mostram figuras da mitologia clássica na arquitetura religiosa (DEMPSEY, 2001).

17

Disponível em : http://www.britannica.com/EBchecked/topic/484410/putto

20

Figura 9: Friso com Putti e Guirlandas, de Giuliano da Maiano (1432-1490), Catedral de Florença. (Foto: Nicolo Orsi Battaglini, DEMPSEY, 2001).

O processo de conservação e restauro do friso dos Putti e Guirlandas na cúpula da Igreja Matriz da Freguesia do Ó conseguiu preservar as pinturas originais da lateral direita, Foto 10, que serviram como referência para a reconstituição das pinturas perdidas na faixa da lateral esquerda da cúpula sobre o presbitério.

Figura 10: Lateral direita preservada do nível Putti e Guirlandas. (Foto: Silvana Borges, 2015).

O processo de reconstituição da lateral esquerda da faixa decorativa evoluiu conforme as seguintes fases: estabilização do substrato da parede e preparo da superfície para receber a pintura, transferência do desenho do padrão decorativo baseado no remanescente original, reconstituição dos contornos da pintura e zonas de sombra, e finalmente a pintura dos padrões decorativos, recompondo os trechos com lacunas de perda e respeitando as áreas de pintura original remanescente, Figuras 11 à 15.

21

Figura 11: Faixa "putti com guirlandas" com as áreas de perda tratadas. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Figura 12: Execução da transferência do desenho do padrão decorativo. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Figura 13: Faixa esquerda "putti com guirlandas" com o desenho reconstituído. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Figura 14: Elemento com lacunas de perda em tratamento à esquerda. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Figura 15: Registro com a reconstituição total do padrão decorativo. (Foto: Silvana Borges, 2015).

22

Essa forma de reconstituição total não se aplica na mesma escala que ocorre no restauro arquitetônico à pintura de cavalete ou à imaginária (escultura sacra), existem as já mencionadas implicações de se realizar acréscimos sem a referência original anterior, o restaurador não pode criar sobre a pintura elementos que não existem mais. No entanto, na conservação e restauro da pintura mural em arquitetura, é usual reconstituir frisos decorativos desde que com base em originais remanescentes, sem a pretensão do já citado “falso histórico”, pois todo o processo é documentado. Um exemplo de reintegração ilusionista ou invisível foi também realizado nos elementos decorativos do forro da nave central da Igreja Matriz da Freguesia do Ó. Nesse caso existia um registro anterior à ocorrência da perda pictórica causada pela necessidade de se fazer furos no estuque para transpassar os cabos de aço de reforço na sustentação da estrutura do forro, mesmo estudando as zonas de intervenção, algumas das perdas ocorridas em áreas com pinturas foram inevitáveis, Figuras 16 e 17.

Figura 16: Registro antes e após a reintegração da área de perda. (Foto: Silvana Borges, 2014).

Figura 17: Registro antes e após a reintegração da área de perda. (Foto: Silvana Borges, 2014).

23

O objetivo no restauro de pinturas murais é reconstituir a ambientação do espaço, onde a arquitetura, escultura e pintura se relacionam na percepção do conjunto da obra. No caso da Matriz da Freguesia do Ó, trata-se de uma igreja onde ocorrem celebrações litúrgicas, existindo por parte dos usuários a expectativa de usufruir de um espaço com suas características originais preservadas. Além disso, como vimos pelos estudos iconográficos, há uma relação hierárquica das imagens, nenhum elemento é inserido na decoração de uma igreja ao acaso, existe uma mensagem implícita e um significado. No caso em que edifícios onde a exposição museológica como função sobrepôs o uso original do espaço arquitetônico, as lacunas usualmente são mantidas e não são reintegradas, preservando as marcas da passagem do tempo, ou seja, a sua historicidade. No entanto, a antiguidade de um monumento não significa que restaurações ilusionistas não possam ser executadas, exemplo disso é o recente processo de restauro dos mosaicos dos anjos da Basílica da Natividade, localizada em Belém, na Palestina, uma das mais antigas igrejas ainda em uso no mundo. A igreja foi originalmente encomendada em 327 d.C. por Constantino e sua mãe Helena sobre o local que foi tradicionalmente considerado ser o do nascimento de Jesus. A Igreja original da Natividade foi concluída em 339 e destruída pelo fogo durante as revoltas samaritanas no século VI. Uma nova basílica foi construída pelo Imperador Bizantino Justiniano em 565 d.C., e teve inúmeras adições desde esta segunda construção, incluindo suas torres sineiras. Devido à sua história cultural e geográfica, possui um significado religioso de destaque para os fiéis tanto cristãos como muçulmanos, que consideram Jesus o segundo maior profeta islâmico.18 Escondido durante séculos sob camadas de gesso liso em uma das paredes estava a figura de um anjo de quase 2,5m de altura em mosaico, descoberto pela restauradora Silvia Starinieri com uma câmera termográfica em maio de 2016. Após o processo de retirada da capa de gesso, Figura 18, algumas das perdas foram reconstituídas de forma mimética, tendo como referência um anjo de outro painel de mosaico em restauração, em um processo muito similar ao executado na Freguesia do Ó, Figura 19, com a

18

Fonte: Palestra “A Arquitetura como suporte da pintura”. Silvana Borges, Museu de Arte Sacra de São Paulo (06.12.2016)

24

elaboração do desenho do mosaico utilizando um padrão original preservado com modelo para a transferência na área de perda e reintegração. 19

a

b

c

Figura 18: (a) e (b) avanço da prospecção na área do mosaico, (c) profissional da equipe realizando a limpeza da camada de reboco sobre a área do mosaico. 20

Figura 19: exemplo do processo de reintegração ilusionista, reconstituindo o desenho perdido do mosaico. 21

Obras de pintura de cavalete em coleções de museus também empregam o tratamento de reintegração ilusionista como no caso do restauro da pintura “Adoração dos Pastores” (1511-12) de Sebastiano del Piombo22 (c.1485-1547), uma obra-prima renascentista do século XVI quase totalmente destruída, cuja unidade completa foi restituída pela primeira vez em séculos após um processo de restauração que durou o espaço de dez anos23. Figuras 20 à 23. Os conservadores do Museu Fitzwilliam de

19

Disponível em: http://www.nativityrestoration.ps/progress Idem 21 Idem 22 Pintor italiano discípulo dos artistas Giovanni Belinni (1430-1516) e Giorgone (1477-1510) 23 Disponível em: http://www.bbc.com/news/uk-england-cambridgeshire-36302333?platform=hootsuite 20

25

Cambridge (Inglaterra) trabalharam para reparar as lacunas de perda da pintura com uma cópia realizada pelo Museu do Louvre em Paris usada como um guia para determinar as cores e contornos perdidos. Os fragmentos da pintura original menor do que uma cabeça de alfinete foram estudados em detalhes sob um microscópio24.

Figura 20: “Adoração dos Pastores” (1511-12) de Sebastiano del Piombo, século XVI. 25

Figura 21: “Adoração dos Pastores” (1511-12) de Sebastiano del Piombo, século XVI. 26 24 25

Idem Idem

26

Figura 22: Adoração dos Pastores” (1511-12) de Sebastiano del Piombo, século XVI, com as lacunas de perda 27

Figura 23: “Adoração dos Pastores” (1511-12) de Sebastiano del Piombo, século XVI, após a finalização do processo de reintegração cromática das lacunas. 28

Nas imagens comparativas antes e após o processo de conservação e restauro pode-se observar como a reintegração das lacunas da obra reconstituiu a leitura visual que foi perdida com a degradação, e como a técnica ilusionista se adequou ao propósito de restauração da unidade da pintura. 26

Idem Idem 28 Idem 27

27

O processo de restauração das imagens sacras devocionais é outra situação em que a reintegração invisível é muito aplicada. Como exemplo, tem-se o registro do trabalho executado em duas imagens de coleções particulares que tiveram no processo de conservação e restauro a quebra e perda de substrato recomposto, com a execução final da reintegração ilusionista da pintura, Figuras 24 e 25.

Figura 24: Imagem de Santo Antônio em terracota, séc. XX. Coleção particular. (Foto: Silvana Borges, 2013).

Figura 25: Menino Deus, madeira policromada, Sec. XIX. Coleção particular. (Foto: Silvana Borges, 2015).

28

De acordo com ORTIZ (2012) existe uma certa animosidade contra essa metodologia da reintegração invisível, mais uma vez porque existe um senso comum de que o restaurador pode se aproximar de uma falsificação. No entanto, a reintegração mimética é plenamente aplicada de forma justificada nos casos em que se tem uma referência clara do estado anterior da obra, ou naqueles em que existam motivos repetidos como faixas decorativas ou arabescos. Como toda a intervenção restaurativa é documentada, não existe a intenção de fraude na reconstituição dos elementos perdidos.

8. O retoque visível O retoque visível pode ser executado em várias metodologias na realização de uma reintegração cromática perceptível, descrevemos adiante aquelas que têm a sua aplicação no tratamento de lacunas presentes na conservação e restauro de pinturas, e que de acordo com ORTIZ (2012), são classificadas como: - reintegração com tons neutros, - reintegração em um tom mais claro, - técnica de pontilhismo, - técnica de tratteggio29 romano (técnica de hachuras ou traços), - técnica de selezione cromatica30 (seleção cromática), - técnica de astrazione cromatica31 (abstração cromática).

8.1 Reintegração com tons neutros Com este método o objetivo é atenuar a interferência das lacunas de perda pictórica na obra de arte, preenchendo-as com um tom neutro ou acinzentado. A tonalidade a ser aplicada nas lacunas já niveladas é selecionada de acordo com a cor das áreas circundantes, assim pode se optar por tons neutros diferentes em zonas distintas, ou considerar uma tonalidade dominante em toda a pintura. Neste último caso, depois de ter sido selecionada, ela se estende igualmente sobre todas as lacunas. É também 29

Técnica de reintegração desenvolvida no Instituto Central de Restauração por Cesare Brandi. Disponível em: http://vecchiosito.dsa.unige.it/sla/marsc/pubblicazioni/guide/ic_astrazcrom.pdf. 31 Idem. 30

29

chamada de “unidade reintegração neutra” (ORTIZ, 2012, p.250), pressupondo que um efeito de perspectiva tonal afastaria a lacuna para o fundo da pintura, Figura 26.

Figura 26: exemplo de perspectiva tonal pela sobreposição de aguadas em aquarela, as cores mais claras e neutras se afastam do elemento em primeiro plano à esquerda. (PERSALL, 1995).

O efeito da perspectiva tonal na pintura ou na reintegração é obtido pela sobreposição de veladuras coloridas, que opticamente faz os elementos parecerem mais próximos na medida em que tem suas cores mais enfatizadas, em contraste com as cores mais esmaecidas ao fundo, que distanciam os objetos, Figura 27.

Figura 27: Exemplo da construção da perspectiva tonal em uma pintura. (PERSALL, 1995).

