Processos de aprendizagem matemática em ambientes tecnológicos Luc Trouche Institut français de l’éducation, ENS de Lyon Recife – Fevereiro de 2015
Obrigado Edumatec e CAPES pelo convite Obrigado Franck, Paula, Elisangela, pela hospitalidade. Obrigado a colegas pesquisadores, professores, estudantes, Verônica, Juliana, Rejane, Ricardo...,.. Peço desculpas por não falar Português ...
Recife – Fevereiro de 2015
Um momento de encontro, de troca e preparação de projetos conjuntos
Santos-Dumont vs. Artur Avila
Brasil-França ; Matemática -Tecnologia ; uma longa tradição de cooperação
Le professeur
L’élève sherpa
Um intenso programa de trabalho, para vocês e para mim Leitura preparatória: itinerário pessoal, que também será a diretriz para as cinco conferências Um projeto do curso que vai envolvê-lo antes, durante e depois
Objetivos • Uma entrada no modo de pensar a aprendizagem e o ensino de matemática. • Visita a um atelier de pesquisa. • Reencontrar uma problemática, conceitos e métodos. • Seis conceitos : artefatos, esquema, instrumentação, instrumentalização, gênese, instrumento.
Diferentes instrumentos, diferentes sons, diferentes práticas de música, diferentes aprendizagens de música, diferentes relações com a música…
Plano 1. O mundo da matemática, um mundo de artefatos. 2. A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza (instrumentação / instrumentalização). 3. Reencontrar situações, desenvolver esquemas. 4. Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses.
Plano 1. O mundo da matemática, um mundo de artefatos. 2. A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza (instrumentação / instrumentalização). 3. Reencontrar situações, desenvolver esquemas. 4. Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses.
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
Peças figurativas (Irã, 3300 AC)
Peças não figurativas e marcas (Irã, 1500 AC)
Desde os registros mais antigos da atividade matemática de contagem, encontramos artefatos que deram suporte a esta atividade (Trouche 2015)
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
Listas lexicais no verso (incluindo os termos relativos aos cálculos de volume), e medidas de capacidade na frente (Proust 2012)
Na escola, como na sociedade, artefatos para dar suporte à atividade e às aprendizagens matemáticas
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
Um sistema de signos (aqui de numeração sexagesimal) Signos
Uma inscrição espacial
Artefatos essenciais: os signos e os sistemas de signos. Sistemas de representação essenciais para a aprendizagem de matemática.
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
As tábuas de argila permaneceram, pois a argila se conserva bem…
Um mundo de artefatos, certos chegaram até nós, existiram necessariamente (um estilete, e “calculadoras na mão”?)
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
artefato, do latin Arte Factus = feito com arte
Falar de artefato, já é uma escolha epistemológica, antropocêntrica mais que tecnocêntrica. A atividade humana se apoia sobre objetos que são culturalmente e historicamente situados
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
Falar de artefato, já é uma escolha epistemológica, antropocêntrica mais que tecnocêntrica. A atividade humana se apoia sobre objetos que são culturalmente e historicamente situados
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
Os artefatos evoluem como a matemática. Uma coexistência permanente entre antigos e novos artefatos Na figura ao lado, o cálculo com fichas (ábaco) foi progressivamente substituído na França pelo cálculo indiano (com algarismos) Vários séculos de transição.
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
O teorema das quatro cores diz que, qualquer que seja o recorte de um plano em regiões contíguas produzindo uma figura chamada “mapa”, são suficientes quatro cores para colorir este mapa sem que duas regiões adjacentes tenham a mesma cor. Ele foi provado em 1976 por K. Appel e W. Haken, e este foi o primeiro grande teorema para qual a prova utiliza um computador.
Uma presença dos artefatos que não diminui hoje, ao contrário, uma vez que ela aparece em todas as fases da atividade matemática, da busca de invariantes na teoria dos números, que pode suscitar conjecturas, até a fase da prova.
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
O que muda com o digital : um conjunto de artefatos reunidos sobre um mesmo invólucro, portáteis, tácteis… Novas relações entre o gesto e o pensamento.
