PROCEDIMENTOS DE APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE ELABORAÇÕES DO OUTRO NOS TRABALHOS CIENTÍFICOS

June 29, 2017 | Autor: Milan Puh | Categoria: Cheating and Plagiarism, Plagiarism, Estudios sobre plagio y falsificación, Plagio
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PROCEDIMENTOS DE APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE ELABORAÇÕES DO OUTRO NOS TRABALHOS CIENTÍFICOS Milan Puh Capítulo 1 - a Rainha de Alice chega ao jardim e se depara com jardineiros aparentemente iguais Este trabalho1 incidirá sobre o modo como o pesquisador inclui/exclui o Outro em um trabalho científico, ao fazer apropriações indevidas do discurso deste Outro. Em primeiro lugar, nosso objetivo é o de identificar e classificar diferentes modos de apropriação indevida do discurso do Outro, passando pelos procedimentos de apropriação textuais e discursivos. Assim, procuramos mostrar até que ponto o pesquisador, como autor do texto, diminui ou circunscreve a presença de terceiros no intuito de estabelecer um aparente equilíbrio entre a autoria e coautoria. Em segundo lugar, o trabalho é norteado pela seguinte questão de pesquisa: Os pesquisadores que recorrem ao discurso elaborado por terceiros trilham um percurso que poderá ser identificado e definido como uma massificação? Desse modo, procuramos mostrar de que modo estes pesquisadores, ao tentar definir posições subjetivas próprias (e correlacioná-las com as de outros), acabam por fazer apropriações indevidas de autores e do discurso elaborado por eles, transformando o processo individual de criação em um produto massificado. A nossa intenção é evidenciar de que modo a Rainha2 poderia ter identificado quem eram as cartas viradas de costas para ela. Pois, acreditamos que, com um olhar mais agudo e perspicaz, tanto nós, quanto a Rainha, conseguiríamos identificar os jardineiros-cartas pela maneira como cultivam as suas roseiras, mesmo se tivessem uma aparência que nos parecesse igual. Aproveitando essa referência ficcional literária, tomando o lugar da Rainha, procuraríamos compreender de que modo alguns jardineiros, apropriando-se de trabalhos feitos por outros jardineiros criativos, 1

O texto foi apresentado dentro do Workshop VII do GEPPEP. Na ocasião, buscávamos entender de que modo o pesquisador se inscreve em uma determinada teoria ou área de conhecimento. Este, porém, não será nosso objetivo aqui. pretendemos dar continuidade ao trabalho feito no Workshop de 2011, porém, não buscaremos entender de que modo o pesquisador se inscreve em uma determinada teoria ou área de conhecimento. 2

As referências a Rainha feitas neste trabalho são resultado da leitura coletiva do livro Alice no país das maravilhas de Louis Carrol pelos integrantes do GEPPEP dos quais nós fazemos parte.

transformam a jardinagem artística em uma massificação de produtos reproduzidos. Esse conhecimento nos possibilitará entender como funciona nosso “reino”, ou seja, como poderíamos transformar essa jardinagem que oculta a personalidade e a aparência das cartas, em um processo de transformação que produz produtos artesanais. Para conseguir resolver o nosso questionamento e para responder a nossa hipótese, a saber: se uma indevida apropriação textual e discursiva elaborada por outros leva a uma massificação, utilizaremos o raciocínio lógico e as contribuições teóricas de Wittgenstein (2000; 2010) e metodologicas de Roig (2006), Cabe (2003), a qual nos possibilitará identificar e classificar diferentes modos de apropriação do discurso do Outro, passando pelos procedimentos de apropriação textuais, técnicos, discursivos e filosóficos.

