Processos de desenvolvimento no contexto do informacionalismo e o poder da identidade

September 12, 2017 | Autor: A. Revista Interd... | Categoria: Sociologia, Sociología, Sociedade em Rede
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Processos de desenvolvimento no contexto do informacionalismo e o poder da identidade José Carlos Pereira de Morais

Este artigo resulta de uma investigação de doutoramento em sociologia prosseguida na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Pretende-se contemplar a temática da identidade nas suas conexões com a temática do desenvolvimento e do exercício da cidadania, contemplando a temática da integração social. São usados como suporte teórico os contributos mais recentes de autores nacionais e estrangeiros que procuram não só dar conta das transformações em curso no âmbito de transformações no sistema de mercado como das novas possibilidades de mudança social trazidas pelas tecnologias de informação e comunicação. O estudo empírico centra-se num grupo de recém-licenciados na área da informática, procurando as suas referências identitárias no sentido de dar conta de transformações sociais operadas no contexto da sociedade em rede em Portugal. This article results from a research in a sociology PhD pursued at the Faculdade de Letras da Universidade do Porto. It is intended to address the issue of identity in their connections with the theme of development and citizenship, addressing the issue of social integration. As theoretical support are used the most recent contributions to national and foreign authors who seek not only to account for the ongoing transformations in the context of changes in market system as the new possibilities of social change brought about by information technologies and communication. The empirical study focuses on a group of recent graduates in the area of information technology, looking for their identity references in order to account for social change operated in the context of the network society in Portugal. Palavras-chave: Identidade, Informacionalismo, Sociedade em Rede, Mudança Social. Keywords: Identity, informational, Network Society, Social Change.

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“Esta nova forma de organização social, dentro da sua globalidade que penetra em todos os níveis da sociedade, está a ser difundida mundialmente tal como o seu inimigo gémeo, o estatismo industrial, foram sendo disseminados no século XX, abalando instituições, transformando culturas, criando riqueza e induzindo à pobreza, incitando a ganância, a inovação e a esperança e, ao mesmo tempo, impondo o rigor e instilando o desespero” O Poder da Identidade Manuel Castells (2003a, p. XXII)

INTRODUÇÃO Vamos basear-nos em Castells para entender o capitalismo informacional e a lógica de fluxos da sociedade em rede, lógica que dá lugar a desigualdades e polarizações regionais e sociais, sendo um dos autores que refere as potencialidades da identidade enquanto factor de acção transformadora. Beck, Giddens e Lash oferecem moldes de entendimento da reflexividade, individual, colectiva e institucional num contexto de modernização e de risco, apontando formas de conciliar o individualismo com a politização do espaço público, tornando também oportuna a referencia a Fukuyama e à sua confiança num mundo ligado em rede onde o contacto face-a-face é subtituido por comunicações face-a-face com um ecrã. O objectivo é o de avaliar os moldes da construção de identidades adequadas aos espaços dos fluxos, pressupondo que “a expansão da democracia ocorre em simultâneo com o processo de comunicação” (Fernandes, 2006, pp. 308-309) e que “aderindo à democracia da comunicação concorda-se com a democracia directa, algo que nenhum estado aceitou ao longo da história” (Castells, 2005, p.29)1.

1

Citando João Teixeira Lopes prosseguimos “uma tentativa de aplicação das grandes «teorias de síntese»” (Lopes, 1997, p. 26), salvaguardando a construção de um modelo teórico de análise propiciador de ecletismo e de plasticidade suficientes a uma interpretação e análise fecundos. O carácter ossificado de alguns modelos de análise pode restringir a sua fecundidade heurística. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Figura 1: O local e o global contextualizados na sociedade em rede

SOCIEDADE EM REDE (Organização Global da Economia do Conhecimento e da Informação)

Família

Escola

Trabalho

Global: capital . Intemporalidade/simultaneidade . Espaços dos fluxos/simultaneidade .Cosmopolitismo/cité por projectos

Regulação Social Qualidade de Vida

Qualidade de Vida

Controlo Social REFLEXIVIDADE

REFLEXIVIDADE

IDENTIDADE

IDENTIDADE Local: trabalho .Espaços concretos de lugares .Significações construídas em torno de traços culturais, históricos e geográficos .Estado-Nação . Estruturas nacionais . “Nível” de desenvolvimento nacional e local .Vontade (s) individual (ais)

Família

Escola

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Trabalho

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1.

CIDADANIA E IDENTIDADE: QUE PAPEL PARA AS TECNOLOGIAS

DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO? Pretendemos com esta síntese uma aproximação à realidade portuguesa, entendida no contexto da União Europeia, recorrendo a abordagens conceptuais como a que se refere à «qualidade social» como indicador de integração ou pelo menos de «não exclusão» social. Estas aproximações pretendem recuperar para a temática da exclusão social as TIC no seu papel potencial de estruturação de redes sociais capazes de edificar uma identidade, até supra-nacional/europeia, mobilizadora de acção individual concertada socialmente por grupos de interesse em torno de questões que dizem respeito ao bemestar comum dos europeus, talvez a fonte e o alento de uma identidade poderosa em potência mas que tarda em formar-se. É a questão do «poder da identidade» de que nos fala Castells (2005, 2003a e 2003b), que tanto serve para a demarcação face ao informacionalismo com base em características partilhadas como a raça ou religião, como para a solidificação de uma forma de entender a vida do colectivo numa base negociada entre poderes em presença (Estado e outras instituições de carácter nacional ou supranacional).2 2 José Machado Pais em “Consciência Histórica e Identidade. Os Jovens Portugueses Num Contexto Europeu”, revela-nos diferenças no contexto da União Europeia no que se refere ao europtimismo e ao eurocepticismo, demonstrando que os jovens portugueses se encontram entre os mais europtimistas (Pais, 1999, pp. 158-164), ressalvando tendências vincadas de uma afirmação de identidade nacional – caso da Alemanha- “seguindo o princípio ius sanguinis, que aponta para um modelo comunitário baseado em heranças culturais comuns e afinidades étnicas, insistindo na unidade cultural da nação e na pertença orgânica (völkish) de cada um dos seus membros a essa unidade” (Pais, 1999, pp. 145-146). Contudo este europtimismo que em princípio se ligaria a uma vontade de um projecto europeu participado não é congruente com as representações sobre a desigualdade que demonstram que os jovens portugueses (o mesmo se passando com os gregos) justificam a riqueza e a pobreza mais com base em factores biográficos do que em factores exógenos como o «fomento da inovação e / ou sujeição a riscos» ou ainda «benefício de um sistema económico injusto» (Pais, 1999, pp. 126-128), o que obriga a uma reflexão sobre um desempenho/protagonismo a ser desempenhado pelo «próprio» no processo de mudança social recaindo os posicionamentos sociais em vantagens de partida, segundo os jovens portugueses, visualizadores de uma mobilidade social com raiz no trabalho desenvolvido pelo próprio muito limitada. Um estudo sobre jovens portugueses de hoje (Fernandes, 2001) evidenciou que apenas uma escassa minoria de jovens se identificava em 1997 com os espaços supra-nacionais (Fernandes, 2001, p. 310) encontrando-se regularidades sociais entre estes dados e pertença de classe, sendo que “a capacidade de se reconhecer num espaço que ultrapassa os limites do horizonte e das fronteiras nacionais é mais elevada entre os jovens das classes sociais mais altas” (Fernandes, 2001, p. 312), sugerindo que “a Europa é uma realidade remota com a qual têm dificuldade em identificar-se” (Fernandes, 2001, p. 322) os jovens com origens de classe mais baixas, e que uma minoria valoriza instrumentalmente, sobrepondo desvantagens de diluição de uma identidade nacional com benefícios instrumentais (pessoais incluídos) da integração europeia. Poderíamos aventar a possibilidade de regularidades sociais entre representações de protagonismos pessoais, classe social (actual e de origem), nível de literacia, usos de TIC, necessidade e possibilidades de participação na rede,

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Diz-nos Capucha que a formação de identidades colectivas é de grande importância3, partindo-se do pressuposto que a formação de uma identidade europeia, comunitária e federalista é fundamental para que a Europa tenha “força política para tomar decisões capazes de corrigir os efeitos do mercado e impor regras susceptíveis de ter efeitos em matéria de redistribuição” (Habermas, 2000, cit. in Capucha, 2005, p. 39). É uma vertente da análise do desenvolvimento que privilegia as formações supra-nacionais (como a União Europeia) como forma de contornar as limitações à acção dos EstadosNação impostas pela globalização. “Por outras palavras, a coesão social é simultaneamente uma condição e um resultado esperado de uma Europa Unificada, e esta unificação não pode ser alcançada pelo mercado. De facto, a convergência macroeconómica implicada na integração do mercado único que tem regulado as relações entre os estados-membros nos últimos anos pode mesmo ter consequências negativas para a qualidade da sociedade, se não for acompanhada por medidas económicas e sociais destinadas a promover a convergência real entre grupos e regiões com diferentes níveis de afluência e desenvolvimento (Gough e Olofsson, 1999, cit in Capucha, 2005, p. 40). Isso implica a elevação do nível de controlo político sobre as dinâmicas económicas que atravessam o continente. Uma Europa coerente e sustentável não pode ser uma Europa dual. Só terá apoio e legitimidade se for um espaço equilibrado e justo, capaz de diminuir distâncias entre ricos e pobres e entre regiões mais e menos desenvolvidas. Terá de ser, também, uma entidade dotada da sua própria destradicionalização reflexiva (possibilidades), criação de identidades colectivas e representações sobre a democracia e TIC e condicionantes estruturais nacionais de um crescimento económico e desenvolvimento assentes no uso de TIC. 3 Segundo Capucha a “ ‘acção comunicativa’ (no sentido habermasiano do termo), a capacidade reguladora e normativa das pertenças sociais e o acesso a recursos resultantes das redes sociais que se podem mobilizar, podem ser concebidos a dois ‘níveis de contingências’ e em dois ‘planos da interacção’. Os dois níveis são o processo de desenvolvimento societal e o processo de desenvolvimento biográfico, enquanto os dois planos são os dos ‘sistemas, instituições e organizações’ e o das ‘comunidades, configurações sociais específicas e grupos’. A relação entre os dois níveis e os dois planos formam o quadrante da ‘qualidade social’ que os autores representam conforme se pode verificar na figura[...]. Estes quadrantes e os seus conteúdos concretos que servem como referência para as políticas, resultam da tripla assumpção de que a qualidade social deriva da interdependência entre a realização dos indivíduos enquanto seres sociais e a formação de identidades colectivas; de que há quatro condições a determinadas oportunidades de participação social; a natureza, o conteúdo, o alcance e a estrutura morfológica do ‘social’ dependem das tensões entre os dois níveis e os dois pólos ao longo dos eixos representados na figura.” (Capucha, 2005, pp. 38-39).

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identidade construída para além das identidades nacionais, regionais, locais ou outras. A soberania partilhada que está hoje presente na Europa não tem ainda correspondência numa identidade de nível idêntico, isto é, num conjunto de valores e símbolos partilhados. Diz Manuel Castells (2003 a) que esses não podem resultar, como acontece com outras federações de estados, nem da língua, nem da religião, nem de outros elementos do género, mas dos valores específicos que os europeus têm em comum: protecção social, solidariedade, emprego estável, direitos dos trabalhadores, democracia e respeito pelos direitos humanos, possibilidade de participação. Por isso a questão da construção da EU é tão determinante do ponto de vista da luta contra a pobreza, em particular em países como Portugal, tardiamente chegados aqueles valores” (Capucha, 2005, p. 40).

2.

INTEGRAÇÃO

SOCIAL,

IDENTIDADES,

ASSOCIATIVISMO

E

TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO. A análise social tem dedicado interesse renovado ao fenómeno do associativismo, incluindo-o na designação abrangente do que pode ser entendido por «Terceiro Sector»4. Afirma-se com renovada intensidade desde o final dos anos setenta do século passado, retomando muitas das suas características que o marcaram desde finais do sec. XIX, mas agora num contexto de multiplicidade coexistente de contextos sociais e políticos na era da globalização (Santos, 2006, pp. 325-326). Interpretável como um «destronar» dos dois outros pilares da regulação social da modernidade ocidental – o mercado e o Estado – a emergência do terceiro sector reforça o princípio da «comunidade», de que nos falou Rousseau em 1775 (Santos, 2006, p.327), face a uma crise do Estado-Providência nos países centrais.

