PROCESSO CONSTRUTIVO DE COMPREENSÃO DA AUTO-MANIFESTAÇÃO DO ESPÍRITO

July 22, 2017 | Autor: Victor Marques | Categoria: Theology
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PROCESSO CONSTRUTIVO DE COMPREENSÃO DA AUTO-MANIFESTAÇÃO DO ESPÍRITO




Fr. Victor Hugo de Oliveira Marques[1]




Resumo: O presente artigo é uma tentativa de se tocar naquilo que se auto-
manifestou do Espírito como possibilidade de compreensão. Para tanto, se
intenta perpassar os caminhos etimológicos, bíblicos e teológicos,
sobretudo o cristológico e o trinitário, como inter-relacionabilidade
pneumatológica, de modo a clarificar a compreensão deste "ente vital" que
não se deixa ser objetivado, segundo as concepções epistemológicas, e que,
no fundo, se comporta, acima de tudo, como horizonte e condição de
possibilidade de qualquer discurso pneumatológico.
Palavras-chave: Pneumatologia, Cristologia,






1. Pressupostos para uma Compreensão de Espírito num âmbito
Pneumatológico

Tratar sobre o Espírito Santo, aqui considerado como "ente vital",
não é uma tarefa fácil. Talvez uma Teologia da Criação, pela flexibilidade
lógica e metafísica de se fixar os primeiros princípios; ou da Revelação,
mediante uma fenomenologia da manifestação religiosa, ou até mesmo uma
Cristologia, embasada em fatos histórico-teológicos e bíblicos, fossem mais
exáticos. Entretanto, a busca da compreensão do Espírito, com pretensão
pneumatológica, tem sua onerabilidade justamente na indeterminação
substancial daquilo que se põe por objetivante.
A preocupação pneumatológica urge como uma necessidade hodierna, uma
vez que, a tendência deísta[2] se expande carecendo, portanto, de uma
autêntica experiência[3] do Espírito (MÜHLEN, 1969, p.5). Esta preocupação,
para o mesmo, é salientada, na medida em que conversamente inaliena
experiência de si com a do Espírito. Para tanto, uma advertência deve ser,
assim, pressuposta. Uma pneumatologia não consegue ter por objetivação o
seu pretenso objeto, já que, aquilo no qual quer se acessar, é, em última
instância horizonte total de compreensão, desta feita, não pode prescindir
qualquer reflexão teológica, muito menos pneumatológica. Não obstante, o
que se tematiza, sobre o Espírito, não é, em última instância, um conjunto
de conceitos. Ao contrário, qualquer afirmação teológica só pode ser feita
quando, na vigência desta compreensão, se vigora o próprio Espírito.
Ele, o Espírito, o é em si problemático, já que, em sua auto-
manifestação não se determinou em nenhuma configuração pré-compreendida
pela percepção humana. Mühler (1969, p.6) afirma: "o Espírito não é um
termo objetivo de relação, pois Ele não se revelou na primeira pessoa (Eu),
como é o caso de Javé". Esta indeterminação manifesta do Espírito quer
assegurar, acima de tudo, o "mistério mais inobjetivável" i. é, toda sua
vigência o é, na medida em que, não se conforma em algo objetivável, caso
comum numa circunvisão cientifica. Sua auto-expressividade é, ao mesmo
tempo, uma vigência que está para além de qualquer circunscrição ou
tentativa de determinação. Daí, segue toda a problematicidade que este
artigo perscrutará: tentar "tocar" na realidade não-objetivável do Espírito
sem ter a pretensão de dizer tudo o que ele de fato se revela.