Segundo ORTIZ (2012), o conceito do tom neutro é válido apenas de maneira teórica, pois, apesar de ser uma solução geralmente bem aceita suas possibilidades de aplicação são muito limitadas, já que na prática deve-se notar que o tom neutro não 30

existe. O valor de uma cor reside na sua interação com o resto das cores circundantes. No caso concreto de uma reintegração, este tom neutro harmonizará com certas partes da composição, enquanto se perceberá um contraste não desejável em outras áreas. O tom neutro algumas vezes se destaca como uma outra figura inserida na pintura, sendo assim, os resultados não são inteiramente satisfatórios em todos os casos. Para ilustração do exposto, podemos fazer um comparativo entre dois resultados de reintegração das lacunas com um único tom neutro em duas pinturas distintas, Figuras 28 e 29.

Figura 28: (à esquerda) Ugolino di Nerio, São Simão e São Judas Tadeu, fragmento de altar, ca. 1324-1325, National Gallery, Londres. (Fonte: ORTIZ, 2012, p.250). Figura 29: (à direita) Mestre anônimo, As tentações de Santo Antônio, Escola Espanhola, século XVI, Ávila. (Fonte: ORTIZ, 2012, p.250)

Observa-se que no primeiro exemplo à esquerda, apesar das zonas de perda comprometerem áreas da composição da figura há pouco contraste com a cor neutra escolhida, a cor de reintegração da lacuna de perda se confunde com as cores do seu entorno, o que resulta em uma leitura mais uniforme da obra; enquanto que no segundo caso, o tom neutro escolhido se destaca como um novo contorno nas áreas de perda situadas no entorno da figura principal da composição. Uma variação dessa metodologia seria a chamada reintegração com um tom mais claro. Segundo ORTIZ (2012) esse tipo de reintegração reconstrói a modelação, bem como o desenho, em um tom mais baixo do que o intervalo original. Tem a 31

desvantagem de que com o passar do tempo pode tornar-se completamente integrado com a pintura, devido ao escurecimento das cores, mas é um método que não dá bons resultados no caso de integração naturalista ou pinturas realistas.

8.2 Técnica de pontilhismo A reintegração com a técnica do pontilhismo, como o próprio nome já diz, é executada com uma sucessão de pinceladas em pontos de cor diminutos e justapostos. Através da miniaturização dos pontos de cor, se preenche a lacuna com um conjunto de pontos justapostos de cores diferentes, mais ou menos próximos das cores puras, que por mistura óptica, resultará o tom da área circundante. O pontilhismo tem a limitação de que o olho humano recompõe de forma desordenada os estímulos luminosos de cada ponto. Isto irá causar um efeito de evanescência, porque o ponto feito pelo pincel é necessariamente dotado de uma extensão espacial; apenas uma composição ordenada de pontos extremamente pequenos consentiria em uma percepção mais definida (ORTIZ, 2012, p.251).

A metodologia é simples, sobre um fundo onde já foi aplicada uma fina camada de tinta mais fria e clara que o original, colocam-se pontos de cor justapostos de diferentes valores cromáticos, que vão recriar as formas perdidas, Figura 30.

Figura 30: Exemplo de reintegração com pontilhismo, antes e depois, extraído de BERGEON, S. (1990). Science et patience. Paris: Editions des musées nationaux, p. 235. (BERGEON apud BAILÃO, 2011, p.59).

À semelhança da seleção cromática, exemplificada a seguir, também o pontilhismo restabelece a continuidade das linhas, formas e cores (BAILÃO, 2011).

32

Esta técnica baseia-se na divisão de cores, o mesmo princípio da edição de cores aplicado às televisões, baseado no estudo da lei do contraste simultâneo das cores de CHEVREUL (1855) em que a cor percebida em uma pintura sofre interferência das cores circunvizinhas, esse mesmo princípio influenciou muitos artistas impressionistas como Georges Seurat32(1859-1891), fato observado ao comparar um estudo do artista com um pormenor da reintegração por pontilhismo do exemplo citado, Figuras 31 e 32.

Figura 31 (esq.): estudo para "O Canal de Gravelines" (1890), Geoges Seurat, óleo sobre madeira, 25,6X15,6cm. (Fonte: Wikipédia) Figura 32 (dir.): Pormenor do pontilhismo. ( Fonte: BERGEON apud BAILÃO, 2011, p.59).

Outro

exemplo

de

reintegração

pelo

processo

de

pontilhismo

com

preenchimento das lacunas de perda mediante pontos justapostos está no registro comparativo da obra de Wifredo Lam33 (1902-1982) antes e após a sua restauração, Figura 33.

Figura 33: Wifredo Lam, sem título (detalhe), século XX. Coleção particular. (ORTIZ, 2012, p.251).

Observa-se na imagem à direita que o processo de reintegração preservou parte do substrato aparente do suporte da pintura, e em alguns trechos das áreas de fundo não se realizaram retoques sobre os desgastes naturais, mantendo a sua originalidade.

32 33

pintor francês e pioneiro do movimento pontilhista, também chamado divisionismo. pintor cubano, com trabalhos também em escultura e cerâmica.

33

Há no pontilhismo uma mistura óptica das cores que CHEVREUL (1855) expõe no estudo sobre a percepção das cores em simultaneidade, tirando diversas conclusões que podem ser observadas nas obras de arte, por exemplo: - concluiu que uma cor fria e uma cor quente justapostas se exaltam simultaneamente; - uma cor quente com uma cor quente se esfriam, ao contrário de duas cores frias, que se aquecem; - uma cor clara num fundo escuro fica mais viva e o cinzento ganha a cor complementar à que lhe está justaposta.34

8.3 Técnica de tratteggio romano

O tratteggio (traço), Figura 34, é uma técnica de execução da reintegração de lacunas de perda da camada de pintura em obras de arte desenvolvida entre 1945 e 1950 por Cesare Brandi no Instituto Centrale del Restauro (ICR), atual Instituto Superiore per la Conservazione ed il Restauro (ISCR).

Figura 34: Detalhes do tipo de traço que se realiza com o tratteggio romano. (Fonte: ORTIZ, 2012, p.253-54).

ORTIZ (2012) destaca que Brandi deu prioridade ao problema do reconhecimento da intervenção de retoque pictórico, mas omitiu qualquer referência à questão de onde e como usar o tratteggio. No início, o tratteggio limitou-se à reconstrução da camada pictórica, recompondo as formas e cores das imagens danificadas, e consistia em um tratamento 34

Ver capítulo 10

34

que procurou, por analogia cromática, sugerir a camada preparatória. A pouca atenção dada à descrição do método fez que por bastante tempo se adotassem diferentes soluções integradoras, desenvolvendo a técnica seguindo procedimentos diversos com uso de pontos, linhas cruzadas, linhas com direção descontínua ou com tom unificado. O tratteggio é inspirado na técnica original dos italianos primitivos que obtinham suas nuances justapondo traços paralelos, combinando-os com grande habilidade. A primeira vez que a técnica foi aplicada em uma restauração foi nas pinturas murais da capela Mazzatosta da Igreja da Verdade, pintadas por Lorenzo da Viterbo, danificadas pelo bombardeio em 1944, foram recompostas através de um sistema de traços verticais, paralelos entre si, de cores diferentes, justapostos e sobrepostos, que o olho, de uma certa distância, sintetizava em um único valor cromático (ORTIZ, 2012, p.255).

O trateggio utiliza tanto a síntese aditiva como a subtrativa35, trata-se de um processo sequencial constituído por uma série de fases, requerendo grande perícia técnica, bem como o importante estudo da teoria da cor. Se executado corretamente, não deve ser detectado, a não ser de uma distância próxima, Figura 35.

Figura 35: Exemplo de trateggio romano executado em uma imagem de madeira policromada para minimizar as lacunas de perda. (Foto: Silvana Borges, 2014).36

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Ver capítulo 10. Fonte: “ O restauro de uma imagem sacra em uma proposta didática”. Silvana Borges da Silva, Projeto Monográfico em Dossiê apresentado ao Centro Técnico Templo da Arte – SP na conclusão no curso PósTécnico em Conservação e Restauro de Arte Sacra, 2014. 36

35

8.4 Técnica de selezione cromatica

O método da seleção cromática foi desenvolvido por Umberto Baldini (19212006)37 enquanto superintendente do Opificio delle Pietre Dure e Laboratori di restauro em Florença. Seu pensamento sobre a reintegração de lacunas na obra de arte foi amplamente discutido em sua Teoria del restauro e unitá di metodologia (BALDINI, 1978). À primeira vista, a técnica proposta por Baldini pode parecer semelhante ao tratteggio, o que diferencia os seus estudos da metodologia anterior elaborada por Brandi é a distinção entre uma lacuna parcial ocasionada por abrasão e uma lacuna de perda das camadas de tinta, propondo duas técnicas possíveis de reintegração: a seleção cromática e a abstração cromática. A seleção cromática consiste no traçado de linhas finas, curtas e paralelas entre si, que aplicadas em três camadas são sobrepostas ou justapostas para igualar com a cor em torno da lacuna, Figura 36. Confundida às vezes com o tratteggio romano se diferencia substancialmente deste em dois aspectos principais, “pela aplicação das cores primárias ou secundárias, sem misturar, sobre a superfície da lacuna e pela direção das linhas que seguem o contorno do volume onde se localiza contextualizada a perda” (ORTIZ, 2012, p.255).

Figura 36: À esquerda: exemplo de seleção cromática. Notar como o tracejado acompanha o planejamento da forma e é capaz de devolver a luz, sombra, e o movimento da pintura. À direita: exemplo de reintegração na seleção cromática em área de perda de douração, formada pela superposição de amarelo, vermelho e verde. 38

Conforme descreve ORTIZ (2012), a seleção cromática também presta especial atenção para as características da pincelada, sendo de importância fundamental tanto a qualidade da linha, como a dimensão das linhas. O objetivo final desse tipo de reintegração é reproduzir a cor do original, a intervenção permanecerá reconhecível 37 38

Historiador de arte e especialista na teoria da restauração de arte . Disponível em: http://vecchiosito.dsa.unige.it/sla/marsc/pubblicazioni/guide/ic_astrazcrom.pdf

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apenas graças à sua textura diferenciada, isto é, graças à pincelada. O comprimento da linha deve estar diretamente relacionado com a posição do observador e com o formato da pintura. Outro fator a considerar é a direção do traço, que não deve ser rígido nem uniforme, que deve adaptar-se aos elementos figurativos da obra. A direção das pinceladas aplicadas pelo pintor é parte integrante da matéria pictórica e a introdução de direções pictóricas diversas nas lacunas interrompe e perturba a fluidez do tecido pictórico original. “A seleção cromática só pode ser efetuada quando houver referências da cor e do desenho a dar continuidade. Por vezes isto não é possível, utilizando-se nestes casos a astrazione cromática” (BAILÃO, 2011, p.54).

8.5 Técnica de astrazione cromatica A abstração cromática é um método que reduz o peso da lacuna com base nas leis da percepção visual, evitando a dicotomia entre figura e fundo, assim como que a lacuna fosse absorvida e integrada às partes não deterioradas, Figuras 37 e 38.

Figura 37: Detalhe de uma lacuna reintegrada com a técnica da abstração cromática. Maestro di Città di Castello, Maestá, século XIV. Museu Cívico. (Fonte: ORTIZ, 2012, p.258). Figura 38: Tabela exemplificando a ordem de construção do tecido pictórico abstrato, iniciando os traços com o amarelo, depois o vermelho, o verde e finalmente o preto. (Fonte: BALDINI, 1978, p.91).