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Diz-nos Boaventura de Sousa Santos que “«Terceiro sector» é uma designação residual e vaga com que se pretende dar conta de um vastíssimo conjunto de organizações sociais que não sendo nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações que, por um lado, não sendo privadas, não visam fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objectivos sociais, públicos ou colectivos, não são estatais. Entre tais organizações podem mencionar-se cooperativas, associações mutualistas, associações não lucrativas, organizações não governamentais, organizações quasi-não governamentais, organizações de voluntariado, organizações comunitárias ou de base, etc.” (Santos, 2006, p. 325). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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O associativismo pode revestir-se de um papel de estruturação identitária na «globalização hegemónica», gerindo em moldes controlados a desigualdade e a exclusão, no âmbito de negociação com o Estado capitalista (Santos, 2006). Se para um dado indivíduo ou para um actor colectivo podem existir identidades múltiplas, resultantes da tensão entre a auto-representação e a acção social (Castells, 2003a, p.3), no que respeita ao conjunto dos actores sociais, poderemos entender a identidade “o processo de construção de significado com base num atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o (s) qual (ais) prevalece (m) sobre outras formas de significado”. Por significado designaremos a “identificação simbólica, por parte de um actor social, da finalidade da acção praticada por esse actor”(Castells, 2003a, p.3). Como forma de conceptualizar a possibilidade de uma construção do real por parte dos actores da sociedade em rede de modo a afirmar particularismos identitários (culturais), Castells afirma que na maior parte dos casos é uma identidade primária, estruturante das demais e auto-sutentável ao longo do tempo e do espaço, que define o significado categorizador da realidade destes actores. As propriedades de afirmação cultural fora da lógica imposta por elites (e que pouco têm a ver com características dos actores sociais que participam dos fluxos, ou que por não coadunação com a sua lógica, deles ficando excluídos, segundo um processo selectivo em que os pontos formados no cruzamento de vectores das trocas se afirmam mais centrais ou dispensáveis) surgem da construção de uma identidade de projecto. Segundo Castells (2003a, pp. 4-5) poderemos identificar três formas e origens da construção de identidades, a saber: a identidade legitimadora, “introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar a sua dominação sobre os actores sociais”; a identidade de resistência, criada por actores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos”; a identidade de projecto, estrutura-se “quando os actores sociais, servindo-se de qualquer tipo de material cultural ao seu

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alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir a sua posição na sociedade e de provocar transformação de toda a estrutura social”. Nesta linha, afirmaremos que é a identidade legitimadora que “dá origem a uma sociedade civil, ou seja, um conjunto de organizações e instituições, bem como uma série de actores sociais estruturados e organizados que, embora às vezes de forma conflituosa, reproduzem a identidade que racionaliza as fontes de dominação cultural” (ibidem). Os proventos desta análise, se quisermos ponderar a mudança social num contexto de globalização hegemónica, surgem da afirmação de que poderemos encontrar um círculo virtuoso em que identidades de resistência dão origem a identidades de projecto, que podem, eventualmente, afirmar-se como identidades legitimadoras. Encontramos aqui a possibilidade de uma opção entre o local o global neste “mundo novo” (Castells, 2003a, p. XXII), admirável ou não5. Pressupomos que o fenómeno associativo estará relacionado com a possibilidade concreta de negociação (nos termos em que a refere Giddens) entre poderes em presença, existentes ou potenciais. Falando da identidade, e usando a terminologia de Castells, o associativismo afigura-se como forma, se não de resistência e de projecto, pelo menos fundamentadora da negociação, como a entende Giddens. Boaventura de S. Santos (2006, p.293) fala de uma “globalização contra-hegemónica, geradora do novo cosmopolitismo subalterno e insurgente”, insurgência que é protagonizavel, acima de tudo pelo Estado-Nação, como forma da sua afirmação e constituindo-o como um “novíssimo movimento social” (Santos, 2006, p.293). Associativismo e democracia estão relacionados obrigatoriamente. Fernandes (1993) refere as associações como um dos «poderes difusos» que mantêm relações com os poderes central e autárquico, relacionamento que pode ter compleições diferenciadas, sendo uma delas a de dependência, mais do que negociação. Para este autor a 5

Nota-se uma referência clara nesta afirmação de Castells à obra de Aldous Huxley, intitulada «Admirável Mundo Novo», editado em 1932, onde se fazem alusões a algumas das realidades vividas nos nossos dias, várias permitidas apenas pelo uso das TIC, na altura inexistentes, numa sociedade em que os «imperfeitos» são descartados, considerados como selvagens. Interessante que B. de S. Santos (2006) recupera a terminologia de «selvagem» atribuível a toda a realidade não participante da lógica dos fluxos, impondo-se em crescendo uma ditadura a vários níveis, nomeadamente o cultural, com as repercussões óbvias de desigualdade e exclusão social, pela inexistência de lugar para culturas distintas, para o multiculturalismo, incluindo-se aqui própria ciência. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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constituição de uma “rede alargada de associações voluntárias é essencial para o alargamento do espaço público no interior da sociedade civil” (Fernandes, 1993, p. 10). O alargamento do campo da cidadania está assim directamente relacionado com a afirmação e intensificação da vida associativa e o pluralismo social e cultural nas comunidades O associativismo pode ser um meio privilegiado de aquisição de direitos de cidadania por parte dos pobres, lembra Luís Capucha, permitindo a sua promoção social “melhorando-lhes as condições de vida e contribuindo para a sua integração social” (Capucha, 1990. p. 34). Helena Vilaça (sd) refere-se a novas formas de associativismo na sua relação com os novos movimentos sociais quando fala das associações de moradores da cidade do Porto. Estes autores apresentam um ponto comum: recorrem a Alexis de Toqueville, que referiu já a atomização crescente do cidadão no contexto das sociedades reestruturadas pelas dinâmicas da revolução industrial, aportadora de novos desafios face a uma diluição das regulações da sociedade tradicional. Viegas (1986, p. 109) resume o contributo de Toqueville nos termos que se seguem: “As associações voluntárias permitiriam assim que o cidadão se interesse pela gestão da comunidade, pelo destino comum de toda uma nação. Simultaneamente elas eram uma via de participação social, de resistência ao poder de Estado e de criação de uma consciência colectiva”. O fenómeno associativo consegue reunir as temáticas do território e da identidade e autonomia, participação social e democracia, integração e cidadania. Na linha de Vilaça (1993) vamos assumir a identidade como possuindo um carácter relacional, sendo produzida socialmente. A participação associativa é uma das formas de consolidação de identidades unificadoras de cidadãos em torno da participação em projectos partilhados, legitimados na comunicação entre poderes, que agora já não se deve resumir à troca de informação (proporcionadora de discussão) pelos canais tradicionais da democracia representativa. Em “ O Poder da Identidade» Manuel Castells (2003a) constata também, e numa postura objectiva acerca de uma caracterização do capitalismo informacional – o informacionalismo – o conflito que se vem a estruturar entre a globalização e a AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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identidade. A sociedade em rede é uma sociedade em que as referências de espaço/tempo escapam ao controle do cidadão comum. A gramática de interpretação do real é apresentada por elites que controlam os fluxos na rede global. O espaço é o dos fluxos, e o tempo é atemporal (Castells, 2003a, p. XXI). Alicerça-se uma “inexistente opção entre o local e o global», como diria João Teixeira Lopes (Lopes, 1994), num mundo de risco caracterizado pela: globalização das actividades económicas estratégicamente decisivas; organização em rede destas actividades; flexibilidade e instabilidade do emprego e individualização da mão-de-obra; cultura da virtualidade real construída a partir de um sistema de média omnipresente, interligado e altamente diversificado; transformação das bases materiais da vida – o tempo e o espaço – mediante a criação de um espaço de fluxos e de um tempo atemporal como expressões das actividades dominantes e das elites que as controlam (Castells, 2003a, p. XXI). Em termos de análise de práticas e representações importará destrinçar as práticas associativas da população (como a dos recém-licenciados anteriormente citados). Poderemos opor um associativismo de virado para a conservação de traços culturais/identitários (práticas e representações) de determinada população, com as valências de integração de recém-chegados a um determinado território, constituindo espaços privilegiados de manifestação de redes de influência e de poder (Viegas, 1986). São associações fechadas sobre si mesmas, por vezes denominadas de colectividades. A este associativismo acrescentaríamos a existência de um associativismo de tipo novo, que inclui áreas como as do ambiente, do consumo, as ciências e tecnologias, as áreas profissionais e os tempos livres, ou sejam, as temáticas dos novos movimentos sociais. Viegas (1986, p. 15) seguindo uma tipologia proposta por Fraçoise Caroux

6

propõe

uma subdivisão trifacetada dos novos moldes do associativismo, distinguindo assim: 1) um associativismo orientado no sentido de uma maior gestão de serviços a prestar à população, no campo da formação, do ensino, da protecção social, do ordenamento urbano, em que as relações com o Estado são mais estreitas; 2) um associativismo de expressão; 3) um associativismo de carácter reivindicativo.

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Caroux, Françoise (1978). “Tipologie”. Esprit, nº 18.

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3.

EFEITOS DE LUGAR E IDENTIDADE

A estruturação do espaço social com correspondências na ocupação do espaço/território levanta assim questionamentos acerca do desvirtuamento no tipo de identidades forjadas em contextos ‘artificialmente’ criados, que reúnem populações com características heterogéneas por relação às suas origens, caso dos emigrantes, com uma relação ‘fragmentada’ com o mundo do trabalho e por uma ‘fachada’ arquitectónica e por um posicionamento que não recaem em escolhas autónomas mas são forçados institucionalmente, por exemplo pelo Estado. Diz-nos António Firmino da Costa (1999, p. 47) que “os espaços territoriais de relacionamento social e, em particular, certas marcas físicas que neles vão sendo destacadas, constituem elementos fundamentais de ancoragem simbólica e relacional desta triangulação entre as identidades culturais, as identidades colectivas e os grupos sociais que as elaboram e transmitem, ao mesmo tempo que, através delas, se produzem e reproduzem enquanto tais”. Se o espaço é excluído, dará lugar a identidades e existências de exclusão, reforçadas por marcos arquitectónicos, que nalguns contextos formam identidades individuais e de grupo mais com funções de inclusão em contextos sociais e culturais de referência e conotação positiva (como acontece em bairros populares, como Alfama em Lisboa), mas que noutros contextos podem assumir um papel de estruturação identitária com auto e heteró atribuições simbólicas constituindo uma memória colectiva com componentes ‘negativas’ (como acontece em bairros ‘sociais’). As paisagens e construções podem constituir “suportes nemésicos” (Sobral, cit. in Costa, 1999, p. 39), de suporte positivo ou negativo das vivências e do relato dessas vivências (forma de estruturar identidades). Se bem que não é nossa pretensão abordar a dimensão ‘território’ na questão das identidades na sua ligação com os fenómenos de exclusão social, parecendo improvável a ligação de lógicas territoriais com as TIC, afirmaríamos a dimensão territorial dos fenómenos sociais uma demonstração de que o social e as lógicas de poder que prevalecem em todas as interacções, inter-relações e reciprocidades não têm causas e manifestações aleatórias, sendo possível à análise sociológica deslindar as regularidades sociais que se impõem nos usos e apropriações do espaço, porventura mais poderosas AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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nas estruturações que lhe são consequentes do que as possibilidades de oferecidas pelas novas tecnologias em termos de redistribuição social do trabalho e num nível macro, em termos de Divisão Internacional do Trabalho (Murteira, 1983), sendo que estas estruturações com raiz territorial se repercutem num dos contextos de aprendizagem social mais importantes na construção de identidades colectivas e de classe, precisamente a família, e outras instâncias de socialização informal que condicionam aspirações e projectos soció-profissionais/vocações - a relação ideológica com o mundo do trabalho e da escola (Pinto, 1991, p. 17) - bem como práticas e representações acerca do espaço público e da cidadania.

4.

