Processos Artísticos em Interfaces Computacionais (2009)

June 24, 2017 | Autor: A. Moreira Caetano | Categoria: Art and technology, ARTE E TECNOLOGIA, Computer Art, Arts and Design Technology
Share Embed


Descrição do Produto

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

PROCESSOS ARTÍSTICOS EM INTERFACES COMPUTACIONAIS

Alexandra Cristina Moreira Caetano Universidade de Brasília

RESUMO Neste trabalho, partimos do conceito de interface computacional, para estabelecermos as relações entre as interfaces gráficas e hápticas no processo de criação artística. Analisamos trabalhos de Suzete Venturelli, Tania Fraga, Gilbertto Prado e Diana Domingues, fazendo um recorte entre os artistas que são referências nacionais e que desenvolvem trabalhos artísticos com interfaces computacionais. Em nossos estudos também nos deparamos com uma nova geração de artistas que exploram artisticamente as interfaces gráficas e sensório-motoras. Em meio às estéticas tecnológicas são estabelecidas interfaces interativas em processos poéticos de criação de arte computacional. PALAVRAS-CHAVE: interfaces computacionais, interatividade ABSTRACT This work uses the concept computer interface in order to establish the relationships between graphical and haptics interfaces in the process of artistic creation. The paper analyses works made by Suzete Venturelli, Tania Fraga, Gilbertto Prado and Diana Domingues, which are national references and that develop artistic projects with computer interface. There is also a new generation of artists that artistically explore graphic and haptic interfaces. Through technological aesthetic, is possible to establish interactive interfaces in poetical processes of computer art creation. KEY-WORDS: computer interfaces, interactivity

I. Introdução Nos anos 1980, a intervenção das novas tecnologias impulsiona os artistas ao desenvolvimento de uma arte fundada em estéticas tecnológicas. Inaugura-se a era das interfaces, em que novos paradigmas são evidenciados a partir da interação homem-máquina. A desmistificação das tecnologias computacionais tanto quanto a proliferação dos computadores pessoais colocaram os artistas diante de possibilidades estéticas interativas. Foi neste período que os artistas, segundo Suzete Venturelli (2004), passaram a se interessar pela utilização de computadores como meio para a produção de obras que se destacavam pela possibilidade de uma maior participação do espectador. Desde então interação e interatividade integram o vocabulário dos artistas, em função de propostas da arte computacional. 53

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

O artista passa a anunciar o potencial estético dos métodos avançados de criação de imagens, assim como passa a formular opções de percepção e de posições artísticas, e a pesquisar formas de interação e interfaces. Assistimos à transformação dos espectadores passivos em produtores de mensagens e conteúdos, em sujeitos reflexivos, participativos, segundo Marco Silva (2006). A passagem de espectador a interator não se dá apenas pela

introdução

do

computador

na

produção

artística,

mas

pelo

desenvolvimento das interfaces que abriram possibilidades para propostas de interação.

2. Interface e Interatividade Embora encontremos inúmeras definições e interpretações para o termo interface, adotamos neste trabalho a abordagem de Diana Domingues (2002), segundo a qual, as interfaces, bem como os programas computacionais, são responsáveis por registrar, traduzir e transmitir a ação do homem com a máquina e da máquina com o homem ou de uma máquina para a outra. Logo as interfaces serão usadas num sentido mais restrito em que se pressupõe um vínculo a sistemas computacionais e um tratamento lógico de informações, em um processo de tradução/conversão de dados (ROCHA, 2008). Integram a proposta artística, segundo Venturelli (2004), desde as interfaces gráficas, até os dispositivos mais comuns, como teclados, mouse, até as mais sofisticadas interfaces sensório-motoras, tais como os capacetes de visão, óculos para estereoscopia1, luvas sensoriais, entre outros. Para Domingues (2002), ao se pensar em arte interativa e público, deve-se verificar os tipos de interfaces e dispositivos para as conexões com o computador, sejam as opções citadas por Venturelli, ou outro dispositivo que coloca a criação com sistemas interativos em parâmetros que modificam nossa relação com a arte. Se a interface, segundo Venturelli (2004), permite que as informações deixem de ser estáticas e respondam aos gestos, às palavras e a qualquer 54

