PROCESSO DE CRIAÇÃO E GESTÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE ITAIPU – NITERÓI/RJ: O PAPEL DOS ATORES SOCIAIS

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PROCESSO DE CRIAÇÃO E GESTÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA MARINHA DE ITAIPU – NITERÓI/RJ: O PAPEL DOS ATORES SOCIAIS Pinto, Maycon Correia1; Moraes, Edilaine Albertino de & Irving, Marta de Azevedo 1 - Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected]

Resumo Reservas Extrativistas Marinhas tem a finalidade de assegurar uma forma de proteção socioambiental de uma área de biodiversidade relevante e dos modos de vida dos povos tradicionais para garantir os seus direitos históricos de acesso ao mar e de uso dos recursos pesqueiros. Com o intuito de refletir sobre o processo de engajamento dos pescadores artesanais na criação e gestão desta categoria de Unidade de Conservação, o objetivo deste trabalho é interpretar o processo de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu (RJ). Para tanto, o trabalho se desenvolveu com base em um levantamento bibliográfico e documental acerca do tema, complementado com trabalho de campo exploratório. As informações obtidas neste levantamento indicam a necessidade de uma maior coesão entre as entidades representativas dos atores locais para a consolidação e o cumprimento dos objetivos de criação da UC. Palavras-chave: RNSIIPG, Reserva Extrativista Marinha, Pescadores Artesanais, Movimento Social, Gestão. Itaipu.

Introdução A Zona Costeira do Estado do Rio de Janeiro, de elevado valor em biodiversidade envolve uma extensão de aproximadamente 1.160 km de linha de costa, abrangendo 33 municípios e 40% do território fluminense, no qual vivem cerca de 83% da população fluminense (INEA, 2015). Nesta faixa, ocorrem diversas formações físicas e bióticas, nas quais se concentram os principais vetores de pressão sobre o uso dos recursos naturais para exploração econômica, sobretudo por meio de atividades de petróleo e gás e turismo. O desenvolvimento dessas atividades produtivas na costa fluminense tem ocasionado grandes mudanças nos espaços onde ainda vivem populações pesqueiras que têm na pesca artesanal a sua principal fonte de alimento e renda. Os pescadores artesanais tem sido um dos grupos mais vulneráveis e afetados por impactos derivados de atividades econômicas em larga escala sobre o uso e ocupação do espaço costeiro e marinho. Estes grupos sociais têm sido afetados de forma sistemática pelo processo, em função da precarização da sua condição social, da escolha da atual política nacional pesqueira pelo crescimento produtivo e dos inúmeros conflitos derivados do uso múltiplo da água sobreposto no mesmo território (SOARES, 2012; AZEVEDO; PIERRI, 2013). Isso ocorre apesar da importância da pesca artesanal ser reconhecida, mundialmente, pelas questões de trabalho, segurança alimentar, produção em escala de pescado e pela manutenção da grande diversidade cultural que está vinculada a essa prática social (DIEGUES, 1995). Por contextos conflituosos como anteriormente descrito, a atual fase da luta política dos pescadores artesanais no Brasil vem se fundamentando na reivindicação da demanda por regularização dos territórios das comunidades tradicionais pesqueiras por meio da campanha nacional ensejada pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP. Este movimento encontra ressonância no momento histórico, a partir da constituição de 1988, no qual se verifica um processo de afirmação de populações entendidas como tradicionais como sujeitos de direito (AZEVEDO, 2014). Neste contexto, uma alternativa destes grupos para a proteção e gestão do território e dos recursos pesqueiros e costeiros tem sido a criação de Reservas Extrativistas Marinhas (RESEX Marinha), as quais são consideradas como uma categoria de manejo de unidades de conservação da natureza genuinamente brasileira, inspirada em uma relação dinâmica entre povos e mares. No entanto, o processo de criação de Reservas Extrativistas Marinhas tem sido permeado por conflitos e problemas oriundos de outros interesses, pela exploração desordenada dos recursos naturais, considerando que, muitas vezes, a participação de beneficiários e usuários diretos dos recursos vivos marinhos é negligenciada no processo de tomada de decisão (MENDONÇA; MORAES; COSTA, 2013). Com o intuito de refletir, criticamente, sobre como são efetivados os processos de participação social de pescadores e