De acordo com ORTIS (2012), essa metodologia de intervenção atua sobre dois fatores: a cor e a superfície. No que diz respeito a cor, a abstração cromática utiliza as três cores primárias, além do preto, aplicadas em pinceladas cruzadas. Os valores de luz e de matiz da cor na reintegração deve representar uma média ideal das cores presentes 37

na pintura, a coloração deve estar em relação ao contexto pictórico em que está inserida, sem esquecer que o seu aspecto cromático será influenciado pela cor circundante. Quanto ao fator da superfície, para evitar confusão com o original, a qualidade dos traços deve ser sempre nítida e não demasiado pequena para evitar que se funda opticamente, cada traço deve ser executado com uma coloração intensa, desta forma, o cruzamento dos traços confere à intervenção uma textura característica que permite a sua identificação visual. O resultado da descrição da metodologia da abstração cromática pode ser observado nos detalhes da reintegração pictórica do Crucifixo (1287-1288), executado por Cimabue39 (1250-1302), obra em tempera sobre madeira, Figura 39.

Figura 39: Comparativo com o registro em detalhe nas imagens à esquerda das lacunas com a perda de 60% da pintura original em 1966 (Fonte: Wikipédia), e a intervenção nas imagens na coluna à direita com a reintegração das lacunas executada no restauro ao longo de 10 anos do Crucifixo de Cimabue no laboratório de restauro de Florença. (Fonte: BALDINI, 1978).

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Pintor florentino considerado um dos primeiros artistas italianos a romper com o estilo ítalo-bizantino.

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BALDINI (1978) justifica o processo como uma restauração que se mantem fora de qualquer prática que poderia de alguma forma ser considerada um ato de imitação ou concorrência em relação ao tecido original, não respondendo a sugestões de gosto, mas de acordo com leituras e regras precisas que conferem à intervenção um real valor de método. Apesar da existência de um registro anterior, Figura 40, às perdas ocorridas na inundação de Florença em 1966, Figura 41, a opção dos restauradores foi a execução de uma intervenção que a princípio objetivaram diminuir a interferência visual nas lacunas, sem recorrer a uma intervenção mimética ou ilusionista, Figura 42.

Figura 40: Crucificação (1287-1288), madeira, 448x390cm, estado antes da inundação em 1966, Museu da Ópera de Santa Croce, Florença. (Fonte: Wikipédia).

Figura 41: Crucificação (1287-1288), madeira, 448x390cm, estado após a inundação em 1966, Museu da Ópera de Santa Croce, Florença. (Fonte: Wikipedia).

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Figura 42: Crucificação (1287-1288), madeira, 448x390cm, visualização após a restauração. (Fonte: www.panoramio.com).

Devemos considerar que o Crucifixo de Cimabue é um grande painel (448cm x 390cm), que deve necessariamente ser visto de uma distância substancial, e sendo assim, pela mistura óptica, as nuances de abstração de cor desaparecem de longe. Mesmo que a intenção de Baldini com execução da reintegração pela abstração cromática fosse inserir um elo de ligação entre as lacunas de perda, a sensação é de que os restauradores estiveram mais comprometidos com a documentação do dano causado do que esconder a perda com uma abordagem imitativa, pois observa-se que a cor relativamente leve da reintegração destaca-se mais que a pintura original escura de Cimabue, em certo ponto concorrendo com o original onde a extensão de perda é maior ao centro do crucifixo. Podemos dizer que neste caso a teoria e a prática não se alinham.

9. Restauração digital O termo restauração digital define uma metodologia de estudo para a chamada restauração virtual, compreendendo o conjunto de elaborações digitais gráficas, bidimensionais ou tridimensionais, que permitem uma melhoria visual e estética da obra ou uma reconstrução hipotética desta. Sem se opor à restauração tradicional, representa um suporte complementar para a mesma pois permite preventivamente exibir os

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resultados de uma intervenção e determinar qual seria o seu impacto sobre a percepção visual do conjunto sem interferir na materialidade do objeto (ORTIZ, 2012). As ferramentas digitais são instrumentos extremamente úteis na análise e documentação dos bens culturais, e também na linha da conservação iconográfica, possibilita preservar a informação da forma mais completa possível na coleta de dados e imagens do patrimônio constantemente sujeito a degradação ao longo do tempo. A manipulação digital de obras também permite observar o comportamento das cores e obter um resultado comparativo das técnicas de reintegração pictórica na realização de testes e exercícios de reintegração com aquarela sobre lacunas inseridas em reproduções fotográficas, como no exemplo do exercício executados em perdas inseridas digitalmente na impressão A4 da obra de Paul Gauguin, Mulheres do Taiti (óleo sobre tela, 69 x 91,5 cm Paris, Musée d’Orsay), Figura 43.

Figura 43: exercício de reintegração pictórica proposto pelo prof. Raul Carvalho. (Foto: Silvana Borges, 2016)

Uma das principais vantagens dos recursos digitais na restauração é que não se trabalha sobre a superfície original da obra, podendo fazer, desfazer, refazer, modificar e ajustar processos sem prejuízo ou dano ao patrimônio, sem desperdício na utilização

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dos materiais necessários à realização do processo físico, e com o reconhecimento, documentação, correção e ajustes das adições planejadas. A aplicação da restauração digital é útil para o estudo do estado original anterior da obra de arte, pois as pinturas naturalmente sofrem ação do tempo, e mesmo sem perda do substrato da pintura, os pigmentos estão sujeitos à ação da foto deterioração40, nesse caso o problema é inerente ao material original da obra. As ações de conservação visam minimizar as alterações à que a pintura está sujeita pela ação de agentes como luz, calor e umidade, mas não é permitido ao restaurador, por exemplo, reavivar cores desbotadas, comprometendo a integridade de uma obra de arte; no entanto, pode-se produzir uma maquete digital de como as cores de uma pintura eram originalmente, resgatando as cores da paleta do artista. Um exemplo de restauração digital foi realizado pelo Art Institute of Chicago que com uma variedade de técnicas restauraram o “Quarto em Arles” (1889) de Vincent Van Gogh, recuperando a pintura para um momento anterior ao desbotamento de suas cores. O artista pintou três versões desta cena, usando o mesmo esquema de cores, mas o tempo e a degradação pela ação química e física por foto deterioração dos pigmentos modificaram a leitura da obra. A análise das tintas utilizadas na pintura revelou que as paredes do “Quarto em Arlres” eram originalmente roxas, mas com o passar do tempo o pigmento vermelho desbotou, deixando as paredes azuladas, Figura 44.

Figura 44: Quarto em Arles (2ª.versão - setembro de 1889), óleo sobre tela, 73,6x92,3cm. The Art Institute of Chicago; com o registro à esquerda anterior a restauração digital na imagem à direita. 41

Outro exemplo da reconstituição digital de uma obra de arte é o da mais famosa pintura de Leonardo Da Vinci (1452-1519): a Mona Lisa (1503-1506), pintura a óleo

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A luz que atinge uma superfície pintada pode alterar ou quebrar as ligações químicas do pigmento, fazendo com que as cores desbotem ou se alterem, num processo também conhecido como fotodegradação. 41 Disponível em: http://www.bbc.com/news/science-environment-35576268

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sobre madeira de álamo, 77cmx53cm, acervo do Museu do Louvre. Na pintura, a técnica do sfumato42 de Da Vinci torna praticamente impossível perceber as pinceladas aplicadas, qualquer intervenção apresentaria um processo de risco. De acordo com o especialista francês Jacques Franck43, tentar remover o verniz deteriorado da Mona Lisa envolveria tocar a superfície da pintura com o agravante de danificar irrevogavelmente ou apagar o famoso sorriso. Um processo de restauração tradicional de retirada de um veniz oxidado, este pode não ser capaz de ser fisicamente diferenciado dos pigmentos. A Lumier Tecnologia, empresa francesa fundada em 1989 por Pascal Cotte e Jean Penicaut, contribuiu largamente para o conhecimento da Mona Lisa graças à digitalização multiespectral da obra, reconstruindo as cores iniciais da pintura que desapareceram com o passar do tempo44, Figuras 45 e 46.

Figura 45: registro do processo digital na sequência da esquerda para a direita, com a cor original da pintura, remoção da coloração do verniz, remoção do brilho especular, remoção da opacidade do verniz e finalmente a cor verdadeira dos pigmentos originais. (Fonte: MOHEN, 2006).

Figura 46: Comparativo da esquerda para a direita: a imagem da obra atualmente, registro após a remoção digital do verniz e o aspecto original da cor da pintura restaurada digitalmente. (Fonte: MOHEN, 2006) 42

O sfumato é uma técnica artística usada para gerar suaves gradientes entre as tonalidades, é comumente aplicado em desenhos ou pinturas, vem do italiano "sfumare", que significa "evaporar como fumaça". 43 Especialista francês da obra de Leonardo da Vinci, disponível em: http://jacquesfranck.com/ 44 Disponível em: http://www.lumiere-technology.com/Pages/News/news3.htm

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A empresa criou uma câmera para tirar uma foto de 240 milhões de pixels que tem a distinção de quebrar o espectro de luz não em três cores (sistema RGB), mas em 13 cores, incluindo infravermelhos (MOHEN, 2006). O conhecimento oculto das cores verdadeiras foi revelado através de varredura multiespectral da pintura em treze canais, do ultravioleta ao infravermelho. Em seguida, a curva de resposta espectral do verniz, onde cada pixel foi isolado e subtraído do arquivo digital, revelou virtualmente a superfície da pintura como se fosse retirada ainda fresca da oficina de Leonardo Da Vinci45. Em resumo o processo digital simulou o que em um atelier de restauração só seria possível pela ação de solventes na retirada do verniz amarelecido, e que mesmo assim não garantiria a leitura das cores originais vívidas, em processos que submeteriam a obra a processos irreversíveis com riscos maiores de degradação e prováveis perdas.

10. O estudo da cor Convém observar que existem diversas condicionantes que interferem nos dados finais de aparência das cores e como consequência na sua reprodução quando se trata da restauração de obras de arte. Na definição cromática, deve ser avaliada a perda de pigmento e o desgaste natural devido à ação do tempo, resultando a sua análise em tons aproximados aos originais, sendo que uma pesquisa histórica pode determinar os pigmentos existentes disponíveis aos tons mais compatíveis e usuais com a estética da época de cada pintura. O restaurador deve ter um conhecimento profundo da teoria da cor e dispor de uma grande habilidade técnica para ser capaz de obter reintegrações cromáticas que não só encontrem o tom em torno à lacuna, mas também reconstrua com precisão a superfície danificada da pintura original. Especificamente, o retoque pictórico deve ser estável, versátil e adequado para uso em uma ampla variedade de técnicas e estilos artísticos (ORTIZ, 2012, p.230).

Conhecer a teoria da cor é fundamental no restauro pictórico. Na definição cromática devemos lembrar que se visualizam cores do sistema subtrativo (CMY e RYB), baseado em pigmentos, Figuras 47 e 48, já os monitores de imagem operam pelo 45

Idem

44

sistema aditivo (RGB) baseados na luz, Figura 49. Na restauração, a colorimetria46 é utilizada na quantificação das cores, existindo vários instrumentos e sistemas para medir e observar a cor, portanto é natural que ocorram pequenas diferenças. “Quando vemos as cores de uma pintura, não estamos olhando para uma luz emitida naqueles comprimentos de onda, mas para uma luz refletida pela superfície” (FRASER, 2007).