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
Finalmente, um mundo de artefatos implicados na prática da matemática: Materiais ou simbólicos: linguagem, registros semióticos (números inteiros, figuras geométricas), algoritmos; réguas e compassos; calculadoras e softwares… Diferentes níveis de artefatos: artefatos « primeiros », manual de usuário, representação interna do próprio artefato… Dos artefatos concebidos para a matemática, ou artefatos utilizados para fazer matemática… Dos artefatos concebidos para ensinar matemática, ou utilizados para ensinar matemática Dos artefatos para uma utilização individual, ou coletiva Dos artefatos mobilizados, ou utilizados inconscientemente…
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
O conjunto dos artefatos que vocês utilizam para aprender ou ensinar matemática
Vosso mundo de artefatos está sempre em evolução : certos artefatos caem em desuso, outros são progressivamente integrados. Hoje, estou propondo que vocês integrem um Pad, para anotações colaborativas
O mundo da matemática, um mundo de artefatos
O mundo da matemática, um mundo de artefatos « A natureza deu para as crianças dez dedos como ábaco, no lugar de dar um segundo ábaco a ele, precisamos ensinar a eles como livrar-se do primeiro » (Buisson, 1911)
Um fenômeno recorrente: a resistência do sistema de ensino da matemática à integração de novos artefatos, e a discussão antiga desta questão (Maschietto & Trouche 2010)
Plano 1. O mundo da matemática, um mundo de artefatos 2. A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza (instrumentação / instrumentalização) 3. Reencontrar situações, desenvolver esquemas 4. Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
artefato : quadriláteros em papel
artefato: Geogebra
Começamos com um pequeno exercício: podemos ladrilhar o plano com qualquer tipo de quadrilátero ? Se sim, como ? Porquê ?
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza Uma ideia que gerou muitas discussões, e na qual observamos que o trabalho com papelão parecia mais eficaz do que trabalhar com o software... Mas é mais fácil adaptar-se à manipulação de peças de papelão que a um computador sem conhecer direito nem o teclado nem o “trackpad”.
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza « A elipse ou o oval é uma linha curva que os matemáticos costumam apresentar pelo corte troncho de um cone ou cilindro, e que também vi empregado pelos jardineiros na divisão dos seus canteiros, onde eles a descrevem de uma forma realmente grosseira e pouco exata, mas que faz, considero, melhor entender a sua natureza que a secção do cilindro ou do cone »
Os artefatos influenciam a atividade das pessoas que deles se apropriam (poderíamos dizer : eles são feitos para isto…). Dar suporte à atividade, de um certo modo, é pré-estruturar esta atividade. Platão (Tecne), Descartes, Marx (“a existência determina a consciência”). Herdeiro desta tradição, Vygotsky situa toda aprendizagem em um monde onde os artefatos, simbólicos como materiais têm um papel essencial.
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
Tarefa a cumprir
Um sujeito
Um artefato
Instrumentação
A instrumentação é o processo pelo qual as restrições (contraintes) e as potencialidades de um artefato se conformam à atividade de uma pessoa, no curso de sua ação situada.
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
As restrições da transposição informática que têm implicações para as aprendizagens....
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
artefato : Geogebra artefato : TracenPoche artefato : quadriláteros em papel
Uma necessária análise a priori das restrições (contraintes) e das potencialidades dos artefatos para antecipar a atividade possível dos alunos e pensar a organização das situações matemáticas.
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
O teorema de MohrMascheroni diz que toda construção com régua e compasso pode ser realizada apenas com compasso (Mohr 1672, Maschieroni 1797). Por exemplo, encontrar o centro de uma dado círculo
Os artefatos influenciam também a matemática produzida. Assim, o fato que as construções com compasso são mais precisas que as construções com régua sem dúvida conduziram a este teorema.
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
Tarefa a cumprir
Um tema
Um artefato
Instrumentalização
Menos visível sem dúvida, ou menos reconhecido, o processo de instrumentalização é aquele que se traduz pela adaptação do artefato por seu utilizador no curso de sua atividade situada. Adotar, é adaptar… Desvio, ou expressão da criatividade das pessoas ? Um ponto de vista importante, com consequências fortes para a concepção dos ambientes de aprendizagem.
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
Muitas utilizações« não previstas » possíves de um dado software…
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
Trigonometria a aritmética...