Capítulo 2 – a Rainha percebe que as roseiras estão ficando muito iguais Como mencionado anteriormente, neste trabalho utilizaremos as contribuições teóricas de Wittgenstein para conseguirmos avançar na proposta de evidenciar de que modo acontecem as apropriações indevidas (textuais e discursivas) dentro de um texto acadêmico. Optamos pelo uso do termo apropriações textuais e discursivas indevidas, visando não sair do âmbito da análise linguístico-discursiva, calcada no encadeamento lógico da filosofia de Wittgenstein. Isso porque acreditamos que qualquer outra denominação poderia nos levar a lugares e discussões que não fazem parte da proposta deste trabalho, principalmente em relação à questão jurídica delineada pelo termo plágio, utilizada por outros autores. Após esta curta introdução, propomos ao leitor a entrada no mundo da Rainha (aquela que conhecemos no livro Alice no País das Maravilhas, de Louis Carrol) onde existem jardineiros que trabalham da tal maneira que seus produtos - as rosas assemelham-se uns aos outros, até o ponto do não reconhecimento do próprio jardineiro, por parte da própria Rainha. Por estarmos em um mundo estranho e desconhecido pelo leitor, recorreremos ao pensamento lógico do Wittgenstein para nos ajudar a construir um mundo que fará sentido para o leitor, por meio de um aparato conceitual dentro do qual faremos a análise de um trabalho científico em que encontramos elementos de apropriações

indevidas, as quais parecem como rosas plastificadas em um mundo de jardineiros massificados. Por isso, consideramos que os elementos linguísticos e discursivos, presentes no trabalho a ser analisado posteriormente, são como coisas ou objetos do mundo, segundo a terminologia de Wittgenstein, as quais, a nossa mira criteriosa transformará em fatos de um mundo, constituído por nós. Porém, antes de entrar na discussão filosófico-linguística sobre as apropriações indevidas, pensamos necessário discorrer rapidamente sobre os conceitos básicos e o modo como eles serão utilizados na constituição de um mundo (massificado). Os dados do corpus vistos como objetos, casos do mundo, como mencionado acima, nós transformaremos em fatos pela definição da relação de cada um deles dentro do estado de coisas, ou seja, dentro de um contexto. A esse processo chamaremos, segundo a terminologia de Wittgenstein (2010), de afiguração, uma vez que é preciso definir um estado de coisas especifico para que estes casos sejam transformados em fatos. Ou seja, é necessário levar em consideração que somente os elementos de uma apropriação do discurso de terceiros não são suficientes para definir tal apropriação como indevida. Para isso, pretendemos utilizar um dos conceitos usados por Wittgenstein em Investigações Filosóficas, um trabalho posterior ao Tractatus, definidos pelo filósofo austríaco como critério, pelos qual colocaremos em relação lógica e evidente o original e as apropriações realizadas indevidamente. Entendemos o conceito de critério como modo de determinar se algo satisfaz o conceito X, isto é, são evidências que evidenciam que algo é X. Os critérios determinam a maneira como falamos de objetos e a própria essência deles expressa linguisticamente, pois não há nada exterior às nossas práticas linguisticamente articuladas, explica Wittgenstein (2000). O filósofo afirma que não há possibilidade de dissociação entre um plano linguístico e extralinguístico, assim a gramática e critérios são interligados. A gramática é entendida como regras de uso de uma linguagem entendida como um fenômeno regulado. A gramática e as regras nos permitem, na instabilidade do significado das palavras, reconhecê-las e projetá-las em diferentes contextos. Isto significa que todos os procedimentos de transposição de uma palavra ou conceito de um para outro contexto pressupõem certa regularidade passível de ser reconhecida. Porém, essa regularidade só é validada para o contexto em que está evidenciada, segundo Wittgenstein, não há fixidez absoluta de todos os elementos e suas regras de interligação. Na construção de novos mundos, precisamos ter cuidado

porque as mesmas regras, de acordo com a terminologia wittgensteiniana, podem não constituir os mesmos mundos. Nesse sentido, pensando nas apropriações do discurso do Outro, para saber o que é um caso, ou seja, uma apropriação indevida, preciso conhecer quais são os critérios (práticas sociais e culturais) para conseguir enxergá-lo, ou seja, senti-lo. Inspirados na afirmação do Wittgenstein (2000), defendemos a tese de que não há necessidade de confirmar uma apropriação indevida, pois é suficiente definir ou exemplificar a especificação linguística em que ela ocorre. Por isso, é importante entender qual é esse jogo de linguagem, pois através desse jogo de procedimentos lingüísticos, no nível textual e discursivo, poderemos entender se os critérios, escolhidos por nós, são válidos para definir o que seria uma apropriação indevida. Pensamos ser necessário apresentar os procedimentos linguísticos para poder exemplificar os critérios de um trabalho em que existem apropriações indevidas. Sem dúvida, essa busca pelos critérios nos faz pensar como funcionaria um mundo em que a rainha tivesse que olhar muito bem para os jardineiros para discernir qual deles está, de fato, fazendo jardinagem e qual deles está “fingindo” trabalhar, cortando (virado de costas) as rosas todas iguais. Com esse pensamento, seguimos para a definição de um aparato teórico com que poderíamos ajudar a Rainha de Alice a ter uma visão mais clara do que está acontecendo em seu reino.