Figura 47: Mistura subtrativa, modelo CMY: Cyan, Magenta e Amarelo. (Fonte: FRASER, 2007, p.26).

Figura 48: Mistura subtrativa, modelo RYB: Vermelho, Amarelo e Azul. (Fonte: FRASER, 2007, p.27).

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Colorimetria é a ciência e o conjunto de tecnologias envolvidas tanto na quantificação quanto na investigação física do fenômeno de percepção de cores pelos seres humanos. Em sua etimologia temos do latim COLOR (cor) e METRIA (medida) sugerindo que se trata da mensuração da temperatura da cor, seu grau de matiz, saturação e luminosidade. Está também relacionada à medição do espectro referente à radiação da cor seja ela emitida em luz ou refletida.

45

Figura 49: Mistura aditiva, quando se trabalha com a luz emitida, modelo RGB: Vermelho, Verde e Azul. (Fonte: FRASER, 2007, p.26).

Comparar apenas as cores secundárias produzidas em cada modelo, Figura 50, indica o leque e a pureza das cores a serem obtidas por cada mistura nesses sistemas.

Figura 50: Comparativo das cores secundárias de cada modelo: RGB-CMY-RYB. (Fonte: FRASER, 2007, p.27).

A cor é um fenômeno físico perceptível pelo espectro de luz visível, Figura 51. Na reintegração de obras de arte, o conservador restaurador deve compreender a teoria da cor e como funcionam os sistemas subtrativo e aditivo.

Figura 51: Ilustração com exemplificando como a luz visível é refletida em cada uma das cores primárias. (Fonte: FRASER, 2007, p.27).

46

As infinitas possibilidades de misturas entre as cores foi sempre um desafio para os artistas. Em 1692, um artista holandês identificado apenas como A. Boogert elaborou cerca de oitocentas páginas manuscritas e pintadas à mão com a escala de cores disponíveis no século XVII em seu tratado de pintura47, Figura 52.

Figura 52: Traité des couleurs servant à la peinture à l'eau. (Fonte: BOOGERT, 1692)

O seu correspondente atual seria a tabela de cores Pantone48, cujo primeiro sistema de cores foi desenvolvido em 1963. Entre os primeiros produtos estavam os Guias Pantone, que consistem num grande número de pequenos e finos cartões de aproximadamente 5 cm, impressos num dos lados com uma série de cores, nomenclaturas e códigos relacionados. Em teoria, a ideia do sistema Pantone é poder escolher as cores desejadas dos guias e então utilizar os números para especificar de que forma é que esta cor será reproduzida com exatidão, estabelecendo um padrão comparativo para cada valor de cor, Figura 53.

Figura 53: Guia de cor Pantone. 49

47

Disponível em: http://indexgrafik.fr/traite-des-couleurs-a-boogert-1692/ Tabela de cores Pantone, disponível em: http://www.source-werbeartikel.com/PANTONE/ 49 Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/pantone-cmyk-rgb-colors-explained-swire-ho48

47

No século XIX foi introduzida uma paleta básica de cores para a pintura aquarela, defendida para que misturas brilhantes ou saturadas possam ser produzidas por cores primárias e secundárias relacionadas conforme publicado por CHEVREUL (1855), a mesma teoria adotada para as propostas de reintegração visível elaboradas por BRANDI (2004) e BALDINI (1978), e considerando as modificações produzidas pela mútua proximidade de cada cor, Figura 54.

Figura 54: diagrama cromático de Chevreul (1855), baseado no RYB (vermelho-amarelo-azul) para mistura de cores, mostrando as cores complementares e modificações produzidas por sua mútua proximidade. (Fonte: SILLIMAN, 1859, p. 490).

O sistema baseia-se em três cores primárias (vermelho, amarelo e azul), cada cor com uma versão "quente" e “fria": - Amarelo “quente”: Amarelo cádmio Médio (PY35) - Amarelo “frio”: Amarelo cádmio Limão (PY35) - Vermelho "quente": Cádmio Scarlet (PR108) - Vermelho “frio”: Quinacridone Carmine (PV19) - Azul "quente": Azul Ultramarino (PB29) - Azul “frio" ": Phthalo Blue (Sombra Verde) (PB15)50. 50

As letras e números entre parênteses indicam o código de cada pigmento segundo as normas internacionais estabelecidas pela ASTM (American Society for Testing and Materials).

48

Atualmente o restaurador dispõe de uma ampla paleta de cores prontas entre os fabricantes de tintas profissionais, com qualidades de transparência, opacidade, brilho e saturação distintas, entre àquelas indicadas para a reintegração pictórica de obras de arte, e assim como as cores primárias, oferecem várias combinações entre si, Figura 55.

Figura 55: Exemplo de um guia de mistura de cor com 841 cores criadas a partir de 29 cores padrão.

51

Uma escala de cor padrão, ou de mistura de cores, é útil apenas quando é necessária a documentação ou a manufatura de um valor específico de cor em uma reintegração, como por exemplo, estabelecer a paleta padrão de cores na restauração de grandes painéis ou murais, na pintura decorativa ou artística de um edifício, onde é necessária a reprodução de misturas de tinta com características de cor idênticas. Mesmo com uma variedade de tintas prontas disponíveis no mercado entre os materiais utilizados na restauração, um profissional conservador-restaurador deve dominar a teoria e a prática da mistura de cor na pintura, considerando ainda que mesmo entre os pigmentos existentes nas tintas prontas disponíveis indicadas para o restauro pictórico, a designação de cor não significa que não existam variações cromáticas conforme o fabricante ou procedência de cada pigmento, Figura 56. 51

Disponível em: http://www.hyatts.com/art/magic-palette-studio-color-mixing-guide-24inc-K11622

49

Figura 56: Índice comparativo das variações de cor entre alguns fabricantes de tintas artísticas para os pigmentos azuis: Cerúleo, Cobalto e Ultramar. (Fonte: JENNINGS, 2003).

No estudo sobre a cor realizado com a Professora Me. Lúcia de Souza Dantas no curso de pós-graduação em conservação e restauro de pintura de cavalete no Centro Técnico Templo da Arte, foram executados exercícios em diversas tabelas, Figura 57, como o círculo de cores saturadas, escala de cores complementares, escala de cores dessaturadas, escala de cores rebaixadas, entre outras, para entendimento da importância do conhecimento das misturas produzidas e do exercício da percepção visual da cor quanto às suas três propriedades básicas: matiz, saturação e luminosidade.

Figura 57: Teoria e prática da cor na pintura. (Professora Me. Lúcia de Souza Dantas. CTTA, 2013). 52

52

Exemplos retirados da apresentação em sala de aula no curso de pós-graduação.

50

A cor tem três propriedades distintas:

a) Matiz - também traduzido como tom ou tonalidade (do inglês: hue) é fisicamente o intervalo de longitude de onda entre o qual se pode escrever uma determinada cor. Na prática, é a característica que faz com que possa se reconhecer uma cor como sendo vermelha, outra como sendo azul, e assim por diante.

b) Luminosidade - também chamada de claridade (do inglês: lightness) é a característica que faz com que a cor apareça mais clara ou mais escura.

c) Saturação - (no grego: chroma) é o atributo da cor que indica o grau de saturação de uma cor em termos do seu conteúdo cromático. A pintura artística é realizada pela aplicação da tinta em camadas sobrepostas ou justapostas, processo que se assemelha ao realizado na reintegração restaurativa. O estudo das cores, a interação entre as misturas e a interferência dos matizes de fundo da lacuna, assim como a ordem da sobreposição de cores é um fator a ser considerado no processo de reintegração pictórica, Figura 58.

Figura 58: Estudo comparativo de alterações cromáticas com a ordem de sobreposição de algumas cores. (Fonte: Watercolor Techniques for Beginners). 53

É fundamental conhecer o processo de criação do objeto para poder interferir em sua conservação e restauração. Os exercícios da teoria da cor no curso evoluíram para a 53

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wbDawbOO8XY

51

proposta de construção de uma pintura tradicional óleo sobre tela abordando os aspectos teóricos aprendidos, com continuidade do exercício prático de mistura de cores, utilizando tintas artísticas, pigmentos e aglutinantes, com o objetivo de compreender o processo de construção de uma obra de arte de pintura de cavalete. A obra de arte escolhida para estudo foi a Rokeby Vênus, Figura 59, que é amplamente considerada, juntamente com Vênus de Urbino (1538) de Ticiano (c.1473/90-1576) 54, como uma das mais belas e significativas representações de Vênus na história da pintura ocidental, e a única obra de nu feminino feita por Diego Velázquez (1599-1660) 55 que chegou aos nossos dias. Nus eram extremamente raros na arte espanhola do século XVII, período durante o qual a sociedade foi ativamente controlada por membros da inquisição espanhola.

Figura 59: Rokeby Venus, c. 1647–51. 122cm x 177cm. National Gallery, Londres. 56

Apesar de ter sido atacada e seriamente danificada em 1914, pela sufragista Mary Richardson57, Figura 60, a obra foi totalmente restaurada e voltou a ser exposta. A pintura foi submetida a uma grande limpeza e restauração entre 1965 e 1966, quando alguns críticos assinalaram que a pintura foi limpa exageradamente e restaurada em excesso. No entanto, na ocasião foi verificado que a pintura estava em boas condições e

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pintor representante da escola veneziana no Renascimento antecipando diversas características do Barroco e até do Modernismo 55 foi um pintor espanhol e principal artista da corte do rei Filipe IV de Espanha. 56 Fonte: http://www.nationalgallery.org.uk 57 O movimento pelo sufrágio feminino é um movimento social, político e econômico de reforma, com o objetivo de estender o sufrágio (o direito de votar) às mulheres

52

que pouca cor havia sido acrescentada, ao contrário do que afirmavam alguns, de que o cupido e a face vista no espelho foram provavelmente repintados no século XVIII. 58

Figura 60: Foto da pintura na National Gallery imediatamente após o ataque em 1914. (Fonte: Wikipédia).

Ticiano empregava os pigmentos de cor “terra” sob veladuras de cores intensas, sua obra teve grande influência na pintura de Velázquez, que no estudo da paleta do seu mestre veneziano declarou que branco, vermelho e preto, resumiam as cores de que um pintor precisava (PAVEY, 2012). A leitura cromática da Rokeby Vênus revela o uso predominante dessas cores conforme o esquema elaborado para seu estudo, Figura 61.

Figura 61: Tabela da leitura cromática da pintura Rokeby Vênus. (Foto: Silvana Borges, 2015). 59

Ao observar a obra, a consistente redução de cores da paleta do artista com predominância na pintura de fundo em um quente marrom-avermelhado permite que o tom de pele da Vênus seja composto pela mistura incidental das mesmas cores que 58

Disponível em: https://www.academia.edu/13191475/VELAZQUEZ_and_A_V%C3%8ANUS_NO_ESPELHO 59 Idem.

53

compõem o entorno da pintura, fazendo seu corpo emergir como uma tonalidade independente, brilhante e dominante na composição apenas com a adição de um branco transparente. Optou-se na reprodução para estudo da obra por uma paleta de cores à óleo reduzida, Figura 62, sem a adição do preto, para reconstrução apenas de um detalhe da obra objetivando observar como a cor de fundo n a sobreposição de camadas veladuras, e o uso cores opacas e transparentes resultariam no aspecto visual final da pintura.