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza Uma ferramenta não tem uma função “pré-afetada”. A “lógica do uso” pode a qualquer momento desviar a trajetória. As viravoltas desta “alfaiataria” também dão a história das técnicas, materiais e assim como intelectuais, um caráter barroco e poético que a aproxima para nosso maior beneficio e prazer, seu polo oposto : uma antologia do maravilhoso. A primeira máquina a vapor (Savery, 1698) não concebida para acionar um veiculo, mas para tirar água do fundo de um poço (Debray 2001, p. 106).
A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza
Tarefa a cumprir
Um sujeito
um artefato
Instrumentação Instrumentalização
Finalmente, os artefatos são proposições (Rabardel, 1995, 2002) e a apropriação dos mesmos por um dado utilizador se traduz por dois processos conjuntos de ajustamento, que nomeamos instrumentação e instrumentalização. Este ajustamento não é somente ocasional, a maior parte do tempo a mesma tarefa é realizada numerosas vezes no curso da aprendizagem.
Plano 1. O mundo da matemática, um mundo de artefatos. 2. A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza (instrumentação / instrumentalização). 3. Reencontrar situações, desenvolver esquemas. 4. Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses.
Reencontrar situações, desenvolver esquemas
L. S. Vygotsky (18961934) – psicólogo soviético
Vygotsky propõe uma teoria do desenvolvimento das funções cognitivas superiores que emergem através das atividades práticas num meio social, mediatizadas por instrumentos (em particular a linguagem). Uma dupla germinação dos conceitos cotidianos e dos conceitos científicos. Podemos aprender graças à ajuda de um expert (zona de desenvolvimento proximal).
Reencontrar situações, desenvolver esquemas
J. Piaget (18961980) filósofo e psicólogo do desenvolvimento
Um processo de desenvolvimento segundo estágios ordenados: sensório-motor (0-2), pré-operatório (2-7), operações concretas (711) e operações formais (11-…). A conceptualização se desenvolve para responder a experiência. Um mundo ligado à natureza, mais que à cultura A noção crítica de esquema, estrutura cognitiva que se desenvolve quando a criança interage com seu meio físico e social. O processo de aprendizagem se desenvolve através da evolução dos esquemas (assimilação vs. acomodação).
Reencontrar situações, Desenvolver esquemas
G. Vergnaud (1933-) é um didático da matemática e um psicólogo, aluno de Piaget e especialista em Vygotsky
Revisitar Vygotsky e Piaget Vergnaud propõe um ponto de vista unificado sobre os esquemas, definidos como uma organização invariante da atividade, para agir face a uma dada situação. Um esquema é também definido como um conjunto de: finalidades, regras de ação, inferências, invariantes operatórios. Os invariantes operatórios são o componente epistêmico dos esquemas (teoremas-em-ação, conceitos-em-ação). Um conceito é então definido como um tripleto: conjunto de situações, conjunto de invariantes operatórios, conjunto de representações. Rabardel, aluno de Vergnaud.
Reencontrar situações, desenvolver esquemas
Os esquemas evoluem com as situações Esquema de sucção (o seio da mãe, a mamadeira, uma pedra pequena, uma pedra grande,…). O esquema da multiplicação (números inteiros pequenos, números inteiros grandes, decimais…). O esquema de resolução de equações (uma equação do primeiro grau de coeficientes inteiros, depois…). Os conhecimentos evoluem com os esquemas.
Reencontrar situações, desenvolver esquemas
Um teorema em ação relacionado ao esquema da multiplicação: o quadrado de um número é sempre maior que este número…
Um segundo pequeno exercício : no triângulo ABC, retângulo em B, um lado pode ser o quadrado de um outro?
Reencontrar situações, Desenvolver esquemas Trata-se de encontrar em uma calculadora gráfica, uma (?) parábola tangente a três retas dadas.
Todos os alunos encontram uma solução « aceitável » À questão: « o que permite validar a solução »? Uma resposta é « uma reta é tangente a uma curva desde que ela tenha mais pontos comuns com ela…
A utilização de artefatos digitais da acesso a numerosas representações e processos e conduz a desenvolver esquemas fortemente marcados pelos ambientes nos quais eles são constituídos.