IDENTIDADE NUMA FASE DE TRANSIÇÃO: O GLOBAL E O LOCAL

Citando A. Santos Silva, “Vivemos, talvez, uma fase de transição” (Silva, 2002, p. 33), e é dessa transição que se quer dar conta usando os termos de “pós-modernidade”, “pósindustrialismo”, “informacionalismo”, “capitalismo informacional”, “modernidade tardia” - termo preferido por Giddens para classificar a estado actual do projecto europeu da modernidade (Silva, 2002, p. 34) - ou de “sociedade da informação”, como nos dizia já em 1988 David Lyon (1992). Martin Albrow (1996, p. 79) afirma, e no seguimento de tentativa de dar nome à fase de transição que vivemos, que lhe devemos chamar Era Global (Global Age), e que com propósitos de análise “we are not obliged to make the choice betwen modern, even late modern, and post-modern. The opposing representations of the present time are so contratictory, while their recognition of fundamental change is comon to them, that we have to entertain another alternative altogether, namely, that we have entered a new historical period”. As análises mais inconsequentes no que respeita a particularidades negativas do processo de mudança que atravessamos desde meados dos anos setenta, referem-se ao termo «Global», numa acepção que o implicada necessariamente no conceito «Mundialização», como um conjunto de dinâmicas que incluem dimensões com componentes cujos indicadores se materializam na existência de uma teLevysão global, na globalização do espaço político, na sociedade, numa sociedade civil global (Held, AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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1995 cit. in Goldsmith e Mander, 2001, p. 8), tecnoglobalismo (Kluger, 1992, cit. Goldsmith e Mander, 2001, p. 8), a chegada da aldeia global ou planetária, cultura global (Bertran, 1996, cit. in Goldsmith e Mander, 2001, p. 9). Diz-nos Mander (2001) que o vocábulo/termo «global» “está longe de ser inocente: deixa entender que estaremos face a um processo anónimo e universal, benéfico para a humanidade, e que não iniciámos um processo adaptado por alguns em seu proveito, representando riscos enormes e perigos consideráveis para todos. Como o capital, ao qual ele está intimamente ligado, a mundialização é de facto uma relação social de dominação e de exploração à escala mundial. Por detrás do anonimato do processo, encontram-se beneficiários e vítimas, senhores e escravos” (Mander, 2001, p. 9). A esta “economisação do mundo” (Mander, 2001, p.16), corresponde o “triunfo de um pensamento único” (p. 17) cuja difusão relacionaríamos aqui, por exemplo, com a teLevysão global, da “clonagem de culturas” (Jerry Mander, cit. in Goldsmith, 2001, p. 99), consumando uma mundividência em tudo contrária à «sociedade aberta» de Karl Popper (Popper, 1987). Mander apresenta uma frase de Alain Minc, um tecnocrata liberal, que nos diz que “não é o pensamento que é único, é a realidade” (2001). Para Minc (cit. in Mander, 2001, p.17) “o pensamento único é um efeito de um mundo único, de uma humanidade sem outra perspectiva que a apoteose do mercado”, mais ainda, “ o triunfo da sociedade de mercado faz desvanecer as suas veleidades de pluralismo”, sendo que “prevalece o evangelho da competitividade, o integrismo ultraliberal e o dogma da harmonia natural dos interesses”. A industrialização da cultura é uma realidade, sendo que as redes da sua universalização (Mattelard, 1996) denotam uma prevalência da «american way of life» sobre todos os modelos, não descartando no entanto «resistências» mas que se afirmam por oposição a esta homogenia ocidental/norte-americana. Afirmam-se por «oposição a», sendo que as identidades individuais e colectivas, por força da ausência de referências com igual ou superior peso em termos de representações sociais buscam inspiração em características como a raça e a religião. Na linha de pensamento dos autores em referência, acrescentaríamos a noção de um neocolonialismo, curiosamente também referido por Boaventura de S. Santos (2006) AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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caracterizador das formas de abrir novos mercados em economias locais, que não impliquem de modo obstaculizador com a economia mundial, que normalmente consiste num aliciamento das elites locais beneficiadoras da mudança independentemente das possíveis consequências para o local e para a restante população (se quisermos aludir a impactes ambientais, e à quebra de formas tradicionais de economia e de redes de solidariedade, por exemplo). Referindo – se a “falsos paradoxos da globalização” (Lopes, 1994, p. 220), João Teixeira Lopes lembra-nos que a convergência continuada da economia e da tecnologia a nível planetário, com as suas inerências na convergência social e cultural postuladas de modo ingénuo pela teoria da modernização são uma visão já ultrapassada, dado que a importação de modelos ocidentais, característicos do centro do sistema mundo, encontram, se não resistências, pelo menos adaptações face ao que vem de fora7. A comprovar esta desigual homogeneização cultural (entre outras dimensões) e uma concomitante valorização dos particularismos territorializados (se pensarmos em termos globais) que se constata empiricamente pelos exemplos de novos movimentos sociais de base local e pelo “violento eclodir de nacionalismos e micro-nacionalismos vários, num movimento por alguns denominado de «balcanização cultural»” (Lopes, 1994, p. 222). O centro fala e a periferia escuta, é verdade, mas escuta à sua maneira e pode também responder usando formas próprias, que se prendem com as suas características culturais e determinações/limitações estruturais. Assim sendo, concluímos que as dominações (culturais, sociais, económicas, políticas, tecnológicas), tal como outro qualquer fenómeno social total, devem ser analisadas de modo a evitar ingenuidades e simplismos de análise que nos poderiam por exemplo encaminhar para perspectivas evolucionistas e parciais na análise do fenómeno da globalização, considerando a dominação (em todas as suas vertentes) não só como inevitável como também necessária ao processo de globalização, cuja evidência 7

José Madureira Pinto relembra-nos em “Propostas Para o Ensino das Ciências Sociais” (1994, p.36) que facilmente nos podemos enredar “em ingénuas interpretações sobre o social” sem que o “anti-epistmologismo pragmatista” e o “hipercriticismo” enviesem/inviabilizem uma análise científica assente em procedimentos legitimadores dos resultados. À semelhança do que defende Madureira Pinto, seguiremos as posturas e contributos (bem como um caminho metodológico próprio) em que a imaginação sociológica/metodológica e a interdisciplinaridade são o fulcro de qualquer inovação a trazer no campo ou área de problemas sobre os quais aqui nos debruçamos. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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empírica se materializa, por exemplo na conectividade, na pertença/partilha da informação informatizada a nível planetário, actualizável quase instantaneamente8 .

5.

IDENTIDADE E RECONFIGURAÇÃO DO ESTADO

Desta forma, fará todo o sentido falarmos da necessidade de um Estado com novas funções impostas pela mundialização e pela penetração do mercado em esferas da vida pública, mas também a necessidade de forjar uma identidade a nível nacional capaz de permitir a execução legitimada pela população de políticas sociais, bem como a possibilidade de negociação/argumentação/ discussão de políticas impostas por instituições supra-nacionais a países que por enquanto se justapõem mas não estão em coerência (Clamen e Nonon, 1993, p. 203), caminhando ainda no sentido da reorganização dos espaços e das actividades económicas, no sentido de efectivar a afirmação do “território-rede” (Neto, s.d). Esta raiz local/nacional de identidades com possibilidades executivas pode ser o alicerce da construção de uma identidade europeia potenciadora de modelos de desenvolvimento pensados ‘localmente’ mas no contexto da Comunidade, de uma federação de Estados (Castells, 2005, Castells, 2003a e Castells, 2003b; Capucha, 2005), permitindo a participação em dinâmicas que se enquadram

na

globalização

e

na

mundialização

da

economia

com

um

peso/protagonismo nada comparável a um ‘posicionamento isolado’ (chamemos-lhe assim). A adequação a dinâmicas internacionais é uma necessidade de desenvolvimento,

8

Realizaríamos neste ponto uma referência a Moreira (2002), que ao procurar estabelecer relacionamento entre Ética, Mercado e Acumulação de Conhecimento, afirma que “o verdadeiro conhecimento económico não é tanto o conhecimento técnico, explícito e formal mas o conhecimento informal, tácito e disperso entre milhões de indivíduos e que leva a que o problema económico, mais do que a afectação de recursos, seja o da coordenação dos conhecimentos e expectativas pessoais”, no sentido de fazer crescer o que Becker (citado por Moreira) chama de capital humano, que obriga a uma visão do mercado enquanto processo competitivo através do qual o cidadão adquire e comunica conhecimento. É esta a forma como o mercado é entendido por todas as sociedades, grupos ou indivíduos a nível planetário? Serão estes os objectivos do mercado? São questões que ficam em aberto se falarmos de uma sociedade que se planetariza cada vez mais. Um estudo realizado em Portugal por Cardoso, Costa, Conceição e Gomes (2005), vem demonstrar que os portugueses, por exemplo, ai invés de uma utilização da Internet virada para objectivos de integração/ competitividade no contexto de uma rede que está presente, ou pelo menos tem influências, em todos os pontos do globo, operando - mediadas pelo recurso às possibilidades das TIC (ou NTIC, sigla com a qual denominaremos as novas tecnologias de informação e comunicação) – transformações sociais e económicas, realizam uma utilização da NET de modo a adaptá-la às suas necessidades interesses e valores, e não o contrário. Os portugueses mudam os usos da rede e usam-na à «sua maneira» (Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2005, p. 313). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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mas sustentado num protagonismo e num modelo nacional próprio, carente de uma homogeneização de objectivos não monopolizados por elites nacionais e internacionais. A possibilidade da aspiração a modelos próprios de desenvolvimento, de autoregulações e de protagonismo baseado em identidades com base territorial é questionada por Engelhard que fala de uma “utopia securitária da regionalização”, colocando em discussão a possibilidade de escapar à concorrência mundial que nos chega pelo investimento directo a nível nacional por parte de empresas multinacionais estrangeiras/estranhas às zonas onde se implantam. Poderá estar comprometida desta forma a aspiração à efectivação de uma Europa política, “único garante de uma Europa social” (1996, p. 99).

6.

A IDENTIDADE NA SOCIEDADE EM REDE.

Há uma interacção constante entre tecnologia e sociedade, contudo a tecnologia não se encontra fora da sociedade exercendo os seus efeitos a partir do “exterior”. Até que ponto (Lyon, 1992, p. 26) o casamento de convergência entre TI e comunicação, e logo relacionamento social (s) é espontâneo ou arranjado? A difusão da sociedade em rede é espontânea ou é arranjada? Castells (2005) fala-nos das potencialidades em termos de afirmação da cidadania referindo a criação de diversas comunidades virtuais, contudo salienta que, nos anos 90 as identidades mobilizadoras deste tipo de interacção associativa se fundamentou em referências identitárias primárias (2005, p. 26), existentes ou (re) construídas em torno de temas como a religião ou identidades fundamentadas numa racização distinguidora do «nós» (self) e dos «outros». Se bem que a sociedade de risco implica uma fragmentação de «selfs» (Beck, 2000) que procuram rentabilizar da melhor maneira as situações

enfrentadas,

poderíamos

adiantar

que

Castells

afirma

também

a

unilateralidade dos modelos de desenvolvimento e que a forma como os cidadãos se vêm e revêem a si próprios em presença de tecnologia nova desenvolvida por si ou oriunda do exterior pode não ser única/unidimensional e alvo não só de adaptações mas de rejeição/antagonismo total. “E porque observamos a tendência oposta em todo o AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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mundo, nomeadamente, a distância crescente entre a globalização e a identidade, entre a Rede e o Self” (Castells, 2005, p. 27), pergunta este autor, respondendo que uma crise de identidade varre a Europa, e os fundamentalismos podem servir de ancora no contexto volúvel dos processos macrossociais de mudança institucional que se prendem com o surgimento/emergência de um novo sistema global (Castells, 2005, p. 28). Adianta contudo que “parece haver uma lógica de exclusão para os agentes de exclusão, de redefinição dos critérios de valor e de significado num mundo onde há pouco espaço para os que não estão familiarizados com informática, para os grupos que não consomem e para os territórios onde a comunicação global não intervém. Quando a Rede desliga o self, o self, individual ou colectivo, constrói o seu significado sem a referência instrumental global: o processo de desconexão torna-se recíproco, após a recusa por parte dos excluídos da lógica unilateral de dominação estrutural e exclusão social” (Castells, 2005, p. 29). Assim sendo, faz todo o sentido que se aposte na educação voltada para a informática para não ficar de fora deste processo de globalização. Beck (Beck, Giddens e Lash, 2000) adianta que esta formação fundamental para a mudança (identificada com modernização, que se instala com anuimento ou sem ele) está a ser operada com base nas estruturas do Wellfare-State, no contexto do sistema educativo, por exemplo, se bem que se procura assim acompanhar uma mudança para a qual se deve estar preparado, acompanhar, para não ser excluído ou para a vivenciar da forma mais rentável, numa acepção de rentabilização individual, pois recairá sobre os menos aptos (lembrando o darwinismo social) a tarefa de carregar «os males necessários». Segundo Castells, a inovação/renovação trazidas pela mundialização e pela globalização cujo fulcro são as NTIC, materializadas por exemplo na Internet, na Rede, limita-se a existir como realidade incontornável, mas destituída de propósitos finais, como foram as realizações humanas idealizadas pela modernidade, que acabaram por não se verificar a vários níveis, motivando afirmações como a de Boaventura de Sousa Santos (1991) que afirma que o século XX termina mesmo antes de começar. A modernidade continua um projecto inacabado. A realidade da impossibilidade ou possibilidade em moldes próprios de integrar a rede dita

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possibilidades de inclusão e de exclusão, logo de manutenção ou criação de novas polarizações regionais e sociais. A afirmação de uma identidade (com inerências de mobilização e de poder) não implica que se rejeitem identidades diferentes, elas podem coexistir, mas a partilha de uma identidade global, composta por e respeitadora de particularismos componentes dessa totalidade identitária está longe ser uma realidade, surgindo os movimentos de oposição concretizado em guerras/conflitos que eclodem nos mais diversos pontos do globo a lembrar que a ordem mundial é uma criação justificadora do policiamento por parte dos Estados e instituições modelo.