2. A Problemática Etimológica

No que concerne o estudo pneumatológico, necessário é uma etimologia
da própria terminologia "espírito". Consoante Congar (2005), o termo provêm
do hebraico ח ך (ruha)[4] que é, de maneira geral, traduzido para o grego
como πνευμα[5], que por sua vez o é para o latim como animus; contudo, seu
sentido[6] originário hebraico quer significar sopro, respiração, ar, alma
e vento[7]. Tal termo é utilizado para grafar: a) a força viva no homem ou
também chamado de princípio vital; b) a respiração humana ligada também com
o estar-vivo; c) lugar do conhecimento e dos sentimentos (por isso sua
tradução por vezes como alma); e d) energia vital na qual Deus se move. Com
efeito, mesmo com determinações distintas, há uma convergência entre elas:
a ligação vital. Neste sentido, tem-se sempre na ח ך este aspecto de
condição-necessária-para, de modo que é uma estrutura fundante no estudo
pneumatológico.
Em sua significância "sopro"[8], a ח ך não assume o caráter
antitético ao corpo, como mostra Congar (2005, p.17): "É uma corporeidade
sutil mais do que uma substância não corpórea". Com tal postura, o dualismo
perseguido pelos gregos na concepção metafísica de πνευμα, não pode ser
identificado com a significância da ח ך como sopro, já que ela está
profundamente interligada com o corpo sendo, na verdade, um modo de
manifestação do mesmo. Isto denota a diferença gnosiológica dos gregos para
os judeus. Se o mundo grego em sua circunvisão se fundamenta numa posição
prévia em categorias substanciais, o judeu, por sua vez, se posiciona
circunvisionadamente mediante a categoria de "energia", e esta sempre, de
um modo ou de outro, implicitamente ou explicitamente, se relaciona com o
vital.
Todavia, a semântica léxica da palavra ח ך não possui uma condição
suficiente para expressar toda a manifestação que esta revela. Na
hermenêutica de Kittel-Friedrich apud Congar (2005), o estudo etimológico
não é suficiente uma vez que toda terminologia possui uma circunvisão bem
como uma intencionalidade fenomenológica que não pode ser desprezada. O
fato de possuir sentidos diversos, como o "sopro de Deus", a energia vital,
ou até mesmo sinônimo de vida, revela sua abertura para um mundo já dado
que não se pode escapar. Para o estudo bíblico, portanto, necessário é
fixar-se no sentido mais originário de modo que este se comporte como
estrutura básica que emita uma abertura para a realidade com que se quer
ocupar. Esta abertura seria, de fato, a significância "sopro-espírito" ou
aquilo que a tradição qualificou como puro e simplesmente: "Espírito", na
medida em que esta é concebida como manifestação do transcendente na
história.
O Salmo 51 apresenta um elemento dentro da mundanidade da ח ך que
contribui na determinação desta terminologia da qual quer-se significar: o
"santo". O Santo do Espírito, aberto em sua própria realidade
epistemológica mundalizante, possui sua existência na medida mesma que Deus
se faz Santo. Em linguagem agostiniana, todos os atributos de Deus, de uma
forma ou outra se convergem ao seu próprio ser. O Espírito é santo, uma vez
que, sendo uma manifestação vital do transcendente, tem a tendência natural
intrínseca de assumir suas categorias originárias: "Ele [o Espírito] é
santo porque é de Deus, porque sua realidade pertence à esfera da
existência de Deus" (CONGAR, 2005, p.19). A santidade no Antigo Testamento
se refere mais a uma conduta ética do que uma propriedade ontológica, uma
vez que santidade se relaciona em sua significância à observação da Tora.
A efetividade da ח ך se mostra a partir dos testemunhos de sua
