PROCESSO CRIATIVO DO LIVRO: Os Mongos Estão Levando as Nossas Coisas

June 5, 2017 | Autor: Pedro Balduino | Categoria: Literature, Literatura Infantil, Processos Criativos, Crítica Genética, Ilustração
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE  CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES  DEPARTAMENTO DE ARTES  CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS          PEDRO BALDUINO DE FREITAS AUSQUIA              PROCESSO CRIATIVO DO LIVRO: Os Mongos Estão Levando as Nossas Coisas                  NATAL  2015 

 

     2  PEDRO BALDUINO DE FREITAS AUSQUIA    PROCESSO CRIATIVO DO LIVRO: Os Mongos Estão Levando as Nossas Coisas                    Trabalho  de  Conclusão  de  Curso  apresentado  ao  curso  de  Artes  Visuais  da  Universidade Federal  do  Rio  Grande  do  Norte,  como  requisito  para  a  obtenção  do  título  de  Licenciado em Artes Visuais    Orientador: Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho                NATAL  2015 

     3  PEDRO BALDUINO DE FREITAS AUSQUIA        PROCESSO CRIATIVO DO LIVRO: Os Mongos Estão Levando as Nossas Coisas      Monografia  aprovada em  ­­­­/­­­­/­­­­,  para obtenção do título de Licenciado em Artes  Visuais.    Banca Examinadora:    ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­  Prof. Dr. Vicente Vitoriano Marques Carvalho  (Orientador)    ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­  Prof. Dr. Rogério Júnior Correia Tavares  (Examinador)    ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­  Prof. Dr. Rubén Figaredo Fernandez  (Examinador)       

     4  DEDICATÓRIA    Dedico  este  esforço   primeiramente  à  minha  mãe,  Silvana  Balduino,  detentora  de  todos  os  gestos, ações  e  amor que  me mantêm  de  pé  para  continuar seguindo.  Ao  meu  irmão, Daniel  Balduino, que  é  o  meu  principal leitor,  melhor amigo  e comparsa  de planos  literários  maquiavélicos.  A minha  tia, Simone  Alves, que  tanto  insistiu em  me  apoiar.  A minha  vó, Santina  Balduino, por estar  sempre ao meu lado  pra  tudo e  me ensinar a importância da família. A Patrícia Gomes por dar o pontapé inicial e me  fazer  acreditar  que   daria  certo.  A  Cynara,  que   esteve  do  meu  lado  durante  tantos  anos  e  que  me   fez aprender tanto,  sem  nunca perder  a paciência  comigo,  mesmo  quando era muito necessário.                               

     5  AGRADECIMENTOS    Agradeço  ao  meu  irmão,  Daniel  Balduino,  por  ter participado  do início  de  todo  este  processo e se divertido  comigo o tempo  inteiro.  A toda  minha família, em especial à  minha mãe,  Silvana Balduino,  por  qualquer tipo de apoio físico, material, espiritual e  sentimental  que   me  garantiram.  Aos  amigos  e  conhecidos  que  desejaram  tudo  de  melhor  para  este  projeto.  Aos  professores,  em  especial  ao  grande  mestre  Vicente  Vitoriano  pela  orientação  e  por  ser  fonte de inspiração artística. Agradeço também a  grande  contribuição  proporcionada  pelos  artistas  Neil Gaiman e Dave  Mckean,  que  além  de  servirem  de  referência  para  todo  meu  fazer  artístico,  estavam  sempre  solícitos  aos  insistentes  contatos  virtuais  que  eu  tentava  estabelecer.  Finalmente,  agradeço aos  futuros  leitores  do livro  ​ Os Mongos  Estão Levando as Nossas Coisas,  e aos mongos por não terem levado embora este trabalho.                               

     6                              Façam  boa  arte.  Eu  estou  falando  sério.  O  marido  fugiu  com  um  político?  Faça  boa  arte.  Perna  esmagada   e  depois  devorada  por  uma  jibóia  mutante?  Faça  boa  arte.  Imposto   de  Renda  te  rastreando?  Faça  boa  Arte.  O  gato   explodiu?  Faça  boa  arte.  Alguém  na  internet   pensa  que  o   que  você  faz  é  estúpido  ou  mau  ou  já  foi  feito  antes?  Faça  boa  arte.  Provavelmente  as  coisas  se  resolverão  de  algum  modo,  e  eventualmente  o  tempo levará a  dor  mais  aguda,  mas  isso  não  importa.  Faça  apenas  o  que  você  faz  de  melhor.  Faça  boa  arte. Faça­a nos dias bons também ​ (GAIMAN, 2013, p. 42­43). 

                       

     7  RESUMO    Este  trabalho  traz   a  descrição  e  a  análise  do  processo  de  criação  do  livro  infantil  ilustrado  ​ Os  Mongos  Estão  Levando  as  Nossas  Coisas​ .  Relato  a  experiência  de  construir um livro ilustrado cujo processo de trabalho envolve uma preocupação com  a  relação  entre  texto  verbal  e  ilustração  na  obra.  Analiso  o  percurso  do  projeto  desde  sua  gênese  objetivando  desenvolver  um  processo  criativo  que  trabalha  os  elementos  visuais  presentes  nas  páginas  do  livro  em  correlação  de  funções,  aproveitando   para  isto  concepções  de  autores  como  Scott  McCloud,  que  faz  uma  análise sobre a linguagem da “arte sequencial”, Will Eisner, a quem cabem reflexões  acerca  do processo de trabalho  na  construção  dos quadrinhos e outros autores que  refletem  sobre  conceitos  específicos  da  literatura   ilustrada,  textos  intermidiáticos  e  processos criativos.    Palavras­Chave: ​ Processo Criativo, Crítica Genética, Literatura Ilustrada.                                   

     8  Sumário    1. iNTRODUÇÃO

09 

  2. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES E REFERENCIAL TEÓRICO

11 

2.1. DIFERENÇAS DE CONCEITOS E FUNÇÕES ENTRE TEXTO  E ILUSTRAÇÃO NO LIVRO ILUSTRADO

11 

2.2. CONTEXTO HISTÓRICO E ESTÉTICO DA RELAÇÃO TEXTO­  ILUSTRAÇÃO E DA ARTE SEQUENCIAL

13 

2.3. UM PARALELO ENTRE A RELAÇÃO TEXTO­ILUSTRAÇÃO   E A RELAÇÃO ESCRITOR­ILUSTRADOR

19 

  3. ​ A GÊNESE DE UM LIVRO ILUSTRADO

23 

3.1. O DESENVOLVIMENTO DO ENREDO

23 

3.2. O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA IMAGEM COMO UM   PROCESSO DE ESCRITA

24 

  4. ​ . CONCEPÇÃO GERAL

30 

4.1. CENÁRIOS, PERSONAGENS E A UTILIZAÇÃO DO ARQUIVO   MORTO

30 

4.2. TÉCNICAS EMPREGADAS

33 

  5. DIFERENTES TIPOS DE TEXTO E UMA PROPOSTA   METALINGUISTICA

38 

  6. CONCLUSÃO

43 

  7. BIBLIOGRAFIA

45 

       

     9  1. INTRODUÇÃO    Este  é um  trabalho  teórico­prático, no campo das artes visuais, que teve como  objetivo  a  produção  de  um livro  infantojuvenil ilustrado  e a subsequente  análise  do  processo  de  criação  do  livro  e  da  relação  entre  texto  verbal  e  ilustração  na   obra  com  a  intenção de compreender o comportamento interdependente entre elementos  textuais  verbais  e  elementos  pictóricos  ilustrativos  presentes  na  obra.  O  livro  intitula­se  ​ Os  Mongos  Estão  Levando  As  Nossas  Coisas  e  conta  a  história  de  um  protagonista que se muda para uma casa onde objetos começam a desaparecer.   Analisando  a  relação  entre  texto  verbal  e  ilustração  presentes  na  obra,  busca­se responder  questões como: quais as diferenças conceituais principais entre  imagens  pictóricas  e  texto verbal?  Como se comporta, historicamente,  esta relação  na literatura  ilustrada?  Existe uma relação de hierarquia entre as funções de escritor  e ilustrador que influa nta relação entre texto e imagem dentro da obra literária?  O  trabalho  abordará  também  questões  subjacentes  à  produção  de  uma  obra  de literatura  ilustrada como o desenvolvimento do  processo  de  trabalho do autor da  obra,  conceitos  referentes  aos meios artísticos utilizados e aplicabilidade didática do  livro infantil ilustrado.  O  trabalho  se  justifica   por  apresentar  o  livro  ilustrado  como  um  produto  de  mais  de  uma  área  de  conhecimento,  e  tenta  minimizar   a  relação  hierárquica  que  estabelece  o  escritor como autor original da obra e o ilustrador como um profissional  dispensável   enquanto  criador.  Para  isto,  o  processo  de  construção  do  livro  busca  elaborar  um  equilíbrio  entre  os  elementos  visuais  contidos  na  obra  (texto  e  ilustração).  Em  entrevista,  o  escritor  Odilon  Moraes  (2008,  p.  3)  fala   sobre  a  diferença  entre  ilustrar  um livro  com  texto  de outro  autor e ilustrar um livro cujo  texto é de sua  autoria:     “Quando  o  texto  é  de  outro  autor,  há  certas   indicações  que  me  orientam.  Há  aqueles  escritos  para  serem   entendidos  apenas  como  tal,  e  não  como  parte  de  algo  que  será  completado  por  um  desenho.  É  ótimo  quando 

     10  você  descobre,  na  narrativa,  uma  abertura  para  a  ilustração.  Mas,  na  maioria  das   vezes,  o  autor  escreve  de  forma  a  resolver  o  texto  somente  com  o  uso  das  palavras,  mesmo   quando  ele  tem  sensibilidade  para  a  criação  de   imagens  literárias.  Há  escritores  muito   generosos  em  convidar  o  leitor  para  imagens  –  não  sei  se  voluntariamente  ou  não   –,  e  suas  criações  permitem   que  a  ilustração  interfira  de   maneira  radical,  a  ponto   de  ser possível propor uma narrativa paralela.” 