Capítulo 3 - A rainha pede um óculos especial para enxergar melhor as roseiras , Apresentaremos agora o jogo da linguagem utilizado em um trabalho científico no qual percebemos possíveis apropriações indevidas de terceiros, aproveitando-nos da terminologia de Wittgenstein (2010) para definir se nossos critérios são ou não válidos. Definindo bem o jogo, acreditamos que temos as condições de definir como válido algum dos critérios, concebidos pelo filósofo austríaco como: autoria original comprovada, coincidência de forma, coincidência de ideias, indícios de má intenção, discrepâncias súbitas de estilo etc. Em nossa opinião, os critérios são válidos, se conseguirmos mostrar qual é o jogo de linguagem utilizado em momentos de apropriação do discurso do Outro.

Assim, nas seguintes linhas apresentaremos os procedimentos e técnicas que fazem parte desse jogo. No trabalho de Roig (2006) encontramos várias categorias que nos ajudarão a entender quais são as possíveis categorias pelas quais poderíamos indicar a existência de apropriações indevidas. Roig as divide em 6 tipos de técnicas usadas para plagiar, as quais nós definiremos como 6 categorias de procedimentos que podem indicar a existência de apropriações indevidas, uma vez que (como já explicamos anteriormente) preferimos não entrar no âmbito judicial ao qual o conceito plágio, de certo modo, está ligado. É importante esclarecer que as quatro primeiras categorias se referem aos procedimentos empregados em textos acadêmicos e as últimas duas à relação o indivíduo e a comunidade a qual pertence, apresentados por nós, pelo seguinte quadro: Quadro 1: Técnicas (procedimentos) de

Relação indivíduo/comunidade

apropriação indevida Ideias (filosófico)

Colaboração (comunitário)

Texto copiado (textual)

Auto-plágio (pessoal)

Sumarização (técnico) Paráfrase (discursivo) Nesse trabalho, preocupar-nos-emos com as técnicas, ou seja, procedimentos de apropriação indevida, deixando de lado a relação que o individuo estabelece com seu trabalho e com o da comunidade científica, por acreditarmos que, para entender esta relação, teríamos que ampliar e direcionar nossa análise para outros caminhos, os quais não definimos como o objetivo deste trabalho. Dessa maneira, para entender melhor essas categorias que se referem a procedimentos no nível textual/discursivo, apresentaremos as subcategorias que exemplificam o que acontece no nível linguístico, as quais tomaremos como base para fazer observações acerca dos procedimentos acima mencionados. Mas, antes de apresentá-las, gostaríamos de refletir brevemente sobre as 4 categorias localizadas no primeiro quadro. A primeira categoria, na visão de Roig (2006), refere-se à possibilidade de nos apropriarmos de ideias que estão presentes discursivamente no texto do Outro, sem a necessidade de se apropriar do próprio texto desse Outro, isto é, apropriamo-nos daquilo que entendemos como a filosofia subjacente do discurso. Já na segunda categoria,