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

meio de entrada de dados, podemos afirmar, em concordância com Steven Johnson (2001, p.33) que “a interface é uma maneira de mapear esse território novo e estranho, um meio de nos orientarmos num ambiente desnorteante”. Talvez, mais que mapear, as interfaces homem-máquina possibilitem outras configurações que, segundo Venturelli, relacionam a visão, a ação, a percepção e o conhecimento. Relacionando os diferentes sentidos, as interfaces assumem papel importante na dinâmica de interação entre homem e máquina. São as interfaces que realizam a ponte entre zilhões de zeros e uns e as imagens, sons e impulsos visíveis ao interator. Como diria Bairon (1995, p.66), “se na modernidade tudo que é sólido desmancha no ar, o ar passará a estar repleto

de

informações

desmanchadas

à

busca

de

sua

interface”.

Transformadas em códigos binários, as informações necessitam de uma interface na qual seja feita a transcodificação dos dados garantindo sua legibilidade pelo homem. O trabalho do artista, segundo Domingues (2002), consiste em fazer com que os sinais movam-se para dentro do sistema através de dispositivos ou interfaces que garantam os contatos do homem com programas. É na criação das interfaces, segundo Santaella (2002), que os artistas exploram o limite da conjugação da obra proposta com os softwares, constrói-se o diálogo entre o biológico e os sistemas artificiais em ambientes virtuais em que dispositivos maquínicos, câmeras e sensores, capturam sinais emitidos pelo corpo para processá-los e devolvê-los transmutados. Uma obra estaria em contínua construção a partir da interação que permite ao público constituir-se um co-autor do trabalho. A interatividade com a obra, de acordo com Domingues (2002), ocorre por meio de dispositivos ou interfaces de contato do público numa relação de mudanças internas e externas ao sistema e em tempo real. Rompe-se com o distanciamento que havia até então entre o expectador e a obra de arte. Domingues

(2002)

afirma

que

a

interatividade

ocorre

no

compartilhamento do corpo com a linguagem abstrata dos softwares, em que 55

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

funções transformam e expandem sinais enviados do corpo/ambiente para o hardware, software e interfaces. E assim, o corpo agente, reflexivo e participativo, torna-se produtor de mensagens e conteúdos. Silva (2006) argumenta que uma obra de arte é interativa quando sua concepção envolve complexidade,

multiplicidade,

não-linearidade,

bidirecionalidade,

potencialidade, permutabilidade e imprevisibilidade oferecendo liberdade de participação, de intervenção, de criação. Os

aspectos

levantados

por

Silva

(2006)

correspondem

aos

fundamentos da interatividade sugeridos por Arlindo Machado (2002) em que as informações podem ser combinadas e potencializadas em função da disposição tecnológica do sistema computacional. E assim, por meio da interação novos eventos ou combinações podem ser desencadeados. Percorrer o aleatório vai de encontro ao acaso que o convida a mais combinações, a novos percursos. Nas tecnologias interativas, segundo Domingues (2002, p.61), o público dialoga através de dispositivos que decodificam e transcodificam “em bits, ondas, fluxos, em trocas imediatas, em escalas planetárias, em estados de navegação, imersão, conexão, transformação, emergência”. A obra interativa existe a partir destas modificações em tempo real, cada participante estabelece uma experiência diferente. “O princípio que rege a interatividade é o da mutabilidade, da efemeridade, do vir-a-ser em processos que demandam a reciprocidade, a colaboração, a partilha para aquele que se constitui o espectador nas manifestações artísticas anteriores. A arte interativa implica reorganização profunda da sensibilidade, ampliando o campo de percepção em trocas e modos de circulação que exploram os recursos computacionais como a linguagem própria e que transcendem a arte da pura aparência.” (DOMINGUES, 2002, p.64)

O desafio está em pensar artisticamente interfaces e dispositivos de interação

que

abram

possibilidades

de

reflexão,

de

criação

e

de

experimentação.