  Neste  relato,  Moraes  nos  apresenta  uma  perspectiva  sobre  a  subordinação   que  a  ilustração  sofre  frente  ao  papel   do  texto  escrito.  A  partir  disto,  em  alguns  casos  em  que  as  funções  de  escritor  e  ilustrador  são  assumidas  por  diferentes  profissionais,  o  processo  de  criação  do  livro  ilustrado  é  compartimentado  “numa  verdadeira  ‘linha  de  montagem’,  onde  o  escritor  concebe  inicialmente  a  narrativa  que,  em  seguida, entrega  ao artista para  que este possa dar vida ao mundo de suas  ideias  verbalizadas”  (MOURA,  2011,  p.  10).  Esta  linha  de  montagem  apresenta  efeitos  colaterais  na  literatura  infantojuvenil  ilustrada  que  muitas  vezes  surgem   representados  na  diagramação do livro através de uma solução estética que separa,  espacialmente  (na  página),  o  texto  da   ilustração,  às  vezes  até  deixando­os  em  páginas separadas.  Desta  forma,  o  produto  final desta pesquisa se propõe a  expor  soluções para  esta  cisma  entre  os  elementos  principais  da  obra,  o  texto  verbal  e  a  ilustração,  através  de  um  processo  de  construção  que  preze  pela  relação de interdependência  entre  estes.  Assim,  este  trabalho  vem  a  ser um referencial  para pesquisadores que  estejam  desenvolvendo trabalho  sobre  literatura ilustrada  com ênfase  em semiótica,  design, comunicação social e arte­educação.  Para  responder às questões referentes à relação  texto­imagem  e desenvolver  a  análise  do  processo  de  trabalho  do  livro,   essa  pesquisa  recorrerá  às  reflexões  sobre  literatura  ilustrada presentes  em  Camargo  (1995)  e  Rolla (2006), às reflexões  sobre  semiótica  em  Peirce  (1995),  e  a  reflexões  sobre  estrutura  do  gênero  das  histórias  em  quadrinhos  contidas  em  Eco  (2008),  ​ Eisner  (2010),  McCloud  (2005)  e  Cirne  (2005). Uma contextualização histórica da literatura ilustrada também pode ser 

     11  encontrada  em  Mccloud  (2005).  Para  análise  do  processo  de  criação,  os   fundamentos   da  crítica  genética  abordados  por  Salles  (2008)  mostram­se  pertinentes.  Ainda  pretende­se  abordar  as  definições  estéticas  de  textos  intermidiáticos  dadas  por  Clüver  (2001).  Livros ilustrados  de autores  como  Gaiman  (2003,  2006)  serão  utilizados  como  referências  visuais,  assim  como  anotações,  desenhos, fotografias e arquivos pessoais do autor desta pesquisa.  Esta  pesquisa  se  classifica  como  analítica,  uma  vez  que  pretende  analisar  a  construção  do  livro,  explicando  e  interpretando  as  decisões  tomadas  durante  o  processo de trabalho com base no referencial teórico.    2. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES E REFERENCIAL TEÓRICO  2.1.  DIFERENÇAS  DE  CONCEITOS  E  FUNÇÕES  ENTRE  TEXTO  E  ILUSTRAÇÃO NO LIVRO ILUSTRADO    Segundo Peirce (1995, p. 46), um dos pais da semiótica,    “um  signo,  ou  ​ representamen,​   é  aquilo  que,  sob  certo  aspecto  ou  modo  representa  algo para alguém.  Dirige­se  a  alguém,  isto  é,  cria,  na  mente  dessa  pessoa, um signo  equivalente,  ou  talvez  um  signo  mais  desenvolvido.  Ao   signo  assim  criado  denomino  ​ interpretante  do  primeiro  signo.  O   signo   representa  alguma  coisa,  seu  ​ objeto.  Representa  esse  objeto  não  em  todos  os  aspectos,   mas  com  referência  a  um  tipo  de  ideia  que  eu,  por  vezes,  denominei ​ fundamento ​ do ​ representamen.​ ” 

  A semiótica de Peirce (1995) subdivide os signos em três principais categorias:  o  ícone,  o  índice  e  o símbolo.  O ícone  é um  signo  cujas condições de  significação  prescindem  a  existência  de  seu  objeto,  podendo  propor  a  interpretação  sem  que  haja  conexão dinâmica alguma  com o objeto que representa. Já  o índice estabelece  significação  através  de  um  vínculo  existencial  com  seu   objeto.  Desta  forma,  é  a  existência  do  objeto que  determina  suas  possibilidades de  interpretação. O símbolo 

     12  é  um  signo  que  representa  através  da  concretização  de  uma  ideia/conceito.  A  relação  estabelecida  entre  o  símbolo e os  conceitos  que representa  é  inteiramente  subjetiva e se refere a convenções estabelecidas pelo indivíduo.  Podemos  compreender  a  partir  disto  que  o  livro  ilustrado  possui  diferentes  tipos  de  signos  e  que  cada  elemento  visual  na  obra  (texto,  ilustração  ou  espaço  vazio)  possuem  características  próprias  que  devem  ser  lidas  e  interpretadas  de  maneiras diferentes.  A  leitura  da  palavra  escrita  no  livro  não  é  feita da  mesma forma que  a  leitura  das  ilustrações.  Ao  contrário  das  ilustrações,  que  estabelecem  relações  de  significação com o ​ objeto ​ representado, a palavra escrita precisa de “conhecimento  especializado  para  decodificar  os  símbolos  abstratos  da  linguagem”  (MCCLOUD,  2005,  p.  49),  ou  seja,  uma  série  de  regras   e  convenções  que  devem   ser  reconhecidas  pelo  ​ indivíduo ​ para que  a  leitura e a  interpretação sejam efetivadas.  Ao  texto  é  atribuída  função  de  expor  a  mensagem  do  livro,  narrar  à  história,   descrever situações.  A  leitura  da  ilustração  pode  requerer  níveis  de  percepção  mais  complexos  quanto  mais for  afastada de sua relação de similaridade com o objeto representado.  À ilustração, comumente  é  dada a função de  ornar ou elucidar o texto (CAMARGO,  1995).  Uma  vez  que  a  leitura  das  ilustrações  pode  demandar  certo  nível   de  complexidade  assim   como  a  leitura  da palavra  escrita,  assume­se  que à ilustração  podem­se  dar  funções  mais  complexas  que  a  mera  representação.  Como  diz  Luíz  Camargo (1995, p. 1),    a  ilustração  pode,   assim,  representar,  descrever,  narrar,   simbolizar,  expressar,  brincar,  persuadir,   normatizar,  pontuar,  além   de  enfatizar  sua  própria  configuração,  chamar  atenção  para  o  seu  suporte ou para a linguagem  visual.   É  importante  ressaltar  que  raramente  a  imagem  desempenha  uma  única  função,  mas,  da  mesma  forma  como  ocorre  com  a  linguagem  verbal,  as  funções  organizam­se  hierarquicamente  em  relação  a  uma  função dominante.   

     13  Ainda  segundo  o  autor,  a  ilustração  possui dois  comportamentos  principais:  o  denotativo e o conotativo​ .  ​ O  primeiro refere­se ao objeto representado  e o segundo  a  ​ como  ele representa. Estes comportamentos são paralelos às funções denotativas  e conotativas do texto.  Apesar de  possuírem  diferenças  de conceitos  e  funções, a ilustração e o texto  escrito  configuram  os  elementos  principais  da  obra  de  literatura  ilustrada,  precisando  dialogar  entre  si  para  que  o  livro  funcione em sua totalidade. Camargo  (1995)  utiliza  o  termo  ​ coerência  intersemiótica para designar a maneira coesa de se  estabelecer  o  diálogo  entre  texto  e  imagem  no  livro  infantil  ilustrado.  Segundo  o  autor,  o  termo  trataria   da  convergência  ou  não­contradição  entre  os  significados  denotativos e conotativos da ilustração e do texto.    2.2. 

CONTEXTO 

HISTÓRICO 



ESTÉTICO 

DA 

RELAÇÃO 

TEXTO­ILUSTRAÇÃO E DA ARTE SEQUENCIAL    A  literatura  ilustrada  já  apresentou  inúmeras  maneiras  de  associar  texto  e  imagem  garantindo  uma  relação  harmoniosa entre  estes  elementos. As  revoluções  tecnológicas  e  os  avanços  de  novas técnicas trazem  possibilidades  cada vez mais  amplas  e  numerosas  de  construção  visual  e  plástica  destas  obras.  O  livro  infantil  ilustrado,  por  possuir  ilustração  de  maneira  intrínseca,   conta  com  um  desenvolvimento da relação texto­imagem mais maduro.  Grande  parte  das  histórias  infantis  ilustradas  conta  com  ilustrações  que  estabelecem  uma  disposição  sequencial  entre  uma  e  outra,  estabelecidas  pelo  desenrolar  da  narrativa  textual  (que  também  é   sequencial),  cabendo  a  estas  ilustrações  e  ao  texto a definição dada por McCloud (2005, p. 8): “imagens estáticas  justapostas  em  sequência  deliberada”​ .  ​ Ao  texto  também  cabe  esta  definição,  pois  assumindo  as  letras  como  imagens,  sua  justaposição  em  sequências  deliberadas  ocasiona as palavras que por sua vez ocasionam as frases (MCCLOUD, 2005).  É importante afirmar que esta justaposição refere­se à característica do arranjo  dos  elementos  no  ​ espaço  da  página,  diferente  da  animação  e  outras  artes  sequenciais   que  estabelecem  uma  sequência  regrada  pelo  ​ tempo  ​ (MCCLOUD,  2005,  p.7).  Esta  definição  é  atribuída  a  uma  tentativa  de  definir  com  mais 

     14  especificidade  o  que  Eisner  (1985) chamaria  antes de  ​ Arte Sequencial ou ​ Histórias  em Quadrinhos.  Alguns  escritores  e  ilustradores  que  trabalham  com  literatura  infantil  ilustrada  assumem a linguagem dos quadrinhos em sua obra, uma vez que esta linguagem    apresenta  uma  sobreposição  de  palavra  e  imagem,  e,  assim,  é  preciso  que  o  leitor  exerça  suas  habilidades  interpretativas  visuais  e  verbais.  As  regências  da  arte   (por  exemplo,   perspectiva,   simetria,  pincelada)  e  as  regências   da  literatura  (por  exemplo,  gramática,  enredo,   sintaxe)  superpõem­se  mutuamente.   A  leitura  da   revista  em  quadrinhos  é  um  ato  de  percepção   estética  e  de  esforço intelectual. (EISNER, 1985. p. 8). 