7. ESPAÇO PÚBLICO, POLÍTICA E INSTITUCIONALIZAÇÃO. Diz-nos Carmo (2001, p. 213) que uma reestruturação das práticas económicas e culturais operada na cultura popular e na alta cultura numa realidade ditada por tendências desreguladoras e privatizantes com concentração transnacional das empresas “diminuiu as vozes públicas” (Carmo, 2001, p. 213), que, abandonando o espaço do debate público e político para a concretização de objectivos de justiça, serviços, reparações, ou até de atenção de que o cidadão não se sente alvo (agora procurados na rádio e na teLevysão, já que as burocracias estatais, partidárias e sindicais o desiludem cada vez mais), diminuição que é concomitante de uma “concentração hermética das decisões nas elites tecnológico-económicas e gera um novo regime de exclusão das maiorias incorporadas como clientes” (Carmo, 2001, pp. 213-214). Afiguram-se novas elites? As existentes baseadas na propriedade reforçam-se com o domínio das novas tecnologias? A estas questões importantes adiantaríamos a constatação de que a cidadania, o direito a ser cidadão, “ou seja, de decidir como são produzidos, distribuídos e utilizados (os bens), restringe – se novamente às elites” (Carmo, 2001, p. 214), face a um cenário de contradições crescentes sobretudo observáveis nos países periféricos e nas metrópoles “onde a globalização selectiva exclui desocupados e migrantes dos direitos humanos básicos: trabalho, saúde, educação, habitação” (Carmo, 2001, p. 214). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Efectivamente, as NTIC proporcionam possibilidades em termos de comunicação não suspeitadas até aos nossos dias, contudo separaríamos a comunicação realizada sob o «signo» dos objectivos de benefícios materiais que se prendem com a actividade económica e empresarial, da comunicação com propósitos de emancipação e de crescimento que não é apenas económico: propósitos de cidadania. Se efectivamente poderemos dar com certeza que a utilização das novas tecnologias de comunicação proporcionam novas formas de organização, debate e acção, permitindo a mobilização da cidadania, importaria verificar se no contexto de um país a considerar (Portugal, por exemplo) todos os grupos sociais em presença, todas as classes sociais, «deitam mão» a este recurso, de que forma o fazem, para que propósitos, se reconhecem interesse no uso da TIC para estes propósitos, se porventura têm acesso às TIC e se sentem a premência das questões da cidadania. Falamos já do individualismo que caracteriza as actuais sociedades, e se assim é porque não considerar a visualização das potencialidades das novas tecnologias para o fenómeno associativo, pouco atractivo, porventura, numa sociedade de combates com carácter e propósitos individualistas, facilitados nalgumas circunstâncias por estas tecnologias rentabilizadas com fins de lucro e de competitividade. Estamos a aprofundar uma análise que nos conduz a explorar também o que a globalização, o mercado e o consumo têm de cultura, procurando afastar visões ingénuas que apontam o global como substituto do local (já anteriormente expostas) se pensarmos a possibilidade de dinâmicas próprias/ nacionais de desenvolvimento, que implica não apenas o consumo desenfreado de produtos transnacionais, mas participar activamente nas dinâmicas de criação/ aplicação/ produção do que é solicitado em termos mundiais (Carmo, 2001, p. 211). Uma das consequências da globalização normalmente apontada é “a redefinição do lugar de pertença e de identidade, organizado cada vez menos por lealdades locais ou nacionais e mais pela participação em comunidades transnacionais ou desterritorializadas de consumidores” (Carmo, 2001, p. 213). A referência (com intuitos de explanação dos moldes em que são concebidos os fluxos, neste caso no que toca à cultura) a Gianni Vattimo torna-se obrigatória, falando-nos de AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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uma “guerra de sistemas mundiais” (Vattimo cit. in Bindé, 2004, p. 45), explicando que a melhor maneira de compreender os choques entre o local e o global “é fazer referência à oposição entre o sistema vertebrado e o sistema celular” (Vattimo cit. in Bindé, 2004, p. 45)9. Falamos assim da (realmente) inexistente opção entre o local e o global (Lopes, 1994), se bem que algumas propostas afiguram um futuro não tão negativo no que toca ao exercício da cidadania, em todas as suas componentes. Por exemplo Pierre Levy (2005), numa obra que intitulou de “ciberdemocracia”, escrita , diga-se, antes dos ataques de 11 de Setembro de 2001, fala-nos de um futuro no qual as NTIC proporcionarão o exercício da democracia e da cidadania que lhe é inerente em moldes nunca vistos, abrindo-se novas possibilidades, únicas na história da humanidade, que agora têm a sua «oportunidade». Levy desenvolve e aprofunda o conceito de “ciberdemocracia” (Levy, 2005, p. 11), que envolve as seguintes componentes/dimensões: governação mundial; Estado transparente; cultura da diversidade, ética da inteligência colectiva. Segundo Levy “os meios de comunicação interactivos, as comunidades virtuais sem território e a explosão da liberdade de expressão permitida pela Internet abrem um novo espaço de comunicação, transparente e universal de resto, levado a profundamente renovar as condições da vida pública no sentido de uma liberdade e de uma responsabilidade acrescidas do cidadão”(Levy, 2005, p. 11). Adianta ainda que “o desenvolvimento do ciberespaço já suscitou práticas políticas novas. As comunidades virtuais de base territorial que as cidades e as regiões digitais são criam uma democracia local de rede, mais participativa” (Levy, 2005, p. 12). Assim sendo defende que “a passagem para a governação electrónica (e a reforma administrativa que supõe), visa reforçar as 9

Conforme nos diz Bindé: “O mundo vertebrado é o mundo do Estado-nação e o das sociedades multinacionais globais que, embora se libertem de fronteiras, ainda funcionam apoiando-se nas estruturas estatais existentes. O capitalismo que as sustenta é solidamente vertebrado, na medida em que os seus principais intervenientes, processos e interesses se estruturam de acordo com relações codificadas entre entidades centralizadas que vão desde o Estadonação a estruturas multilaterais de negociações (OMC, GATT, etc.) cuja finalidade é coordenar e controlar os capitais no plano global. O mundo celular ou invertebrado não é apenas um mundo de fluxo e de redes, mas também um mundo baseado em modos de coordenação e de coerência totalmente originais. Funciona por multiplicação, isolamento de unidades funcionais e acção, mais por imitação ou simpatia do que pela via do comando. Enfim, o mundo celular baseia-se na reprodução até ao infinito de princípios minimais em vez de ideias lógicas e funcionais.” (Bindé 2004, p. 45)

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capacidades de acção das populações administradas mais do que as subjugar a um poder. Os novos ágoras em linha permitem o nascimento de novos modelos de informação e de deliberação política ao mesmo tempo que o voto electrónico pode completar o quadro de harmonização da democracia com a sociedade da inteligência colectiva” (Levy, 2005, p. 12). Segundo esta visão “a mundialização da economia e da comunicação suscita a emergência de uma sociedade civil planetária que se exprime num espaço público doravante sem território. A oposição à globalização, principal força política dissidente no novo espaço público, utiliza todos os recursos do ciberespaço e experimenta formas de organização política novas, flexíveis e descentralizadas que contribuem para a invenção da ciberdemocracia.” (Levy, 2005, p. 12). Se dizíamos atrás que o individualismo, narcísico e orientado para a satisfação de desejos e necessidades pensados de si para si, Pierre Levy adianta que na futura sociedade “ a ciberdemocracia planetária nascente exprime-se pela via do consumo consciente e do investimento socialmente responsável, isto é, por uma governação directa da economia pelos cidadãos, que a transparência do ciberespaço já torna possível” (Levy, 2005, p. 12). Se falávamos de ambiguidades na governação dos Estados-Nação, que procuram gerir o fluxo de forças externas que as percorre, Levy diz-nos que “ uma nova forma de Estado, que corresponde às novas condições da governação (mundialização, liberalização, informatização), emerge progressivamente. Articulado aos níveis global, continental, nacional e regional (ou metropolitano), o Estado transparente garante a diversidade cultural e visa a animação da inteligência colectiva da sociedade a todas as escalas”. (Levy, 2005, p. 12), deixando de fazer sentido falar em neolocalismos e neoglobalismos, importação de modelos culturais e observar povos e culturas diferentes como se estivessem expostos para consumo, à imagem de um zoo. P. Levy, diz-nos que futuramente, num sistema ciberdemocrata implantado à escala mundial “para cada problema, as posições e os argumentos redistribuir-se-ão em múltiplos fóruns virtuais, como se num cérebro gigante que, aqui e acolá, reunisse assembleias de neurónios, decidindo por voto electrónico sobre um direito concebido como uma formulação provisória de uma aprendizagem colectiva sempre em aberto” AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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(Levy, 2005, p. 12), deixando, pois, de fazer sentido em torno de polarizações entre países e entre classes sociais, já que o poder é gerido democraticamente com base numa difusão permitida pelas TIC. Assim entendidas as TIC não proporcionam o poder a quem as detém, gere ou utiliza, mas permitem a sua difusão pela generalidade da população, que a elas recorrendo participa na vida do colectivo. Esta visão ultrapassa até em idealismo os apologistas da entrada numa era global em que os Estados-Nação dão lugar a um “world state” ou “global state” (Albrow, 1996, p.171), um Estado mundial ou global que se apresenta como uma evolução face à fragmentação proporcionada pela afirmação dos Estados-Nação, falando-se agora de uma administração que não se orienta numa base nacional mas transnacional, identidades nacionais que vão para além de governos particulares (assumindo-se a multiculturalidade na nova era, e mais do que a coexistência a “interexistência”10 de pessoas e culturas) e no carácter de ligação (binding nature) das actividades interestaduais. A este propósito Castells (cit. in Cardoso, Costa, Conceição e Gomes 2005, p. 26) fala-nos de um Estado em rede, em que o processo de governação que afecta as nossas vidas é elaborado em rede de parceiros de governação em que se constituem de modo a gerir os fluxos globais os Estados-Nação, “instituições conacionais e supranacionais, tais como a União Europeia, tentando dar maior relevância a instituições de gestão global como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial de Comércio e (...) as Nações Unidas” (Cardoso, Costa, Conceição e Gomes 2005, p. 26). Esperando não nos termos demorado muito na nossa referência a Levy, julgámo-la oportuna, o contraponto de posições anteriores e talvez o superlativo absoluto sintético das defesas de uma visão harmoniosa de um futuro melhor proporcionado pelas TIC. Um futuro no qual as solicitações sociais para a produção científica não assentem

10

Ver a propósito do termo “interexistência” a obra de Ervin Lazlo “O Terceiro Milénio. O desafio e a Visão” (Lazlo, 1997). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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apenas na lógica da prossecução de lucro11, afirmando um possível o “reencantamento do mundo” (Lacroix, 1996, p. 15), portanto. Se a mundialização implica a erosão (em maior ou menor medida) do «Estado-Nação» como determinante das forças (de vária ordem) que se movimentam no seu território, e uma afirmação de forças internacionais, por vezes difíceis de identificar (Bauman, 1998, p. 56-57) poderemos estar a assistir a uma «nova desordem mundial»12, ou melhor, à ordem de uns e à desordem de outros. Pela sua posição no sistema-mundo e pelas suas características estruturais (chamemoslhe assim) alguns países podem ficar excluídos das potencialidades oferecidas pela rede e traçar percursos divergentes, se bem que paradoxalmente se façam sentir nestas regiões impactos da mundialização da economia e da globalização. Poderemos falar aqui do poder da identidade como raiz de movimentos antagonistas à via da modernização com base em símbolos de identificação unificadora primários como a raça (literalmente a cor da pele) ou a religião (Castells, 2005), mas pode ter apenas raiz na identidade mobilizadora inexistente ou por consolidar ou a razões estruturais. Se Uma

identidade

europeia

consolidada

em

torno

de

valores

e

objectivos

institucionalizados numa federação (Capucha, 2005) seriam a base da acção individual conjugada justificadora de negociações com o poder institucional do Estado dando as novas tecnologias e a partilha da rede novas possibilidades de comunicação (Toffler, 1984; Beck, Giddens e Lash, 2000; Castells 2005) e de elevação/ transformação/ solidificação do capital social de cada um e potenciador de um universo e valores partilhado capaz de proporcionar a plataforma ou os alicerces de uma ordem instituída formal e informalmente (Fernandes, 2006) que funcione como orientação na acção humana solidificada por essa mesma interacção social, garantidora da confiança e permitindo o afastamento do risco nas suas facetas desagregadoras/desorganizadoras e

11

Sugeríamos a propósito dos relacionamentos entre produção científica e condições sociais globais – produção social de conhecimentos científicos – a consulta da obra da autoria de José Madureira Pinto “Propostas Para o Ensino das Ciências Sociais” (Pinto, 1994).

12

Expressão da autoria de Kenneth Jowitt, referente à sua obra “The New World Disorder”, citado por Baumam, 1998, p.57) AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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confiança num mundo em rápidas mudanças, fundamental para o crescimento económico – como nos adianta F. Fukyama (cit. in Fernandes, 2006). Poderemos questionar-nos sobre a possibilidade de partilha de valores e representações (a gramática do quotidiano, como já anteriormente referimos) a um nível supra-nacional (europeu ou até mundial), independentemente de ideologias informadoras da leitura da realidade, quando a nível interno o sistema económico (a produção capitalista) assenta em moldes que não permitem alterar a reprodução social e introduzir a mudança pela inexistência de uma identidade partilhada dos grupos sociais em presença no nosso país, pela inexistência de uma consciência partilhada para a qual pode contribuir os moldes em que o trabalho se está a caracterizar, temporário e subcontratado, com o apoio legitimador de um suporte jurídico estatal para as novas formas de despedaçar e precarizar o trabalho. Já em 199013 Boaventura de Sousa Santos chamava a atenção não só para os impeditivos de uma consciência de classe e de interesses de classe ou grupo sócioprofissional (se bem que estes conceitos não são sinónimos, embora se impliquem mutuamente) tanto por parte do operariado como por parte da burguesia, num país em que a agricultura a tempo parcial faz parte de estratégias de sobrevivência, de resistência à crise, e de não dependência total da venda da força de trabalho para a sobrevivência por parte do operariado (ver também Lima 1986, 1990, 1991), o que a par da inexistência histórica de uma consciência de classe alicerçada e institucionalizada, na forma de actores colectivos, como os sindicatos (Freire, 2001), desvirtuaria qualquer mudança protagonizada por um movimento social com base na classe (como defendeu Touraine e toda a sua obra – vide bibliografia). Também as remessas dos emigrantes com a sua função de sustentação do statu-quo e de imobilismo do crescimento económico com base no investimento interno contribuíram para uma reprodução social que se alicerça face a um desenvolvimento do capitalismo em moldes que não proporcionam dinâmicas de luta e de transformação social verificadas nos países do centro. As características da nossa burguesia pelo tipo de actividades desenvolvidas sem

13

Data da primeira edição de “O Estado e a Sociedade em Portugal”.