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pescadoras na criação e gestão desta categoria de UC, o objetivo deste trabalho é interpretar como foi criada a Reserva Extrativista Marinha de Itaipu (no município de Niterói/RJ, pelo Decreto Estadual 44.417/2013) e o papel dos pescadores artesanais locais na dinâmica estabelecida localmente. A escolha desta RESEX Marinha como objeto de estudo se justifica por ter sido esta resultante de uma iniciativa que esteve sujeita a paralisações marcadas pelo discurso divergente entre as organizações de pescadores locais acerca dos benefícios decorrentes de sua implementação. Além disso, este é um processo recente e ilustra a dinâmica de criação da primeira RESEX Marinha sob a gestão do governo estadual do Rio de Janeiro, o que permite, em tese, a interpretação de alguns dos desafios a serem superados pela gestão pública nessa esfera. Nesta direção, a presente pesquisa se desenvolveu com base em análise bibliográfica e documental acerca do tema e em dados de observação sistemática de campo, de abril a junho de 2015, com ênfase na interpretação qualitativa do fenômeno em investigação. Sob esta abordagem, o artigo está estruturado em três seções. A primeira seção descreve as principais questões da origem das Reservas Extrativistas no Brasil, em termos de definição jurídica do termo e da evolução do conceito de RESEX Marinha, bem como as políticas públicas no Brasil que orientam o processo. Na segunda parte, busca-se a caracterização da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu, considerando o seu contexto histórico, social, político e de gestão. Por fim, discutem-se os resultados alcançados sobre os desafios para a efetiva participação das populações tradicionais nos processos decisórios e seu protagonismo na consolidação e gestão da RESEX Marinha de Itaipu.

Reserva Extrativista da floresta ao mar: origem, definição e evolução conceitual A criação de Reservas Extrativistas nos espaços costeiros e marinhos se inspirou na proposta de RESEX elaborada no âmbito do Movimento Seringueiro, na década 1980, no Estado do Acre (Amazônia brasileira), em decorrência de um panorama histórico de degradação de um modo de vida tradicional e do desmatamento da floresta tropical. Em sua origem, as RESEX foram pensadas como espaços territoriais que buscam conciliar interesses de conservação dos recursos florestais e interesses sociais de melhoria da qualidade de vida das populações amazônicas. Portanto, a criação do modelo RESEX foi motivada a partir de demandas de populações tradicionais, buscando articular questões ecológicas e de preservação ambiental com as técnicas e saberes das populações tradicionais. Com estes pressupostos, na década 1990, o movimento social e a Aliança dos Povos da Floresta influenciaram o processo de estabelecimento das RESEX como Unidade de Conservação de Uso Sustentável, em contraposição ao modelo de Unidade de Conservação de Proteção Integral importado do primeiro mundo, que busca a proteção da vida selvagem (wilderness). Sendo assim, em 1990, foram criadas quatro RESEX na Amazônia com objetivos de conservação da biodiversidade e proteção dos modos de vida tradicionais e limites definidos, sob regime da agenda ambiental da administração pública (MORAES, 2009). Tal proposta de proteção da biodiversidade logo passou a se constituir em pauta do Movimento Social dos Pescadores Artesanais do Brasil (Conselho Pastoral dos Pescadores - CPP, Igreja Católica e Movimento Nacional dos Pescadores - MONAPE) como uma possível solução para o fim de pressões e ameaças ao modo de vida e a cultura do pescador, e ainda à própria integridade da biodiversidade marinha, decorrentes dos processos crescentes de urbanização, de especulação imobiliária, de turismo e da pesca industrial. Este contexto impulsionou a proposta de Reserva Extrativista Marinha definida como espaço costeiro marinho criado para proteger o ecossistema e assegurar os direitos históricos dos pescadores artesanais de acesso ao mar e aos recursos pesqueiros, em uma relação de equilíbrio entre povos e mares (CUNHA, 1992). Neste movimento, em 1992, foi criada a primeira RESEX Marinha do Pirajubaé, que se localiza no estado de Santa Catarina. À época, a condição para a criação de uma RESEX é que os moradores da área protegida se organizassem em grupo de forma associativista. Assim, se não existir uma associação de moradores, o grupo deve se organizar para a sua criação e buscar o fortalecimento da entidade e do trabalho colaborativo. Para assegurar este procedimento, o IBAMA indica um funcionário para assumir a gestão da RESEX e, em conjunto com a associação, é responsável pela co-gestão da área protegida (LOBÃO; LOTO, 2012). Mas em 2000, o processo de criação, implantação e gestão de RESEX passou a se basear em critérios e normas estabelecidas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, regulamentado pela Lei nº 9.985/2000 e Decreto nº 4.340/2002. Sob esse marco legal, a categoria RESEX passou a ser definida como uma área protegida utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais (BRASIL, 2000; 2002). Além do SNUC, o processo de criação e gestão das