Figura 62: Seleção das cores de tinta à óleo para execução do estudo. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Utilizou-se uma tela de algodão com aplicação de primer acrílico para obter uma superfície lisa. A observação de outras obras de Velázquez durante o desenvolvimento do estudo demonstrou que suas pinturas partiam de um fundo de cor avermelhada, similar ao pigmento terra de siena queimada, que foi utilizado com óleo de linhaça como veículo para fazer a camada de base da pintura, ou imprimação, a mesma cor menos diluída foi usada para marcar a composição das figuras, Figura 63.

Figura 63: Breve esboço sobre o fundo preparado com cor terra de siena queimada. (Foto: Silvana Borges, 2015).

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O esboço foi necessário para a reprodução da pintura, mas observa-se que Velázquez não constrói a sua obra com linhas, não há desenho prévio, a pintura tem seus contornos definidos pela cor, e não por traços delimitados, Figura 64.

Figura 64: Execução da cor base com terra de siena queimada e laca de garança, ao fundo da pintura. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Aos poucos foram adicionadas as cores seguindo a referência do original como modelo, tentando simular a pincelada, os efeitos de claro e escuro, muitas vezes resultado apenas da quantidade maior ou menor de óleo de linhaça, com a adição do branco de zinco, em uma camada transparente sobreposta à cor de fundo da pintura sem cobri-la totalmente, produzindo os tons rosados da pele, Figura 65.

Figura 65: Estágio intermediário de execução dos elementos de fundo, com início da sobreposição de branco de zinco na pintura dos tons de pele do cupido em primeiro plano. (Foto: Silvana Borges, 2015).

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As cores transparentes são fundamentais para o efeito volumétrico da pintura, e de sua perspectiva tonal, utilizando um branco mais transparente (zinco) e um pigmento vermelho característico da época (laca de garança) foi possível trabalhar mais os contrastes de claro e escuro da pintura, Figura 66.

Figura 66: Delimitação das figuras, criando volumes com a cor, sem traço de desenho delimitado e rígido. (Foto: Silvana Borges, 2015).

A volumetria e contornos das figuras são obtidos por pinceladas justapostas, sem criar uma linha rígida de divisão entre a figura e o fundo, a definição e volume das figuras é resultante da variação tonal da cor, não da linha prévia de desenho, Figura 67.

Figura 67: Realce de sombras e luzes da pintura, com elaboração da pintura do "espelho". (Foto: Silvana Borges, 2015).

56

As áreas de luz e sombra são obtidas pela sobreposição de camadas de cor, o volume é dado pela adição do tom escuro da cor índigo, para maior contraste entre as figuras de primeiro plano, destacando-as do fundo da pintura, Figura 68.

Figura 68: Inserção das cores de sombra mais escuras, com uso do pigmento índigo, na definição de detalhes da pintura. (Foto: Silvana Borges, 2015).

As zonas de destaque de cores mais intensas foram obtidas com mistura das cores básicas com a cor índigo, utilizando a referência cromática presente em outras obras de Velázquez e de seus contemporâneos, Figura 69.

Figura 69: Definição das zonas de claro e escuro, e retoques finais. (Foto: Silvana Borges, 2015).

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Após os acréscimos dos detalhes finais têm-se o estudo pronto, Figura 70. O interessante é perceber a predominância da cor de base da pintura na imprimação, ela confere uma unidade visual. A camada de imprimação é ainda visível, Figura 71; nesse caso, entende-se porque um nivelamento de uma lacuna deve também considerar a cor de fundo da obra para o sucesso na reintegração pictórica de suas perdas.

Figura 70: Estudo finalizado. (Foto: Silvana Borges, 2015).

Figura 71: Detalhes das áreas de imprimação expostas. visíveis na pintura. (Foto: Silvana Borges, 2015).

O exercício foi muito esclarecedor na reflexão das metodologias de restauro, ao se compreender a razão do processo de construção da cor de preenchimento de uma

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lacuna necessariamente ser executado pela sobreposição e justaposição de cores, em sucessivas camadas, já que a própria obra de arte é muitas vezes realizada em vários estratos. Uma outra forma de obter um resultado mimético baseia-se na reconstrução estratigráfica da obra, isto é, seguir a mesma sucessão de estratos que os da obra a intervir. Utilizado frequentemente no Institut Royal du Patrimoine Artistique (IRPA), denomina-se por “continuidade de estrutura” (Philippot e Philippot, 1960 apud BAILÃO, 2011, p.48).

Salvo algumas exceções, a percepção da cor em uma pintura não resulta de uma única camada de tinta, Figura 72, o efeito óptico da progressão da incidência da luz nos estratos da capa pictórica em uma obra de arte é resultado de uma construção cuidadosa, onde a tonalidade da base de preparação do fundo do suporte da tela em conjunto com todas as camadas de cor podem apresentar percepções muito diferentes como resultado final de uma reintegração, mesmo com uso de uma paleta de cores próxima do original.

Figura 72: Esquema de Ana Bailão da sobreposição de camadas de cor transparente em uma reintegração pictórica (BAILÃO, 2011 ,p.49)

Uma única cor possui um conjunto de características que não podem ser analisadas de forma isolada, a cor pode até mesmo ser modificada pelas cores circundantes a ela. Enfim, ao conservador restaurador são necessários muitos estudos e testes com a sobreposição da reintegração sobre cores de fundo diversas em comparativo com a pintura original no seu processo de restauração. O estudo da obra de Velázquez demonstrou como a construção de uma pintura, desde sua imprimação até a execução das camadas pictóricas sucessivas, resulta em um aspecto visual distinto, e que esse conhecimento técnico da compreensão do processo da obra, é essencial não apenas no desenvolvimento das habilidades necessárias para a reintegração pictórica de lacunas em uma obra de arte, como na escolha da abordagem conservativa ou restaurativa do objeto como um todo.

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11. Os materiais para a reintegração cromática Historicamente eram empregadas nesta fase de restauração as aquarelas e as têmperas. Nos tempos antigos as cores para restauração eram precisamente pigmentos diluídos com adesivos orgânicos (cola proteica e gema de ovo), hoje é comum o uso de temperas e aquarelas artísticas profissionais de estabilidade e qualidade notáveis. As têmperas por sua característica de opacidade são usadas normalmente em lacunas onde é necessária a implantação de uma base uniforme para prosseguir com a reintegração, com o cuidado de se observar as alterações de saturação das cores sob o verniz final. Esta técnica de pintura tem a desvantagem quase sempre da mudança de tom com o envernizamento. Assim, quando executada as bases coloridas com esta técnica, antes de terminar com as cores de verniz, é necessário aplicar uma camada fina de verniz de retoque sobre o estuque para saturar o tom do padrão (BARONI, 2003, p.152).

Alguns estudos demonstram que o uso da tempera à ovo ainda se aplica na restauração, um exemplo do domínio dessa técnica foi apresentado por Mary Kempski60 com resultados evidentes no registro da evolução dos estágios de reintegração da figura de uma criança no “Retrato da condessa de Bedford” (c.1620) de Marcus Gheerhardts (1561-1636) 61, coleção particular, com o uso de tempera ovo com adição do verniz de resina MS2A62 como médium, Figuras 73 e 74.

Figura 73: Evolução da aplicação de camadas pictóricas na reintegração com tempera ovo. (Fonte: ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.42)

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Conservadora-restauradora, diretora assistente do Museu Fitzwilliam, Instituto Hamilton Kerr da Universidade de Cambridge, desde 2010. 61 foi um pintor flamengo e artista da corte Tudor, radicado no Reino Unido desde 1568 até à sua morte 62 Material Safety Data Sheet: http://brushesandtools.com/static/downloads/ms2a_information_sheet.pdf

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Figura 74: Comparativo do registro das áreas de perda pictórica, antes e após a reintegração das lacunas. (Fonte: ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.42)

Mesmo sendo a tempera à ovo um material orgânico sujeito à degradação natural ao longo de um curto intervalo de tempo, o uso da resina sintética lhe transfere algumas qualidades de aplicabilidade e permanência, sendo assim, são poucas as desvantagens comparadas com as vantagens de sua utilização. A tempera aplicada em camadas com verniz MS2A63, não requer o uso de solventes aromáticos. Os retoques podem ser feitos de forma limpa e precisa. Tem uma secagem rápida e não há risco de descoloração, particularmente se a veladura de resina é mantida a um mínimo. Quando um retoque é completado inteiramente em tempera, com pigmentos estáveis, a permanência virtual pode ser assumida. Este médium de retoque é compatível com pinturas que datam da época medieval até os tempos modernos. A técnica de tempera, utilizando resina MS2A para veladuras e vernizes, permanece reversível (ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.45).

Outro aspecto importante a salientar em um processo de reintegração pictórica refere-se à prática generalizada entre os restauradores de aplicar os retoques sobre uma camada isolante e intermediária de verniz, protegendo a camada de pintura original, e executando a reintegração com segurança quanto garantir a retratabilidade da superfície.

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A resina MS2A é também denominada resina cetónica N (SCICOLONE, 2002), produzida comercialmente como AW2 (BASF, Alemanha) e MS2 (Howards, Reino Unido) a partir da década de 1930. Ficha técnica disponível em: http://cool.conservation-us.org/waac/wn/wn22/wn22-2/wn22206.html

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A lacuna pode ser isolada por uma camada de verniz antes da reintegração propriamente dita [...] esta técnica adapta-se melhor a obras pouco danificadas, com poucas lacunas e de pequena dimensão. Considera ser a solução perfeita para pinturas concebidas mediante veladuras e com ‘jogo’ de transparências (Emile-Mâle, 1976 apud BAILÃO, 2011, p.48).

A utilidade dos vernizes foi demonstrada pelo professor conservador-restaurador Raul Carvalho Jr. quanto à sua qualidade e comportamento no processo de restauro de pintura de cavalete, não sendo possível pensar na reintegração pictórica de uma obra de arte sem a consideração do uso de um verniz de proteção ou isolamento no processo de restauro de uma pintura.64 A característica de estabilidade de um verniz isolante na camada pictórica original, em conjunto com a estabilidade dos materiais utilizados na reintegração pictórica, garante a reversibilidade do processo, permitindo a retratabilidade da obra no futuro. Este método implica que a reversibilidade de uma reintegração depende não só das propriedades químicas do aglutinante utilizado para o retoque, mas também o comportamento da camada de verniz e as interações entre ambos os materiais. A estabilidade ao longo do tempo dos novos materiais para retoque pictórico é um dos fatores mais desejáveis, uma vez que, dessa forma se poderia atrasar a necessidade de aplicar no futuro um novo tratamento, com os riscos que qualquer intervenção implica para a obra (ORTIZ, 2012, p.229).