  Ainda segundo Eisner (1985), os quadrinhos assumem­se como linguagem por  empregarem  uma  série   de  imagens  e  símbolos  reconhecíveis  que  utilizados  repetidas vezes estabelecem  uma  “gramática”  da  arte sequencial. Por estas razões  também pretende­se  abordar, de forma  híbrida  e  em sua maior parte, elementos da  linguagem dos quadrinhos em ​ Os Mongos​ .  Assim,  acredito ser  pertinente  uma  contextualização histórica que aborde mais   precisamente  a  evolução  da  arte  sequencial,  dos  quadrinhos  e  da  relação  texto­ilustração.  As  imagens  justapostas  em  sequência  deliberada  de  McCloud  (2005)  referem­se  aos  quadrinhos.  No  entanto,  a  arte   sequencial  é  mais  antiga  que  a  linguagem  das  histórias  em  quadrinhos.  Na   Antiguidade  temos  os  hieróglifos  e  pinturas egípcias como os representantes mais primitivos da arte sequencial.  A pintura egípcia  possuía  um sistema de leitura organizado sequencialmente e  espacialmente.  As  cenas  eras  dispostas  em  faixas  onde  a  sequência  de  imagens  era  lida  em  ​ ziguezague  e  de baixo  para  cima.  A  ordem  de  leitura era expressa pela  Lei  de  Frontalidade  que estabelecia o sentido  da  sequência.  Existia uma coerência  entre as imagens e sua sequência narrava uma história. 

     15  Na  arte  pré­colombiana  também  é  possível  observar  características  da  arte  sequencial   que,  semelhante  à  pintura  e  aos  hieróglifos  egípcios,  estabelecia  uma  ordem  regrada   pela  justaposição  de  ícones  e  símbolos,  sendo  possível  ler  as  imagens.  Um  dos  exemplos  mais  significativos  desta  manifestação  dos  povos  pré­colombianos  é  o  manuscrito  ​ Garras  de  tigre  descoberto  por  Cortês em torno de  1519 (MCCLOUD,  2005). Neste manuscrito é possível identificar elementos icônicos  e simbólicos misturados espacialmente.           

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  Figura 1  – Detalhe de  “Garra de  Tigre”, Manuscrito encontrado pelo famoso explorador espanhol Cortês  por volta de 1519. British Museum, Londres. Fonte: GettyImages.     

Muito  antes  de  Cortés  começar  a  colecionar  manuscritos  de  povos  pré­colombianos,  na  França  foi  confeccionada  a  ​ Tapeçaria  de  Bayeux,  um  imenso  tapete  bordado,  datado  do  século  XI,  que  representa  a  conquista  Normanda  na  Inglaterra em 1066.   

     17 

  Figura  2  –  Detalhe  da   “Tapeçaria  de  Bayeux”.  Musée  de laTapisserie  de  Bayeux,  Normandia. Fonte:   GettyImages. 

  Nos  dois  últimos  exemplos  podemos  ver  que  os  símbolos  textuais  são  inseridos  no  mesmo  espaço  destinado  aos  ícones  da  ilustração  no  suporte.  Atualmente,  dentro da estabelecida  linguagem  dos  quadrinhos, existe  um elemento  que  tem  como  função  a  separação  espacial  do  texto:  o ​ balão​ .  Este  elemento  será  melhor  abordado  nos  tópicos  referentes  à  análise  do  processo  de  criação  de  ​ Os  Mongos,  ​ mas  é  pertinente  comentar  desde  já  que  um  processo  de  criação  que  preze  por  desfragmentar  as  barreiras  conceituais  entre  texto  e  imagem  no  livro  ilustrado  deve  considerar  também  a  desfragmentação  das  representações  simbólicas destas barreiras.  A  invenção  da   prensa  móvel  de  Gutenberg  é  considerada  um  dos  eventos  mais  importantes  da  Idade  Moderna  e  ocasionou  uma  revolução  na   disseminação  das imagens. “A forma de  arte  que servia  aos  ricos  e poderosos,  agora poderia ser  desfrutada  por  todos”  (MCCLOUD,  2005,  p.  16).  Um  dos   exemplos  máximos  da  popularidade  dos  meios  artísticos  literários  foi  a  série  de gravuras  ​ O  Progresso  de  uma  Prostituta  ​ de   William  Hogarth,  publicadas  em  1732.  Apesar  de conter  poucos  quadros  e  nenhum  texto,  é  importante  a  alusão  desta  obra  neste   trabalho,  pois  apresenta  um  exemplo  de  imagens  popularizadas pela  viabilidade de  um processo  de reprodução técnica  (tal qual o livro  infantil  e  as  histórias em  quadrinhos de hoje)  e exemplifica  a importância narrativa das imagens  justapostas  em sequência sem o  auxílio  do  texto.  A ausência do texto  é  explorada nos  momentos  finais  da  trama  de  Os Mongos. 

     18  Apesar  da  importância  da  narrativa  sequencial  da  obra  de  Hogarth, é dado  à  Rodolphe   Topffer  o  título  de  pai  dos  quadrinhos  modernos.  Suas  histórias  “empregavam  ​ caricaturas  e  requadros​ ,  ​ além  de  apresentar  a  primeira  combinação  interdependente  de  ​ palavras  e  ​ figuras na  Europa”  (MCCLOUD,  2005.  p.17. Grifos  do autor).   

  Figura 3 – Detalhe de  “Histoire de Monsieur Cryptograme”, desenhos e  texto de RodolpheTopffer, 1830.  Nota­se a numeração dos requadros que reforça o caráter sequencial da narrativa. Fonte: Wikipédia. 

  Muito  do que é  produzido hoje  em  relação ao texto  ilustrado se compõe como  uma  mistura  de  técnicas  vista  a  grande  variedade  de  processos  tecnológicos  atribuídos  à  arte.  A  relação  texto­imagem  se  torna  cada  vez  mais  difícil  de  ser  diagnosticada, uma vez que a ilustração    convive  e  faz  parte  do  contexto  da  história  da arte. Ela é  um  objeto  de  reprodução  e  está  inserida  em  uma  indústria 

cultural. 

Inter­relaciona­se 

com 

outras 

linguagens.  Transita  em  um  espaço  multifacetado.  Pertence  a  um  período  em  que diferentes manifestações 

     19  artísticas  interagem  e  penetram  (MOKARZEL,  1998,  p.68). 

No  decorrer  do  século  XX,  muito  se  desenvolveu  em  termos  de  histórias  em  quadrinhos,  principalmente  se  tratando  de  crítica  e  pesquisa  na  área.  Um  dos  maiores  pesquisadores  do  gênero  foi  Will  Eisner,  também quadrinista  que,  em  seu  livro  ​ Quadrinhos  e  Arte  Sequencial  (1985),  diagnosticou  a  linguagem  dos  quadrinhos  e  desenvolveu  sua  “gramática”.  Outros  críticos  e  pesquisadores  como  McCloud (2005), Eco (2008) e Cirne (2005) também contribuíram de forma relevante  para  a  análise  dos  quadrinhos.  Muitas  das  considerações  técnicas  destes  pesquisadores  sobre  os  elementos das histórias  em  quadrinhos e  a  relevância  das  técnicas  empregadas  atualmente  para  o processo de  criação  de ​ Os  Mongos  ​ serão  abordadas nos próximos tópicos.    2.3.  UM  PARALELO  ENTRE  A  RELAÇÃO  TEXTO­ILUSTRAÇÃO  E  A  RELAÇÃO ESCRITOR­ILUSTRADOR    Para  se  considerar  uma  relação  texto­ilustração  que  dialogue  de  maneira  harmoniosa,  é  necessário  considerar  que  o  processo  de  trabalho  do  livro  ilustrado  possui  estes  dois  elementos  principais  que,  por   serem  distintos,  contam  com  processos  de  elaboração  diferenciados.   A  palavra  escrita  é  o  maior  exemplo  de  abstração  da  imagem,  exprimindo conceitos  subjetivos. No livro a palavra escrita se  apoia  muitas  vezes  na ilustração  para  afunilar as possibilidades de interpretação do  texto,  por  isso a ilustração  se  aproxima do nível  de  complexidade da leitura textual,  podendo  assumir  várias  funções:  representativa,  descritiva,  narrativa,  simbólica,  expressiva,  estética,   lúdica,  conativa,  metalinguística,  fática  e  pontuação  (CAMARGO, 1995, p. 1).  No  entanto,  visto  que  texto  e  ilustração  compõem­se  como áreas de  atuação  epistemológica  separadas  (as  letras  e  as  artes,  respectivamente),  o  processo  de  trabalho  por  vezes  é  compartimentado  num  sistema   onde  cada  profissional,  por  mais  que  busque  dar  o  melhor  de si  em  sua  própria  área  de conhecimento,  acaba  por ignorar a relação entre as duas áreas. 

     20  O  processo  de  trabalho  do livro  ilustrado deve ser  pensado desde  o início, não  como  a  produção  de  uma  obra  que  contenha  texto  e  ilustração  como  elementos  principais,  mas  como  uma   obra  onde  a  relação   entre  estes  elementos  efetive  a  comunicação.  Pensando  deste  modo,  o  processo  de  construção  das  histórias  em  quadrinhos  proposto  por Eisner (1985)  e  McCloud  (2005)  é  o  mais  satisfatório, pois  estes  dois pesquisadores assumem os quadrinhos como uma linguagem que possui  vocabulário próprio composto pela relação texto­imagem.  Segundo  Eisner  (1985),  escrever  o  roteiro  do   quadrinho  é  conceber  a  ideia,  criar  o  diálogo entre  os  elementos e propor  a arquitetura  da  página. Num  processo  de  criação  em  que  escritor  e  ilustrador  (que  Eisner  chama  de  “artista”)  sejam  profissionais  diferentes, o roteiro deve conter  instruções  para  o artista  transportar a  ideia da mente do escritor para a do ilustrador. Para Eisner (1985, p. 122­123),    cada  componente  está  subordinado  ao  todo.  O  escritor  deve  se  preocupar  desde  o início com a interpretação da  sua  história  pelo  artista,  e  o  artista  deve  aceitar   submeter­se  à  história  ou  à  ideia.  A  separação  entre  a  criação  escrita  e  o  desenho  está  diretamente  envolvida  com  a  estética  do  veículo,  pois  a  segregação  efetiva  entre  a  criação  escrita  e  a  arte   proliferou  na  prática  dos   quadrinhos modernos. 