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RESEX é orientado e fundamentado pelo Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP (Decreto 5.758/2006) e pela Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT (Decreto 6040/2007), instrumentos legais norteadores de políticas públicas com este objetivo. A análise da evolução do número de RESEX a partir de 1990 aponta que até 2015, foram criadas 62 UC dessa categoria de manejo, sendo que dentre essas, 24 são Reservas Extrativistas Marinhas (ICMBIO, 2015), conforme pode ser visualizado na Figura 1.

Figura 1. Evolução do número de RESEX em comparação ao número de RESEX Marinha (1990-2015). Fonte: Os autores, 2015.

Os dados sistematizados na figura 1 acima permitem interpretar que a categoria de manejo RESEX vem adquirindo expressividade nacional, a partir da instituição do SNUC em 2000. No entanto, segundo Mendonça, Moraes & Costa (2013) muitos conflitos e problemas têm sido ainda gerados durante o processo de criação dessas áreas, uma vez que, a participação de beneficiários e usuários diretos dos recursos vivos marinhos tem sido negligenciada no processo de tomada de decisão, em função de outros interesses envolvidos na exploração dos recursos naturais. Essa realidade parece contradizer a Instrução Normativa ICMBio Nº 03/2007, que determina que a solicitação de criação de uma RESEX seja encaminhada, formalmente, pela população tradicional ou sua representação ao órgão competente e que estes atores sejam protagonistas em todo o processo. Importante mencionar também que, atualmente, a gestão de uma RESEX se orienta, principalmente, pelo Plano de Manejo, no qual se estabelece o zoneamento e as normas que devem orientar o uso da área e o manejo dos recursos naturais, além da implantação das estruturas físicas necessárias a gestão da UC, conforme rege a Instrução Normativa ICMBio Nº 01/2007. O Plano de Manejo deve ser aprovado pelo conselho deliberativo, que representa a instância participativa da gestão da RESEX, composta por representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, inclusive com maioria das populações extrativistas, segundo a Instrução Normativa ICMBio Nº 02/2007 (MENDONÇA; MORAES; COSTA, 2013). Mas o contexto atual das condições da gestão das 24 RESEX Marinhas criadas pelo governo federal constitui um real desafio para a gestão pública. Segundo o ICMBIO (2015), apenas 01 RESEX Marinha dispõe de Plano de Manejo - RESEX Marinha de Caeté-Taperaçu/Pará. Por outro lado, apenas 03 RESEX Marinhas não dispõem de conselho gestor - Reserva Extrativista Marinha Mestre Lucindo/Pará, Reserva Extrativista Marinha Mocapajuba/Pará e Reserva Extrativista Marinha Cuinarana/Pará. Mesmo assim, a existência do conselho gestor não é garantia de participação efetiva das populações tradicionais envolvidas no processo de gestão. Em muitos casos, a organização de associações comunitárias é incipiente e tem refletido o enfraquecimento da atuação dessas populações nos processos de tomada de decisão na gestão da UC (MENDONÇA; MORAES; COSTA, 2013). Além disso, a situação atual da gestão das RESEX Marinha têm sido de enfrentamento a problemas como carência de recursos humanos e financeiros, infraestrutura física e tecnológica inadequada, sistema de fiscalização e monitoramento ineficientes para