manifestação sob uma realidade externa. Neste sentido, não somente a
cultura semítica é reveladora, mas um verdadeiro paralelismo é por vez dado
em realidades distintas. O modo de se dar da própria manifestação da ח ך,
em sua originalidade, está dado no modo de afetação intrínseca de entes
humanos capazes de perceber e ser percebido como tal. Vai afirmar Congar
(2005, p.21): "Não há influência de Deus sobre o homem que não coloque em
cena o próprio homem até mesmo em suas disposições psicossomáticas". Quanto
aos semitas, este "Espírito" é sempre manifestação-expressão da divindade
desde já na criação, passando pelos Juízes e profetas, se auto-conhecendo
nos Escritos Sapienciais e se plenificando em Jesus Cristo. A passagem-
manifestação deste Espírito no semitismo possuem alguns destaques que
Congar (2005) atenua. Segundo Justino de Roma, apud o mesmo comentador, o
Espírito é aquele ente que se auto-expressou pelos profetas. Daí a
importância do fenômeno profético como auto-compreensão pneumatológica. A
Palavra Profética, encontrada testificada entre os séculos IX-VIII a.C., ou
na historiografia deuteronomista e junto ao judaísmo pós-exílico reflete,
muito bem a força expressiva que, tal entidade, assim atribuída, se
apresentou. Destaca Congar (2005) três personagens que melhor expressaram
esta efetividade operativa daquilo que se denominaram por Espírito: Isaias,
Ezequiel e Joel.
Haja vista que, é nos escritos ditos sapienciais que o modo de se dar
do Espírito possui uma peculiaridade, já que, existe uma convergência
semântica entre aquilo pelo que se determinou por Sabedoria e a noção auto-
manifestante de Espírito. Por Sabedoria, os escritos sapienciais denotam
uma entidade personificada ou não com gênesis em Deus. Ela em seu modo de
operar representa a ação divina em seu querer o bem. Por outro lado,
Espírito possui uma semântica análoga aos estóicos[9], que lhe tributavam
um modo de ser cuja expressão se alojava mantenêcia do próprio ser. Ou
seja, o ser, enquanto existência cósmica, era mantido pela vigência do
Espírito. Desta feita, pode-se semiologicamente, pelo menos, fazer uma
identificação entre a Sapiencialidade e a Espiritualidade de modo que a
mesma Sabedoria que impeliu os escritos exílicos e pós-exílicos, se
identifica com as manifestações testificadas da força vital determinada por
Espírito. É importante ressaltar que a analogia entre Sabedoria e Espírito
só pode ser validamente aceita em sentido semiológico, coisa que Congar
(2005, p.27) não distingue, atribuindo, de fato, uma identificação
ontológica.
O texto que hoje forma o Livro da Sabedoria representa uma analogia
com o λόγος estóico, na qual introduz o conceito de personificação ou mesmo
antropomorfização[10]. Esta personificação, para Congar (2005) constitui um
dos modos de ser da própria expressão do divino, uma vez que, a concepção
monoteísta judaica subsumia em Deus aquilo que se qualificava como seus
modos de ser e auto-compreender. Com isto, a noção de Espírito, como
"pessoa divina" vai se clarificando no modo de auto-compreensão
fenomenológica da religião, como vai afirmar Erik Sjoberg apud Congar
(2005, p.29): "A autonomia progressiva da noção de espírito no judaísmo é
um fenômeno espantoso. Muito frequentemente, na literatura rabínica, fala-
se do Espírito como de uma pessoa. (...) Com freqüência, se pensou que ele
aparecia no judaísmo como uma hipóstase, até mesmo como um ser pessoal
parecido com um anjo (...)". Esta talvez seja a grande contribuição
semítica para aquilo que mais tarde se auto-compreenderá pela Terceira
Pessoa da Trindade, como modo de compreender o Espírito a partir do Evento
Jesus.