A reversibilidade da reintegração está baseada na técnica de execução pelo uso de materiais estáveis e facilmente removíveis sem comprometer a conservação da obra em intervenções futuras. Enquanto este é um princípio comumente aceito do ponto de vista teórico, na prática, é difícil de aplicar em todos os casos e em todas as fases, para todas as técnicas e para todos os materiais. As resinas mais comumente utilizadas no campo específico de retoque nos últimos anos têm sido os polímeros lineares sintéticos ou os oligômeros de baixo peso molecular. É essencial considerar as propriedades de manuseio das resinas quando utilizados como aglutinantes para cores de retoque, uma vez que elas devem ser capazes de se adaptar a uma enorme casuística (transparência, opacidade, textura da superfície, o tempo de secagem, reologia, etc.), para desse 64

Verniz, uma questão de aparência? workshop ministrado no atelier Raul Carvalho, 7-8 de maio de 2016.

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modo responder às necessidades do restaurador, dependendo das características da obra (ORTIZ, 2012, p.231).

Em 1984, como resposta as preocupações sobre a alta toxidade dos diluentes como tolueno e xileno, Sarah Cove65 desenvolveu um método de retoque utilizando resina PVA (Mowilith 20)66 com um diluente baseado em álcool metilado industrial (IMS)67 e água, para o restauro de pinturas tradicionais e modernas com sucesso nos últimos 25 anos. Como exemplo da metodologia temos o registro comparativo da execução em vários estratos da reintegração pictórica das lacunas de inúmeras perdas minúsculas e veladuras de uma pintura, Figura 75. Primeiro utilizou-se a resina Mowilith 20 e pigmentos secos. Como camada intermediária aplicou-se um verniz intermediário com uso da resina MS2A. A resina MS2A e pigmentos secos foram utilizados nas veladuras finais e também no verniz de proteção com adição de 2 a 3% de cera microcristalina68,

Figura 75: Obra de Adriaen Hanneman (1603-1671)69, “Charles II in royalist uniform”, c.1640-45. Óleo sobre tela (coleção particular), em detalhe antes da reintegração, e após o tratamento. (Fonte: ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.80) 65

Restauradora de pinturas de cavalete e especialista em técnicas de pintura histórica britânica do século XVI-XVII e do século XIX-XX. 66 Médium para retoque produzido pela fabricante Lascaux a base de acetato polivinilico. Ficha técnica disponível em: http://www.lascaux.ch/pdf/en/produkte/restauro/58372_02_Kunstharze_Firnisse.pdf 67 Material Safety Data Sheet: https://www.tasmanchemicals.com.au/pdf/IMS.pdf 68 Cosmoloid H 80. Material Safety Data Sheet: http://www.kremerpigmente.com/media/pdf/62800_MSDS.pdf 69 Pintor da Idade de Ouro Holandesa, mais conhecido por seus retratos da corte real britânica.

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O princípio é o mesmo apresentado por Gustav Berger (1920-2006)

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no

congresso do IIC (International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works) em 199071, com uso do acetato de polivinila (PVA AYAB) onde mencionou “a versatilidade, estabilidade e comparativamente menor toxidade dos diluentes das resinas PVA, e comentou a superioridade da resina PVA AYAB como médium para a pintura de retoque” (ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.84), ao considerar que a resina pode ser dissolvida em álcool ou acetona, e que sua baixa temperatura de transição vítrea permitiria maior longevidade das restaurações. Mas a resina PVA AYAB já havia sido introduzida em 1953, no campo da conservação, pelo restaurador italiano Mario Modestini (1907-2006), porém a sua fabricação foi descontinuada, sendo seu atual substituto a resina Mowilith 2072. O problema de descontinuidade de produção de materiais em uso no campo da restauração é um capítulo à parte no exercício profissional. Porém dispomos de muitas resinas para uso como aglutinantes no processo de reintegração pictórica, desde as resinas naturais mais tradicionais como a goma-arábica (aquarela), como as resinas sintéticas produzidas para a garantia de maior estabilidade associada ao desejado uso de solventes de baixo nível de toxidade para prevenção da saúde do conservador-restaurador. Em resumo, as soluções na fase de reintegração mais utilizadas são: - a aquarela protegida com verniz; - os pigmentos aglutinados com resinas; - uma técnica mista que combina os materiais mencionados com aproximação à cor original com aquarela ou temperas e ajuste final com veladuras de cores à verniz; - o uso de resinas sintéticas como ligantes das cores. No uso das resinas naturais ou sintéticas no processo de restauração, é importante salientar que não são mais recomendadas as resinas terpênicas73, tais como a

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Conservador-restaurador conhecido por suas abordagens inovadoras para a profissão, desenvolveu o adesivo BEVA entre outras soluções e estudos no campo da preservação de obras de arte 71 Disponível em: https://www.iiconservation.org/node/1392 72 Disponível em: http://www.conservators-products.com/inpainting_medium.htm 73 Os terpenóides ou terpenos formam uma diversificada classe de substâncias naturais, ou metabólitos secundários de origem vegetal, especialmente das coníferas, de fórmula química geral (C5H8)

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resina dammar74, devido ao amarelecimento, e porque tornam-se muitas vezes insolúveis com o passar do tempo, sendo suas propriedades mecânicas muito pobres.

11.1 Aquarela De acordo com ORTIZ (2012) o uso das aquarelas, Figura 76, tornou-se a técnica ou sistema prioritário na reintegração da cor, tanto nas áreas de abrasões como de perda da camada de pintura, sendo hoje um dos materiais mais utilizados por restauradores, principalmente devido à sua reversibilidade, já que o seu aglutinante (goma arábica) permanece solúvel em meio aquoso, mesmo depois de seu envelhecimento natural.

Figura 76: Estojo de Aquarela. Fabricante: Daler Rowney

Algumas características devem ser consideradas na escolha da aquarela para a reintegração de obras de arte. Entre as desvantagens: - não deve ser utilizada em obras sensíveis ao meio aquoso, podendo causar solubilidade da capa original, ou retração do suporte da pintura em alguns casos; - falta de elasticidade da película depois de seca; - susceptibilidade ao ataque de mofo; - tendência significativa para clarear ou branquear; - sua rápida secagem e elevada tensão superficial dificulta a possibilidade de extensão e manejo de capas uniformes; 74

Resina natural obtida da laceração praticada nos arbustos (abetos) abundantes em certas regiões no sudeste da Ásia: Malásia e Sumatra

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- suas tonalidades após a secagem podem sofrer modificações, e também se alteram com o verniz final, dificultando a eleição das cores e seu ajuste com a área original da pintura adjacente à lacuna de perda. As vantagens de sua utilização são: - as aquarelas profissionais são de fácil aquisição, pois devemos considerar que muitos dos materiais utilizados no mundo por conservadores e restauradores, não são acessíveis no Brasil devido inclusive a algumas regras que inviabilizam a sua importação; - permite a extensão da cor em pequenos traços ou pontos sobrepostos ou justapostos, com sua aplicabilidade adequada às várias metodologias de reintegração; - é indicada para os tipos de intervenção em que é preciso reduzir o uso de aglutinantes resinosos ou oleosos bem como de solventes de hidrocarbonetos alifáticos, aromáticos ou halogenados; álcoois; cetonas; éteres entre outros. - útil para intensificar a saturação pontual, recorrendo a um primeiro ajuste de cor sobre a área de estucagem em branco, finalizando a reintegração com aplicação de pigmentos à verniz. Nos últimos anos as aquarelas têm sido caracterizadas quimicamente e testadas na sua estabilidade em processos de envelhecimento artificial. Verificou-se que, se as cores são aglutinadas pelo restaurador com o preparo da goma arábica natural, as aquarelas se mostram muito mais estáveis do que as cores testadas e preparadas comercialmente, onde as variações cromáticas podem ser o resultado das reações de outros produtos agregados na fabricação pela combinação de aditivos misturados ao pigmento e aglutinante pela indústria artística. Mais frequentemente do que o desejável se recorre em processos de restauração o uso de materiais industriais que não cumprem os requisitos de estabilidade, durabilidade e compatibilidade requeridos em qualquer intervenção em uma obra de arte. Na verdade, as aquarelas que estão disponíveis no mercado contêm uma série de componentes que os fabricantes só especificam de uma maneira muito geral, não aparecem especificadas algumas substâncias constantes da ficha de dados técnicos e de segurança, tais como a glicerina, carboxi metilcelulose ou determinados conservantes (ORTIZ, 2012, p.234).

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À primeira vista a aquarela parece ter poucas vantagens na sua utilização, no entanto é um material versátil, acessível e de fácil manuseio que pode ser utilizado em associação com outros materiais que minimizem suas desvantagens, desde que previamente testados em sua estabilidade e permanência.

11.2 Resina natural x resina sintética. A indústria italiana Maimeri comercializou nos últimos anos cores para restauro com formulações à base de resina cetônica e de resina mástique, Figura77, utilizadas como aglutinantes em uma pesquisa para produção de tintas para retoque de pintura no âmbito da restauração de obras de arte, visando atender as exigências para conservação, aglutinando pigmentos estáveis e tendo hidrocarbonetos como solventes da resina, com considerável grau de reversibilidade no tempo e de resistência ao amarelecimento.

Figura 77: Tintas para restauro da fabricante Maimeri à base de reina cetônica (à esquerda) e com resina mastique (à direita). (Fonte: ORTIZ, 2012)

As duas linhas de cores produzidas, a base de uma resina sintética e outra natural, atendiam as necessidades de mercado. Enquanto a linha de cores a verniz com resinas naturais se adapta melhor a trabalhos de retoque na presença de filmes de revestimento ou acabamentos de superfície também executados com resinas naturais, as cores com resinas cetônicas se ajustam mais ao problema de reintegração sobre vernizes sintéticos (ORTIZ, 2012, p.233).

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O mastique ou mastic é uma resina natural obtida do lentisco (Pistacia lentiscus), Figura 78. A resina é vendida no mercado na forma de gotas ou lágrimas arredondadas, com cerca de 5 mm de diâmetro. É amarelo-clara, bastante brilhante, ficando mais opaca com o tempo. Pode ser quebradiça, mas amolece em baixas temperaturas. A resina mastique é dissolvida em álcool e essência de terebintina, formando um verniz perfeitamente claro, sendo insolúvel nas essências minerais (MAYER, 2006).

Figura 78: Lágrima de mastique produzido na ilha de Chios no mar Egeu (Grécia). (Fonte: Wikipédia)

A resina cetônica é uma resina sintética pura de ciclo-hexanona, solúvel em todas as proporções em white spirit. Tem o seu peso molecular baixo é semelhante em propriedades físicas às resinas naturais. As resinas cetônicas [...] começaram a ser produzidas na Alemanha por volta de 1940. Alguns de seus produtos são apresentados diluídos em álcool, por conseguinte, são adequados para uso sobre materiais sensíveis aos aglutinantes de base aquosa. São resinas transparentes, incolores e brilhantes, apresentam uma solubilidade adequada para vários usos e suas características de emprego se assemelham com as resinas e dammar. Elas são utilizadas no fabrico de vernizes e como aglutinantes para retoque; podem craquelar, mas não se pulverizam, oxidam à medida que envelhecem, porém são mais resistentes do que as resinas naturais, incluindo os ambientes químicos que apresentam uma alta capacidade de aderência (SCICOLONE, 2002, p.219).

Atualmente a Maimeri mantem apenas a produção das cores à base de verniz mastique, retirando do mercado as tintas a base de resina cetônica. No Brasil, alguns restauradores passaram pela experiência de ter suas tintas endurecidas dentro do tubo

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sem a possibilidade de revertê-las, fato que não atende as exigências da pesquisa científica no âmbito da conservação quanto à solubilidade desses materiais.

