Processo de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu/Niterói: a atuação dos pescadores e pescadoras artesanais

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REVISTA DO CFCH • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ISSN 2177-9325

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Edição Especial JICTAC 2015

Processo de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu/Niterói: a atuação dos pescadores e pescadoras artesanais Maycon Correia Pinto Instituto de Psicologia/Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected]

Profa Dra. Marta de Azevedo Irving Instituto de Psicologia/Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected]

Ms. Edilaine Albertino de Moraes Instituto de Psicologia/Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected]

Palavras-chave: 1.

Reserva Extrativista Marinha. 2. Pescadores e Pescadoras Artesanais. 3.

Movimento Social. 4. Conflito. 1 Introdução Este trabalho objetiva apresentar e interpretar algumas das principais tensões sociais associadas ao processo de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu (no município de Niterói/RJ, pelo Decreto Estadual 44.417/2013) e o papel dos pescadores artesanais locais na gestão dessa unidade de conservação. A escolha da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu para análise de objeto de estudo se justifica por ter sido esta resultante de uma iniciativa que esteve sujeita a paralisações marcadas pelo discurso divergente entre as organizações de pescadores locais acerca dos benefícios decorrentes de sua implementação. Além disso, essa experiência ilustra a dinâmica de criação da primeira reserva marinha sob a gestão do governo estadual do Rio de Janeiro, o que permite, em tese, a interpretação de alguns dos desafios a serem superados pela gestão pública nessa esfera. Sendo assim, o compromisso com a presente pesquisa se orienta pelas seguintes questões: Como foi criada a Reserva Extrativista Marinha de Itaipu? Por que seu processo de criação foi tão longo? Qual foi o papel e como se deu a atuação dos pescadores e pescadoras artesanais neste processo? Nesta direção, a investigação se 1

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baseia em análise bibliográfica e documental acerca do tema e em dados de observação sistemática de campo, de abril a outubro de 2015, com ênfase na interpretação qualitativa do fenômeno em investigação. O recorte de pesquisa parte da reflexão sobre a origem das reservas extrativistas marinhas e também da contextualização de políticas públicas que orientam o processo no Brasil. A reflexão proposta se orientou ainda pela caracterização da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu, considerando o seu contexto histórico e de gestão para interpretar as tensões e os desafios para o protagonismo dos pescadores e pescadoras artesanais no processo decisório de gestão dessa reserva extrativista marinha.

2 Reserva Extrativista Marinha: contexto e desafios A proposta de criação de reservas extrativistas marinhas (RESEX Marinhas) surgiu no início da década de 1990, na base do Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) e do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), como uma possível solução para a minimização de pressões e ameaças ao modo de vida e a cultura do pescador, e ainda à própria integridade da biodiversidade marinha, decorrentes dos processos crescentes de urbanização, de especulação imobiliária, de turismo e da pesca industrial (DIEGUES, 1995). Sendo assim, as reservas extrativistas marinhas têm a finalidade de assegurar uma forma de proteção socioambiental em áreas de elevada biodiversidade e também a salvaguarda dos modos de vida tradicionais para garantir os seus direitos históricos de acesso ao mar e de uso dos recursos pesqueiros. A criação de RESEX marinhas tem representado assim, uma alternativa para a proteção e gestão do território e dos recursos pesqueiros e costeiros. No entanto, o processo de criação de reservas extrativistas marinhas tem sido permeado por conflitos decorrentes dos inúmeros interesses na exploração desordenada dos recursos naturais, o que coloca em pauta a importância do exercício de participação de beneficiários e usuários diretos dos recursos vivos marinhos no processo de tomada de decisões na gestão da unidade (MENDONÇA, MORAES e COSTA, 2013). Atualmente, o processo de criação, implantação e gestão de RESEX se baseia em critérios e normas estabelecidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, instituído pela Lei nº 9.985/2000 e regulamentado pelo Decreto nº 2

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4.340/2002. Sob esse marco legal, a categoria RESEX se define como uma área protegida utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais (BRASIL, 2000; 2002). A gestão de uma RESEX se orienta, principalmente, pelo Plano de Manejo, sendo este aprovado pelo conselho deliberativo, que representa a instância participativa da gestão da RESEX, composta por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, inclusive com maioria das populações extrativistas. Mas o contexto atual das condições da gestão das 28 RESEX Marinhas criadas no país até o momento constitui um real desafio para a gestão pública. Segundo o ICMBIO (2015), apenas uma RESEX Marinha de Caeté-Taperaçu (Pará) dispõe de Plano de Manejo. Por outro lado, praticamente todas já dispõem de conselho deliberativo, com exceção de três unidades. Mesmo assim, a existência do conselho gestor não é garantia de participação efetiva das populações tradicionais envolvidas no processo de gestão. Além disso, a situação atual da gestão das RESEX Marinha têm sido de enfrentamento a problemas como carência de recursos humanos e financeiros, infraestrutura física e tecnológica inadequada, sistema de fiscalização e monitoramento ineficientes para a complexidade dos problemas enfrentados e fontes de renda limitadas para as populações extrativistas (COSTA, 2013). Devido a esse cenário agravante, a luta pelo reconhecimento dos direitos dos territórios extrativistas tradicionais costeiros e marinhos impulsionou, em 2009, o surgimento da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos – CONFREM. Esse coletivo envolve Povos e Populações Tradicionais extrativistas de 18 Estados Brasileiros, e mais de 100.000 famílias que vivem da pesca artesanal e outras formas de extrativismo, no processo de mobilização e pressão ao governo para criar as RESEX demandadas (CONFREM, 2015), o que ilustra o potencial de ampliação dessa categoria de manejo de UC e a visibilidade da problemática social envolvida em relação ao território, cultura tradicional, pesca, saúde, e outros.