3. A realidade do Espírito no Segundo Testamento

O Segundo Testamento é marcado por dois eventos, mediante Comblin
(1987, p.17): Jesus e o Espírito. Ambos não podem ser fundamentos isolados
para aquilo que hoje se compreendeu por Movimento Cristão. Sem o evento
Jesus, não existiria movimento-seguidores, do qual ter-se-ia a experiência
posterior deste Espírito; e sem o evento Espírito, Jesus não teria nada
para deixar, muito menos, seus seguidores prolongariam aquilo que ele
iniciou. Isto é, existe um círculo hermenêutico que é condição de
possibilidade para o movimento cristão. Acentuar um dos aspectos, como
fizeram as teologias tanto do ocidente (Páscoa) como do oriente
(Pentecostes), é não perceber a vigência plena do evento. Neste
sentido é que, Comblin (1987) quer resgatar para a teologia ocidental a
outra circularidade que, de um modo ou de outro, ficou ofuscada pela
vigência parcial do ressuscitado. Daí, a importância de fazer aparecer em
si mesmo, na teologia, a pneumatologia como contributo fundante para a fé.
Para dar cabo a tal propósito, necessário é fazer perceber como se
manifestou e em que modo se manifestou a auto-compreensão deste Espírito no
Segundo Testamento. Começando pelas comunidades paulinas. Ainda neste
comentador, tais comunidades eram aquelas que se circunscriviam-se na
experiência do Espírito, sendo este também, mantido como fundamento
inalienável na tematização doutrinal. Entretanto, aquilo que era posto como
fundamento, não se determinava como algo abstrato, como se pudesse fazer
uma distinção em termos duais, pelo contrário, o que Paulo, em suas
comunidades, buscava era subjazer toda sua expressão de fé na auto-
experiência comunitária do Espírito: "Aqui o Espírito é tão visível, tão
perceptível como os milagres" (COMBILN, 1987, p.18). A comunidade lucana,
apresentada pelo mesmo comentador, busca em seus escritos fazer uma grande
síntese daquilo que foi a auto-compreensão do seguimento de Jesus
semanticamente como Mestre e a auto-compreensão das comunidades paulinas.
Do ponto de vista soteriológico, os textos lucanos evocam duas etapas que
se interligam pela manifestação do Espírito: "uma primeira vez sobre Maria
para realizar a encarnação e preparar o nascimento de Jesus, uma segunda
vez sobre a comunidade dos discípulos em Jerusalém para preparar o
nascismento da Igreja" (COMBLIN, 1987, p.20). Assim, o modo se dar do
Espírito mediante a exegese da comunidade lucana é de fundamentar o ser-
todo[11].
Em uma outra abordagem, Lina Boff (1996) faz um Balanço do modo da
operatividade do espírito em sua manifestação nos textos lucanos. Segundo
ela, o ponto de partida de toda auto-manifestação é a "experiência do
Espírito em Jesus de Nazaré e sua prática" (BOFF, 1996, p.61). Toda
tematização teológica lucana de uma manifestação do Espírito se faz na auto-
compreensão veterotestamentária de interpretação histórica. Neste sentido,
Lucas seria uma espécie de historiógrafo que se utiliza como fio condutor o
conhecimento veterotestamentário, já que, sua tematização teológica está de
acordo com uma soteriologia, o que, de fato, determina o modo da
operatividade do espírito. Existe, assim, uma relação funcional entre Jesus
e o Espírito na qual está determinado a salvação, mas não somente, pois,
quando Jesus se auto-exprime o "homem do espírito de Deus", só o diz
mediante uma investidura existencial vigente deste Espírito. Outro ponto
ressaltado por Boff (1996) pode ser revelado nos seguidores de Jesus, mesmo
que estes só o manifestou pós Pentecostes. Entretanto, a centralidade
temática da pneumatologia do Segundo Testamento é a primazia fundante do
Espírito, enquanto "principio dinâmico de operação" (BOFF, 1996, p.63). O
envio tanto dos doze quanto dos setenta dois possui uma fundante certeza da
presença do Espírito. Aqui, ela, quer fazer uma ligação inalienável entre o
Espírito e a missão messiânica de Jesus.
Já a comunidade joanina se auto-afirma como "espiritual" (COMBLIN,
1987, p.21). Ou seja, conseguiu se abster, de modo pleno, das determinações
judaicas, a saber, o rigor da Lei. Neste sentido, o Espírito é o modo de
manifestar-se da própria comunidade, já que dele tem origem. Esta efusão
vigente do espírito na comunidade proporcionou um perigo do abandono do
evento Cristo que resultou em textos que reforçassem a humanidade de Jesus
como nas cartas joaninas.
Qual seria, então, as determinações que diferenciariam a manifestação
deste Espírito dos quatro evangelhos. Boff (1996, p.65) faz esta disteincao
de modo sintético: a) em Lucas, o Espírito se dá na medida que é percebido
como sentido de vida nova manifestado no "vivente, i. é, no Ressuscitado;
b) para Mateus, o Espírito é expressão dos sinais concretos, históricos,
principalmente nas ações femininas; c) Já para Marcos, existe uma intima
relação antroplogica, na medida que o Espírito se faz nas relações humanas;
d) e por fim, João auto-compreende o Espírito como dom da fé e de amor que
se antecipa no Ressuscitado.

4. A Querela entre o Espírito e a Autoridade nas realidades fundantes do
Cristianismo

Se o Espírito, essa realidade vital, é determinado e determinante
para o movimento cristão, não seria diferente ou contraditório que a Igreja
em suas origens se auto-reconhecessem e expressassem mediante tal
realidade. Para Congar (2005) as comunidades cristãs, ditas primitivas,
possuíam como circuvisão fundante a experiência carismática. Dentre os
vários modos de se dar, o da profecia possuía um destaque, como pode ser
observado na Didaqué. A partir da tematização da autoridade na pessoa do
bispo, percebe-se um declínio da manifestação profética. Está, portanto,
instaurado a querela entre o Espírito e a Autoridade. Esta se expressou
mediante algumas contendas, como a dos montanistas.
O fato Montano e seu movimento engendrou uma rejeição ao profetismo.
Tertuliano, em sua fase montanista, faz reconhecer a existência de duas
Igrejas: "Igreja-Espírito e a Igreja-coleção-de-bispos" (CONGAR, 2005,
p.96). Numa tentativa de combate aos montanistas, um grupo (Álogos)
resolveram suprimir o evangelho de Joao, na tentativa de não espiritualizar
a Igreja. Contudo, Irineu, busca a síntese desta querela, reafirmando tanto
os textos evangélicos de João quanto o espírito profético: "aí onde está o
Espírito, há Igreja; mas também: aí onde está a Igreja, aí está o Espírito"
(CONGAR, 2005, p.97).