focamos no aspecto textual da apropriação que estamos analisando, pois, como entendemos em Roig (idem), texto copiado certamente pode indicar uma apropriação indevida. Para nós isto significa que ela pode ser usada para validar nossa hipótese ou, em termos wittgensteinianos, para validar o critério de que a apropriação indevida, na medida em que for repetida com recorrência, pode indicar uma massificação. Essa massificação eliminaria o caráter inédito e criativo de toda a produção escrita científica, o qual é essencial para que ela faça sentido e tenha efeito. A terceira categoria, denominada por Roig (idem) como a sumarização, é um procedimento que diz respeito a um procedimento técnico que visa à formação de um tipo de resumo que pressupõe apropriações indevidas de vários elementos, aspectos do texto e/ou discurso do Outro. Já a quarta categoria trata de procedimentos que entram na esfera do discurso, exemplificada por Roig (idem) como paráfrase, alterando ou modificando o discurso do Outro através de apropriações usadas para redizer o que já está dito, sem os devidos créditos. Após essa breve apresentação das principais categorias, focaremos nas subcategorias que incidem diretamente sobre os procedimentos linguísticos que nos ajudarão a compreender de que modo poderemos aplicar as categorias de ordem maior para identificar e, posteriormente, mostrar a existência de critérios que são válidos para o entendimento de apropriações indevidas. Segue, então, uma seleção de categorias taxonômicas de Cabe (2003, p.2-4) e as respectivas explicações dadas pelo autor: a) Plágio Direto - material de grande volume é copiado sem atribuição ou o uso de aspas. b) Truncamento - material é copiado com o encurtamento do original pela supressão de palavras e/ou abertura ou fechamento de frases. c) Excisão - material é copiado com uma ou mais palavras suprimidas no meio das frases. d) Inserções - material é copiado com palavras ou expressões acrescentadas (muitas vezes qualificadores - adjetivos ou advérbios) inseridos no material da fonte original. e) Reorganização - material é copiado com os elementos morfológicos e/ou sintáticos, de uma ou mais frases, alterados e apresentados em uma ordem diferente. f) Inversão - material é copiado com organização invertida das frases e palavras em comparação com original.

g) Substituição - material é copiado com utilizando um sinônimo ou uma frase do mesmo campo semântico para substituir as palavras ou frases do original. h) Uso inadequado de aspas - 1) material é copiado com utilização de aspas, mas algumas das palavras de origem original ou frases alteradas sem nenhuma indicação feita por parte do autor. 2) citação indireta não é indicada pelo uso de itálico. i) Mudança de voz - material é copiado com frases na voz ativa é passiva, ou vice-versa. Fizemos a seleção tendo em vista aquelas subcategorias que, de fato, seriam utilizadas na análise posterior, deixando como incentivo para que o leitor vá e busque mais informações no texto de Cabe (2003). Sendo assim, passemos para a etapa seguinte deste trabalho, que é a introdução do quadro em que apresentamos uma análise comparativa entre um trecho de um trabalho científico e um trecho de um outro trabalho científico em que houve apropriações indevidas do primeiro.

Capítulo 4 - a Rainha inspeciona as roseiras para descobrir o que os “supostos” jardineiros estão fazendo A análise abaixo foi realizada por meio de apresentação de um quadro dividido em 3 colunas: a primeira com o texto original publicado em forma de artigo científico sobre a aquisição de língua; a segunda com o procedimento de apropriação das elaborações do texto original utilizado em relação ao segundo texto analisado com a indicação sobre o lugar onde ocorreu a apropriação por meio de setas; a terceira com o segundo texto, com o título muito parecido ao primeiro, apresentado como trabalho final para uma disciplina com apropriações do original. Achamos importante registrar que somente as partes (nos dois trabalhos) grifadas por nós apresentam elementos de diferença, sendo que o restante do texto 3 é uma apropriação indevida direta do texto original.