11.3 Resinas acrílicas

O Paraloid B-72 é uma das resinas acrílicas mais estáveis com variadas aplicações no âmbito da conservação e restauro de obras de arte, Figura 79.

Figura 79: Resina Paraloid B-72 em grãos. (Fonte: Wikipédia)

O Paraloid B-72 é um copolímero de etilmetracrilato e metracrilato, que pode ser dissolvido em n-butanol, tolueno, xileno ou acetona, podendo ser utilizado como aglutinante para mistura de cores, consolidante, ou como verniz isolante, entre algumas de suas aplicações. Não é indicado para acabamento como verniz final devido à qualidade estática das resinas acrílicas exercendo atração e aderência das partículas em suspensão na atmosfera, mesmo assim apresenta muitas propriedades que justificam a sua larga utilização na restauração de pinturas.75 Também do ponto de vista tanto mecânica e química, ele mostra bom comportamento a longo prazo, já que não se torna insolúvel nem se degradada significativamente em condições normais de exposição. Sua alta estabilidade é a principal razão pela qual tem sido considerado muito adequado como aglutinante de cores para retoque. Outra de suas características é que se mantém facilmente solúvel utilizando como solventes, hidrocarbonetos de baixa polaridade, pelo o que o retoque pode ser removido, se necessário, sem quaisquer complicações (ORTIZ, 2012, p.234).

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Ficha técnica disponível em: http://www.conservationsupportsystems.com/system/assets/images/products/B72tech.pdf

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De acordo com ORTIZ (2012) a resina Paraloid B-72 é um excelente médium para retocar pinturas a óleo tradicionais, especialmente nos casos em que as perdas são relativamente pequenas e o estágio da cor original mantém um alto grau de saturação em seus tons. No entanto, se as lacunas são de grande formato, este material não é o mais aconselhável, pois tende a secar muito rápido, não dispondo o restaurador de tempo suficiente para desenvolver com qualidade a técnica de ajuste cromático; outra dificuldade além da anterior é consequência de sua fácil solubilidade, o que torna impossível aplicar uma camada lisa de cor sobre outra de forma uniforme e espessa. Nestas condições recomenda-se empregar uma camada inferior de têmpera de ovo, ou guache ou poliacetato de vinila (PVA) e limitar o uso de cores aglutinadas com Paraloid B-72 apenas para as veladuras finais. Dentre as vantagens de seu uso cabe destacar: - bom comportamento mecânico, oferecendo uma boa estabilidade ao tempo sem escurecer ou amarelar a película; - pode ser preparado para utilização em várias concentrações conforme a necessidade; - sua reversibilidade, cor e transparência permanecem inalteradas com o tempo; Entre as desvantagens estão: - suas propriedades ópticas são de qualidade inferior às resinas naturais; - risco em ter os pigmentos desigualmente e inadequadamente ligados ao médium, “o retoque feito com cores mal misturadas pode ser difícil de saturar no envernizamento final da pintura e são mais propensos a alterar” (ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.91). - o inconveniente no seu uso como aglutinante para o retoque é a tendência a resultar um aspecto fosco, e ter secagem muito rápida; - uso de solventes altamente tóxicos na sua manipulação. Se as lacunas de perda estão em uma obra onde predominam as cores à óleo saturadas, é aconselhável que se trabalhe com uma concentração da resina no solvente entre 20% e 30%, porém se a área circundante é fosca, será melhor optar por uma

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relação entre resina e dissolvente abaixo de 5%, conseguindo assim um acabamento mais apropriado (ORTIZ, 2012).

11.4 Resinas ureia-aldeído As resinas sintéticas de baixo peso molecular têm sido utilizadas no campo da conservação por terem algumas propriedades de aplicação e qualidades ópticas semelhantes às resinas naturais dammar e mastique, que são os materiais originais mais utilizados no acabamento das pinturas de cavalete tradicionais. Dado que as resinas naturais amarelam e se tornam insolúveis devido a processos de oxidação fotoquímica e outras reações de degradação, a ideia era poder substituí-las por uma resina sintética estável. “Após uma série de experimentos com várias resinas de baixo peso molecular, entre elas o Laropal A8176, verificou-se que as resinas de ureia-aldeído ofereciam as melhores propriedades para uso como aglutinantes para o retoque pictórico” (ORTIZ, 2012, p.240). Tais investigações conseguiram demonstrar que a resina ureia-aldeído Laropal A81 tem uma boa estabilidade fotoquímica e mantém a sua solubilidade usando dissolventes de hidrocarbonetos aromáticos de baixo peso molecular após um período de 3.000 horas de envelhecimento. Além disso, a sua baixa viscosidade, devido ao baixo peso molecular do aglutinante, faz com que as tintas produzidas com Laropal A81 tenham as características de manipulação e propriedades ópticas similares àquelas obtidas a partir das tintas produzidas com pigmentos e resinas naturais, portanto, seriam particularmente adequadas para os casos em que se pretenda atingir uma saturação de cor elevada no processo de reintegração pictórica de obras de arte. Em 1997 a National Gallery de Londres começou a testar as tintas para retoque preparadas por Robert Gamblin77, num resultado de cinco anos de trabalho realizado por uma equipe de pesquisa com três conservadores de renome internacional: Rene de la Rie, chefe do departamento de ciência na National Gallery of Art em Washington, D.C .; Mark Leonard, diretor de conservação do J. Paul Getty Museum em Los Angeles, 76 77

Ficha técnica disponível em: http://shop.kremerpigments.com/media/pdf/67204e.pdf Fundador da Gamblin Artists Colors e Gamblin Conservation Colors.

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Califórnia; e Jill Whitten, do Whitten Proctor Conservation em Houston, Texas. Os resultados foram publicados em 2000, na fundação da Gamblin Conservation Colors. As tintas para restauro produzidas pela fabricante Gamblin, Figura 80, utilizam como aglutinante a resina Laropal A81, apresentando boas propriedades ópticas e melhor aplicabilidade que as tintas à base de resina polimérica, com bom poder de cobertura, pouca alteração após a secagem, resultando em um acabamento fosco da película.

Figura 80: Tintas para conservação e restauro produzidas pela fabricante Gamblin. (Fonte: talasonline.com)

Mesmo apresentando pouca alteração das cores após a secagem, devido à tendência de ser tornarem foscas, o próprio fabricante indica o uso de um médium (Galdehyde) à base da resina do próprio aglutinante da linha de tintas para restauro. Esse fato da perda de saturação pode estar relacionado às cargas inertes adicionadas a algumas das cores produzidas. As cores Gamblin segundo afirma a casa comercial, são fabricadas com a resina Laropal A81, solventes minerais e pigmentos resistentes à luz; não levam aditivos, e apenas os pigmentos orgânicos têm incorporados pequenas quantidades de hidrato de alumina para ajustar o seu poder colorante (ORTIZ, 2012, p.240).

Quanto à característica de reversibilidade, as cores aglutinadas com a resina Laropal A81 são solúveis em dissolventes à base de hidrocarbonetos aromáticos, tais como isopropanol, acetona e etanol, embora o fabricante recomende a utilização de essência mineral. Segundo Jill Dunkerton, profissional conservadora-restauradora da National Gallery de Londres, as tintas Gamblin satisfazem as necessidades do trabalho de conservação de pinturas ao desenvolver um material de retoque estável, versátil e facilmente reversível, plenamente eficaz nos processos de restauração mais desafiadores

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( ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010), a exemplo da restauração realizada por Dunkerton da pintura de Quinten Massys (1465-1530)78, Figura 81.

Figura 81: Detalhe da obra de Quinten Massys (1465-1530), Virgem e Menino no trono com quatro anjos (c.1495), óleo sobre carvalho, 62,2x43,2cm. National Gallery de Londres, em detalhe antes e após o processo de reintegração pictórica. ( ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.97).

A profissional descreve também a importância da metodologia do processo de aplicação das tintas na reintegração da lacuna: As cores Gamblin são mais receptivas se forem aplicadas com pincéis pequenos, uma vez que, como todas as cores de resina elas exigem alguma forma de aplicação hachurada ou pontilhada, e assim, mesmo

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Pintor flamengo e fundador da Escola de Antuérpia.

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quando trabalhando em pinturas maiores ou ao preencher perdas muito grandes eu tendo a usar pincéis relativamente pequenos. A desvantagem é, naturalmente, ter que retornar à paleta frequentemente para recarregar o pincel com tinta ( ELLISON, SMITHEN & TURNBULL, 2010, p.97).

Atualmente as cores para restauro produzidas pela Gamblin estão entre as mais modernas disponíveis, cujo uso é indicado por todas as características e vantagens já mencionadas. Muitas vezes os profissionais conservadores-restauradores têm de trabalhar testando e adaptando materiais que foram desenvolvidos para outros fins, agora que a indústria de materiais disponibiliza toda uma linha de tintas para retoque concebidas para a área da conservação de obras de arte, faz sentido usá-las.

12. PWR – Pigmented Wax Resin Da mesma forma que a saturação das cores é uma característica essencial a se considerar no processo de reintegração pictórica, outro aspecto fundamental a ser observado é o preparo da superfície antes de proceder com a restauração das cores, ou seja, o nivelamento da pintura. Uma das propriedades de cores preparadas com resinas de baixo peso molecular, a exemplo do Paraloid B-72, é justamente que o material pictórico estendido sobre a superfície nivelada não tem volume. Esta falta de corpo ou massa tem uma consequência imediata que se reflete na dificuldade com que o restaurador tenta imitar as pinceladas e empastamento característicos de algumas pinturas. Para evitar esse problema, se prevê durante a fase inicial de restauração preencher a lacuna, nivelando-a, optando por uma massa ou estuque que serão estendidos sobre a área de perda, permitindo uma espessura e textura adequadas ao trabalho de reintegração da lacuna. Muitas são as composições das massas de nivelamento, desde as misturas mais simples compostas de giz, pigmento e aglutinante solúvel em água, como cola protéica ou álcool polivinílico (Mowiol 8-88). Uma série de resinas, gomas e produtos aglutinantes podem ser utilizados na manufatura de massas de nivelamento conforme a necessidade e característica da superfície da obra de arte, Figura 82.

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Figura 82: Tabela de exemplos práticos de massas de nivelamento 79 (Foto: Silvana Borges, 2016)

A escolha dos materiais para elaboração das massas de nivelamento, deve também considerar a cor da base de imprimação ou o tom predominante da área em tratamento, de forma que ela se integre na área adjacente ao tratamento como cor de fundo da pintura, “se o quadro que se deve reintegrar apresenta uma imprimação colorida, pode ser adequado utilizar um preenchimento previamente tingido com a adição de pigmento, de maneira que se reduza o número de aplicações de capas de cor durante a fase de reintegração” (ORTIZ, 2012, p.235). Um dos materiais mais versáteis disponíveis para oferecer uma base pigmentada na reintegração de lacunas é a resina PWR (Pigmented Wax Resin) fabricada e comercializada pela indústria Gamblin, Figura 83. Os bastões de cera-resina pigmentados foram desenvolvidos por James Hamm, professor do departamento de conservação de pinturas na Buffalo State University desde 1986.80

Figura 83: Estojo de bastões de PWR fabricado pela Gamblin (Fonte: talasonline.com)

79 80

Exercício de manufatura de nivelamentos no curso, orientado pela professora Gabriela Baldomá Disponível em: http://artconservation.buffalostate.edu/faculty/james-f-hamm

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O instrumental básico para a aplicação da resina PWR são: uma espátula metálica estreita, um aquecedor para derreter a cera, e um palito de bambu sem ponta para remoção mecânica de eventuais excessos sem prejuizo da área adjacente à aplicação, ao exercer uma leve pressão sobre o excesso de resina, Figura 84.