5. A Intrínseca Relação Cristologia-Pneumatologia

É condição sine qua non em uma temática pneumatológica a conexão
cristológica. Entretanto, não se pode dizer que o Espírito é o mediador
entre nós e Cristo, assim, como ele é do Pai, mas para o Espírito possui
sua realidade expresso-manifestativa em si mesmo (MÜHLEN, 1969, p.6). Isto
quer dizer que, por mais que exista uma relação intrínseca entre Cristo e
Espírito, este último não é o primeiro, pois o próprio modo de se viver
experimentalmente o Espírito é ontologicamente diferente da de Jesus, o
ente concreto. É, portanto, o Espírito de Jesus "o princípio formal e o
horizonte constitutivo de toda a Teologia e, consequentemente também da
Cristologia" (MÜHLEN, 1969, p.7).
Nesta relação, se percebe mediante os textos dos sinóticos uma
cristologia do Espírito, enquanto que Paulo e João manifestam uma
penumatologia cristológica. (MOLTMANN, 1998, p.65). Todavia, há de se
questionar, de que modo se determina as relação entre o Cristo do Espírito
e o Espírito de Cristo? O encaminhamento da questão para Moltmann (1998,
p.65) deve ser assim encaminhada:

Enquanto a do Jesus histórico entendia
esta relação do ponto de vista cronológico e falava de uma
transição cronológica do Jesus do passado para o atual
Cristo da fé, a do Jesus histórico
inverte este sentido temporal: O Cristo da fé identifica-
se com o Jesus histórico? (...) Com esta inversão da
pergunta, o Jesus histórico já não é mais apresentado como
pressuposto cronológico do Cristo que é anunciado, nem
como forma prévia do Cristo ressuscitado, mas sim como ele
próprio: O salvador que é anunciado aos povos é, Jesus, o
Messias de Israel, cheio do Espírito de Deus. Desta
maneira surge uma relação objetiva de interpretação
recíproca entre o Cristo do Espírito e o Espírito de
Cristo

Esta circularidade inscrita, seja com prerrogativa cristológica dos
sinóticos, seja pneumatológica de Paulo e João tem sido esquecida pela
Igreja ocidental. Sob o primeiro aspecto – o Cristo do Espírito – Moltmann
(1998), a reconhece como expressa vigência da espiritualidade de Jesus.
Partindo, dos testemunhos a respeito de Jesus de Nazaré, a regência do
espírito já é manifesta mesmo com a presença de João batista. O batizar-se
mediado por João, revelou a singular experiência de Jesus no o Espírito, o
que acarretou sua vocação e missão. É no Espírito também que Jesus, assume
sua condição filial. Se tal presença é substancial na vida de Jesus, como
seria o viver e o morrer de Jesus, tendo como olhar o Espírito? A esta
pergunta, pouco questionada, Moltmann (1998, p.68) assim responde: "Se o
Espírito Jesus, então ele também o acompanha. Se o acompanha,
ele também se envolve no sofrimento, e passa a ser companheiro de
sofrimento de Jesus". O Espírito seria, em última instancia, este lado
transcendente do imanente sofrimento de Jesus, a medida que sua kénosis se
aproxima. Neste sentido, o Espírito, por sua adesão intrínseca a Cristo, é
reconhecido também como o Espírito da Paixão e o Espírito do Crucificado.
Por outro lado, na tônica pneumatológica – o Espírito de Cristo –
acontece aí a espiritualidade da comunidade. Se no Cristo do Espírito, a
predominância da Paixão se circunscreve como experiência fundante, agora no
Espírito de Cristo, a prerrogativa está para a ressurreição. É a partir
desta que não se tema mais O Cristo do Espírito, presente, e sim, o
Espírito de Cristo, como vigência fundadora das comunidades. O Espírito,
não é só aquele que conduz a kénosis de Cristo, mas é aquele também que faz
o processo libertador da morte. Este é o sentido pascal do Espírito, uma
presença de Amor que no modo da ocupação se dá pelo "poder salvífico de
Cristo, como dom da vida nova e eterna" (MOLTMANN, 1998, p.75). Este, é em
si, uma compreensão daquilo que se pode circunscrever como Pneutologia
Crucis.
6. O Caráter Trinitário do Espírito