  No  caso  das  histórias  em  quadrinhos,  a  compartimentação  do  processo  de   trabalho  em  uma  equipe  com  diversos  profissionais  se  dá,  primordialmente,  pela   característica  popular   desta  mídia,  que  sofre  pressões  com  ​ deadlines  ​ partidos  do  mercado  industrial  e  editorial.  As  consequências  destas  linhas  de  produção  são  diversas:  desde  problemas  com  direitos  autorais,  até  o  enfraquecimento  do  “entrelaçar” entre texto e imagem (EISNER, 1985).  No  entanto,  não  é  apenas  no  mercado  de  quadrinhos  que  tais  processos  se  compartimentam. O  título de ​ autor,  dado ao  artista responsável pela história escrita  em  códigos  textuais   no  livro  ilustrado,  coloca  o  ilustrador  e  o  seu  trabalho  na  posição  de  uma  “função  adicional”, ou um “material extra” daquele livro, que poderia 

     21  ser  ilustrado  por  outros  artistas  em  diferentes  edições   (o  que  muitas  vezes  acontece),  mas  permanece  íntegro  enquanto  obra  desde  que  o  texto  não  seja  substituído  ou  modificado. A produção do livro ilustrado que segue uma linha onde a  criação escrita é prévia  ao  desenvolvimento  das ilustrações  que dialogarão com ele  no  produto  final  não  é  incomum  e  reforça  o   ideal  de  subordinação  da  ilustração  frente ao texto escrito.  Ora,  se  já  vimos  que  ambos  os elementos podem ser tão  complexos em seus  processos de leitura  e  interpretação (quanto o outro),  por  que é atribuído ao texto e  não  à  ilustração  o  valor da  autoria?  Por  que são destinados  espaços diferenciados  para cada tipo de signo na composição/diagramação da página?   

  Figura  4  –  Fotografia  de  páginas  do  livro  “Um  gato  chamado  Gatinho”  ilustrado  por  Ângela  Lago  e  escrito  por  Ferreira  Gullar. Um  exemplo  de livro  ilustrado onde  o processo  de criação e a exposição do  texto e da ilustração são feitos separadamente. Fonte: Wikipedia. 

 

     22  Em  entrevista  a Lívia Deorsola, o escritor e ilustrador Odilon Moraes (2008, p.  2)  fala  sobre  o  trabalho  com  literatura  ilustrada,  aproximando  a  definição  de  ilustrador da autoria literária:  “A  ilustração  de  livros  é como um gênero à parte, porque  é  uma  espécie  de  escrita,  já  que  possui  incrível  força  narrativa.  Neste  sentido,  me  vejo  como  escritor  na  medida  em  que  se  considera  a  capacidade  da  ilustração  de  criar  uma  história.  Isso   coloca  o  ilustrador  inteiramente no universo da literatura.” 

  A  solução  proposta  por  Eisner  para  a  não  compartimentação do processo  de  trabalho  da  obra  é  o  processo  de  criação  de  um  único  indivíduo  que  detenha  o  controle do texto e da ilustração, pois se deve levar em conta que    em  vista  desta  interdependência,  portanto,  não  há  outra  escolha   [...]  senão  reconhecer  a  primazia  da  escrita.  Ao  fazê­lo,  contudo,  deve­se  reconhecer  imediatamente  que,   numa  configuração  perfeita  (ou  pura),  o  escritor  e o  artista  deveriam  estar  incorporados  na mesma pessoa. A  escrita  (ou  o   escritor)  deve  deter  o  controle  até  o  fim  (EISNER, Will. 1985, p. 127). 

  No  entanto,  muito  teóricos  propõem  outros  métodos  que  abrangem  a  possibilidade   do  trabalho  em  equipe  e,  ainda  assim,  garantem  uma  preocupação  entre  estas  relações  intermidiáticas. O  desenvolvimento  do  roteiro do  livro ilustrado  Layout  Full  Script,  proposto  por  Moore  (1998), provê ao  escritor a possibilidade  de  trabalhar  com  o  roteiro  em  formato  de  rascunhos,  já  apresentando  ao  ilustrador  a  composição  da  página.  O  ilustrador  por  sua vez,  detém a autoridade  de  intervir  no  rascunho  proposto  pelo  escritor,  e  assim,  cada  um  vai  dando  suas  considerações  antes  mesmo  de  o  ilustrador  partir  para  a  produção  plástica  da  página  final.  Este  processo  colaborativo  também  pode  ser  empregado  sem  a necessidade,  por  parte 

     23  do  escritor,  em  compor  o  rascunho  da  página  se  este  puder  transpor  suas  ideias  através do roteiro convencional (todo em texto escrito).  Um  caso  bem  sucedido  deste  último  exemplo  é  o  da  maioria  dos  trabalhos  colaborativos  entre  os  artistas  Dave  Mckean  (ilustrador)  e  Neil   Gaiman  (escritor),  principalmente as obras de literatura infantil.  Em  obras  como  ​ O  Dia  em  que  troquei  meu  pai  por  dois  peixinhos  dourados  (1996)  e  ​ Os Lobos  dentro das  paredes  ​ (2006), o processo de trabalho de Gaiman é  feito  através do  roteiro convencional, onde, através de uma descrição específica dos  elementos contidos na página, expõe ao ilustrador Dave Mckean o conceito que, por  sua vez,  poderá  ser  alterado  e aprimorado através  da  ilustração. Sobre sua  relação  de trabalho com Gaiman,  Mckean  ​ ressalta  que  a  palavra  final do texto é sempre  de  Gaiman  e  a  palavra  final  das  ilustrações  é  sempre  sua  (WAGNER  et  al.  2007,  p.  238).  O resultado desta colaboração é a relação harmoniosa entre texto e ilustração  onde  “as  palavras  fazem  parte  das  imagens,  se  complementando,  criando  uma  narrativa  visual  que  explora  o  uso  da  ilustração,  da  colagem  e  da  tipografia  para  trabalhar os conceitos de intermidialidade” (HERSKOVIC, p. 3, 2011).  A construção narrativa de ​ Os Mongos foi feita de forma híbrida, apropriando­se  das  possibilidades  de  construção  do  roteiro   citadas.  Texto  e  ilustração  foram  desenvolvidos  pelo  autor  desta  pesquisa  adotando  o  método  de  trabalho individual  proposto  por  Eisner  (1985).  No  entanto,  deve­se  levar  em  conta  que  parte  da  narrativa  literária  também   contou  com  o  auxílio  de  um  escritor  colaborador,  Daniel  Balduino de Moura, irmão do autor deste trabalho.    3. A GÊNESE DE UM LIVRO ILUSTRADO  3.1. O DESENVOLVIMENTO DO ENREDO    Durante  todo  o  curso  de  Licenciatura  em  Artes  Visuais  cumprimos  componentes  acadêmicos  de  conteúdo  específico das artes visuais que não apenas  desenvolvem  as  técnicas  de  produção  plástica através  da prática e do treino como  estimulam a compreensão sobre o fazer artístico.  Na  disciplina  de  História  e  Metodologia  do  Ensino  em  Artes Visuais  ministrada  pelo  professor  Vicente  Vitoriano  fomos  estimulados  através  do  exercício  de  um 

     24  ensaio  autobiográfico a buscar as origens dos nossos processos criativos através da  escrita  de  relatos  sobre  como  a  arte  se  apresentou  em  nossas  vidas  e  como  desenvolvemos  conhecimento  autodidático  em  arte  através  de  estímulos  sociais   e  experiências.  Em  meu  exercício  deixei  claro  como  fui  exposto  a  conteúdo  literário  infantil  desde  cedo  e  como  a  literatura  ilustrada  se  tornou  um objeto  de  fascínio  e,  posteriormente,  referencial  de  pesquisa.  Desde  antes  de  cursar  Licenciatura  em  Artes  Visuais  preservo  o  desejo  de  escrever  e  ilustrar  um   livro  infantil  e  o  ensaio  autobiográfico   proposto  aprimorou  minha  capacidade  de  compreensão  acerca  da  busca  por  referências  e  interpretação  das  experiências  que  poderiam  se  tornar  a  gênese de uma obra literária.  O  enredo  de  ​ Os   Mongos  ​ surgiu  através  de  uma  adaptação  de  eventos  reais  que  aconteceram  em  julho  de  2011,  durante  o  período  de  férias  da  faculdade que  passava  com  a  minha  família  em  uma  casa nova  no  Rio  de Janeiro. Por estarmos  em  processo  de  mudança  muitos  objetos  pessoais  e  utensílios  domésticos  se  encontravam  perdidos em  meio à bagunça  da mudança. Outro elemento importante  para  o enredo de ​ Os  Mongos foi um  barulho  misterioso  que  acontecia  sobre o forro  de madeira da nova casa.  Utilizando  minha  percepção  sobre  estes  singelos  acontecimentos  e  minha  necessidade  de  me  expressar  enquanto  artista,  escrevi  uma  história  em  que  uma  criança  acaba  de  se  mudar  para  uma  nova  casa  com  sua  família.  Nesta  casa  barulhos  estranhos começam  a ser  percebido apenas pelo protagonista do livro (um  garoto  chamado  Daniel)  e  estes  barulhos  surgem  associados  ao  desaparecimento  repentino de  objetos  importantes para cada um dos demais personagens habitantes  da casa e  membros  daquela  família: o videogame de Daniel,  as tintas de pintura do  Irmão  Mais  Velho  e   o  chocolate  para  pizzas  de  chocolate da  ​ Mãe​ . A partir  disto,  o  protagonista  inicia uma busca pelos objetos perdidos e por respostas para o mistério  apresentado.  Muitos  dos aprendizados  acerca  da estrutura  dramática  e processos de escrita  que  foram  obtidos  de  forma  compartimentada   durante  a  participação  em  diversos  componentes  curriculares  optativos (Redação  Criativa, Produção  de  Jogos Digitais,  TV  e  Vídeo, Expressão  Visual) foram importantes para o  desenvolvimento básico do  enredo  de  ​ Os  Mongo​ s.  Durante  este  primeiro  momento  de  descoberta  intuitiva  do 