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a complexidade dos problemas enfrentados e fontes de renda limitadas para as populações extrativistas (COSTA, 2013). Sendo assim, são diversas críticas de que ICMBio continua criando RESEX Marinhas sem que haja uma efetivação do processo de implementação e gestão da UC. Por outro lado, se o ICMBio não atender às demandas das populações tradicionais litorâneas, provavelmente, tenderão a se agravar as ameaças delas serem expulsas do seu território de origem. Por todo o contexto apresentado, a luta pelo reconhecimento das dimensões social, cultural, ambiental e econômica relativas aos direitos dos territórios extrativistas tradicionais costeiros e marinhos impulsionou, em 2009, o surgimento da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos – CONFREM. Devido ao empoderamento dos povos extrativistas costeiros e sua articulação social por meio da CONFREM, a criação de novas RESEX Marinhas vem sendo demandada e várias áreas estão em estudo com este objetivo, o que ilustra o potencial de ampliação dessa categoria de manejo de UC e, a visibilidade da problemática social envolvida. Com esta tendência observada, atualmente, as RESEX Marinha envolvem Povos e Populações Tradicionais extrativistas de 18 Estados Brasileiros, e mais de 100.000 famílias que vivem da pesca artesanal e outras formas de extrativismo (CONFREM, 2015).

Reserva Extrativista Marinha de Itaipu: o processo de criação e gestão A Reserva Extrativista Marinha de Itaipu está localizada nas proximidades da entrada da Baía de Guanabara, abrangendo o espelho d’água da Lagoa de Itaipu e a área exclusivamente marinha adjacente às praias de Piratininga, Camboinhas, Itaipu e Itacoatiara, somando cerca de 3.950 hectares, sendo que a maior parte da área corresponde à enseada de Itaipu, que ocupa uma área de cerca de 42 km², conforme delimitação geográfica apresentada na figura 2. A RESEX Marinha de Itaipu tem interface com os limites do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Na área abrangente da UC, estima-se a presença de um universo de cerca de 120 pescadores artesanais tradicionais da região de Itaipu, que exercem suas artes à beira da praia, “esperando o peixe chegar”, cuja prática representa grande riqueza em termos de sociobiodiversidade (INEA, 2013). O histórico de criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu foi iniciado em 1996 com o movimento de reivindicação dos pescadores artesanais da região de Itaipu por uma Reserva Extrativista Federal1 como uma possível solução para os problemas do crescimento urbano, da expansão imobiliária na Região Oceânica de Niterói, da pesca industrial e da poluição das águas marinhas. Na época, foi elaborada uma documentação baseada em um levantamento socioeconômico da comunidade local, realizado pelos filhos dos pescadores, no qual