56

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

3. Processos de criação em interfaces computacionais No Brasil encontraremos vários artistas que se destacaram/destacam pela criação de interfaces ou pelo uso de interfaces e dispositivos de interação em suas obras. Trabalhos desenvolvidos por Diana Domingues e o grupo Artecno, Gilbertto Prado e o grupo Poéticas Digitais, Tania Fraga, Suzete Venturelli e Mario Maciel demonstram a expansão dessas possibilidades artísticas. Nos últimos anos do século XX, “a interatividade tornou-se o símbolo da arte computacional. Na interação o espectador encontra-se dentro da obra e não mais em face da obra” (VENTURELLI, 2004, p.76). Confirmando o diálogo que o interator estabelece com os trabalhos artísticos, uma nova geração de artistas estabelece diálogo entre as diferentes mídias, linguagens de programação e interfaces gráficas e sensório-motoras, tais como Camila Hamdan, Carlos Praude e Tiago Franklin, entre os quais insiro minha produção artística. Buscamos, no recorte feito para selecionarmos os artistas que comporiam o referencial prático da pesquisa, artistas cujos trabalhos vão de encontro à gamearte e à poética das interfaces culminando numa criação artística que conjuga arte e tecnologia. Segundo Suzete Venturelli e Mario Maciel (2003, p. 225-233), a gamearte contempla idéias contemporâneas de intervenção no contexto político, social e urbano e está apoiada em fundamentos teóricos originados das áreas da ciência da computação, da arte e da comunicação. Os autores afirmam que a poética da gamearte é marcada pela reflexão em que o lúdico simula situações ou testa a ruptura e desconstrução de modelos e valores sociais. Modelagens físicas, mídias interativas,

modificações

randômicas,

banco

de

dados

iconográficos,

mensagens subliminares e a inteligência artificial compõem essa atmosfera virtual, na qual a revolução digital convenceu cientistas e filósofos de que vivemos um novo momento da arte. É um momento pautado pela exploração das possibilidades inovadoras das interfaces, especialmente no campo sensorial.

57

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

Tania Fraga (apud FRAGOSO, 2005, p.7) aponta possibilidades, tais como “transformar conceitos tais como virtualidade, equilíbrios instáveis, dimensionalidade, campos mórficos, sistemas dinâmicos, espaço-tempo, autoorganização, entre muitos outros”. A gamearte devido a sua flexibilidade estética e artística permite que sejam exploradas muitas destas possibilidades. Gamearte representa ambientes interativos que convidam o interator a estabelecer novos paradigmas diante da criação artística. Cada artista opta por um design de interação, apropriado ao seu projeto, envolvendo a criação de interfaces

gráficas

e

sensoriais

que

explorem

diferentes

níveis

de

interatividade, por vezes em uma única obra. Por meio do estudo da gamearte, e também das interfaces gráficas e sensoriais utilizadas pelos artistas nacionais selecionados, buscamos suporte para o trabalho prático. Neste sentido desenvolvemos “passagens”, exposição EmMeios (2008). “passagens” (fig.1) explora a adoção de possibilidades de interação por meio de visão computacional. A interface é o corpo do interator que provoca, ao se deslocar, o desvelar de imagens videográficas de viagens (fig.2). Os vídeos foram colocados simetricamente, para que pudessem, na instalação, ser rastreados pelo corpo do interator por meio da digitalização de sua posição no espaço da exposição, por uma webcam. Entretanto o desvelar é sempre parcial, um fragmento do instante enquanto a personagem continua seu caminhar.

Figura 1 – passagens (2008)

Figura 2 – passagens (2008) – tela por trás da tela de interação.

Aprofundando no estudo dos artistas e de suas obras, consideramos ser importante adotarmos uma categorização de interfaces, em conformidade com 58