3 Reserva Extrativista Marinha de Itaipu: origem e perspectiva atual 3

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A Reserva Extrativista Marinha de Itaipu está localizada nas proximidades da entrada da Baía de Guanabara, no município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, abrangendo cerca de 3.950 hectares, sendo que a maior parte da área corresponde à enseada de Itaipu, que ocupa uma área de cerca de 42 km². Na área abrangente da UC, estima-se a presença de um universo de cerca de 120 pescadores artesanais tradicionais da região de Itaipu, que exercem suas artes à beira da praia (INEA, 2013). Na origem, a criação da RESEX marinha foi defendida pelo movimento dos pescadores artesanais da região de Itaipu, desde 1996, como uma possível solução para os problemas do crescimento urbano, da expansão imobiliária na Região Oceânica de Niterói, da pesca industrial e da poluição das águas marinhas (INEA, 2013). Com base neste panorama, a Associação Livre de Pescadores e Amigos da Praia de Itaipu (ALPAPI) e a Colônia de Pescadores Z-7 se constituíram nas principais organizações sociopolíticas que influenciaram a criação da RESEX Marinha de Itaipu, em uma relação conflituosa de interesses, desde a época da abertura do processo administrativo para a criação da reserva em 1999 até os dias atuais. A ALPAPI manteve seu posicionamento pela criação da RESEX marinha, enquanto a Colônia Z-7 permanece contra a UC (PINTO, IRVING e MORAES, 2015). Esse contexto resultou na criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu pelo Decreto Estadual 44.417 de 30 de setembro de 2013, com o objetivo de proteger os meios de vida da população de pescadores artesanais tradicionais da região de Itaipu e garantir a exploração sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis em sua área de abrangência. Este Decreto prevê a possibilidade de que pescadores artesanais de outras regiões (que não sejam de Itaipu) e pescadores amadores possam também praticar a pesca desde que atendendo os regulamentos específicos da RESEX. Desde então, a administração da UC é realizada pelo INEA e a gestão por um Conselho Deliberativo, cuja cerimônia de posse ocorreu em 12 de abril de 2014. A composição do Conselho considerou o papel e a atuação das entidades na região, como organizações governamentais e não-governamentais, associações e colônias de pesca de Niterói e adjacências, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Abastecimento e Pesca, e Universidade Federal Fluminense (UFF). Porém, a UC ainda não dispõe de Plano de Manejo (PINTO, IRVING e MORAES, 2015). 4

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4 Considerações Finais Pelo presente trabalho, compreende-se que na luta política pelo território tradicional, os atores sociais desenvolvem diferentes estratégias para atendimento aos seus interesses e demandas. Na experiência da RESEX Marinha de Itaipu, a ALPAPI atendeu às normas exigidas pela Instrução Normativa ICMBio 02/2007, a qual institui que a solicitação formal para a criação da RESEX deve ser advinda da população tradicional, e pode vir acompanhada de manifestações de apoio de instituições governamentais, não-governamentais, da comunidade científica e da sociedade civil organizada. Apesar disso, o posicionamento da Colônia Z-7, de modo desfavorável à criação da RESEX, teve efeitos sobre o julgamento do órgão competente, gerando dúvida sobre o processo e sua consequente paralisação. Portanto, a experiência do processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu sinaliza para a importância de os órgãos competentes compreenderem as dinâmicas relacionais entre Associações de Pescadores Livres e Colônias de pescadores que se posicionam contrariamente e, ao modo como são engendradas as ações dos órgãos gestores competentes. Isto porque a explicitação, a interpretação e o mapeamento de tensões e conflitos associados à gestão da UC constituem um passo essencial para a construção de diálogos democráticos para a consolidação e o cumprimento dos objetivos de criação da UC. Neste sentido, espera-se que o conselho deliberativo se efetive como um espaço em que os conflitos e problemas entre as entidades representativas locais sejam negociados e agenciados, buscando o bem comum da RESEX Marinha de Itaipu.

Referências bibliográficas BRASIL. Decreto n. 4.340, de 22 de agosto de 2002. 4ª Edição. Brasília: MMA/SBF, 2004. BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. 4ª Edição. Brasília: MMA/SBF, 2000. COSTA, G. B. O Estado da Arte no processo de gestão das Reservas Extrativistas Costeiro-Marinhas: para inspirar a reflexão sobre áreas protegidas no Brasil. (Monografia) Especialização em Gestão da Biodiversidade. Rio de Janeiro: Instituto de 5

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Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2013. DIEGUES, A. C. S. Povos e mares: leituras em sócio-antropologia marítima. São Paulo: NUPAUB-USP, 1995. INEA Instituto Estadual do Ambiente; Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Estudo Técnico para a criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu - RESEXItaipu. Niterói - RJ, Julho 2013. MENDONÇA, T. C. M.; MORAES, E. A. de; COSTA, M. A. M. Turismo e pesca nas Reservas Extrativistas Marinhas de Arraial do Cabo (RJ) e da Prainha do Canto Verde (CE): possibilidades e limites de complementaridade. Caderno Virtual de Turismo. Rio de Janeiro, v. 13, n. 3, p.372-390, dez. 2013. PINTO, M. C.; MORAES, E. A. de; IRVING, M. de A. Processo de criação e gestão da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu – Niterói/RJ: o papel dos atores sociais. In: Anais do VII SAPIS e II ELAPIS. Florianópolis: UFSC, 2015, p. 519-526.

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