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possibilidades de competição internacional e com uma sustentabilidade assente no ‘esmagamento’ dos salários dos trabalhadores fez com que esta classe tivesse uma imagem/consciência de si própria pouco consistente e remetesse os trabalhadores para as já referidas estratégias de pluriactividade não fomentadoras de uma consciência ou uma identidade de classe. Envolvidos que estavam (estão), operariado e burguesia em estratégias de subcontratação de serviços (se bem que com interesses distintos) em que a identidade forjada pela actividade laboral referenciada a uma instituição/ organização, pública ou privada, a cultura de empresa como lhe chamou Renaud Sainsalieu (1987) nas suas vertentes componentes identitárias, culturais e institucionais com possibilidades de acção gestionária intra e supra-organização de pertença/referência, não pode ser forjada, porque não existe organização de referência. Francis Fukuyama (2000) procura as virtualidades da comunicação na rede como forma alternativa às instituições e institucionalizações (que se tornaram obsoletas entretanto, dado que não conseguem acompanhar/adaptar-se às rápidas transformações que inserimos num todo denominado ‘processo de globalização’) que marcaram o período da história que antecede a ‘grande ruptura’ operada pelas TIC, afirmando que os níveis de confiança estão a elevar-se, acompanhados por alterações na família e pela desaceleração da criminalidade, evidência empírica de que os mecanismos sociais de auto-correcção começaram a actuar. Estes indícios demonstram também, que a rede, apesar da sua centralidade nos processos de mudança não é só tecnologia, tendo muito mais a ver com a reciprocidade moral e relações sociais, conexões entre pessoas, sendo que estes laços informais são fundamentais no movimento do conhecimento. Assim sendo a rede digital ocorre/ corre em cima da rede social. Nesta linha, as desinstitucionalizações e desregulações sociais são caracterizadas por fenómenos transitórios, auto-corrigíveis à medida que as pessoas se adaptarem a um ambiente económico e tecnológico diferente (Fukuyama, 2000). A interacção é a base da confiança numa sociedade de risco, alicerçando identidades geradoras de acção, intervenção e negociação. Estamos a pôr de lado usos da rede com propósitos terroristas e anti-mundialização, operacionalizados por grupos terroristas (evidências que nos chegam diariamente pelos mass-média), mas podemos identificá-los como formas de AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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alicerçar identidades em moldes completamente opostos aos preconizados por Giddens (1999) ou Castells (2005) ou antevistos por Toffler, que nos diz que “os historiadores encontram poucos precedentes para a espantosa velocidade a que o movimento de autoajuda está a alastrar, hoje em dia” (1984, p. 268) com base nas TIC. Referindo-nos a Giddens, poderíamos aqui incluir o potencial identificador (de formação de identidades) assente em valores caracterizadores de uma “terceira via” (Giddens, 1999) moldada em alternativa a anteriores mundivisões conotadas com o capitalismo (liberalismo) ou com o socialismo (marxismo) nas suas conceitualizações mais recentes, “Para Além da Esquerda e da Direita” (Giddens, 1997), portanto. Poderemos salientar nesta ‘terceira via’ valores como a igualdade, a protecção dos desfavorecidos, a liberdade encarada como autonomia, inexistência de direitos sem obrigações, cosmopolitismo pluralista, entre outros. Estas concepções dão corpo a reconceptualizações e reconfigurações de instituições como a democracia ou o Estado, preconizadas por Beck, Giddens e Lash (Beck, Giddens e Lash, 2000), ou, como já referimos anteriormente por Capucha (2005), citando Castells, em torno de diversos valores que nos remetem para a democracia em todas as suas dimensões, acrescentando aqui a causa ambiental. Trata-se de reparar as “solidariedades deterioradas”, recuperando do antecedente, da tradição, o que existe de positivo, reinventando novas formas para os aspectos menos positivos desta tradição, realizando assim uma “destradicionalização”, entendendo a coesão social não “na perspectiva da salvaguarda da coesão social, contornando as arestas de um mercado egoísta, mas antes entendida no sentido da reconciliação da autonomia e da interdependência nas diversas esferas da vida social, incluindo o domínio económico” (Giddens, 1997, p. 11). Assume redobrada importância a noção da centralidade da “política da vida face aos domínios formal e menos ortodoxos da ordem política” (Giddens, 1997, p. 12), alicerçadora de uma “confiança activa”, base da intensificação da solidariedade, confiança que é conquistada, não é um dado adquirido, “aliada ao renovamento da responsabilidade pessoal e social face aos outros” (Giddens, 1997, p. 12). É claro que no pensamento de Giddens, esta destradicionalização, ou a característica de ‘sociedade destradicionalizante’ a mudança social assenta nas AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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possibilidades/inerências da modernização na qual o papel central cabe às TIC e estas são uma componente fundamental da repolitização do espaço público. Poderemos visualizar um cenário em que a rede em Portugal, com fraca tradição de movimentos sociais com base em identidades forjadas em torno de temas diversos protagonize, por um lado crescimento económico com base nas TIC que podem fazer de cada um participante da economia do país e mundial por contributos/participações individuais para a rede (Toffler, 1984; Castells, 2005), apanágio do informacionalismo ou capitalismo informacional (Castells, 2005), o que é perfeitamente compatível e até dá corpo às novas formas de trabalho, relação entre trabalho e não trabalho, subcontratação - não esquecendo as múltiplas formas que a precarização dos vínculos laborais pode assumir, em que a rede serve para forjar e alicerçar interesses, identidades partilhadas e motivadoras de negociação, facilitada pela rede, muito para além das preocupações atribuíveis em termos políticos à esquerda ou à direita (Beck, Giddens, Lash, 2000), e mais fundamentalmente o fim do que Toffler chamou de mercadorização, caracterizadora do capitalismo até agora, e que baseia o sistema económico em termos mundiais na necessidade de expandir o mercado para novas regiões, sendo que hoje em dia o preço da distribuição se vai tornando incomportável, solicitando-se , assim, formas/esquemas de produção/distribuição. É o advento do “produ-sumidor”, do consumidor que também é produtor, enquadrado em redes mais restritas, menos complexas, simplificadas e baseadas na ‘proximidade’ (Toffler, 1984, pp. 269-288), em que todos os participantes da rede podem produzir e fazer trocas que dispensam redes de intermediários onerosas, concepção recuperada por Castells (2005), se bem que este último refere que o informacionalismo tem seguido uma estratégia de efeitos requeridos de forma mais imediata baseada na ampliação do mercado, no aumento da produtividade e aceleração do retorno do capital, o que necessariamente acarreta polarizações e relações de dominação, que colocam agora em jogo um conjunto de regiões que se tinham mantido afastadas das dinâmicas próprias do centro e que testam as capacidades/possibilidades de integração da rede e de formas de organização empresarial baseadas na comunicação facilitada [Toffler (1984) fala de uma sincronização/coordenação

de

actividades

produtivas,

máquinas

AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

e

operações 118

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possibilitadas pela informática e pela micro-eletrónica, sem paralelo na segunda vaga e no industrialismo], sem território, concepção assertiva com a das regulações serem agora realizadas não só ao nível do Estado-Nação, mas mormente ao nível de entidades supranacionais, como a União Europeia, justificando também o fomento de identidades em termos supranacionais, uma identidade europeia, no nosso caso (Castells, 2003a, 2003b e 2005). Poderemos, no entanto, visualizar um cenário em que o nosso país continua com debilidades em termos de educação, familiarização e uso de TIC (entre outro tipo de competências), o que inviabiliza a criação de crescimento económico pela partilha da rede com objectivos e consequências objectivas concretas de crescimento económico ou um uso da rede com fins diversos dos da solidificação de redes partilhadas capazes de potenciar o ‘capital social’ de cada um com inerências de confiança, por ora estilhaçada. O discurso político tem-se pautado por referências ao e-governement desde 1995 (Nolasco, 2004), assumindo que as novas tecnologias permitirão um melhor interface entre os serviços do Estado e a demanda dos cidadãos, mas a concretização de uma integração horizontal, de uma democracia concretizada em novos moldes, tal como a preconizou Beck, Giddens e Lash (2000) está longe de ser uma realidade no nosso país. É uma fase de transição que não está concluída (se é que alguma vez o estará!). Diríamos, ingenuamente, que Portugal não está a acompanhar a mudança mundial, mas o que é facto é que pode estar a trilhar um caminho diverso daquele que os ‘profetas’ da modernização anunciaram, realizando um reajuste face à inovação imposta do exterior, sem contudo mudar (basicamente) o stato-quo e as relações de poder caracterizadoras de dinâmicas de relacionamento interno e com o exterior. Efectivamente a subcontratação de serviços e o trabalho precário nas suas inerências de desisnstitucionalização (Santos, 1998; Fernandes, 2006), mais do que caracterizarem novas formas de trabalho, eventualmente caracterizadoras de uma fase transitória podem consubstanciar uma forma perene de dualização social com inerências de pobreza e exclusão social (Clavel, 2004, entre outros), já que as classes médias, seguindo um trend, mundial tendem a desaparecer, face à extinção de relações salariais estáveis garantidas pela relação salarial fordista e pela função integradora do Estado empregador. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Assumindo também que as novas possibilidades relacionais e comunicacionais trazidas pela partilha da rede, e por impactos das TIC de forma mais generalizada, como ao nível da comunicação de massas, poderiam reconfigurar a politização da vida colectiva, entendida como modo de elevação da condição humana (Fernandes, 1988) e como nova modalidade de distribuição e reconfiguração das relações de poder pelo protagonismo individual potencial difundindo o poder de modo mais homogéneo na sociedade civil, não baseado em contactos pessoalizados mas consubstanciando uma real democracia de acesso (Fernandes, 1993) e recriando o espaço público descentralizando o poder (Fernandes, 1988), poderemos por um lado reflectir acerca do papel de construção dos mass-media na opinião pública (Bourdieu, 1984; Fernandes, 1999) que normalmente veiculam informação fragmentada de conteúdo ideológico impeditiva de uma visão global dos problemas que respeitam a todos (Pinto, 1994) que assim desvirtuam a partilha do espaço público, mais ou menos politizado (Fernandes, 1988) e inviabilizam a discussão estruturada de questões sociais ou outras com resultados de mudança, consubstanciando um sistema em que os media se substituem ao Estado na garantia da justiça social pela exposição pública de problemas/fragmentos com impacto mediático, o que não só implica a negação e a demissão do Estado da resolução de problemas sociais, como implica a rejeição deste último como garantia de democracia (Carmo, 2001), sem que os moldes em que a discussão pública o faz - para além da contextualização partidária – garantam a reformulação da democracia nos moldes em que Beck, Giddens e Lash (2000) o preconizaram na sociedade da informação. Algumas reflexões actuais sobre o ‘estado da Nação’ relembram-nos as possibilidades da efectivação do e-governement com a aplicação das tecnologias da sociedade da informação, constituindo uma oportunidade de se atingirem níveis de cidadania nunca alcançados no nosso país, salvaguardando que “a melhor medida de sucesso do egovernement deve ser a existência de cidadãos participativos, envolvidos, que se relacionem com o Estado da forma que mais lhes convenha, de modo transparente, eficaz e económico” (Henriques e Aliseda, 2006, p. 1), “sendo que o objectivo mais elementar do e-governement deve ser o de facilitar a vida do cidadão na relação com a Administração Publica e não o oposto” (Henriques e Aliseda, 2006, p. 2). Contudo, AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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estas aproximações apesar de conscientes das limitações de contacto inerentes ao uso da “Internet num país que ainda mantém baixos níveis de literacia, bem como uma significativa população de idosos”, sendo “irrealista pensar que os cidadãos vão, de um dia para o outro, passar a contactar em massa a Administração Pública através da Internet” (Henriques e Aliseda, 2006, p.2), defendendo a comunicação multicanal (potenciando o uso do telemóvel) e o atendimento presencial a par de aplicações de “front-office” modernas, multicanal, integradas, desenvolvidas utilizando o vocabulário do cidadão, por oposição ao vocabulário dos serviços (Henriques e Aliseda, 2006, p. 2). O caminho a seguir é o da intensificação de acções educacionais no sentido de familiarizar, pelas mais diversas vias, o cidadão com as TIC, proporcionando a ‘inclusão digital’ com uma componente forte de aprendizagem autónoma. Dizem que “sem uma população com elevados níveis de educação e qualificação, não é possível tirar pleno partido do potencial transformador do e-Governement” (Henriques e Aliseda, 2006, p. 3). Mas o que é facto é que a escola de massas tarda em massificar o sucesso escolar (Magalhães e Stoer, 2002; Barreto, 2000), já para não mencionar a possibilidade de usos muito próprios ao nosso país destas TIC (Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2005).

AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Figura 2: Lógica conexionista e sociedade em rede.