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

os estudos de Cleomar Rocha (2008), em (a) interfaces perceptivas - gráficas, sonoras, táteis; (b) interfaces físicas – motoras, em que se incluem mouse, teclado, joystick e (c) interfaces cognitivas – computação pervasiva2, naturais. Entretanto neste momento não nos deteremos em explicar cada uma das categorias, focaremos nos trabalhos artísticos que aplicaram as propostas interativas contidas em cada uma delas. Douglas Engelbart e Ivan Sutherland foram os idealizadores das interfaces gráficas, são os “mapeadores de bits”, segundo Steven Johnson (2001). Eles dotaram o computador digital de espaço; enquanto as janelas sobreponíveis de Alan Kay lhe deram profundidade, permitindo entrar e sair da paisagem da tela, puxar coisas na nossa direção ou afastá-las. Pioneira nas interfaces gráficas, a Apple projetou o Macintosh que, segundo Bairon (1995) foi o grande pai das explorações de interfaces e interações entre homem e máquina. Venturelli (2004, p.103) lembra que “a noção de interface gráfica surge designando ao mesmo tempo as ferramentas de navegação em um programa de multimídia assim como a organização lógica da aplicação, tal como ela aparece no monitor”. Se a interface gráfica foi inicialmente pensada como uma forma de melhor organizar as informações, artisticamente, pensaremos como um meio de interagir com conteúdos multimídia e com códigos computacionais. A multimídia, para Bairon (1995), aproxima as linguagens científica e cotidiana do modo de ser da obra de arte: ocasional, imprevisível e em estado de multissignificação. Gilbertto Prado e o Grupo de Pesquisa em Poéticas Digitais (ECA-USP) focaram em ACASO30, uma instalação interativa, a lembrança aos mortos na chacina da baixada fluminense, em março 2005. A instalação é montada em um espaço semi-aberto, onde possa haver circulação, mas com luz reduzida. No centro do espaço um tapete todo azul feito à mão, como os realizados pelas mulheres de presos. As imagens assim como os locais da projeção são feitos de forma aleatória, sem possibilidade de previsão pelos interatores, mas é intencional que eles percebam que é a presença e a ação deles no espaço que gera o evento. Uma vez que uma pessoa suba no tapete uma imagem de um 59

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

corpo nu em agonia é projetada no chão e um vento forte e cortante é acionado por um ventilador desde uma parede frontal ao interator. Quanto às imagens, a partir do início da projeção são geradas zonas de tensão que fazem com que as ações dos corpos reajam diretamente à aproximação e afastamento dos espectadores. Quando eles chegam junto aos corpos a situação se torna irreversível com a morte dos personagens e o esvanecimento das imagens. Tem-se um intervalo sem projeções e ações. A interface principal da obra é o tapete de sensores em que ocorre a proposta interativa. Quando investigamos propostas artísticas percebemos que, muitas vezes, a criação de sistemas interativos envolve o uso de web câmeras, interfaces computacionais, textos hipermídia, instalações, ambientes de realidade virtual imersiva, entre outros. Segundo Domingues (2002), são desenvolvidos sistemas para propiciar navegações, interações, imersões, propriocepções, onde os estímulos sensoriais permitem ao corpo agir fisicamente no espaço e dialogar com o ambiente virtual. Diana Domingues (apud ARANTES, 2005) e o grupo Artecno desenvolveram ambientes interativos em Ouroboros (2002), que constituem links hipermídia e textos coletivos, realidade virtual imersiva, vida artificial e um sistema robótico interativo. O ambiente agrega conceitos e dinâmicas que possibilitam revisitar diferentes formas de interação, explorando a convergência entre o orgânico e o artificial. Ouroboros explora processos dialógicos entre o humano, o animal e o artificial, oferecendo conexões telemáticas que abrem um novo campo sensível para a expressividade da arte. Neste ambiente são exploradas diferentes interfaces, entre as quais encontraremos o sistema multimidiático, dispositivos convencionais – mouse e teclado, joystick e dispositivo robótico entre outros. Segundo Domingues (2002, p.60), os artistas intencionam propor um trabalho cujos resultados interativos não sejam apenas reflexo da criatividade do autor, “mas como possibilidade de ser fruído, conectado através de terminais de computador, distribuídos em rede, usando interfaces para conectar o corpo, sempre solicitando uma ação num determinado ambiente.” É

60

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

por meio do diálogo que se estabelece entre o homem e a máquina que a interação se processa. Para a FAMexposição (2008), apresentamos o trabalho “janelas” (fig.3), em que a interação se dá pelo uso do mouse. As várias janelas sistemática e simetricamente organizadas compõem a interface gráfica que aguça a curiosidade do interator sobre o que há por trás destas janelas. As imagens videográficas e/ou registros fotográficas de viagens foram colocados no espaço interior da janela, para que pudessem, na instalação, ser rastreados pelo interator. Por trás de cada janela encontraremos um instante capturado do cotidiano urbano, em diferentes lugares e contextos, porém o interator, mesmo clicando sobre a imagem, não conseguirá vê-la nitidamente, haverá sempre o limite da tela e do olho imposto pela configuração das imagens ali dispostas.