     25  que viria  a  ser  o  enredo de ​ Os  Mongos  contei com  o auxílio  de um co­autor, Daniel  Balduino.  A  partir  disso,  todo  o  processo  de  trabalho  que  será  relatado  nesta  pesquisa foi desenvolvido por um único autor.    3.2.  O  PROCESSO  DE  CRIAÇÃO  DA  IMAGEM  COMO  UM  PROCESSO  DE  ESCRITA    A trama de  um livro geralmente se inicia com premissas simples: personagens,  lugares  e  problemas  em  suas  dimensões  mais  primitivas.  A  partir  disto  deve­se  partir  para  um  desenvolvimento  mais  aprofundado  destes  elementos,  sendo  recomendado  para isto um  processo de escrita organizado  e sistematizado.  Depois  de um levantamento dos referenciais teóricos abordados nos primeiros tópicos  deste  trabalho,  e  da  decisão  de  construir  uma  obra  com  características  de  quadrinhos,  optei  por  adotar  o  processo  de  escrita  ​ Layout  Full  Script  ou  ​ Full  Script  Detailled  proposto por Moore (1998).  Neste processo de  escrita o autor deve desenvolver um roteiro escrito de forma  inteiramente  textual  (com  opcional  auxílio de  alguns rascunhos  que  determinem os  elementos  da  imagem)  de  modo  que  um  artista  que venha  a  ler  este  roteiro possa  desenvolver  um   conjunto  de  imagens  a  partir  dele  sem  muitas  variações  da  ideia  inicial  proposta  pelo  roteirista.  É  um  processo  que  promove  a  hierarquia  do  texto  escrito  sobre  o  processo  de  ilustração.  As  primeiras  páginas  de  ​ Os  Mongos  foram  construídas desta maneira.  No  entanto  durante  este  processo  de  escrita  totalmente  detalhado  utilizando  apenas  códigos  textuais,  os  seguintes  questionamentos  foram  surgindo:  não  há  a  necessidade de desenvolver um roteiro preocupado com o mínimo de variações que  possam  ocorrer  no   caso  de  um  artista  visual  vir  a  ilustrá­lo  se  todo  o  livro  ​ Os  Mongos  seria  construído  por  um único artista,  tornando  este  processo  trabalhoso  e  obsoleto  para  o  contexto;  sobre  o  ​ Full  Script  Detailled é observável que mesmo que  haja  uma  preocupação  em  garantir  que  o  texto  do  roteirista  seja  transmitido  em  formato  de  ilustrações   para  a  obra  final  com  o  mínimo  de  variações de  intenção  a  partir  do  texto  escrito,  isto  é quase impossível se enxergarmos o ilustrador como um  ser/artista  não­passivo   e  não­mecânico  no  processo  de  construção  da  imagem  e 

     26  enxergarmos  a  própria  imagem  como  um  conjunto  de  símbolos  que  carregam  infinitas  e  subjetivas  possibilidades de interpretação;  Partindo  do ponto de que  esta  pesquisa  visa   desconstruir  a  hierarquia  entre  autor  sobre  ilustrador,  texto  sobre  ilustração,  este  processo  de  escrita  mostra­se  contraditório  aos  objetivos  pretendidos.  O  processo  de  escrita  de  ​ Os  Mongos  foi  sistematizado  da  seguinte  maneira:  utilizando  papel  e  lápis,  as  páginas  do  livro  foram  desenvolvidas  em  formato  de  rascunho  de  desenho,  onde  cada  desenho  representava  uma  página  inteira  com   todos  os  elementos  posicionados,  agregando  o  texto  escrito  à  cena  desenhada  juntamente  com  outros  elementos  da  página  como  desenhos  de  personagens  e  cenários. A escolha de palavras  e formação de frases, que obedecessem ao enredo  que foi proposto de forma primitiva  no momento anterior,  deveria obedecer  também  o seu caráter  espacial  e  imagético dentro  da folha  do  rascunho.  Dessa maneira “as  regências  da  arte (por  exemplo,  perspectiva,  simetria, pincelada) e as  regências da  literatura  (por  exemplo,  gramática,  enredo,  sintaxe)  superpõem­se  mutuamente”  (EISNER,  p.  8.  1985)  não  apenas  no  produto  final,  mas  também  em  seu  processo  de criação.   

  Figura 5  ­  Rascunho de  uma da  páginas do livro ​ Os Mongos Estão  Levando as Nossas Coisas​ .  Fonte:  Pedro Balduino, 2014. 

     27    No  entanto,  como  vimos  anteriormente,  o  texto  inserido  em  uma  obra  de  literatura  ilustrada possui  funções  diferentes  das  ilustrações,  assim como sua forma  enquanto  signo  remete  a  diferentes  maneiras  de  leitura.  Ou  seja,  mesmo  que  construídos em  um  processo  de criação conjunto, na obra final o texto e a ilustração  serão lidos e identificados como tipos diferentes de signos.  Nos  quadrinhos o texto  escrito  pode  se apresentar  de  diferentes formas e com  diferentes  funções:  onomatopéia,  narração,  discurso  direto  entre  tantas  outras.  Símbolos específicos da linguagem dos quadrinhos são muitas vezes utilizados para  definir as  funções  das  palavras em  um  contexto narrativo, como é o caso do “balão”  ou  “nuvenzinha”.  Em  sua  obra  ​ Apocalípticos  e  Integrados​ ,  Umberto  Eco  (2008)  apresenta  as  bases da escrita crítica  sobre  quadrinhos ao  analisar  detalhadamente  a  página  inicial  de  ​ Steve  Canyon1 .  Nesta  análise,  sobre  os  “balões”  e  outras  maneiras  de  desenhar  a  palavra  para  assim   diferenciar  suas  funções  enquanto  elemento legível na página, Eco (2008) diz que:    “Elemento  fundamental  dessa  semântica  é,  antes  de  mais  nada,  o  signo  convencional  da  ‘nuvenzinha’  (que  é  precisamente a ‘fumacinha’, o ‘ectoplasma’, o ‘​ balloon’)​ , o  qual,  se  traçado  segundo  algumas  convenções,  terminando  numa  lâmina  que  indica  o  rosto  do  falante,  significa  ́ discurso  expresso’; se unido ao falante por uma  série  de  bolinhas,  significa  ‘discurso   pensado’.  [...]  Outro  elemento  é  o signo gráfico usado em função sonora, com  livre  ampliação  dos  recursos   onomatopéicos  de  uma  língua” 

  Podemos dizer assim que, na linguagem dos quadrinhos, os diferentes tipos de  balões  remetem  a  diferentes  tipos  de  discursos  gramáticos  e  intenções  propostas   pelo  texto,  assim  como as diferentes maneiras de desenhar a palavra. No entanto “o  balão  ​ pode  ser  um  símbolo  fundamental,  mas  nem  sempre  o  é.  Haja  vista  as  realizações  de  Feiffer,   Wolinski  e  Henfil,  apena  para  citar  alguns  poucos  nomes”  1

 Conhecida série quadrinística americana de 1947 criada por Milton Cannif. 

     28  (CIRNE,  2005).  Para  ilustrar  esta  colocação  proposta  por  Moacy  Cirne  (2005)  em  seu artigo ​ Quadrinhos, Memória e Realidade Textual​ , segue uma tirinha de Henfil.   

  Figura 6 ­ Henfil, 1980. Fonte: escoladecriacao.espm.br   

Podemos  ver  que   o  recurso visual utilizado  pelo artista  para  substituir  o  balão  na tirinha  é  apenas uma linha que, de maneira  simples e precisa, liga  o desenho do  personagem  ao  texto  em  discurso  direto  referente  à  sua  fala.  A  importância  de  recursos  visuais  que  caracterizem  o  desenho  da  palavra  dentro  de  sua  função  na  obra  quadrinística  é  fundamental,  e  sua  desconstrução  mostra­se  um  exercício  de  escrita  da  arte  sequencial.  Deste  modo,  a  liberdade  criativa  por  buscar  e  criar  recursos próprios para estes fins foi assumida no processo criativo de ​ Os Mongos​ .  Se  para  as  palavras  existem  elementos  específicos  da  linguagem  dos  quadrinhos  que  elucidam  suas  diferentes  funções,  assim  também  é para  as cenas  retratadas  pelas  ilustrações.  Os  diferentes  elementos  ilustrativos  compostos  e  organizados  dentro  dos  espaços  dos  requadros  da  página  são  chamados  enquadramentos  (ECO,  1970).  Estes  enquadramentos  ao  serem  dispostos  em  sequência  são  a  base  da  arte  sequencial  contemporânea  e  “a   relação  entre  os 

     29  sucessivos  enquadramentos  mostra  a  exigência de uma sintaxe  específica, melhor  ainda, de uma série de ​ leis de montagem” ​ (ECO, p.147, 1970).  No  processo  de  criação  de  Os  Mongos  diversos  tipos  de  montagem  e  justaposição  de requadros foram escritas neste momento inicial de desenvolvimento  de  rascunho  das  páginas.  Para  garantir  um  ritmo  de  leitura  da  obra  proposto  por  uma  montagem  específica  de  requadros  e   cenas,  diversos  recursos  próprios  da  gramática  dos  enquadramentos  foram  apropriados.  Assim,  algumas  páginas   passaram  a  ser  rascunhadas  utilizando­se  das  divisões  de  requadros  em  uma  mesma  página, enquanto outras continham toda a cena ocupando uma única página  sem nenhum elemento que dividisse estes requadros, por exemplo.   

 

     30  Figura  7  ­  Rascunhos  de  páginas  do  livro  ​ Os  Mongos  Estão  Levando  as  Nossas  Coisas.  ​ Nestes  rascunhos  podemos  ver   exemplos  de  diferentes  utilizações  de  enquadramentos  e  baloneamentos.  Fonte: Pedro Balduino, 2014.     