TIC (usos) GLOBAL

A Sociedade em Rede em Portugal (condições estruturais nacionais) Democracia

Identidade

LOCAL Integração

Fluxos (lógica conexionista)

A Sociedade em Rede Mercado Capital (condições estruturais supranacionais)

Práticas

Família

Trabalho Representações

Reprodução/Transformação de habitus (estrutura e volume de capitais – social, económico, cultural e político)

Exclusão

Reflexividade

Escola Cidadania

8. RAZÕES DA PRESENÇA E DA AUSÊNCIA DE PRÁTICAS ASSOCIATIVAS Apresentámos aos nossos inquiridos uma série de razões das práticas, ou da ausência de práticas associativas, sendo que cada afirmação proposta é apreciada numa escala de Likert de 1 a 5, onde o 1 significa o total desacordo com a afirmação apresentada e o 5 a total concordância com a mesma. Vejamos as razões para a ausência de práticas associativas, apresentando dados totais, possibilitadoras de uma maior consistência na análise (tabela 1). AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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RAZÕES PARA A AUSÊNCIA DE PRÁTICAS ASSOCIATIVAS 1 Razão para a ausência de práticas associativas Não vale a pena 26,2 Prefere fazer as coisas por si mesmo 16,4 Prefere organizar-se com amigos 5,2 As associações existentes não lhe agradam 18,5 Não tem tempo 9,3 As associações são caras 20,3 As associações ficam longe do local onde mora 23,7 Prefere locais que estejam na moda 52,9 Desconhece as actividades das associações 18,5 Falta-lhe Motivação 16,3 TABELA 1

Grau de concordância 2 3 4 5 18,6 37,8 8,1 9,3 18,7 31,6 26,3 7,0 9,8 23,7 41,6 19,7 19,7 37,6 16,8 7,5 10,5 19,2 21,5 39,5 27,3 34,3 14,5 3,5 19,5 33,7 17,2 5,9 18,6 22,1 4,7 1,7 17,9 40,5 16,1 7,1 19,2 32,0 23,8 8,7

Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

As respostas denotam um carácter «defensivo», sendo que o maior número de respostas recai no grau 3, ou seja, um «nem concordo nem discordo», que apenas é quebrado na afirmação de que «prefere locais que estejam na moda» e «prefere organizar-se com amigos». Neste último caso, as redes de relacionamento centram-se nos amigos, o que não é coincidente com uma de protagonismos a desempenhar por cidadãos associados com razões que ultrapassam as das amizades. No perfil das respostas às razões da prática associativa, verificamos algumas diferenças por relação às razões da ausência de práticas associativas (tabela 2). RAZÕES DA PRÁTICA ASSOCIATIVA

Razões da prática associativa Interessa-se pelas práticas e tem interesse em participar Gosta de actividades desportivas/competição Gosta do convívio, bem-estar e amizade Dada a importância tradicional da associação Por influência de pais e amigos Pela proximidade da residência Pela possibilidade de utilização de equipamentos Pelo equilíbrio físico, psicológico e moral Pela Formação sociocultural Pelo livre acesso TABELA 2

1 14,2 10,9 6,0 21,8 27,9 28,8 23,2 15,9 14,6 23,3

Grau de concordância 2 3 4 5 9,3 24,1 25,9 26,5 10,3 15,8 28,5 34,5 4,2 13,3 34,3 42,2 23,6 31,5 16,4 6,7 28,5 31,5 9,1 3,0 19,0 36,2 13,5 2,5 21,3 34,8 18,3 2,4 9,1 26,2 30,5 18,3 7,9 32,3 35,4 9,8 14,7 36,8 16,0 9,2

AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

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Encontramos respostas mais «determinadas» relativamente a alguns indicadores, mas que fazem sobressair o carácter de utilidade pessoal que os inquiridos atribuem à prática associativa, dados que, aliás, são consistentes com os obtidos por Fernandes (2001). A guisa de conclusão acerca de práticas associativas nos inquiridos, adiantamos que o associativismo, enquanto fenómeno social, reúne o individual e o colectivo, o subjectivo e o objectivo. Conseguimos encontrar em todos os subsistemas do social um lugar para o associativismo, tendo sido uma temática privilegiada no nosso estudo. O associativismo assume, em potência, um papel fundamental na reflexividade, individual e colectiva, estruturando identidades (com traços de preservação/reprodução cultural, ou de informada por temáticas novas que giram obrigatoriamente em torno da democracia e da cidadania. Na sociedade em rede, o associativismo reserva para si um papel fulcral na negociação, na gestão do espaço público. Compete-nos aqui averiguar os moldes que estruturam a prática associativa dos inquiridos, reservado que está ao associativismo um papel facilitado pelas possibilidades comunicacionais próprias das TIC, observando-se aqui um lado visível desta comunicabilidade materializado nos usos da Internet. Um estudo já realizado sobre os estudantes do ensino superior no Porto (Fernandes, 2001) serviu-nos de base para a construção dos diversos indicadores usados para aferir a prática associativa nos nossos inquiridos. Neste estudo aponta-se como estruturadora da presença dos estudantes no associativismo a passividade e o individualismo, resultando numa participação diminuta e numa consciência colectiva pouco vincada. O consumo fascina muito mais os estudantes do que propriamente a produção, a cultura ou a produção de cultura (Fernandes, 2001, p. 301). A falta de interesse pela política é manifesta em escassas práticas associativas, arreigadas em contexto familiar e transmitidas aos filhos, que não visualizam interesses da politização do espaço público. Esta despolitização vai a par das desconfianças e desidentificações com o espaço da política e com o debate político, muito caracterizado pela presença partidária e das suas lógicas.

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Esta perda de vontades associativas é vista como uma continuação das características da nossa democracia jovem, que após o 25 de Abril de 1974, que põe termo ao regime ditatorial, permite este associativismo. O pós-revolução de Abril caracteriza-se por um breve período em que as associações espontâneas e a participação eleitoral se revestem de muito interesse para a população, interesse que vem esmorecendo em crescendo até aos nossos dias. Os dados obtidos nesse estudo revelam uma politização maior nos estratos sociais mais elevados e mais instruídos. Fazendo aqui uma distinção entre práticas associativas dividindo-as em “pertença activa” e “pertença passiva”, verificámos que 74% dos nossos inquiridos pertencem a associações, 38,2% participam em associações e 28,3% participam em associações com uso de Internet. A conclusão maior que se pode apresentar é a que as práticas associativas dos inquiridos são escassas por relação a alguns indicadores. Mais ainda, podemos adiantar que a prática associativa não sofre grandes variações com as nossas variáveis independentes, reunindo o sexo feminino uma percentagem ligeiramente superior de efectivos que pertencem a associações. Participantes em associações com uso de Internet são também escassos, se bem aqui o lugar de classe de origem é determinante, como nos demonstraram os dados estatísticos. Assim, as presenças da PBIC, da PBE, da PBEP e do OP, por exemplo, contrastam com as ausências das outras fracções de classe no uso de Internet para fins associativos. Alguns temas do associativismo são mais propícios à prática associativa com recurso à Internet, sendo de referir as temáticas identificáveis como fazendo parte dos novos movimentos sociais, como, por exemplo, a associações de mulheres as associações ecologistas ou as associações de denúncia e reivindicação de direitos humanos. As razões da prática associativa (bem como da sua não existência) apresentadas a juízo/opinião não reúnem estatisticamente condições para apresentar condicionamentos entre estas e as variáveis independentes usadas. Podemos referir, contudo que os motivos para o associativismo são alvo de uma tensão ao longo do (s) vector (es) que se estendem do indivíduo ao espaço público, sendo óbvia a maioritária ausência de representações que conduzam ao reconhecimento da necessidade do associativismo, o que estrutura, mutatis mutandis, as práticas associativas. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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Entendendo o social como uma totalidade, um todo inter-relacionado, nem trabalho nem o lazer, nem os espaço nem o tempo (como coordenadas da acção e do pensamento) são alvo de estruturações em número desejável por uma organização reticular de associações da qual os nossos recém-licenciados façam parte. O associativismo está presente, é um facto, mas o uso de Internet para fins associativos mostra sinais de ser uma proto-prática, longe de ser comum em cidadãos integrados socialmente pelo emprego.

9. TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E IDENTIDADE. O domínio das identidades é um dos principais estruturadores de práticas e de representações individuais e colectivas, podendo encontrar-se indicadores de identidade em todos os subsistemas pelos quais se poderá aferir o exercício da cidadania. Apresentamos de seguida um conjunto de dados obtidos junto dos nossos inquiridos, que colocam em evidência âncoras no domínio do simbólico que podem conduzir a uma perspectivação da «forma de estar» destes sujeitos na sociedade em rede. Uma avaliação do peso da família na estruturação de práticas e representações, também se pode aferir pelo peso que esta assume em termos de referências ao domínio identitário ou pelo peso que assume em termos de da visão acerca da esfera do político. Vejamos o caso da influência política por parte de diversos «agentes» sociais (tabela 3). PRINCIPAL INFLUÊNCIA POLÍTICA E SEXO

Principal influência política

Sexo

M F

Total

N % N % N %

Pai

Mãe

Pais

Família

8 5,5 0 0 8 4,7

3 2,1 0 0 3 1,7

14 9,7 4 14,8 18 10,5

29 20,0 3 11,1 32 18,6

Professores

Amig os

2 16 1,4 11,0 1 0 3,7 0 3 16 1,7 9,3 TABELA 3

Colegas

Mass media

Prop. Pol.

Cand.

Não R.

Total

1 0,7 1 3,7 2 1,2

20 13,8 9 33,3 29 16,9

3 2,1 1 3,7 4 2,3

48 33,1 8 29,6 56 32,6

1 0,7 0 0 1 0,6

145 100 27 100 172 100

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Como não obtivemos valores de medidas estatísticas que demonstrem condicionamento entre variáveis, vamos apresentar o resultado do cruzamento com a variável sexo. Se os candidatos somam 32,6% em termos de influência política, se somarmos a categoria pai, mãe, pais e família, totalizamos 35,5%, o valor mais alto. Também numa escala de 1 a 5, o nº 5 da escala de Likert reúne a maioria das opiniões acerca da confiança na família, o valor mais alto verificado em termos de confiança institucional (tabelas 4 e 5). LUGAR DE CLASSE INDIVIDUAL E CONFIANÇA NA FAMÍLIA

Lugar de Classe Individual

BP PBE PBIC PBTEI

Total

N % N % N % N % N %

1 0 0 0 0 1 0,6 0 0 1 0,6

Confiança na família 2 3 4 5 0 0 2 12 0 0 14,3 85,7 0 0 0 1 0 0 0 100 2 7 21 124 1,3 4,5 13,5 80 0 0 1 2 0 0 33,3 66,7 2 7 24 139 1,2 40 13,9 80,3 TABELA 4

Total 14 100 1 100 155 100 3 100 173 100

Com objectivos de comparação entre a confiança atribuída às diversas instituições sujeitas a opinião, apresentamos os dados da tabela 5. GRAU DE CONFIANÇA Confiança Família Estado Forças armadas Forças policiais Governo

1 0,6 16,8 12,2 12,1 28,5

Grau de Confiança 2 3 4 5 1,2 4,0 13,9 80,3 11,0 1,2 37,0 34,1 23,3 39,5 21,5 3,5 23,7 42,8 19,7 1,7 8,1 0,6 34,3 28,5

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Total 100 100 100 100 100

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Igreja Bancos Parlamento Escola Hospitais Sindicatos Partidos políticos Associações a que pertence Organizações em que trabalha

29,5 15,3 28,3 1,8 2,3 21,8 45,7 23,9 2,4

24,3 24,7 32,4 5,3 11,1 34,1 34,1 8,8 3,0

30,6 31,2 31,2 41,5 38,6 35,9 18,5 35,2 33,1

12,7 24,1 6,9 45,0 43,3 7,1 1,2 24,5 47,9

2,9 4,7 1,2 6,4 4,7 1,2 0,6 7,5 13,6

100 100 100 100 100 100 100 100 100

TABELA 5

Os valores relativos a identificação com a família revelam que o valor 4 e 5 da escala de identificação assumem valores próximos, se bem que o cinco reúne mais frequências. Esta não total identificação com a família pode revelar algum gap intergeracional entre representações acerca da família. Comparativamente com a família, o trabalho e a cultura do próprio reúnem menos frequências no 5º valor da escala, se bem que é notória a identificação com estes dois indicadores colocáveis também no domínio do social. É interessante, contudo, que encontramos condicionamento entre o LCO e a identificação com a «sua cultura» (tabela 6).