Figura 3: janelas (2008)

A partir das interfaces, a arte, segundo Domingues (2002), explora tanto a superfície da arte do suporte, quanto a ação no interior dos bancos de dados que respondem às ações, numa zona de intervalo que somente ocorre se o corpo estiver agindo conectado a tecnologias. Camila Hamdan (2008) em Body – Tatuagens Vivas propõe uma instalação artística que utiliza a tecnologia da realidade aumentada e permite inserir dados virtuais no ambiente real. Na obra, o público compõe um cenário misto através de registros gráficos aplicados ao corpo. Estes, ao serem mapeados pela webcam e projetados no ambiente da instalação, possibilitam a visão de elementos sintéticos animados sobre a superfície da pele. Desta forma, Body, relaciona-se a uma das formas de modificação do corpo mais conhecidas e cultuadas no mundo, a tatuagem. 61

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

Figura 4: Body – registro gráfico aplicado no corpo

Figura 5: Body – realidade aumentada

Johnson (2001) coloca que uma maneira fácil de construir uma interface consistente técnica ou cientificamente é seguir os códigos e convenções do mundo real. Podemos dizer que em artes, o design de interface dirige-se às surpresas e à imprevisibilidade. Vale a dinâmica de integração de interfaces, em que o artista pode optar pelo uso de dispositivos não convencionais de interação, aumentando o potencial de imersão do interator na obra. Domingues (2002, p.101) afirma que a “obra é a atualização de um sistema, e a experiência se desenvolve no domínio do imaginário, aquele do participante que age e reage, incorpora as qualidades do sistema”. Neste sentido, a autora completa que toda interface estabelece relações/conexões do homem com programas computacionais através de dispositivos de acesso que permitam a entrada dos sinais nos sistemas. Carlos Praude desenvolve trabalhos em que utiliza dispositivos não convencionais de interação para interagir com as imagens criadas por linguagens de programação. Em Gestos, Movimentos e Mandalas (2008) é uma instalação interativa que permite o rastreamento dos movimentos do corpo no espaço por meio da utilização de sensores de baixo custo desenvolvido com LEDs e o controle wiimote. Já em “stratus” (2009) é um programa que investiga modalidades não convencionais de interação na interface homem/máquina por meio do reconhecimento do corpo no espaço com a utilização de uma webcam. Diante das ações e gestos do interator, a instalação reage por meio da imaginação do movimento, estabelecendo um jogo interativo, em uma simulação de um espaço onírico por meio de imagens de síntese modelando representações de nuvens e seus movimentos. 62

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

O artista programador é também um pesquisador, sendo seus trabalhos consequência de suas pesquisas tanto com softwares e linguagens de programação quanto com as interfaces. Segundo Domingues (2002), com as interfaces computacionais, surgem programas com diferentes graus de complexidade para processar sinais e devolvê-los em respostas. E estas respostas podem estar relacionadas à utilização de dispositivos de interação que buscam aproximar-se do natural para o homem. Nesta perspectiva, a autora completa que o dispositivo não funciona e a obra não acontece se, nos ambientes interativos, a ordem não for executada exatamente como proposta. Edmond Couchot (apud DOMINGUES, 2002) expressa o novo paradigma da interação ao afirmar que, na arte interativa, o óptico está totalmente vinculado ao háptico. O artista ao desenvolver uma obra como um sistema, utilizando tecnologia computacional, cria de acordo com Venturelli (2004) em um número quase que infinito de possibilidades de interação, graças à automatização dos cálculos numéricos. Domingues (2002, p.74) afirma que “as interfaces e programas são responsáveis por registrar, traduzir e transmitir a ação do homem com a máquina e da máquina com o homem ou de uma máquina para a outra.” E em virtude das várias possibilidades de interação e de construções únicas, a obra gera experiências únicas a cada nova interação. No gamearte Fluidos (2006/2007), Suzete Venturelli e Mario Maciel buscam apresentar como o ato simples de fazer visível o invisível pode produzir efeitos importantes na compreensão do mundo que nos cerca. O Wiimote é o dispositivo para a interação do público, que possibilita uma interação maior, simples e natural. Ao movimentar o dispositivo, o jogador altera formas e cores, estabelecendo diferentes dinâmicas e construindo imagens interativas na tela, que não se repetem, tornando possível experiências sensoriais diferentes. Segundo Domingues (2002), a criação com poéticas tecnológicas interativas faz com que o artista trabalhe com programas e softwares em procedimentos numéricos e simulações, ao invés de substâncias e matérias que provém do mundo real. A arte ganha estatuto conceitual passando a ser processado no interior dos circuitos. 63