Inscrita a circularidade ontológica entre Cristo e o Espírito, em
suas tônicas tanto cristológicas quanto pneumatologicas, necessário se faz
perceber que esta não se exclusivisa num egocentrismo. Ao contrário, esta
circularidade só se dá quando sua procedência está bem definida, e esta não
pode se prescindir da experiência do Pai. A questão do Filioque, na
profissão de fé niceno-constantinopolitana, re-enxertou o Espírito na
mundanidade da Trindade, sob uma ótica ontológica, entretanto, Moltmann
(1998), acredita que, somente no seio da comunidade se dá a condição real
trinitária da pneumatologia.
Este caráter trinitário do Espírito não só é algo extrínseco a si
mesmo e sua operatividade, mas possui em si uma propriedade de essencial.
Ainda sob a condução de Moltmann (1998), seria errôneo tentar dizer aquilo
que seria a essência do Espírito, em conformidade com a inobjetabilidade do
Espírito de Mühlen (1969). Entretanto, a tentativa de se tocar nos
elementos essenciais do Espírito, assim como toda a divindade, não deve ser
feita, mediante sua operatividade, pelo contrario, esta deve, por uma
questão coerência teológica, verter para as relações intratrinitárias: "Na
sua subjetividade trinitária é lançada uma luz sobre sua subjetividade,
porque é através disto que ela é constituída. Em sua interpersonalidade
trinitária ele é pessoa, na medida em que como pessoa se contrapõe às
outras pessoas e como pessoa age sobre as outras pessoas" (MOLTMANN, 1998,
p.269).
Neste sentido, o modo de se tentar determinar aquilo que é essencial
ao Espírito, deve ser por fio condutor aquilo que ele mesmo revela, isto é,
não tanto a sua ação em si, mas sua circularidade trinitária. Com tal
determinação fica, pelo menos de um modo, expresso aquilo que faz com que o
Espírito se auto-identifique, i é, sua intratrinitariedade como
subjetivação objetivante de sua pessoa em dialética com as demais. Na
relação pessoal, o Espírito se dá circusncrito indeterminadamente, em
sentido restrito de não objetivação, mas não como solubilidade pessoal, mas
como a indeterminada determinação subjetiva na Trindade.