foram coletados dados de 119 pescadores de um universo estimado pela Associação Livre de Pescadores e Amigos da Praia de Itaipu (ALPAPI) em 400 pescadores artesanais que estavam em atividade na região. O levantamento socioeconômico mostrou que 85% dos pescadores dedicavam-se à pesca artesanal há mais de 20 anos e que 60 % residiam na região. Posteriormente, dois abaixo-assinados em apoio à criação da RESEX Marinha circularam entre os pescadores e um outro entre os considerados “amigos” da região. O primeiro obteve a assinatura de 141 pescadores e o segundo, datado de julho de 1998, foi assinado por 275 pessoas. Esses dados contribuíram para um cenário de aprovação do Projeto de Criação da RESEX Marinha Reserva Extrativista Marinha de Pesca Artesanal em Itaipu, Itacoatiara e Piratininga, uma vez que o órgão reconheceu a relação intrínseca do “pescador com o meio ambiente e com a ocupação do espaço – seja o mar ou a praia” (CNPT/IBAMA, 1999, p.16 apud INEA, 2013). A demanda pela criação da RESEX Marinha de Itaipu foi protagonizada pela ALPAPI, que tinha o apoio formalizado de diversos atores da esfera pública federal, estadual, municipal e comunitária . Porém, o cenário favorável à criação da RESEX mudou em 1999, quando a Colônia de Pescadores Z-7 vinculada à Federação Estadual dos Pescadores do Rio de Janeiro (FEPERJ) mostrou interesses adversos ao da ALPAPI. Desde então, a Colônia de Pescadores Z-7 iniciou uma ofensiva contra a criação da RESEX, questionando junto ao CNPT/IBAMA a validade dos abaixo-assinados que abrira o processo, alegando que o documento continha assinaturas de não pescadores. Sendo assim, em função de o conflito de interesses entre os atores envolvidos, o CNPT suspendeu o processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu (INEA, 2013). Por se tratar de um projeto de RESEX Federal a causa foi apoiada e orientada pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais CNPT/IBAMA por meio do processo administrativo número 02001.002808/2004-89 aberto em 08 de fevereiro de 1999. 2 IBAMA (órgão responsável, na época, pelos processos de criação das Reservas Extrativistas Federais) UFF, Colônia de Pescadores Z-7(sediada na praia de Itaipu), CCRON, Prefeitura municipal de Niterói, Câmara Municipal de Niterói, Agência Municipal de Desenvolvimento, Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Ciência e Tecnologia, Secretaria Regional das Praias Oceânicas (INEA, 2013). 3 Colônias de Pesca foram criadas em 1912, colocando os pescadores sob a tutela do Estado, constituindo espaços comumente ocupados por atores que não tem relação com a pesca artesanal, sendo contra o fortalecimento de uma estrutura representativa alternativa dos pescadores, como as associações de pescadores livres, que objetivam desatrelar das amarras das Colônias e reivindicar a proteção do território costeiro. 1