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

Tania Fraga desenvolve os mundos virtuais, interfaces tridimensionais, e escolhe dispositivos de interação, neste caso o mouse 3D sem fio como interface háptica para que o intérprete pudesse interagir, em tempo real, com o espaço cênico constituído por cibercenários4 desenvolvidos pela artista. Aurora (2001), com coreografia de Maida Withers, foi o primeiro cibercenário construído para uma apresentação de dança. Em Hekuras, Karuanas e Kurupiras (2002), a artista lança um novo olhar sobre a Amazônica. Durante o espetáculo, cada performer, manipulando um mouse sem fio, dá movimento aos nichos virtuais que constituem os cibercenários e realiza escolhas que compõem uma cena única, que não se repete (FRAGA, 2004). Para Domingues (2002), os artistas devem verificar a dimensão sensível das tecnologias ou o que está além das tecnologias. Explorando outros territórios e descobrindo novas interfaces a arte desloca-se das telas de projeção ou mesmo da tela do computador e da televisão e transporta-se para o interior das telas dos aparelhos celulares. A mudança ocorre não apenas no tamanho das telas, é preciso pensar nas dimensões do suporte, suas configurações e criar novas poéticas de interação. Tiago Franklin desenvolveu o “bt_br” (fig.6), um sistema que exibe na tela do celular a presença de outros aparelhos no ambiente mediante o texto “x está aqui”. Em “bt_br”5,

criam-se

composições

visuais únicas que se reconfiguram a cada novo integrante da rede. Ocorre

a

participação

não

consciente de indivíduos que de posse do aparelho contribuem para a composição visual na tela do Figura 6: bt_br

celular.

Suzete Venturelli também realizou pesquisas que resultaram em trabalhos para aparelhos celulares, como o gamearte Jogo de Índio6. O jogador participa da 64

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

experiência de uma arte em que seus elementos visuais e temáticas ligam-se a realidade brasileira. No jogo, ao invés de apenas interagir com a máquina o avatar do jogador, representado como um índio, e idêntico aos da máquina, deve de forma colaborativa ajudar-se para que todos cheguem ao final do jogo. Compartilha-se assim a experiência de se jogar com a máquina, em sintonia e não em rivalidade. Nos celulares, criam-se interfaces gráficas de tamanho reduzido e muitas vezes de baixa resolução. Explora-se a interação pelo teclado do aparelho, pela tecnologia Bluetooth e a conexão entre os aparelhos, expandindo os limites das pesquisas com interfaces. A interação no reduzido espaço da tela gera novo paradigma, o da arte_móvel. A pesquisa destas interfaces demanda conhecimentos que restabeleçam outras conexões entre arte e ciência, pois na busca de uma interação humanomáquina exploram-se áreas que ofereçam suporte técnica às artes na medida em que se desenvolve uma interface sensória mais natural. Espera-se, contudo que na interação “o espectador encontre-se dentro da obra e não mais em face da obra” (VENTURELLI, 2004, p.76), para isso as obras saem da superfície para explorarem o interior dos bancos de dados que são geradores dos ambientes sensíveis à ação do interator.

Conclusão Venturelli (2004) aponta outras perspectivas da arte interativa, em que interfaces bióticas com o cérebro e suas zonas visuais, olfativas, emocionais e motoras, que fazem surgir diretamente imagens, sons e sensações. Em função das interfaces bióticas, novos padrões e paradigmas tendem a ser instituídos, levando os artistas e os cientistas a expandirem seus territórios no desenvolvimento de novas interfaces. Dentro de uma proposta que transversal que envolve outros campos do saber, relacionando ciências humanas, físicas e biológicas a fim de que se

65

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

compreenda a complexa relação do ecossistema com a presença de sistemas interativos. Domingues (2002) aponta o papel dos artistas como fundamental para: verificar a dimensão sensível das tecnologias ou o que está além das tecnologias. Pela velocidade e intensidade com que pesquisas em dispositivos hápticos têm sido realizadas, em breve o interator poderá se livrar do mouse, teclado e joystick, basta esperar por uma "interface cérebro-máquina". Vislumbra-se um futuro no qual os limites entre o real e o virtual serão cada vez menos rígidos e definidos, em função da potencialização das interações, e o limite destes dispositivos de interação talvez se encontre apenas na mente humana.