7. Considerações Finais

A pretensão deste artigo não foi, em nenhum momento, explicitar em
seu ser, a essência do Espírito, como prerrogativa objetivante
pneumatológica; ao contrário, a tentativa foi, em seu ser, fazer ver sua
compreensão. O que necessariamente se deu foi, por primeiro, a percepção da
horizontalidade deste como base de compreensão para a própria teologia
pneumatológica. No tocante este horizonte inobjetivável, não está a
impossibilidade das possibilidades de se circunscrever o ente Espírito, mas
apenas revela seu caráter transcendente mediante toda tentativa de
tematização sistemática. Tudo o que se pode dizer, é sempre notável, ter
presente sempre e a constante transcendência deste nosso objeto, que o é,
na medida mesma que se faz a condição de possibilidade.
Não se pode, também, prescindir dos caracteres etimológicos que se
circunscreve toda a mundanidade do Espírito. A volatibilidade deste bem
como sua dinâmica ontológica, revela, em sua própria semântica, tal
caráter. Uma vez que, a compreensão deste ente espiritual foi
progressivamente dando a se conhecer, mediante elementos ainda ônticos, não
é alienígena considerar fases antropomórficas ou fases um tanto quanto
abstratas, ou até mesmo hipostáticas, mas é necessário compreender que,
para a compreensão, o Espírito foi se dando em modalidades que esta mesma
poderia aperceber. O que fica registrado é, não tanto estes acidentes da
contrucao cultural, mas sua possibilidade vital. Esta é, com certeza, o
traço característico, não só sob uma ambitualidade semântica, mas também
ontológica.
O aspecto bíblico é profundamente iluminador na determinação desta
entidade da qual se quer compreender. Os textos que testemunham sua
presença tanto no primeiro, quanto ao segundo Testamento, revelam sua
íntima proximidade divina. Enquanto ente vital, está vinculado diretamente
à ação de Deus na história. Contudo, sua ação não fica assim tão clara, mas
fagulhas já são percebidas a medida que este mesmo se deixa se encontrar.
Somente na plenitude da mundanidade é que, de fato, se pode ter como
consciência esta ação operante de tal ente. Seu grande promulgador é, sem
sombras de dúvida, a pessoa de Cristo. Nele, o Espírito, se faz ente, antes
mesmo de sua vinda.
O dado Cristologico não pode se dar sem o peneumatologico e vice e
versa. Esta circularidde cria possibilidades hermenêuticas que são
expressas tanto nos sinóticos (Cristologia pneumatológica) quanto nos
escritos paulinos e joaninos (Pneumatologia Cristológica). Mesmo assim, a
intrinsecabilidade de ambos é algo fundamental para a compreensão do
Espírito. É no dado cristológico que se acende a luz pneumatológica e é na
experiência pneumatológica que se exprime e concretiza o dado cristológico.
Esta relação não pode ser vista como exclusivista ou circulo vicioso, mas
deve ser compreendida se tem como abertura e fim o amor gratuito do Pai.
Esta abertura do Pai como horizonte que está inscrito tal circularidade,
emana o aspecto trinitário da pneumatologia. Tendo como horizonte o amor do
Pai, é possível pensar tanto Cristo como o Espírito. Esta relação pessoal,
com papeis definidos, não contrata com a indeterminação do Espírito. Este,
em nenhum momento está solubilizado na Trindade, mas é a condição de
Possibilidade e o fim da própria ação divina. No Espírito e pelo Espírito
Deus Pai envia teu Filho.
Assim, tem-se de modo sintético aspectos para uma compreensão deste
Ente Vital, que na construção histórica foi se configurando e se auto-
revelando até a conformidade de Terceira Pessoa da Trindade. Contudo,
dizendo isto, não se diz tudo, mas apenas se diz, aquilo que a compreensão
pode, ao longo das manifestações daquele, se formular enquanto determinação
do Espírito.