4. CONCEPÇÃO GERAL  4.1. CENÁRIOS, PERSONAGENS E A UTILIZAÇÃO DO ARQUIVO MORTO    Um  dos  primeiros  componentes  curriculares  obrigatórios  no  Curso  de  Artes  Visuais é  o  Desenho  de  Observação  I. Nesta disciplina nos são ofertados diferentes  conhecimentos  do  desenho  básico  de  figuras  humanas,  paisagens,  objetos  e  demais  elementos  que  podem  vir  a  compôr  uma  cena  observável. Muitas técnicas  para  o  aprimoramento  do  desenho  são   empregadas  neste  componente  curricular,  como  a  utilização  de  ​ thumbnails2   para  um  melhor  desenvolvimento  da  representação  das  posições  de  um  corpo humano, ou a utilização do ​ ponto de fuga3   como  um  guia para a construção de um cenário em  perspectiva. No momento inicial  do processo de  criação  das imagens  das  páginas do livro ​ Os Mongos​ , a elaboração  do  desenho  de  rascunhos,  muitos  destes   preceitos  básicos  de  desenho  foram  adotados  uma  vez  que  o  caráter  mais  importante  desta  primeira  fase  seria  a  composição  de  um  rascunho  que  servisse  como  guia  para  um  posterior  aprimoramento e definição de detalhes estéticos.  Estes  primeiros  rascunhos  eram  dotados  de  tamanho  primitivismo  em  seu  acabamento  que  qualquer  espectador  que não estivesse  envolvido no processo de  criação  do  livro  desde  seu  início  sequer  compreenderia  as  intenções  destes  desenhos.  No  entanto,  este  primitivismo  era  rico  em  informações  que  me  guiaram  para  as  próximas  fases  de  construção  da  página  e  estas  informações  eram  visualmente  baseadas  em  preceitos  básicos  e  técnicas do desenho  de observação  de cenários absorvidos durante a disciplina de Desenho de Observação I, ministrada  pela  Prof.  Verônica  Lima.  Todos os personagens  estavam presentes nos rascunhos  das páginas em  formas  de ​ thumbnails e a maioria dos cenários foram rabiscados de 

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  Versões  simplificadas  de   imagens  utilizadas  para  tornar  mais  fácil  o  processo  de  assimilação  e  reprodução. É uma técnica muito comum no aprendizado do desenho da anatomia humana.  3   Técnica utilizada no desenho de cenas em perspectiva, onde um ponto é a base para as linhas guias  que formarão a ilusão proposta. 

     31  forma  simples  com  apenas  algumas  linhas  guias  que  propunham  perspectivas  e  pequenos detalhes a serem acrescentados posteriormente.  Passado  este   primeiro  momento  de  criação  dos  rascunhos,  a  trama  do  livro  estava  desenvolvida  e  todas  as  páginas  do  livro  já  eram  dotadas   de  um  exoesqueleto  que  deveria  agora  ser   melhor  desenvolvido,  dotado  de  forma,  detalhes, definição estética.  Como  citado  anteriormente,  a  maioria  dos  personagens  do  livro  foram  inspirados  em  pessoas de meu convívio ou em personagens de outras obras de arte  que  assumo  como  referências  gerais  para  todo  o  meu  fazer  artístico.  Neste  momento o próximo  passo  seria dar  forma a todos  os personagens  do  livro.  Assim,  através  de  diversas pinturas em  aquarela  e  desenhos à  lápis, desenvolvi o conceito  de  todos  os  personagens,  adotando  técnicas  de  criação  de  personagens  para  os  quadrinhos  como  a técnica de ​ anatomia  expressiva ​ que consiste em uma adaptação  para  o  estilo  da  ilustração  de  um  inventário  que  o  artista  retém  a  partir  da  observação do mundo real (EISNER, 1985).  Como resultado  deste processo de criação das imagens conceituais que viriam  a  guiar  o  meu   trabalho  posteriormente,  desenvolvi  um  banco  de  dados  com  inúmeras  pinturas  e  desenhos  que  apresentavam  os  personagens   do  livro  em  inúmeras  situações  e  com  todos  os  detalhes  necessários  para  sua  identificação  e  reprodução.   

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  Figura  8  ­  Pintura   conceitual  do   personagem ​ Daniel ​ do  livro  Os Mongos  Estão  Levando as Nossas Coisas​ .  Fonte: Pedro  Balduino, 2014. 

  A  trama  de  ​ Os  Mongos  ​ se  baseia  em  um  elemento  fundamental:  A  Casa  Amarela,  o cenário onde todos os problemas do personagem protagonista começam  a  acontecer  e  a  locação  principal  de  todo  o  desenrolar  do  enredo.  Assim  como  outros  elementos  da  história  de  ​ Os  Mongos​ ,  a  Casa  Amarela  do  livro  também  foi  baseada  em uma casa amarela  real,  a  casa  onde parte de minha família morava no  Rio  de  Janeiro,  onde  surgiram  as  primeiras  ideias  do  livro.  Desta  forma,  numa  tentativa  de  ambientar  a  história em  um cenário verossímil ao real e adaptar minhas  memórias  em  um contexto  ficcional,  busquei  trazer  às  ilustrações do livro o máximo  de informações e detalhes da casa amarela do Rio de Janeiro. 

     33  No  entanto,  diferente  do  processo  de  desenvolvimento  das  imagens  conceituais  dos personagens, não  recorri à representações  plásticas  feitas  por mim  para  servir  de  base  para  as  próximas  fases  de  acabamento  do  livro,  e  sim  à  fotografias e vídeos que  documentei  da  casa,  com  foco nos  detalhes  que pretendia  utilizar  na  ilustração   do  livro  e  que  se  apresentassem  como  pertinentes  no  desenrolar da história, pois “uma boa pesquisa pode fazer a diferença [...] pode valer  a  pena  tirar  algumas  fotos  no  lugar  [...]  Dedique  algum  tempo  para  se  perder  nos  ambientes  que   você  desenha  e  seus  leitores  igualmente  o  farão”  (MCCLOUD,  2005).  Tanto  as  pinturas  em  aquarela  e  os  desenhos  a  lápis,  que  desenvolvi  ao  adaptar  pessoas reais para o  estilo de ilustração  proposto  para  o  livro e  assim criar  o  conceito  dos  personagens,  quanto  as  fotografias  e  vídeos  que  documentei  para  servir  de  base  para  a  construção  das  imagens  dos  cenários,  são  um  conjunto  de  documentos e objetos que compõem o ​ arquivo morto​  de um artista, que se trata do    arquivo  de  referência   de  imagens  que  um  artista  coleciona  durante  o  curso  de  sua  carreira.  Expressões  como  ​ banco  de  imagens  também são usadas para tal fim  [...]  tais  arquivos  contém  fotos,  recortes,  rascunhos,  textos,  enfim,  toda  sorte  de  objetos  que,  eventualmente,  servirão  em  determinados  trabalhos  [...]  Desse  modo,  qualquer  artista  por  mais  talentoso  que  seja  às  vezes  precisa  de   um  material  de  referência   para  representar  algo  com  exatidão,  seja  um  desenho  ou  pintura,   é  fundamental  sempre   quando  possível  recorrer   a  referências (MOURA, p.14, 2011). 

  Além  dos  elementos  citados  também  fazem  parte  do  arquivo  morto  desta  pesquisa  livros  ilustrados infantis de  outros autores, mais especificamente dos livros  infantis produtos da parceria entre Neil Gaiman e Dave Mckean.     4.2. TÉCNICAS EMPREGADAS   

     34  Desde  o  início   de  minha  carreira  de  artista  busco  (por)  um  processo  criativo  que me garanta  um  estilo próprio,  uma  unidade estética e temática que torne o meu  trabalho reconhecível.  O  Curso  de Artes  Visuais se mostrou um processo constante  de  auto­descoberta,  experimentação  de   técnicas  e  exposição  à  referenciais.  Após  muita  prática,  estudo,  pesquisa  e  experiências  adquiridas  no  ambiente  acadêmico  desenvolvi  um  conjunto  de  técnicas  de  criação  de  imagens  através  do qual  eu me  sinto  confortável,   sempre  apoiado  na  liberdade  proporcionada  pela  arte  contemporânea  em  seu  caráter  de  flexibilidade  das  expressões.  A  ​ impressão  de  manipulações  digitais  em  pigmento  a  partir  de  uma  matriz  em  aquarela  é  a  técnica  mais  presente  em  meus  trabalhos  artísticos  atualmente.  Este  processo  se  inicia  com a concepção  de um rascunho a lápis que depois é coberto e definido com  pintura  em  aquarela  sobre  papel,  criando   uma  matriz  que  é  então  fotografada  e  manipulada digitalmente através de ​ softwares de edição de imagens para depois ser  reproduzida   em  tiragens  limitadas  em  impressoras  à  base  de  tinta.  Uma  das  características  principais  deste  conjunto  de  técnicas  é  a  seu  caráter  reprodutível,  característica  fundamental  para  que eu optasse por este conjunto de procedimentos  para criar as imagens das páginas de ​ Os Mongos.  Uma  questão fundamental a se refletir  sobre  este  processo  técnico de criação  da imagem remete­se diretamente  ao  famoso  ensaio ​ A  Obra de Arte  na Era de  sua  Reprodutibilidade  Técnica  de  Walter  Benjamin  (1994),  que  questiona  a  perda  da  aura  da obra de arte  conforme esta  é  reproduzida. Esta aura proposta pelo autor se  refere ao    aqui  e o agora da obra de arte ­ a sua existência  única no  lugar  em  que  se  encontra  [...]  Poderia  caracterizar­se  a  técnica  de  reprodução  dizendo  que  liberta  o  objecto  reproduzido  do  domínio  da  tradição.  Ao  multiplicar  o  reproduzido,  coloca  no  lugar  de  ocorrência  única   a  ocorrência  em  massa.  Na  medida  em  que  permite   à  reprodução  ir  ao  encontro de quem apreende, actualiza o  reproduzido  em  cada   uma  das  situações  (BENJAMIN,  Walter, p. 4, 1994). 

 

     35  Em  um  contexto  histórico  em   que  a  pintura  se  apresentasse  como  a  mais  avançada  tecnologia  de  reprodução,  uma  aquarela  seria  a   etapa  final  deste  processo de criação  da  imagem.  Porém,  o estudo  de um  processo de criação  é um  estudo  do  tempo,  do  tempo  da  criação  (SALLES,  2008)  e  no  contexto  atual  da  História  da  Arte, na contemporaneidade das revoluções tecnológicas, as  técnicas de  reprodução  são  tão  numerosas  e  desenvolvidas  que  o  processo  criativo que  adotei  para  produzir  o  livro  ​ Os   Mongos  ​ assume  a  pintura  em   aquarela  como  uma  das  etapas  iniciais  da  construção  de uma  obra  definitiva, o papel pintado  com  aquarela  torna­se  a  matriz,  assim  como   a  madeira  o  é  para  a xilogravura. Não  há,  portanto,  uma  obra  original  a  ser  apreciada  em  sua  existência  única  no  lugar  em  que  se  encontra,  e  sim,  um  conjunto  de  imagens  justapostas  em  sequencia  deliberada  reproduzidas em grande quantidades de tiragens no formato de livro.  Com  os  rascunhos   de  todas  as  página  de  ​ Os Mongos ​ prontos,  todas  as  artes  conceituais  dos  personagens  e  o  material  fotográfico  e  literário  de  referência  do  arquivo  morto  preparados,  o  próximo  passo  foi  construir   as  matrizes  em  aquarela  sobre papel de todas as páginas do livro.   