Texto original Em relação a esse assunto, Georgina (1997) enfatiza como as trocas verbais “definem” a formação das ideologias e a constituição da subjetividade também da criança, que cresce e se desenvolve biologicamente, psicologicamente e socialmente em um ambiente ideológico e que, durante o processo de aquisição de linguagem, adquire também todos os aspectos sociais, culturais e ideológicos da sociedade/comunidade em que está inserida. Nesse caso, será que essa criança adquiriu os aspectos mencionados nas duas línguas? Assim, de acordo com Cores (1997), a aquisição de uma primeira língua é bastante sensível ao contexto, o que quer dizer que ela progride muito melhor quando a criança já capta, de algum modo, o significado do que está sendo falado ou a situação na qual a fala está ocorrendo. Através de uma apreciação do contexto, a criança parece mais capaz de captar não apenas o léxico, mas também os aspectos apropriados da gramática de uma língua. Pensamos ser semelhante o processo que se dá na aquisição de outra língua, sobretudo nesse caso em que ambas aconteceram ao mesmo tempo. De acordo ainda com Georgina (1997), a construção do indivíduo e da sociedade é dialógica e construída por meio da língua que é social, ou seja, adquirindo uma língua, os indivíduos estão adquirindo várias visões de mundo. Linguagem, para nós, é igualmente a ação entre duas pessoas que negociam, ou interagem. De acordo com Cores (1997), eventos, condutas e procedimentos usuais que constituem tal sistema de suporte à aquisição da linguagem são essenciais para esse processo. Esses eventos são o que chamamos também de “rotinas interacionais” (PEPÉ; SEABRIGO, 1999, p.81) que se configuram em uma sequência de trocas na qual um falante diz algo acompanhado de ações não verbais e requer algumas respostas (limitadas) de um ou mais participantes dessa interação porque: [...] a aquisição da linguagem pela criança requer muito mais assistência das pessoas que delas cuidam, assim como interação com eles [...]. A linguagem é adquirida não no papel de espectador, mas através do uso. [...] A criança não está aprendendo simplesmente o que dizer, mas como, onde, para quem e sob que circunstâncias. (CORES, 1997, p.67).

Procedimento de apropriação indevida

uso inapropriado de aspas (definem) excisão (também) inserção (não só) reorganização (mas também) excisão (também) excisão (sociedade) substituição (assim - dessa forma) truncamento (frase inteira no final do parágrafo)

substituição (progride - se desenvolve)

substituição (pensamos – acredita-se)

excisão (ainda) mudança verbal (adquirindo – ao adquirir) reorganização e mudança de voz (estão adquirindo - que adquirem) truncamento (início da frase)

excisão (são o que chamamos também de “rotinas interacionais” (PETERS; BOGGS, 1999, p.81)

plágio direto da sequência com citação

Texto com apropriações do original Em relação a esse assunto, Georgina (1997) enfatiza como as trocas verbais definem a formação das ideologias e a constituição da subjetividade da criança, que cresce e se desenvolve não só biologicamente, mas também psicologicamente e socialmente em um ambiente ideológico e que, durante o processo de aquisição de linguagem, adquire todos os aspectos sociais, culturais e ideológicos da comunidade em que está inserida. Dessa forma, de acordo com Cores (1997), a aquisição de uma primeira língua é bastante sensível ao contexto, o que quer dizer que ela se desenvolve muito melhor quando a criança já capta, de algum modo, o significado do que está sendo falado ou a situação na qual a fala está ocorrendo. Através de uma apreciação do contexto, a criança parece mais capaz de captar não apenas o léxico, mas também os aspectos apropriados da gramática de uma língua. Acredita-se ser semelhante o processo que se dá na aquisição de outra língua, sobretudo nesse caso em que ambas aconteceram ao mesmo tempo.

De acordo com Georgina (1997), a construção do indivíduo e da sociedade é dialógica e construída por meio da língua que é social, ou seja, ao adquirir uma língua, que os indivíduos adquirem várias visões de mundo. A linguagem é a ação entre duas pessoas que negociam, ou interagem. De acordo com Cores (1997), eventos, condutas e procedimentos usuais que constituem tal sistema de suporte à aquisição da linguagem são essenciais para esse processo. Esses eventos que se configuram em uma sequência de trocas na qual um falante diz algo acompanhado de ações não verbais e requer algumas respostas (limitadas) de um ou mais participantes dessa interação, porque:“[...] a aquisição da linguagem pela criança requer muito mais assistência das pessoas que delas cuidam, assim como interação com eles [...]. A linguagem é adquirida não no papel de espectador, mas através do uso. [...] A criança não está aprendendo simplesmente o que dizer, mas como, onde, para quem e sob que circunstâncias.” (CORES, 1997, p.67).