Referências Bibliográficas

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
BAUER, Johannes. Dicionário de teologia bíblica. São Paulo: Loyola, 1973.
V.1.
BOFF, Lina. Espírito e Missão na obra de Lucas-Atos: para uma teologia do
Espírito. São Paulo: Paulinas, 1996.
CONBLIN, José. O Espírito Santo e a Libertação. Petrópolis: Vozes, 1987.
CONGAR, Yves. Revelação e experiência do Espírito. Trad. Euclides Martins
Balacin. São Paulo: Paulinas, 2005 (Coleção creio no Espírito Santo).
DE FIORES, Stefano e GOFFI, Tullo (Org). Dicionário de Espiritualidade. São
Paulo: Paulinas, 1989.
MARQUES, Victor Hugo de Oliveira. Cristianismo e Filosofia nos Três
Primeiros Séculos da Era Cristã: Análise Dialético-Histórica. Pará de
Minas: Virtual Books, 2008.
MOLTMANN, Jürgen. O espírito da vida: uma pneumatologia integral.
Petrópolis: Vozes, 1998.
MÜHLEN, Heribert. O evento Cristo como obra do Espírito Santo. In: Mysterim
Salutis III/8. Petrópolis: Vozes, 1969.
-----------------------
[1] Sobre o autor: Victor Hugo de Oliveira Marques é frade capuchinho,
licenciado em Filosofia pela UCDB/MS; autor da obra Cristianismo e
Filosofia nos três primeiros séculos da era cristã: análise dialético-
histórica, pela Virtual Books; e membro do Grupo de Estudos de Filosofia da
UCDB (GEFIL: http:// www.filosofianet.org).
[2] Deísmo é a doutrina de uma religião natural ou racional não fundada na
revelação histórica, mas na manifestação natural da divindade à razão do
homem. (ABBAGNANO, 1998)
[3] "A palavra experiência tem sentido genérico quando é considerada como a
vida humana com os ensinamentos que seu exercício supõe. Mas concretamente,
ela pode ser definida como um conhecer por dentro, partindo da própria
relação com as coisas. Todos nós temos algumas experiências estéticas,
políticas, sociais, desportivas, religiosas etc. observando esta realidade
vital, que nos atinge, chegamos a intuir, a vislumbrar, o que a experiência
pode encoerrar em si. Deste modo, vemos que a experiência não é algo
puramente subjetivo, nascido da própria fantasia ou imaginação, embora
estas dificilmente deixem de ser um dos componentes de criatividade na
experiência. Mas, em principio, experiência não surge quando mão há um
objeto que se apresente à sensibilidade em seu campo respectivo (o da arte,
o do esporte, da política, da religião etc.) com uma carga de atração
suficiente, capaz de pôr em movimento os mecanismos da pessoa diante da
qual se apresenta. A experiência não é dedução intelectual. É algo vital
que se sofre na própria carne; do contrário, não é experiência. Não é a
mesma coisa deduzir o que é o banho pelo fato de haver estudado em
pormenores, e até, se quisermos com requinte, o que tem que acontecer
quando um corpo em determinado grau de temperatura, num ambiente de calor,
se encontra com a água em certo grau de temperatura, e saber o que é
experiência por que passa a pessoa que tomou banho de mar em dia de calor.
A experiência é a consciência vital que prende a pessoa e, conforme a
intensidade, mas sempre de alguma maneira, a motiva e a põe em
funcionamento, mediante a fuga, o desejo, a aproximação, o engano ou a
posse..." (DE FIORES e GOFFI, 1989, pp.389).
[4] Verbo somente no hifil, que significa "cheirar", donde o substantivo
reah = odor, cheiro. No árabe a DEGIMlmnorxy a q ž ²
Ç È Ò ח ך, rih, significa vento e ruh significa espírito, ambos
provenientes de râhâ, que significa soprar. (BAUER, 1973, p.365)
[5] Pneuma no seu sentido original de "vento"só aparece ainda em Jo 3,8 e
Hb 1,7. (BAUER, 1973, p.374).
[6] As palavras Sentido e significado, aqui, não se identificam. Se
utilizando da conceituação de Frege, se entende por significado a relação
entre um conceito, um nome ou uma essência à coisa ou objeto. E para
Sentido o modo como este objeto vem ao encontro nosso. (ABBAGNANO, 1988,
p.106, v.4).
[7] Nos textos mais antigos ruah significa a corrente de ar que se
manifesta no soprar do vento, que pode ser ora a suave brisa (Gn 3,8 fonte
J; 2 Rs 19,11; Jó 4,15; 41,8; Is 57,13), ora o vento (Gn 8,1, fonte P; Nm
11,31; 2 Sm 22,11; 2 Rs 3,17; Ez 17,10; 19,12; Os 8,7; Am 4,13; Hb 1,11; Zc
5,9: Jó 28,25; 41,5; Sl 1,4; 83,14; 103,16; 104,3s), ora tempestade (Ex
10,13; 14,21; 1 Rs 18,45; 19,11; Is 32,2; 41,16; Jr 4,11; 13,24; 18,17;
22,22; 49,36; Ez 1,4; 13,11; Os 4,19; Jn 1,4; Jó 1,19; 21,18; Sl 11,6;
18,11; 35,5; 55,9; 107,25;135,7) (BAUER, 1973, p.365).
[8] Considerado como vento na natureza, ruah no homem e no animal é
"respiração"ou "hálito". Este sentido já se encontra nos textos mais
antigos (Gn 45,27; Jz 15,19). Na grandiosa visão dos ossos mortos, o ruah
recebe ordem de soprar das quatro direções do vento e assoprar sobre os
ossos para que fiquem vivos (Ez 37,9) O ruah é uma força vivificante.
Enquanto o homem inspira e espira, vive; "dum spiro, spero!" Por isso a
respiração se torna sede e portadora de vida. (BAUER, 1973, p.367)
[9] A cosmologia estóica possuía dois princípios: O λόγος heraclitiano e os
quatro elementos (água, terra, fogo, vento) de Empédocles, que constituem o
κόσμος. O λόγος, por sua vez, é determinado por sopro vital que preside a
organização de toda a realidade. (MARQUES, 2008, p.24).
[10] Conforme o que ficou dito, o Espírito do Senhor através do Primeiro
Testamento não é ainda concebido como uma pessoa, mas como uma força
simplesmente, como realidade física, uma espécie de matéria muito subtil,
onde o sentido original de ruah está sempre mais ou menos presente. (BAUER,
1973, p.373).
[11] Expressão heideggeriana que quer dizer: todos os momentos
constitutivos de um movimento.
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