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  Figura  10  ­  Comparação  entre  as  diferentes   fases   de  criação do  livro  ​ Os  Mongos Estão Levando as  Nossas  Coisas. ​ Acima: Páginas  1 e  2 em formato de roteiro (ou  rascunho). Abaixo: Matriz em aquarela  das Página 1 e 2. Fonte: Pedro Balduino, 2014. 

  E possível  exemplificar através da última imagem que as matrizes em aquarela  quando  prontas ainda apresentam uma grande quantidade de elementos ausentes e  ainda  são  muito  primitivas  para  serem  consideradas  compreensíveis  enquanto  página  finalizada.  Isso  se  deve  ao  fato   de  que  durante  o  processo  seguinte,  o  de  manipulação  da  fotografia  destas  matrizes,  muitos  elementos  fotográficos  são  adicionados e editados, como é possível ver na comparação a seguir:   

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  Figura  11  ­  Comparação  entre  as  diferentes   fases   de  criação do  livro  ​ Os  Mongos Estão Levando as  Nossas  Coisas. ​ Acima: Matriz  em  aquarela das Páginas  1 e 2. Abaixo: Versão final das Páginas 1 e 2.   Fonte: Pedro Balduino, 2014. 

  Alguns  detalhes  como  a  imagem  da  casa  saindo  de  dentro  das  caixas  de  papelão  e  até  mesmo  os  azulejos  do  chão  da  casa  são  adicionados  durante  o  processo  de  manipulação  digital  das  matrizes.  As  fotografias  utilizadas  para  complementar  a  imagem  são  proveninentes  de  arquivos  de  imagem  baixados   da  internet  selecionados durante  a  pesquisa  de composição  do  arquivo morto, além de  arquivos  de imagens pessoais documentados pelo autor desta pesquisa. Além deste  acréscimo  de  elementos  fotográficos,  as  páginas  sofrem  outras  edições  e  manipulações  como:  alteração  de  brilho,  contraste  e  saturação,  recorte,  transformação  e  redimensionamento  de  alguns  elementos,  eliminação  de  outros,  desfoque  entre  outros  efeitos  próprios  do   ​ software  de  edição  de  imagens  utilizado  neste  processo,   o  Adobe  Photoshop.  Todo  o  conhecimento  acerca  da  utilização  desta  ferramenta   foi  adquirido  durante   a  participação  no  Componente  Curricular  Desenho em Computador II​ . 

     38  Em  relação  às  palavras,  alguns  textos  com  função  de  narração  e  discurso  direto  foram  selecionados  para  serem  trabalhados  posteriormente  sendo  escritos  através  da  ferramenta  ​ texto  do  ​ software​ ,  enquanto  outros  textos  com  funções  de  onomatopéias   ou  textos  que  se  apresentam  como  elementos  cenográficos  do  enredo4   ​ foram  desenhados  diretamente  sobre  a  matriz,  utilizando  a  técnica   da  aquarela e da nanquim sobre o papel.  O  processo  de  selecionar  quais  elementos  da  ilustração  na  página  seriam  pintados  na  matriz  em  aquarela  sobre  papel   e  quais  seriam  adicionados  posteriormente através  de  arquivos  de  imagem  durante  o  processo  de manipulação  digital,  foi  exclusivamente  intuitivo e baseado  nas experiência anteriores que  obtive  com  a  prática  desta  técnica  híbrida  sendo,  portanto,  um  processo  subjetivo.  É   possível,  no  entanto,  observar  um  padrão  onde  os  elementos  principais  da  cena/página  (personagens  e  objetos  que  interagem  com  estes  e,  às  vezes,  textos  onomatopéicos)  são  pintados,  e  elementos  secundários (cenários, demais  detalhes  relacionados  a  estes,  textos  de  narração  e  discursos  diretos)  são  adicionados  posteriormente durante a manipulação no ​ software​ .  Todo este processo de trabalho, que abre margem para a utilização sistemática  de  técnicas  artísticas   tanto  quanto  para  um  processo  intuitivo  e  subjetivo   de  decisões  conceituais,  mostra­se  bem  sucedido  através  da  escrita  da  imagem  baseada  em  um  único  autor  sugerida  por  Eisner  (1985),  dado  o  fato  de  que  a  liberdade  em  tomar  decisões  para  um  melhor  resultado  final  não  sofre hierarquias  autorais ou contradições entre os autores.    5. DIFERENTES TIPOS DE TEXTO E UMA PROPOSTA METALINGUISTICA    Durante  todo  a  construção  do  livro  ​ Os  Mongos  diversas  técnicas,  métodos  e  propostas  foram  abordadas para que  a relação entre texto verbal e  imagem pictórica  encontrasse um equilíbrio de valores entre si dentro do contexto da obra literária.   Mesmo  buscando um equilíbrio de valores entre texto verbal e ilustração dentro  do  livro  ilustrado,  neste  momento  é  necessário  relembrar  que  estes  são  tipos  4

 No tópico seguinte, onde serão abordados os conceitos de texto intermidiático, será explicada a  eventual utilização do texto verbal enquanto elemento cenográfico do enredo. 

     39  distintos de  signos e que, portanto,  apresentam  métodos distintos  de  leitura, onde a  ilustração  estabelece  uma  comunicação  mais  direta  que  o  código  verbal  escrito   (ROLLA, 2006).  Vimos  que  o  texto verbal  pode assumir diferentes funções e que, na linguagem  das  histórias  em quadrinhos,  estas  funções  podem  ser representadas  por  inúmeras  técnicas  de  composição  visual  e  elementos  semânticos,  como  os  balões  por  exemplo.  Além  dessas,   existem  diferentes  maneiras  de   diagnosticar  o  texto  verbal  dentro  do  contexto  da  literatura  ilustrada.  Segundo Claus Clüver (2001),  nos  livros  ilustrados  encontram­se  presentes  três  tipos  de  texto   verbal:  o  texto  multimídia,  o  misto  e  o  intermidiático.  O  texto  multimídia  é  caracterizado  por  “combinações  de  textos  separáveis  e  separadamente  coerentes  compostos  em  mídias  diferentes”  (CLÜVER,  2001,  p.  341).  O  texto misto ou ​ mixed  media  “contém signos  complexos  em  mídias  diferentes  que  não  alcançariam  coerência  ou  auto­suficiências  fora  daquele  contexto”  (CLÜVER,  2001,  p.  8).  O  texto  intermidiático  “recorre  a  dois  ou  mais sistema de signos  e/ou  mídia  de  uma  forma  tal  que os aspectos visuais [...] se  tornem inseparáveis” (CLÜVER, 2001, p. 8).  Livros  ilustrados  onde  o  texto  verbal  pode   ser  separado  da  ilustração e ainda  assim podem ser  compreendidos  e  apreciados  enquanto  obra, são  livros multimídia,  ou  seja,  compostos  por  mais  de  uma mídia (texto  e ilustração) independentes uma  da outra. Os outros tipos de textos verbais presentes na literatura ilustrada propostos  por  Clüver  (misto e intermidiáticos)  são  os que mais se afastam do conceito de texto  multimídia e, portanto, mais se aproximam dos objetivos alcançados em ​ Os Mongos​ .   

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  Figura  12  ­  Página  6  do livro ​ Os Mongos Estão  Levando  as  Nossas Coisas.  Fonte: Pedro Balduino, 

2014. 

  Na  imagem  anterior  é   possível  ver  um  exemplo  de  como  o  enredo  de  ​ Os  Mongos  ​ é  dependente  tanto  das  palavras  quanto  das  ilustrações  para  apresentar  todas  as  informações  necessárias  ao  desenrolar  da  história.  O  texto  verbal  que  poderia  completar a lacuna na  frase  foi  substituído  pelo símbolo da  seta que  guia a  atenção  do  leitor  até  as  figuras,  garantindo  uma  relação  de  complementação  e,  desta  forma,  a  coerência  necessária  para  a  compreensão  da  história  não  fica  dependente apenas  a uma  das mídias  do livro, tornando o livro  incompleto se estes  elementos forem separados.   

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  Figura  13  ­  Página  4  do livro ​ Os Mongos Estão  Levando  as  Nossas Coisas.  Fonte: Pedro Balduino, 

2014. 

  Na  imagem  anterior,  o  conceito de texto intermidiático de Clüver é aplicado. Ao  atribuir  ao texto  verbal  presente  na  página  (onde  lê­se ​ temível, terrível,  ruível  ruído,  sucessivamente)  características  de  objeto cenográfico  como  a  sombra projetada  na  parede  e  a  interação  que  estabelece  com  o  personagem  presente  (que  olha  diretamente  para   o  texto  apresentado  como  uma  figura  que  flutua  no  ambiente em  direção  teto),  este  texto  passa  a  possuir  também  aspectos  visuais  de  ilustração,   assume  funções  híbridas  dentro  da  página  e  propõe  uma  leitura  ainda  mais  complexa.  Posteriormente,  na trama de  ​ Os Mongos​ ,  ​ Daniel descobre  que  os mongos são  criaturas  esquisitas   difíceis  de  serem  descritas  e  que  possuem  prazer  em  levar  as  coisas  das  pessoas,  principalmente  se  estas  coisas  forem  novidades  para  eles.  A  partir  disto,  o  personagem  principal  se  depara  com  o  maior  de todos os problemas   até  agora:  os   Mongos  se  cansaram  de  levar  os  objetos  pessoais  dos  demais  personagens   e  voltaram  sua  atenção   para  as  coisas  mais  importantes  de  toda  a 

     42  história:  as  palavras  e  as  ilustrações.  As  letras  do  livro  começam  a  desaparecer,  assim  como  o  acabamento  dos  cenários,  as  cores,  linhas  e  traços  de  toda  a  ilustração.  E  sumindo  as  letras,  Daniel  passa  a  não  compreender  mais  a  interlocução  com  outros  personagens,  nem  sabe mais identificar em que cômodo da  casa  se  encontra  ou  que  conjuntos  de  linhas  disformes  já  foi  um  dia  algum  objeto  importante para a  resolução de seu mistério. Ele tem agora apenas algumas páginas  sobrando  para  resolver  este  problema  e  reaver  as  letras  e  os  cenários,  antes  que  todo  o  livro  se  torne  um  monte  de  simples  páginas   brancas,  sem  informações  relevantes a serem lidas.   