Figura 84: Instrumental básico para aplicação da resina PWR. 81

Existem algumas técnicas básicas de aplicação da resina PWR: - o preenchimento direto de rachaduras estreitas da pintura - o nivelamento com reprodução da textura de impasto de uma lacuna - o preenchimento de fissuras pela tração da capa pictórica O preenchimento de rachaduras estreitas é realizado com a aplicação direta da resina aquecida, com uso de uma espátula fina que deposita a resina PWR na rachadura, Figura 85.

Figura 85: Aquecimento do bastão de PWR e uso da espátula metálica para aplicação.

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No registro comparativo do preenchimento da lacuna com a resina PWR, observa-se que a aplicação já oferece uma base monocromática de fundo para reintegração da pintura eliminando a necessidade de realizar sucessivas camadas sobrepostas de reintegração, Figura 86. 81 82

Disponível em: https://vimeo.com/120828910 Idem

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Figura 86: Comparativo antes e depois do preenchimento de rachaduras estreitas na pintura com PWR.83

O processo de nivelamento com reprodução da textura de impasto de uma lacuna é executado com derretimento da resina PWR com uso da espátula aquecida, depositando a resina diretamente na superfície da obra, modelando a textura característica da pintura de forma similar à área adjacente à lacuna, Figuras 87 e 88.

Figura 87: processo de nivelamento com reprodução da textura de impasto de uma lacuna. 84 83

Disponível em: https://vimeo.com/120828910

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Figura 88: registro comparativo do nivelamento com reprodução da textura de impasto de uma lacuna. 85

O processo de preenchimento de fissuras ocasionadas pela tração da capa pictórica também leva em consideração a escolha de uma tonalidade próxima ao fundo da pintura, com aplicação direta da resina na fissura com a espátula aquecida, Figura 89.

Figura 89: processo de preenchimento de fissuras ocasionadas pela tração da capa pictórica. 86

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Idem Disponível em: https://vimeo.com/120828910 86 Idem 85

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Os bastões de cera resina segundo o fabricante são produzidos com a resina Laropal A81, cera natural de abelha e cera microcristalina com adição de pigmentos, e são miscíveis entre si para a obtenção de outras tonalidades. O fabricante produz um bastão da resina PWR sem adição de pigmentos, que pode ser derretido e tonalizado com pigmentos artísticos, produzindo outras cores além das fabricadas, conforme a necessidade da superfície em tratamento. Outras resinas termoplásticas estáveis podem ser utilizadas com a adição de carga e pigmentos para produzir um material com a mesma aplicabilidade que a PWR. Com a utilização da Beva 371 (gel) pode-se misturar uma parte da resina sintética com 2 partes de carga (carbonato de cálcio), produzindo uma massa de nivelamento que pode ser pigmentada na confecção de bastões com tonalidades para acabamentos diversos, Figura 90.

Figura 90: Mistura da resina Beva 371 (gel) com carbonato de cálcio (à esquerda) com os vários resultados de bastões pigmentados (à direita). (Fotos: Silvana Borges, 2016).87

A prática de manufatura de um composto à base de cera e resina no âmbito da conservação não é novidade, o uso da cera-resina composta por resina de dammar com cera de abelha encontrou aplicabilidade no passado até a descoberta das modernas resinas sintéticas mais estáveis. A Gamblin na fabricação da PWR utiliza o mesmo princípio utilizando um material sintético mais moderno e estável, a resina Laropal A81.

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Exercicio da produção de massas para estucagem de lacunas na obra de arte, orientado pela profa. Gabriela Baldoma no Curso de Conservação e Restauro de Arte Contemporânea. CTTA, 2016.

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13. Considerações finais Ao conservar um bem cultural deve-se respeitar a sua integridade, procurando preservar sua composição material e qualidades culturalmente significativas, e se possível, através de uma intervenção mínima. O estudo da história e evidências da proveniência de um objeto são importantes para determinar a execução, ou não, de uma intervenção restaurativa. Ao analisar as metodologias possíveis na reintegração pictórica das lacunas de perda em uma pintura deve-se considerar a intenção do artista, o uso ou função desse objeto, além das intervenções ou degradações significativas que dizem respeito a sua historicidade, ou seja, o objeto é testemunha de um tempo passado e as marcas do tempo são parte integrante desse objeto, pois lhe atribuem significado. Na escolha dos processos e materiais considera-se a possibilidade de tratamento ou exame futuro, o profissional de conservação deve se esforçar em utilizar apenas técnicas e materiais que na atualidade satisfaçam os objetivos do tratamento e tenham o menor efeito negativo sobre o objeto restaurado, utilizando produtos que podem ser mais facilmente se não completamente removidos, e com risco mínimo para qualquer parte original do objeto. A restauração é um processo intimamente ligado aos aspectos históricos e estéticos que a obra transmite. O problema de lidar com um método de reintegração de lacunas em uma pintura requer ter em conta algumas considerações. A influência de cada período histórico e sua visão cultural, o modo de perceber as obras precedentes é inevitável; cada ato de restauração é um momento crítico de interpretação e releitura da obra e precisa também reconhecer que nossa intervenção é relativa, devendo inscrever-se em um momento histórico preciso (ORTIZ, 2012, p.227).

A obra de arte não pode ser mais tratada apenas no aspecto estrutural e estético sob um olhar científico, as decisões do conservador restaurador tem caráter subjetivo a partir do momento que o profissional precisa considerar a obra de arte quanto a seus usos e significados. Os códigos éticos em conservação tendem a enfatizar o que não fazer ou o que precisamos ter cuidado, mais do que os benefícios potenciais do tratamento, que incluem a capacidade do objeto de dar prazer e significado, a experiência dos conservadores proporciona uma

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oportunidade poderosa para aumentar o prazer das pessoas pelos objetos que eles escolhem se cercar, reforçar o seu significado e fortalecer seu poder para iluminar as vidas das pessoas que entram em contato com eles. Trabalhar com objetos com valor apenas pessoal faz parte desta obrigação (APPELBAUM, 2015, p.292).

Todas as metodologias estudadas objetivam a recomposição visual da obra com a restituição cromática das cores da pintura, algumas das técnicas mais antigas mencionadas tendem a inserir uma percepção que a obra não possuía, como o caso da cor neutra que muitas vezes acaba por criar um novo contraste entre figura e fundo da lacuna, ou a abstração cromática, inserindo uma nova textura de cores à obra. Ou seja, a não ser pela opção da não intervenção, ao aplicar um trattegio, pontilhismo, tom neutro ou qualquer outra técnica de reintegração, o restaurador estará modificando a percepção da obra, acrescentando um elemento que não existia anteriormente. Diante do que foi demonstrado, com raras exceções, o método da pintura invisível é o de maior dificuldade técnica, porém seria o mais adotado e indicado na reintegração pictórica da pintura de cavalete. A correta avaliação, compreensão da obra de arte e conhecimento do comportamento dos materiais originais e das ferramentas para o restauro pictórico demonstram que uma intervenção em uma pintura é resultado de um complexo programa de pesquisa e experimentação que permite explorar novas soluções para problemas estéticos, mesmo naqueles processos de conservação que a primeira vista possam parecer incomuns, e para os quais os métodos e técnicas usuais podem não ser adequados. Cada obra de arte é única, e nesse contexto, as soluções para sua preservação devem ser pensadas, adotadas e justificadas de forma particular para enfrentar o desafio da reintegração pictórica de suas lacunas. Esta pesquisa não pretendeu estabelecer parâmetros para a reintegração pictórica de pinturas, mas exemplificar e colocar em discussão os conceitos, vantagens e desvantagens da aplicabilidade de cada material disponível e metodologia estudada. Diversos são os processos e instrumentos disponíveis para a reintegração pictórica, oferecendo possibilidades estéticas adequadas para a solução de uma vasta gama de problemas, atendendo às variantes necessidades do objeto quanto à preservação de seu significado e da restauração de sua materialidade dentro do processo de 81

conservação de uma obra de arte. Ao conservador-restaurador cabe perpetuar não apenas o objeto em sua matéria, mas o seu caráter simbólico e seu valor histórico enquanto testemunha de um tempo passado. Devemos continuamente reconhecer que os objetos e lugares não são por si mesmos, o que é importante no patrimônio cultural; são importantes pelos significados e usos que as pessoas atribuem a esses bens materiais e os valores que eles representam (AVRAMIL et all, 2000 apud MUÑOZ VIÑAS, 2011, p.178).

O uso e a significação atribuídos às obras de arte são fatores atrelados a sua preservação e devem ser considerados. As ações de conservação do patrimônio cultural são necessárias e contínuas, e a valorização do bem cultural por aqueles que fazem utilização desses objetos e dos espaços em que estão inseridos é a forma mais viável da memória ser preservada como legado para as futuras gerações.

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14. BIBLIOGRAFIA APPELBAUM, Barbara. Criteria for Treatment: reversibility. Volume 26, Number 2, Article 1 (pp. 65 to 73), Journal of American Institute for Conservation (JAIC), 1987. Disponível em: http://cool.conservation-us.org/jaic/articles/jaic26-02-001.html APPELBAUM, Barbara. Conservation Treatment methodology. USA: Appelbaum, 2015. BAILÃO, Ana. As técnicas de reintegração cromática na pintura: revisão historiográfica. Revista Ge-conservación no.2, 2011, pp. 45-63, ISSN:1989-8568. BALDINI, Umberto. Teoria del restauro e unitá di metodologia. Firenze: Nardini, 1978. BARONI, Sandro. Restauro e Conservazione dei pinti. Manuale pratico. Perugia: Fabbri Editori, 2003. BOOGERT, A. Traité des couleurs servo à la peinture à l'eau. Século XVII – Holanda, disponível em: http://www.e-corpus.org/notices/102464/gallery/ BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração - Tradução: Beatriz Mugayar Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004. CALDAS, K. V. ; SANTOS, V. C. B. ; SANTOS, C. A. A. Retratabilidade: renomeando e reconceituando um critério. Seminário de História da Arte, v. 2, p. 1-26, 2012. Universidade Federal de Pelotas, RS, 2012. CASIMIRO, Luís Alberto. Pintura e Escultura do Renascimento no Norte de Portugal. Revisa da Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do Patrimônio. I Série, vol. V-VI, pp. 87-114. Porto, 2006. CHEVREUL, Michel Eugène. The Principles of Harmony and Contrast of Colours, and Their Applications to the Arts. 2ª.edição. London: Longman, Brown, Green and Longmans. 1855. DAMASCENO, Sueli. Igrejas Mineiras; Glossário de bens móveis. Ouro Preto, Instituto de Artes e Cultura/UFOP, 1987 DEMPSEY, Charles. Inventing the Renaissance Putto. The University of North Carolina Press. Chapel Hill & London, EUA, 2001.

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