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Figura 2. Localização da RESEX Marinha de Itaipu (RJ) Fonte: INEA, 2013.

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No entanto, a ALPAPI continuou articulando apoios de instituições de diversas esferas de poder para a criação da RESEX Marinha, conseguindo que o processo fosse oficialmente reaberto no CNPT em 19 de abril de 2004, por outra Superintendência Regional do IBAMA, assumindo a condução das reuniões com os pescadores, sociedade civil e órgãos públicos. Um Grupo de Trabalho foi então formado, inicialmente com 35 componentes, representantes de diversas entidades governamentais e civis. Mas a Colônia Z-7 e entidades aliadas novamente questionaram o processo e o método “impositivo” utilizado pelo IBAMA, requisitando ao Ministério Público Federal um pedido de ação civil pública contra o processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu. Esta medida comprometeu o andamento do processo, e também motivou o IBAMA a sugerir a ampliação da área da RESEX, o que demandou a realização de novas reuniões com os pescadores de todas as localidades e a execução necessária de estudos técnicos para apoiar tal proposta. E, novamente, a criação da RESEX Marinha não se concretizou (INEA, 2013). Em 2007, o processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu foi transferido para o ICMBio, que entendeu como problemática os limites reduzidos da UC. Sendo assim, o processo não avançou. Porém, na esfera da gestão estadual, começou a se formar um ambiente favorável à criação da RESEX Marinha de Itaipu, no âmbito das ações do Secretário Carlos Minc, na Secretaria Estadual do Ambiente (SEA), em associação aos debates e as ações para a consolidação da gestão do Parque Estadual da Serra da Tiririca (PESET), uma UC gerenciada pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Os pescadores reconheceram, assim, uma nova oportunidade para o andamento da proposta da RESEX Marinha, principalmente, em função da negociação com o órgão estadual para a permanência dos pescadores residentes do Morro das Andorinhas, no PESET. Além disso, parte da área do PESET já se projetava no mar (enseada do Bananal) e, à época, se discutia a inclusão das ilhas do Pai, da Mãe e da Menina no Parque. Por esta razão, a gestão da RESEX Marinha seria, em tese, facilitada em função do aproveitamento da infra-estrutura já existente no PESET (INEA, 2013). Com base nesses argumentos, o ICMBio transferiu, formalmente, a missão e a documentação referente ao processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu ao INEA, em 2010, para que o órgão estadual desse continuidade aos estudos anteriores. No ano de 2012, os pescadores artesanais tradicionais de Itaipu procuraram a Secretaria Estadual do Ambiente (SEA) e reapresentaram a demanda para a criação da Reserva Extrativista Marinha de Itaipu, que foi então acolhida pelo Secretário Carlos Minc. Em março de 2013, um novo abaixo-assinado circulou entre os pescadores artesanais tradicionais de Itaipu e um outro entre os amigos apoiadores da causa, reivindicando a criação da UC ao INEA. Posteriormente, a SEA passou a dirigir o processo através da Superintendência de Biodiversidade e Florestas, que iniciou uma série de reuniões públicas e oficinas participativas com as instituições parceiras e o grupo de pescadores demandante para diagnosticar os conflitos e traçar estratégias para a participação social, para a difusão de informação e para a definição dos limites da área da UC. Paralelamente, a ALPAPI passou a desenvolver várias frentes de luta pela criação da RESEX Marinha, tendo inclusive o apoio da CONFREM. Neste período, tendo em vista o histórico de conflitos entre a direção da Colônia Z-7 e os pescadores alinhados com a ALPAPI, houve uma tentativa de aproximação da Superintendência de Biodiversidade e Florestas com a direção da Colônia Z-7 para convidá-la, oficialmente, a participar do processo. Porém, a Colônia Z-7 continuou afirmando ser contrária à criação da RESEX Marinha. Mesmo assim, o órgão ambiental deu continuidade ao processo, com a realização de mais duas oficinas para discutir a situação atual da pesca artesanal na região; os benefícios e desafios de uma RESEX; o funcionamento da gestão da RESEX; e a construção das regras de uso e convivência nos limites geográficos de uma RESEX. Estas oficinas contaram com um público amplo não apenas dos pescadores e suas organizações representativas, mas também envolvendo diversas instituições governamentais e não governamentais, professores/pesquisadores e alunos parceiros da UFF e UFRJ, o que acarretou em desdobramentos positivos para o processo e a reafirmação da necessidade de se estar constantemente informando sobre o funcionamento, a gestão e os impactos da RESEX na região (INEA, 2013). Em continuidade a este movimento, em meados de 2013, ocorreu mais uma reunião de um grupo de dez pescadores na praia de Itaipu para a elaboração de um “mapa falado” (que foi a base de dados para criar a figura 2, apresentada anteriormente) para expressar o universo da pesca artesanal de Itaipu, além de certificar se os limites geográficos da UC aprovados durante a oficina estavam de acordo com o real território da pesca artesanal de Itaipu (INEA, 2013). Finalmente, a Reserva Extrativista Marinha de Itaipu foi criada pelo Decreto Estadual 44.417 de 30 de setembro de 2013, com o objetivo de proteger os meios de vida da população de pescadores artesanais tradicionais da região de Itaipu e garantir a exploração sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis em sua área de abrangência. Este Decreto prevê a pos-