Plano 1. O mundo da matemática, um mundo de artefatos 2. A sensibilidade da atividade matemática aos artefatos que ela utiliza (instrumentação / instrumentalização) 3. Reencontrar situações, desenvolver esquemas 4. Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses
Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses
Uma situação
gênese instrumental
Um sujeito
Um artefato
Instrumentação Instrumentalização Um instrumento (para fazer alguma coisa) = um artefato e um esquema de ação instrumentada
A atividade matemática integra um artefato para lidar, de modo repetido, com um tipo de situação. Ela desenvolve, no curso de uma gênese instrumental (combinando instrumentação e instrumentalização), um instrumento. Um instrumento é uma entidade mista, composta do artefato (ou de uma parte do artefato) e de um esquema. Um instrumento é o resultado de uma construção individual e social.
Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses Cálculo de limite em +∞
gênese instrumental
Um sujeito Instrumentação Instrumentalização
Um instrumento (para fazer alguma coisa) = um artefato e um esquema de ação instrumentada
Um esquema se constitui: - Organização da atividade em função dos comandos disponíveis. - Constituição das regras e das inferências (observar se a função apresenta valores “grandes” ). - Emergência de invariantes operatórios (uma função que tende ao +∞ é uma função necessariamente crescente a partir de um certo momento).
Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses
Gêneses instrumentais
Um sujeito
Vários artefatos
Instrumentação Instrumentalização
Um conjunto, ou um sistema de instrumentos ?
Um modelo simplificado, pois, como vimos, raramente nos servimos de um único artefato. Têm-se então a necessidade de combinar vários artefatos, várias gêneses. Os instrumentos tem também aspectos individuais e coletivos … Complexidade das coisas, sobretudo, no caso de um projeto de ensino necessariamente limitado no tempo e restrito pelos programas.
Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses
artefato : quadriláteros em papel
artefato : Geogebra
Um caso particular objeto de estudos: duetos de artefatos
Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses
Pascaline e e-pascaline (Soury-Lavergne & Maschietto 2013)
Um caso particular objeto de estudos : duetos de artefatos
Dos artefatos aos instrumentos : o tempo das gêneses
Um olhar rápido sobre uma gênese individual/coletiva desde do seu início.... …
Questões 1. O papel do professor: seguir, apoiar, orientar, regular as gêneses instrumentais de seus alunos ? 2. … O que dizer das gêneses dos professores ? 3. … de seu trabalho coletivo, na era digital? 4. … do trabalho dos pesquisadores em educação matemática e dos professores ?
Referências Buisson, F. (dir.) (1911). Le nouveau dictionnaire de pédagogie et d’instruction primaire. Hachette http://www.inrp.fr/edition-electronique/lodel/dictionnaire-ferdinand-buisson/ Debray, R. (2001). Dieu, un itinéraire. Paris: Odile Jacob Guin, D., & Trouche, L. (1999). The Complex Process of Converting Tools into Mathematical instrumentos. The Case of Calculators. The International Journal of Computers for Mathematical Learning, 3(3), 195-227. Maschietto, M., & Trouche, L. (2010). Mathematics learning and tools from theoretical, historical and practical points of view: the productive notion of mathematics laboratories. ZDM, The International Journal on Mathematics Education, 42(1), 33-47. Proust, C. (2012). Master’ Writings and Students’s Wrigings: School Material in Mesopotamia. In G. Gueudet, B. Pepin & L. Trouche (Eds.), From Text to ‘Lived’ Resources: Mathematics Curriculum Materials and Teacher Development (pp. 161-179). Springer Rabardel P. (1995, 2002). People and technology, a cognitive approach to contemporary instrumentos (retreived from http://ergoserv.psy.univ-paris8.fr/) Soury-Lavergne, S., & Maschietto, M. (2013). Designing a duo of material and digital artifacts: the pascaline and Cabri Elem e-books in primary school mathematics, ZDM Mathematics Education, 45, 959–971. Trouche, L. (2015). The development of mathematics practices in the Mesopotamian scribal schools. In J. Monaghan, L. Trouche, & J. Borwein, Tools and mathematics, instrumentos for learning, Springer. Vergnaud, G. (1998). Toward a cognitive theory of practice. In A. Sierpinska & J. Kilpatrick (eds.), Mathematics education as a research domain: a search for identity, Kluwer Academic Publisher, Dordrecht, pp. 227-241.
Processos de aprendizagem matemática em ambientes tecnológicos
[email protected] https://ens-lyon.academia.edu/LucTrouche
Recife – Fevereiro de 2015