_______________________________________ 1 - A estereoscopia está relacionada à capacidade de enxergar em três dimensões, isto é, de perceber a profundidade. O princípio de funcionamento da maioria dos dispositivos estereoscópicos é o oferecimento de imagens distintas aos olhos esquerdo e direito do observador, proporcionando sensação de profundidade, tal qual quando se observa um objeto real. 2 - Computação Pervasiva define que os meios de computação estarão distribuídos no ambiente de trabalho dos usuários de forma perceptível ou imperceptível. Dotados de sensores, o computador seria capaz de detectar e extrair dados e variações do ambiente, gerando automaticamente modelos computacionais controlando, configurando e ajustando aplicações conforme as necessidades dos usuários e dos demais dispositivos. Conforme esta interação, cada integrante do conjunto seria capaz de detectar a mútua presença, tanto dos usuários como dos demais dispositivos, e interagir automaticamente entre eles construindo um contexto inteligente para sua melhor utilização. (http://www.guiadohardware.net/artigos/computacao-ubiqua/ acessado em 10/05/09) 3 – Fluídos - Compuseram a equipe: Johnny Souza da ciência da computação e Ronaldo Ribeiro de artes visuais, sob a coordenação de Suzete Venturelli e Mario Maciel - IdA_UnB. 4 - “Cibercenários são compostos por cibermundos e ciberseres os quais são objetos 3D sintéticos criados através das linguagens VRML (Virtual Reality Modeling Language), Java e JavaScript” (FRAGA,2004,p.116) 5 – bt-br é um sistema programado em linguagem Java (j2me), usando a plataforma livre Mobile Processing. 6- Jogo do Índio - Criado por Suzete Venturelli, Mário Maciel, Daniel Scandiuzzi e André Ramalho no Laboratório de Pesquisa em Artes e Realidade Virtual da UnB.

66

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Priscila. Arte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2005. BAIRON, Sérgio. Multimídia. São Paulo: Global, 1995. – (Coleção contato imediato) DOMINGUES, Diana. Criação Experimento, 2002, 252 p.

e

Interatividade

na

Ciberarte.

São

Paulo:

FRAGA, Tania. Cibercenários: Hekuras, Karuanas & Kurupiras. Revista Galáxia, Volume 4, Número 7, Ano 2004. Disponível em: http://revcom2.portcom.intercom.org.br/index.php/galaxia/article/view/1399, acessado em 16/08/2008. FRAGOSO, Maria Luiza (Org). [Maior e igual a 4D] Arte computacional no Brasil: reflexão e experimentação. – Brasília: Universidade de Brasília, Programa de PósGraduação do Instituto de Artes, 2005. JOHNSON, Steven. Cultura da Interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. Tradução: Maria Luísa X. de A. Borges – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. LUCENA, Tiago F. R.. Audiovisual e Dispositivos Móveis. In: 7 Encontro Internacional de Arte e Tecnologia, 2008, Brasília. #7 art Arte e Tecnologia: para compreender o momento atual e pensar o contexto futuro da arte. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2008. MACHADO, Arlindo. Pré-cinema e pós-cinemas. 2.ed. Campinas, SP: Papirus, 2002. (Coleção Campo Imagético), pp.250-260. ROCHA, Clemoar. Interfaces computacionais. Florianópolis: Anpap. 2008. acessado em Disponível em: http://www.anpap.org.br/2008/artigos/149.pdf 12/03/2009 SILVA, Marco - Sala de Aula Interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 4.ed. 2006, pp.81155. VENTURELLI, Suzete. Arte: espaço_tempo_imagem. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.

67

18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia

REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS http://www.carlospraude.com/ http://camilahamdan.blogspot.com/ http://www.suzeteventurelli.ida.unb.br/ http://www.cap.eca.usp.br/gilbertto/acaso30.html

Alexandra Cristina Moreira Caetano – [email protected] – Mestranda em Arte, na linha de pesquisa Arte e Tecnologia, UnB, sob a orientação da Prof. Dra. Suzete Venturelli. Especialista em Educação a distância. Pedagoga. Artista computacional.

68

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.