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sibilidade de que pescadores artesanais de outras regiões (que não sejam de Itaipu) e pescadores amadores possam também praticar a pesca desde que atendendo os regulamentos específicos da RESEX. Desde então, a administração da UC é realizada pelo INEA e a gestão por um Conselho Deliberativo, cuja cerimônia de posse ocorreu em 12 de abril de 2014. A composição do Conselho considerou o papel e a atuação das entidades na região, como organizações governamentais e não-governamentais, associações e colônias de pesca de Niterói e adjacências, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Abastecimento e Pesca, e Universidade Federal Fluminense (UFF). Quanto ao instrumento de manejo, a UC ainda não dispõe de Plano de Manejo. Assim sendo, compreende-se que na luta política pelo território, os atores sociais desenvolvem diferentes estratégias para atendimento aos seus interesses e demandas. No processo, a ALPAPI atendeu às normas exigidas pela Instrução Normativa ICMBio 02/2007, a qual institui que a solicitação formal para a criação da RESEX deve ser advinda da população tradicional, e pode vir acompanhada de manifestações de apoio de instituições governamentais, não-governamentais, da comunidade científica e da sociedade civil organizada. Apesar disso, o posicionamento da Colônia Z-7, de modo desfavorável à criação da RESEX, teve efeitos sobre o julgamento do órgão competente, gerando dúvida sobre a estabilidade do processo e sua consequente paralisação. Portanto, a experiência do processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu sinaliza para a importância de os órgãos competentes compreenderem as dinâmicas relacionais entre Associações de Pescadores Livres e Colônias de pescadores que se posicionam contrariamente e, ao modo como são engendradas as ações dos órgãos pareceristas nestes processos. Além disso, parece necessário que a equipe técnica do órgão ambiental tenha conhecimento da complexidade sócio-histórico e conflituoso da realidade destas entidades localmente, desde a fase inicial do processo.

Considerações finais Os resultados alcançados pela presente pesquisa exploratória parecem assim ilustrar, com clareza, a relação antagônica entre a ALPAPI e a Colônia de Pescadores Z-7, duas organizações sociopolíticas que influenciaram o processo de criação da RESEX Marinha de Itaipu. E este embate está na origem de inúmeros conflitos de interesses que caracterizaram a criação da RESEX Marinha desde a época da abertura do processo administrativo em 1999. Pelos dados da pesquisa, parece também evidente que a posição do CNPT/IBAMA em não ter dado continuidade à tramitação das ações para a criação da RESEX Marinha, mesmo tendo reconhecido a relação intrínseca dos pescadores da região de Itaipu com o mar e a terra, parece refletir o despreparo do órgão para lidar com os dissensos e disputas entre a ALPAPI e a Colônia de Pescadores durante o processo e com a própria dinâmica de engajamento dos pescadores artesanais. Além disso, as paralisações do processo de criação da RESEX pelo órgão federal (ICMBio) intensificaram as pressões e ameaças sobre o território, como exemplificado pela especulação imobiliária, o desenvolvimento de atividades turísticas e a busca pelo petróleo. Mas o processo histórico de lutas dos pescadores por uma constituinte da pesca e por formas próprias de organização coletiva como sindicatos (através das associações de pescadores livres) vem permitindo o atendimento das demandas dessa classe para a criação da RESEX Marinha de Itaipu. Desta forma, o processo de criação da RESEX se construiu em processos participativos que estão no cerne da proposta para a criação desta categoria de UC, segundo as referências de políticas públicas. Essas organizações sociopolíticas constituem o suporte principal para a organização dos pescadores e pescadoras artesanais em associações, sendo estes mecanismos que potencializam o capital social que se materializa na vida associativa. Pela presente pesquisa, poderia se esperar também que o Conselho Deliberativo venha a se materializar um espaço para que os conflitos do passado sejam superados entre ALPAPI e Colônia para a governança local, indicando a necessidade de uma maior coesão entre as entidades representativas dos atores locais para a consolidação e o cumprimento dos objetivos de criação da UC. A partir deste trabalho exploratório, é também importante que se considere no futuro para a pesquisa em curso, a realização de entrevistas sistemáticas com os pescadores artesanais para interpretar o papel da RESEX Marinha de Itaipu para a gestão da biodiversidade costeira e marinha, bem como com os interlocutores institucionais para que seja possível analisar os conflitos e desafios para a gestão da área protegida, por meio da decodificação dos desafios das políticas públicas para a proteção da natureza nas zonas costeira e marinha brasileiras.

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