Nossa intenção não é passar por todos os exemplos, indicando que tipo de apropriação indevida ocorreu, pois acreditamos na capacidade do leitor de entender que existe, no trecho indicado, um percurso de apropriações indevidas que, afiguradas como um estado de coisas, em termos wittgensteinianos, indica uma postura que favorece a massificação de produção científica. Além disso, acreditamos na afirmação de Wittgenstein (2000) de que certas coisas não precisam ser ditas, mas sim mostradas, o que quer dizer que preferimos possibilitar ferramentas para que as Rainhas do nosso mundo acadêmico possam saber quais seriam os possíveis critérios para a definição o que seria uma apropriação indevida, isto é, para que possam enxergar melhor quem são de fato os jardineiros que fazem parte do reino em que elas atuam, dezescrevendo, de certo modo, o seu modo de ser. Como o leitor pode perceber, através deste quadro, é possível perceber pelo menos dois critérios estipulados por Wittgenstein (2000) como necessários para definir o texto de algum trabalho científico como apropriação indevida de elaborações do Outro. Estes dois critérios são: coincidência de forma e coincidência de ideias, pois a contraposição de objetos dos dois estados de coisas (dois trabalhos científicos) transformou-os em fatos que mostram que esses critérios são validos para os seus fins predefinidos. Afirmamos isso porque no quadro é apresentada a coincidência de forma e de ideias entre os dois trabalhos em diversos momentos e de diversas ordens, desde o nível de morfológico, sintático até o nível discursivo e de ideias, visto que no texto posterior ao original são eliminados conceitos e concepções inteiras ou são omitidas sequências inteiras que modificam o discurso proferido inicialmente. A predominância de repetições dos mesmos elementos textuais faz com que o discurso do segundo texto pareça um produto massificado, sem a possibilidade de reconhecermos a individualidade, cujos resquícios utilizados para “esconder” a presença do Outro somente reforçam o fato de que as apropriações indevidas resultam em trabalhos de massa, feitos, obviamente, por uma massa de jardineiros que acabam parecendo a Rainha todos iguais. O trabalho deles, então, é uma mistura de quatro categorias, elaboradas por Roig (2006), pois além de vermos a quantidade de textos copiados, as próprias ideias e o discurso estabelecidos originalmente são distorcidos nas apropriações, para evitar que o Outro apareça de modo mais visível, fazendo com que pudéssemos perceber uma má vontade, tal como a define Wittgenstein (2000), por parte do autor do segundo texto.

Capítulo 5 – a Rainha percebe, pela aparência das roseiras, que os jardineiros que estão tentando se apresentar como diferentes, não passam de um baralho de cartas fabricado Esperamos ter deixado claro para o leitor que este trabalho procurou mostrar de que modo podemos entender produções acadêmicas nas quais aparecem apropriações indevidas de elaborações do Outro, pois definimos os critérios e as categorias e subcategorias que, ao serem exemplificadas, tornam esses critérios válidos e passíveis de serem usados na leitura de qualquer trabalho científico. Portanto, esperamos que o percurso realizado para chegarmos às conclusões apresentadas abaixo também possa servir como um modo para refletirmos sobre a possibilidade de mostrar o que percebemos ou pensamos, em vez de somente dizer ou afirmar, retomando a lógica de Wittgenstein. Acreditamos ser essa uma maneira de chegar a conclusões a respeito de determinado tema, mais rápida e fácil, especialmente quando se trata de temas e momentos em que conclusões baseadas em afirmações aparentemente óbvias podem nos levar a lugares onde não será possível uma discussão acadêmica. Para terminar, constatamos que é possível classificar as apropriações de conhecimento do Outro, uma vez que elas seguem certo padrão de massificação de procedimentos de incorporação e reelaboração deste conhecimento. Essa massificação, porém, ainda depende, seguindo a proposta de Wittgenstein, do estado de coisas definido por ligações existentes de objetos. Essas ligações são feitas pelo sujeito no ato da escrita, formando ligações entre nomes e objetos, que, no nosso caso, são nomes diferentes dados aos mesmos objetos. Quem se apropria do conhecimento do outro e não procura dar outros nomes para constituir outros estados de coisas, acaba transformando a jardinagem artística em uma massificação sem limites.

Bibliografia: WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. São Paulo: Ed. Nova Cultural (Col. Os Pensadores – trad.: José Carlos Bruni), 2000. WITTGENSTEIN, Ludwig (1921). Tractactus Logicus Filosoficus. São Paulo: EDUSP, 2010. ROIG, M. Evitando plágio, auto-plágio e outras práticas de escrita questionáveis. Disponível em : . Acesso em: 09.09.2012 CABE, P. Taxonomia de procedimentos de plágio. Disponível em: . Acesso em: 09.09.2012

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