  Figura  14  ­ Página  27  do  livro ​ Os Mongos  Estão  Levando  As Nossas  Coisas​ . Fonte: Pedro  Balduino,  2014. 

  Partindo­se do pressuposto de que  a  relação entre  texto verbal  e  ilustração foi  uma  das principais  forças  motoras que impulsionaram esta pesquisa e a criação  do  livro  ​ Os Mongos​ ,  a  ideia de sumir com estes elementos nas páginas do livro e tornar 

     43  este  fato  um  dos  principais  fatores  relevantes  da  história,  é  uma  proposta  metalinguística para fechar todo este processo de criação e pesquisa.   Um  vez  que  o  livro  infantil  ilustrado  configura­se  como  importante  ferramenta  para  a prática  da arte­educação  (ROLLA,  2006) esta metalinguagem também é uma  proposta  lúdica,  já  que não  se  pode esquecer que  o  livro ​ Os  Mongos  é direcionado  para  o  público  infantil,  que  pensa  e   lê  os  textos  e  as  ilustrações  de  maneiras  diferentes do público adulto. Como dito por Walter Benjamin em seu artigo ​ Reflexões  sobre  a  criança,  o  brinquedo  e  a  educação,  ​ “de  repente  as  palavras  vestem  seus  disfarces  e  num  piscar  de  olhos  estão  envolvidas   em  batalhas,  cenas  de  amor  e  pancadarias.  Assim,  as   crianças  escrevem,  mas  assim  também  elas  lêem  seus  textos”  (BENJAMIN,  p.70,  2002).  O  arte­educador  deve  compreender  que  as  primeiras  impressões  de  mundo  estabelecida  pela  criança  ocorrem  através  da  relação  estabelecida  com  as  imagens  e  que   “ao  transformar  essas  imagens  em  expressão,  pela   linguagem  verbal,  entra  na  composição  literária  o  elemento  prazeroso. Esse componente gerador de prazer advém sobretudo da  natureza lúdica  da  linguagem”  (AMARILHA,  p.27,  1997).  Também  é   importante  frisar  que  segundo  Piaget,  um  dos  principais  teóricos  do  desenvolvimento  cognitivo  (na  infância),  este  desenvolvimento  acontece  através  do  lúdico, a  criança  precisa brincar  para  crescer  e  para  se  equilibrar  com  o  mundo  (PIAGET,  1989).   Estas   são  algumas  das  bases  teóricas  em  que  o arte­educador  pode  se  basear para utilizar o livro infantil ilustrado  como  importante  ferramenta  de  sua  prática,  e  utilizar  o  livro   ​ Os  Mongos  Estão  Levando as Nossa Coisas​  em sala de aula.  Para não  deixar pontas soltas: no fim da história, Daniel consegue reaver o seu  videogame, as tintas do Irmão Mais Velho, os chocolates da sua Mãe, as ilustrações  e as palavras que sumiram.    6. CONCLUSÃO    Ao final desta  escrita, constato  que minha  intenção com  a análise do  processo  criativo do  livro ​ Os  Mongos  Estão  Levando  as  Nossas Coisas foi a de elucidar, com  o máximo de clareza, um  método de criação do livro preocupado, do começo ao fim,  com  os  elementos  principais da  literatura ilustrada  presentes  na  obra: o texto verbal 

     44  e  a  ilustração,  como  estes  elementos  se  comportam  mutuamente  e  a  importância  dessa relação na escrita e na leitura do livro.   A  contextualização  histórica  e  conceitual  das  artes  sequenciais  se  mostrou  pertinente  ao  demonstrar  que  as  artes  sequenciais  são  um  meio  de  expressão  antigo e  que  muitos  dos  preceitos  utilizados hoje  nos quadrinhos  e demais  livros de  literatura ilustrada são assumidos em suas produções.  Acredito  que  os  procedimentos  técnicos  adotados desde  os  momentos  iniciais  de  desenvolvimento  do  enredo,  até  a  fase  de  acabamento  das  páginas  foram  condizentes  com  os   objetivos  pretendidos  por  esta  pesquisa.  Espero  que  a  leitura  desta  pesquisa  se  mostre  útil  para  profissionais  que  pretendam  trabalhar  nas  diferentes  áreas  relacionadas  às  artes  e  à  comunicação visual, bem  como  a  leitura  do produto  final  deste trabalho, o livro  ​ Os  Mongos  Estão  Levando as Nossa Coisas​ ,  se mostre bem sucedida e que esta obra literária possa servir de ferramenta didática  para os profissionais da arte­educação.  É  importante  deixar  claro  que  mesmo  que  Eisner  (1985)  tenha  sugerido  o  método  de  trabalho  de  um  único  autor,  e  que  esta  pesquisa  tenha  assumido  este  método  como  forma  pertinente  para  concretizar  os  objetivos  de respeitar a relação  entre  texto  e  ilustração na  obra  e  minimizar as hierarquias de trabalho nas linhas de  produção  do   mercado  editorial,  o  que  vale  a  pena  ser  deixado  como  legado  deste  trabalho  é  uma  reflexão  acerca  destas  problemáticas  apresentadas  e  não  uma  imposição  de procedimentos ideais.  Mesmo  que um livro seja escrito por um escritor  e  um  ilustrador  ou  até  mesmo  uma  equipe  de  trabalho  composta  por  uma  grande  quantidade  de  profissionais,  no  contexto  da  arte  contemporânea  sempre  existirá  a  liberdade  e  flexibilidade  para  estabelecer  métodos  de  trabalho  cada  vez  mais  inovadores  e  conscientes  e  isso  deve  ser  encorajado.  E  para  alcançar  esta  consciência  sobre  o  fazer  artístico, a  pesquisa  em arte  deve  ser  estimulada e  cada  vez mais produzida.  Este  é  um dos principais aprendizados que carrego junto com a  formação no curso de Licenciatura em Artes Visuais.           

     45  7. BIBLIOGRAFIA      AMARILHA,  Marly.  ​ Estão  Mortas  as  Fadas?  Literatura  Infantil  e  Prática  Pedagógica. ​ Rio de Janeiro: Petrópolis: Editora Vozes, 1997    BENJAMIN,  Walter.  ​ Reflexões  sobre  a  criança,  o  brinquedo  e  a  educação.  Tradução de Ricardo Rosenbusch. São Paulo: Editora 34; Duas Cidades, 2002.    BENJAMIN,  Walter.  ​ A  obra  de  arte  na  era  de  sua  reprodutibilidade técnica.  ​ In:  Magia e  técnica, arte  e  política:  ensaios  sobre  literatura e história  da cultura. Obras  Escolhidas. Vol. 1. São Paulo, Brasiliense, 1994.    CAMARGO, Luíz. ​ Ilustração do livro infantil​ . ​ Belo Horizonte: Editora Lê, 1995.    CIRNE, Moacy. ​ A escrita dos quadrinhos.​  Natal: Sebo Vermelho, 2005.    CLÜVER,  Claus.  ​ Estudos  Interartes:  introdução crítica.  ​ Tradução de Yung  Jung  Im  e  Claus  Cluver​ .  ​ In:  BUESCU,  Helena et  al.  (Coord.).  Floresta  encantada:  ​ novos  caminhos da literatura comparada. Lisboa: Dom Quixote, 2001.    ECO, Umberto. ​ Apocalípticos e Integrados. ​ São Paulo: Perspectiva, 2008.    EISNER,  Will.  ​ Quadrinhos  e  Arte  Sequencial.  Tradução  de  Luís  Carlos  Borges.  São Paulo: Martins Fontes, 1985.    GAIMAN,  Neil.  ​ Erros  fantásticos:  O  discurso  “faça  boa  arte”  de  Neil  Gaiman.  Tradução de Julio Moreira. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.    GAIMAN,  Neil.  ​ O  Dia  em  que  troquei  meu  pai  por  dois  peixinhos  dourados.  Tradução de Viviane Diniz. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.    GAIMAN,  Neil.  ​ Os  Lobos  Dentro  das  Paredes.  Tradução  de  John  Lee.  Rio  de  Janeiro: Rocco, 2006.    HERSKOVIC,  C.  ​ Textos  intermidiáticos  na  literatura  infanto­juvenil  de  Neil  Gaiman  e  Dave  Mckean.  In:  XII  Congresso  Internacional  ABRALIC,  211,  Curitiba;  XII  Congresso  Internacional  ABRALIC  ­  Centro, centros: petica  e  estética. Curitiba:  ABRALIC, 2011.    MCCLOUD​ ,  Scott.  ​ Desvendando  os quadrinhos​ .  Tradução  de Hélcio  de Carvalho  e Marisa do Nascimento Paro. São Paulo: M. Books, 2005.    MOKARZEL, Marisa. ​ Artes Visuais e suas interfaces. ​ 2. ed. Belém: Unama, 2008.    MOORE,  Allan.  ​ Como  escrever  estórias  em  quadrinhos.  ​ Comics  Jornal,  Rio   de  Janeiro. vol. 119, p. 91­95, Janeiro de 1988.   

     46  MORAES,  Odilon.  ​ Entre  o  texto  e  a  ilustração,  um  autor  completo.  Rio  de  Janeiro: Cosac Naify, Janeiro de 2008. Entrevista a Livia Deorsola.    MOURA,  Leandro  de.  ​ Processo  criativo do  quadrinho:  O  evangelho segundo  o  sangue, ​ 40 páginas, UFRN, Natal, 2011.    PEIRCE,  Charles  Sanders.  ​ Semiótica​ . 2 ed. Tradução de Octanny Silveira da Mota.  São Paulo: Perspectiva, 1995.    PIAGET,  Jean.  ​ O  nascimento  da  inteligência  na  criança.  ​ 4ª  ed.  Rio  e  Janeiro:  Zahar, 1982.     ROLLA,  Angela  Rocha.  ​ Literatura  infantil:  intertextualidade  e  narratividade.  In:  IX  Seminário  Intermunicipal de Pesquisa, 2006. Guaíba, IX Seminário Intermunicipal  de Guaíba, 2006.    SALLES,  Cecília Almeida. ​ Crítica Genética​ : fundamentos dos estudos genéticos  sobre o processo de criação artística. ​ 3 ed. revista. São Paulo: EDUC, 2008.    WAGNER,  Hank;  GOLDEN,  Christopher;  BISSETTE,  Stephen  R.  ​ Príncipe  de  Histórias,  os  vários  mundos  de  Neil  Gaiman.  Tradução  de  Santiago  Nazarian.  São Paulo: Geração Editorial, 2011.   

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