L. C. O. E SENTE-SE IDENTIFICADO COM A SUA CULTURA

Lugar de Classe de Origem

BEP BP OI OP PBAP PBE PBEP

N % N % N % N % N % N % N %

1 0 0 2 14,3 0 0 0 0 1 50,0 0 0 0 0

Sente-se identificado com a sua cultura 2 3 4 5 2 0 5 2 22,2 0 55,6 22,2 1 5 4 2 7,1 28,6 35,7 14,3 0 2 2 1 0 40,0 40,0 20,0 0 0 11 6 0 0 64,7 35,3 0 1 0 0 0 50,0 0 0 1 7 11 7 3,8 26,9 42,3 26,9 0 0 2 1 0 0 66,7 33,3

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Total 9 100 14 100 5 100 17 100 2 100 26 100 3 100 128

EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

PBIC PBIP PBPA PBTEI Total

N % N % N % N % N %

0 0 0 0 0 0 0 0 3 1,7

4 8,5 1 7,1 0 0 0 0 9 5,2

10 21,3 1 7,1 8 32,0 4 36,4 38 22,0

20 42,6 7 50,0 13 52,0 4 36,4 79 45,7

13 27,7 5 35,7 4 16,0 3 27,3 44 25,4

47 100 14 100 25 100 11 100 173 100

TABELA 6

A maioria das frequências cai no valor quatro e cinco. Verificamos um caso na PBAP de não identificação total com a sua cultura e dois casos na BP. No que respeita ao tema das referências identitárias, apresentamos os dados que se seguem (tabela 7), lembrando que já abordámos a identificação com a cultura do próprio, condicionada, como observámos, com o LCO.

IDADE E IDENTIFICAÇÃO COM DATAS PESSOAIS

23-26

Idade

27-31 32-36 37-41 47-50 Total

N % N % N % N % N % N %

1 0 0 1 1,7 0 0 1 25,0 0 0 2 1,2%

2 3 3,6 6 10,0 0 0 0 0 0 0 9 5,2

Datas pessoais 3 4 18 20 21,7 24,1 11 21 18,3 35,0 1 11 4,2 45,8 0 3 0 75,0 0 1 0 100 30 56 17,4 32,6 TABELA 7

5 42 50,6 21 35,0 12 50,0 0 0 0 0 75 43,6

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Total 83 100 60 100 24 100 4 100 1 100 172 100

129

EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Esta identificação com indicadores a um nível de análise micro confirma-se na identificação com datas pessoais (tabela 6 e 7). A identificação com datas históricas portuguesas reúne-se agrupa-se maioritariamente num valor de resposta «pouco problemático» que é o grau 3.

IMPORTÂNCIA DE DATAS

Importância de datas Datas históricas portuguesas Datas Pessoais Outras datas

1 11,0 1,2 11,8 TABELA 8

Grau de importância 2 3 4 5 16,2 38,2 25,4 9,2 5,2 17,4 32,6 43,6 14,7 47,1 21,8 4,7

Total 100 100 100

A identificação consigo (tabela 9) revela também dados muito interessantes, revelando uma auto-legitimação no domínio do simbólico.

LCO «SENTE-SE IDENTIFICADO CONSIGO MESMO».

Lugar de Classe de Origem

BEP BP OI OP PBAP PBE PBEP PBIC

N % N % N % N % N % N % N % N

Sente-se identificado consigo mesmo 1 2 3 4 5 Total 0 1 0 5 3 9 0 11,1 0 55,6 33,3 100 2 0 2 5 5 14 0 14,3 35,7 35,7 100 14,3 0 0 1 0 4 5 0 0 20,0 0 100 80,0 0 0 1 7 8 16 0 0 6,3 43,8 50,0 100 0 1 1 0 0 2 0 50,0 50,0 0 0 100 0 1 4 3 18 26 0 3,8 15,4 11,5 69,2 100 0 0 1 0 2 3 0 0 33,3 0 100 66,7 0 1 4 13 28 46

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130

EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

PBIP PBPA PBTEI Total

% N % N % N % N %

0 0 0 0 0 0 0 2 1,2

2,2 1 7,1 0 0 0 0 5 2,9

8,7 0 0 2 8,0 1 9,1 17 9,9

28,3 7 50,0 13 52,0 2 18,2 55 32,2

60,9 6 42,9 10 40,0 8 72,7 92 53,8

100 14 100 25 100 11 100 171 100

TABELA 9

Os nossos inquiridos tendem a sentir-se mais identificados consigo próprios do que com a humanidade (sendo, contudo, observáveis dois casos na BP de ausência de autoidentificação). A tabela 9 evidencia que os domínios da identificação dos inquiridos conciliam a identidades de nível micro com identidades de nível macro14.

LCO E «IDENTIFICA-SE COM A HUMANIDADE»

BEP BP

Lugar de Classe de Origem

OI OP PBAP PBE PBEP PBIC PBIP PBPA

N % N % N % N % N % N % N % N % N % N %

1 0 0 1 7,1 1 20,0 1 5,9 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

Identifica-se com a humanidade 2 3 4 5 Total 1 0 3 4 8 12,5 0 37,5 50,0 100 2 3 6 2 14 14,3 21,4 42,9 14,3 100 0 1 3 0 5 0 20,0 60,0 0 100 1 3 11 1 17 5,9 17,6 64,7 5,9 100 1 0 1 0 2 50,0 0 50,0 0 100 0 10 11 5 26 0 38,5 42,3 19,2 100 0 0 1 2 3 0 0 33,3 66,7 100 3 16 17 9 45 6,7 35,6 37,8 20,0 100 5 2 5 2 14 35,7 14,3 35,7 14,3 100 1 12 9 3 25 4,0 48,0 36,0 12,0 100

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

PBTEI Total

N % N %

0 0 3 1,8

0 3 0 27,3 14 50 8,2 29,4 TABELA 9

2 18,2 69 40,6

6 54,5 34 20,0

11 100 170 100

Apresentámos aos nossos inquiridos um conjunto de indicadores relativamente aos quais formularam a sua opinião em termos de maior ou menor identificação com os mesmos, numa escala de 1 a 5 em que o 1 significa «nenhuma identificação» e o 5 «total identificação». Como fizemos já com alguns cruzamentos, optámos por apresentar as respostas em termos de totais, não privilegiando qualquer variável independente, com objectivos de uma maior consistência estatística nos dados a apresentar (tabela 10). IDENTIDADES

Identifica-se com Local onde nasceu Local onde vive actualmente Portugal Com a Europa O mundo Não se sente identificado com nenhum destes lugares Consigo mesmo A sua cultura O seu trabalho O seu país A sua idade Não se identifica com nada em especial A sua religião Com ser homem ou mulher A Natureza A sua Língua Humanidade A sua Cultura TABELA 10

1 4,1 5,8 2,3 1,2 2,9 57,6 1,2 1,7 0,6 3,5 1,2 55,0 30,2 2,9 0,6 0,6 1,8 1,7

Grau de Identificação 2 3 4 5 5,8 20,3 36,0 33,7 9,8 23,7 35,8 24,9 7,0 22,1 40,1 28,5 3,5 29,1 50,0 16,3 11,0 43,0 28,5 14,5 18,6 16,3 6,4 1,2 2,9 9,9 32,2 53,8 5,2 22,0 45,7 25,4 8,8 17,5 48,5 24,6 7,5 23,1 39,9 26,0 11,0 22,0 50,3 15,6 17,2 18,9 5,9 3,0 16,3 32,0 16,3 5,2 1,2 13,9 20,8 61,3 3,0 14,8 42,0 39,6 3,5 17,1 36,5 42,4 8,2 29,4 40,6 20,0 5,2 22,0 45,7 25,4

AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100

132

EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Os dados obtidos revelam a co-presença de identidades que reúnem um todo que não é contraditório. A identidade com dimensões territoriais e pessoais mais localizadas é combinada com a identidade em termos regionais ou até planetários

LCI E «ACEITARIA TRABALHAR COM PESSOAS DE OUTRA ETNIA».

Lugar de Classe Individual

BP PBE PBIC PBTEI Total

N % N % N % N % N %

Aceitaria trabalhar com pessoas de outra etnia 1 2 3 4 5 Total 0 0 0 1 12 13 0 0 0 7,7 92,3 100 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 100 100 1 2 2 20 130 155 0,6 1,3 1,3 12,9 83,9 100 0 0 0 0 3 3 0 0 0 0 100 100 1 2 2 21 146 172 0,6 1,2 1,2 12,2 84,9 100 TABELA 11

Os indicadores de predisposição para trabalhar com pessoas de outros países (tabela 11) e etnias (tabela 12) são exemplos, em termos de representações, acerca da possibilidade de trabalho em moldes mundializados. Os nossos inquiridos estão abertos à possibilidade de trabalho com indivíduos possuidores de outras características culturais e físicas.

LCI e «Aceitaria trabalhar com pessoas de outros países».

Lugar de Classe Individual

BP % PBE % PBIC % PBTEI

Aceitaria trabalhar com pessoas de outros países 1 2 3 4 5 Total 0 0 0 2 11 13 0 0 0 15,4 84,6 100 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 100 100 1 1 2 13 138 155 0,6 0,6 1,3 8,4 89 100 0 0 0 0 3 3

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

% Total %

0 1 0,6

0 0 1 2 0,6 1,2 TABELA 12

0 15 8,7

100 153 89

100 172 100

Numa clara referência à possibilidade de trabalho na área geográfica seleccionada para o estudo, a área metropolitana do Porto (tabela 13), a quase totalidade crê que pose usar os seus conhecimentos técnicos nesta área, fazendo coincidir as ofertas de emprego com a formação efectuada. Veja-se, apesar de tudo, as quatro frequências no grau 1 da escala15.

LCO E «OS MEUS CONHECIMENTOS DE INFORMÁTICA TÊM APLICAÇÃO NA ÁREA METROPOLITANA DO PORTO».

BEP BP

Lugar de Classe de Origem

OI OP PBAP PBE PBEP PBIC PBIP PBPA PBTEI

N % N % N % N % N % N % N % N % N % N % N %

Os meus conhecimentos de informática têm aplicação na área metropolitana do Porto 1 2 3 4 5 Total 0 1 2 0 6 9 0 11,1 22,2 0 100 66,7 0 0 3 5 6 14 0 0 21,4 35,7 42,9 100 0 0 1 1 3 5 0 0 20,0 20,0 60,0 100 1 0 2 5 9 17 5,9 0 11,8 29,4 52,9 100 0 1 0 1 0 2 0 50,0 0 50,0 0 100 1 0 6 10 9 26 0 23,1 38,5 100 3,8 34,6 0 0 0 1 2 3 0 0 0 33,3 66,7 100 1 0 9 14 21 45 0 20,0 31,1 100 2,2 46,7 0 0 3 3 8 14 0 0 21,4 21,4 57,1 100 0 0 5 8 11 24 0 0 20,8 33,3 45,8 100 1 0 4 3 3 11 0 36,4 27,3 100 9,1 27,3

AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Total

N %

4 2,4

2 1,2

35 20,6

51 30,0

78 45,9

170 100

TABELA 13

Julgamos que os dados apresentados revelam algum do travejamento identitário dos inquiridos, mas poderemos apresentar, ainda, alguns indicadores acerca de práticas muito relacionadas com TIC que exemplificam alguns dos modos em que se caracteriza a presença dos nossos inquiridos na lógica conexionista que caracteriza a sociedade em rede. Os dados são apresentados de forma sumária, permitindo uma análise mais fácil. Assim, a tabela 13 apresenta apenas dados totais, não sendo apresentados resultados de cruzamentos.

INDICADORES DE «PROTAGONISMO» NA SOCIEDADE EM REDE

Indicadores

% 52

Tem página pessoal na World Wide Web

33.3

Já realizou cursos pela Internet Já participou em conferências online

48

Já recorreu a orientação tutorial no ensino superior disponível em suporte informático

78

Já colocou informação na Internet com o objectivo de ficar disponível online

84.4

Recorre ou recorreu a bases de dados online para colocar ou recolher currículos vitae

81.4

Recorre ou recorreu à Internet para colocar criação teórica e científica (ferramentas, por exemplo)

69.4

Até ao momento já participou em projectos com parceiros localizados em outros países da Europa

50

Até ao momento já participou em projectos com parceiros localizados em outros países do mundo.

49.4

Participou ou participa na partilha de informação entre parceiros -empresas, serviços, instituições de ensino

78.5 63

Já prestou serviços via Internet para clientes nacionais

36.6

Já prestou serviços via Internet para clientes no estrangeiro

85

Consulta portais do Estado Tabela 13

AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

Relativamente a estes dados, poderíamos afirmar que, potencialmente, alguns dos valores apresentados poderiam ser mais elevados, mas não deixam de evidenciar uma presença visível na lógica de fluxos da sociedade em rede, não sendo alheio a este facto o tipo de conhecimentos técnicos que estes indivíduos possuem. Os dados obtidos permite-nos concluir, num domínio territorial do exercício da cidadania, inseparável do domínio das identidades, que a par da crença de que os conhecimentos técnicos adquiridos têm acerca da aplicação na área metropolitana do Porto, os nossos inquiridos estão muito receptivos ao trabalho com pessoas de outros países e de outras etnias. Esta opinião é depois secundada com a verificação de que um número muito interessante de inquiridos já realizou projectos com outros parceiros, a nível nacional e internacional, utilizando a Internet para colocar produção teórica e científica, bem como para efectuar serviços para clientes nacionais e estrangeiros, sendo encarada a Internet como a plataforma para a divulgação das suas habilidades vendáveis (currículo vitae). Vejamos agora algumas conclusões acerca dos moldes em que é realizada a negociação colectiva e a participação no espaço público por parte dos inquiridos, com base nos dados supra-apresentados. Assim, os protestos face à acção estatal são diminutos, e o uso da Internet para estes fins é ainda incipiente. Salientamos, contudo, o elevado número de participações no referendo sobre o aborto – 85,2% - sendo o sexo mais participador o sexo feminino. Valores mais baixos são reunidos pela participação em escrutínios políticos. Este é um caso de negociação colectiva, politização do social, mas a acção reivindicativa tem que ser «institucionalizada», enquadrada pelo aparelho que caracteriza a nossa democracia representativa. Contudo, outro tipo de reflexividade institucional (se é que o termo é correcto) não se afigura muito apelativa, revelando um desinteresse/desconfiança que se estende dos sindicatos às associações, das organizações públicas/estatais até à actividade religiosa. Teixeira Fernandes faz referência à crise institucional que tem caracterizado as sociedades (2006, p. 29) e a um “processo de desinstitucionalização que se estende por todo o espaço da vida social”, processo este “que vem minando as precedentes tradições que estavam na origem da AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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EXCLUSÃO SOCIAL, JUSTIÇA E DESENVOLVIMENTO

acção” (2008b, p. 208). Se esta desinstitucionalização é “o húmus próprio á emergência de identidades reflexivas”, produzindo “um processo de profunda diferenciação” (Fernandes, 2008b, p. 208-209), esta reflexividade identitária caracteriza-se nos nossos inquiridos por uma certa passividade homogeneizante. Eventualmente, a nossa análise pode carecer de indicadores desta reflexividade. A noção de alteridade, neste caso centrada na experiência do trabalho, o factor material comum a quase todos os nossos inquiridos. Um conjunto de práticas e representações partilhadas aproximam os nossos inquiridos, mas aparentemente serão elementos caracterizadores dos quais os próprios inquiridos não têm consciência. A confiança apresenta sinais de erosão, mas a estruturação da acção colectiva em torno de sentidos partilhados, por falta de instituições tradicionais nas quais se revejam, parece não ser significativa. As eleições autárquicas reúnem o maior número de participantes e as europeias o menor número, revelando o pouco interesse pelos assuntos que se prendem com a gestão do bloco territorial que compreende a União Europeia. A construção da União Europeia segue um princípio norteador, desde os primórdios da sua constituição, que se materializa nesta organização supra-nacional, organização que é uma “continuidade de processos defensivos” (Castells, 2003a, p.424), que se pretendem afirmar e negociar por relação a duas forças estruturadoras da realidade social actual, “a globalização da economia, da tecnologia e da comunicação e a afirmação paralela da identidade enquanto fonte de significado” (Castells, 2003a, p.424). Seremos levados a entender esta escassa participação nas eleições europeias como indicador de um escasso interesse em revigorar/reforçar uma identidade nacional para depois a afirmar exterior no jogo político-económico europeu e internacional. Razões explicativas do fenómeno podem ser várias, como por exemplo o da realidade portuguesa que caracterizou o pós 1º República e que atravessa todo o ancien regime findo há pouco tempo, justificando a imaturidade da nossa democracia, com repercussões em todos os domínios da sociedade, desde a organização do aparelho estatal - que é instrumentalizada pelos partidos políticos e pelos grupos que os apoiam, como já lembrou, por exemplo Mozzicafredo (2000), até à sociedade civil carente de sensibilização para a questão europeia e pouco habituada a protagonismo negociador fora do que é standard na AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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negociação entre actores colectivos. O Estado em Rede (Castells, 2003a, p.424) organiza-se na U.E., burocraticamente, mas longe dos olhares dos cidadãos que o julgam uma temática lateral. Contudo, 83,3% dos inquiridos participaram nas eleições autárquicas, 78,6% nas legislativas e 80.4 nas Presidenciais, recaindo o valor mais baixo nas Europeias, com 53,9% de adesão. Poderemos considerar que estes valores poderiam ser mais elevados, mas a comparação com as estatísticas da participação da população portuguesa nas eleições revelam que os nossos inquiridos participam em percentagem superior16, em alguns casos, como nas autárquicas, este valor é superior em quase 20%. A possibilidade do voto electrónico é uma das janelas de oportunidade que as TIC trouxeram, e os nossos inquiridos são optimistas relativamente à sua utilidade, sendo mais os que acreditam do que os que não acreditam na sua utilidade. Efectivamente, quando se depararam com uma escala de opinião em torno da afirmação «prefere dedicar-se a tarefas diferentes das que se relacionam com a resolução do problemas do mundo», os inquiridos agruparam as suas respostas em torno do grau três, um meio termos confortável em termos representações/práticas de reivindicação e negociação colectiva, deixando em aberto a possibilidade de interesse por preocupações globais (Fernandes, 2001, p. 301) Se bem que os dados reúnem valores importantes na identificação com indicadores de território nacional, e até o supranacional, quase que revelando uma reflexividade em potência, ainda não potenciada e operacionalizada objectivamente aglutinados em torno de uma identidade legitimadora. Um século caracterizado pelo multiculturalismo, enquanto nova temática dos movimentos sociais, a par do ambientalismo, do libertarismo, os direitos humanos e o feminismo (como afirma Castells, 2003a, 2003b e 2005) pode vir a ser possível, mas em mudanças de tipo longo, como seremos levados a pensar pelos dados empíricos obtidos. Nesta temática retomamos as palavras de David Lyon, que afirma que a difusão das “TI pode exercer uma influência positiva na implantação da democracia participativa (…)” 16

Os dados estatísticos acerca das eleições (disponíveis em http://www.eleicoes.mj.pt) revelam os seguintes valores de participação da população portuguesa em eleições: presidenciais de 2006, 62,6%; europeias de 2004, 38,8%; autárquicas de 2005, 61%; legislativas de 2005, 65,02%. Estes dados não consideram as eleições realizadas no ano de 2009, dado que o inquérito foi aplicado em data anterior. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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mas é irresponsável declararmos peremptoriamente que isso vai mesmo acontecer” (Lyon, 1992, p.169). O pensamento de Castells vai no sentido de afirmar que os média, embora não detentores de poder, são o espaço, onde o poder, essa capacidade de impor comportamentos, esta intimamente relacionado com as redes de troca de informação “e do manipular dos símbolos que estabelecem relações entre actores sociais, instituições e movimentos culturais por intermédio de ícones, porta-vozes e amplificadores intelectuais” (Castells, 2003a, p.473). As referências aos novos fenómenos de exclusão social e aos novos moldes em que se inscrevem as desigualdades sociais, vêm lembrar que a materialização da sociedade da informação numa sociedade de tempos livres, onde um vasto conjunto de serviços e a indústria automatizada abririam o espaço para uma condição humana mais elevada, já que se basearia “numa cultura de expressão individual e de participação política e com uma maior ênfase na qualidade de vida” (Lyon, 1997, pp. 10-11) está ainda adiada até para a maioria das populações das sociedades avançadas. As práticas de reveladoras da politização dos nossos inquiridos resume algo que poderíamos descrever como de monotonia democrática, num tempo/espaço de diluição das regulações sociais (Fernandes, 2006). A respeito desta temática da referiríamos o oportuno contributo de Burns (2008). Este autor aponta como um dos desafios da democracia representativa no contexto da globalização a efectivação do que chama de democracia orgânica. Esta democracia implica a inserção no corpo legal de um país a possibilidade de uma governação em que a sociedade (a sociedade das organizações, que é a nossa cada vez) consiga manter uma soberania - com que se conota o aparelho estatal – mas dando possibilidade de “voz” a forças sócio/ profissionais diversas, assumindo-se o social como sendo multipolar, sendo que os trâmites partidários pelos quais se elegem os representantes parlamentares podem não ser proveitosos na busca de acção especializada em determinadas áreas. Para que esta voz especializada, o dialogo, assente numa estruturação mais eficaz e com suporte legal, de troca de informação. É um sistema em que a soberania não é centralizada e monolítica, configurando-se como heterogénea, especializada e distribuída. O poder de voz destes grupos e dos seus especialistas, consoante o domínio de actividade em que laboram, significa a self AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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representation (Burns, 2008, p.51). Seria uma forma de contornar a necessidade de exercer influência através de representantes no parlamento (generalistas e não especialista) e contornar as configurações partidárias. Actores não estatais num novo modelo constitucional. Após a exposição de todos estes dados a noção que permanece transversal a todos os dados é de que os nossos inquiridos têm clara noção da lógica conexionista que caracteriza a sociedade em rede, de que o acesso ao trabalho/emprego não é fácil e obriga a formação específica em áreas onde é possível no actual momento histórico. Os moldes do acesso à cidadania podem ser moldados de forma positiva com a presença das TIC, que não são vistas como um «jugo», mas como proporcionadoras de novas oportunidades, reservando as respostas obtidas um espaço para a moderação deste optimismo. A predisposição para a mudança é vislumbrada nos dados obtidos, sobretudo no plano económico. Um exemplo são os dados obtidos no que respeita a factores de sucesso pessoal, que mostram a importância do esforço, mas pessoal (14).

FACTORES DE SUCESSO PESSOAL Factores de Sucesso Pessoal 1 0

2

3

4

5

A inteligência

Escala

0,6

6,9

48

44,5

Contactos e cunhas

12,1

13,9

16,8

28,3

28,9

Sorte

1,7

5,8

32,9

31,8

27,7

Próprio esforço

0

1,7

6,9

32,4

59

TABELA 14

CONCLUSÃO As práticas e representações captadas nos inquiridos não nos permite falar de uma rede nacional, com continuidade além fronteiras, assente na estruturação de uma identidade nacional travejadora de trocas, de fluxos, capazes de mobilização colectiva e de interacção entre cidadãos estruturadores de um modelo de desenvolvimento AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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interiorizado como sendo português. Estas considerações têm por referência dados relativos ao modelo de sociedade em rede finlandês, onde os domínios do individual e do colectivo, do público e privado se caracterizam por fronteiras muito diluídas, aproximando a programação política da realidade no terreno. Por relação aos grupos sociais fragilizados ou em situação de exclusão social em presença no nosso país, não podemos adiantar conclusões, sendo uma investigação que fica em aberto. Poderemos adiantar contudo que a realidade estrutural nacional enquadra os percursos individuais dos cidadãos, e que o social remete para o estudo de fenómenos, que apesar de terem manifestações observáveis individualmente, relevam de um todo que não se resume a livre arbítrios ou opções de vida orientadas por critérios meramente individuais. Os processos de qualificação social e desqualificação social materializam-se em formas diversas consoante os indivíduos a considerar. Mas estas manifestações individuais denotam sempre regularidades sociais. A presença de regularidades sociais nestes processos conduz-nos a considerar os grupos fragilizados ou excluídos sempre num contexto que pode caracterizar o exercício na cidadania num nível de análise nacional. As características do exercício da cidadania/ integração social de um grupo privilegiado em termos de habilidades vendáveis no mercado de trabalho, neste momento histórico, obriga a uma ponderação dos desafios que se colocam em termos de integração, pelo menos pelo trabalho, de grupos excluídos ou fragilizados, e muito para além destes grupos, pensar as opções em termos de remodelação económica por razões de afirmação na lógica conexionista da sociedade em rede. As características encontradas no grupo de inquiridos levam-nos a afirmar que muita da sua realidade material e simbólica que caracteriza a globalidade da sociedade portuguesa continuará presente nos protagonistas desta fase de transição para a sociedade em rede. Os saltos em termos de desenvolvimento, via modernização pela presença de TIC, são possíveis, efectivamente, mas as suas dinâmicas não são lineares e independentes da totalidade do real social. Uma programação política séria deverá ter em conta as nuances sociais que o processo de transição para a sociedade em rede pode assumir, contando que a transformação social pela via da educação e do trabalho é uma realidade, mas estas duas instâncias podem também, para além de um inegável papel AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 3, set 2013

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transformador, um papel perpetuador, visível principalmente pelas presenças e pelas ausências, de indivíduos e de práticas, no ensino (nas suas várias modalidades) e no trabalho, o grande classificador social. Podemos adiantar uma certeza, a os licenciados em informática estão empregados e na sua esmagadora maioria com ocupações dentro da sua área. O que nos leva a algumas reticências relativamente ao potencial integrador das TIC são as regularidades sociais verificadas entre classes de origem e presenças no ensino superior na área da informática, e os usos dos novos recursos tecnológicos que não se podem traduzir necessariamente em exercício da cidadania, desenvolvimento e crescimento. Pela experiência acumulada durante a nossa investigação, podemos afirmar que os recursos tecnológicos facilitam muito a comunicação, mas o illusio que pauta o social não prescinde de contactos pessoalizados, onde o face-a-face é incontornável. Verificámos este facto na fase exploratória, e principalmente durante a procura de atingir a amostra seleccionada. Os próprios licenciados, na sua maioria, não dispensaram o contacto telefónico como forma de cativação para a resposta ao questionário que lhes era proposto no seu correio electrónico. A confiança, que se pode contrapor ao risco na análise do actual tempo histórico, não está completamente fundada no simples contacto online. Diria Bourdieu, que o jogo no campo social, um campo de campos, obriga à procura de referências que posicionem/classifiquem os agentes que desenvolvem as suas estratégias. Quem é quem, quem pode e deve fazer o quê, informando a acção, não é completamente visionável online. Mais do que concluir acerca da imobilidade ou da transformação do social, concluiríamos das lógicas racionalizáveis que o presidem, a explicar o como, o quando e porquê das características da sociedade em rede em Portugal.

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