Processos de trabalho em análise: produção de saúde e construção de estratégias metodológicas de pesquisa

June 2, 2017 | Autor: Jésio Zamboni | Categoria: Psicologia do Trabalho, Metodologias de Pesquisa, Clínicas do Trabalho
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Processos de trabalho em análise: produção de saúde e construção de estratégias metodológicas de pesquisa

Maria Elizabeth Barros de Barros1 Fernanda Spanier Amador2 Jésio Zamboni3 Jaqueline Tittoni4

Promove-se o diálogo entre diferentes experimentações em clínica da atividade de tal maneira que se produzam análises críticas em relação à produção de estratégias metodológicas para a pesquisa acerca dos processos de trabalho e saúde. Concentra-se na produção imagética – foto e vídeo – como foco das variações nos diversos dispositivos de análise da atividade tal qual eles se montam entre pesquisadores e trabalhadores. As experiências com motoristas de ônibus coletivo urbano, professores de escola pública, agentes penitenciárias femininas e trabalhadores de equipes de atenção básica em saúde, com suas questões próprias de cada trabalho, transtornam os dispositivos de pesquisa, compondo-os e fazendo-os variar em função de suas apropriações. Toma-se esse transtorno como errância normativa, como índice de saúde do trabalhador ao poder produzir outros sentidos para o trabalho nessa intercessão com as imagens. Análise da atividade; dispositivo metodológico – produção imagética; produção de saúde.

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Psicóloga, Professora Doutora do Departamento de Psicologia e dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia Institucional e em Educação (UFES). E-mail: . 2 Psicóloga, Professora Doutora do Departamento de Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia (UFRGS). E-mail: . 3 Psicólogo, Doutorando em Educação (UFES). E-mail: . 4 Psicóloga, Professora Doutora do Departamento de Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia (UFRGS). E-mail: .

2 Questões para uma conversa Nas experimentações em pesquisa-intervenção, que temos encaminhado por diversas maneiras nos últimos anos, seguimos desenvolvendo o conhecimento no campo do trabalho tomando a clínica da atividade como uma micropolítica do trabalho. Realizadas por pesquisadores das Universidades Federais do Espírito Santo (UFES) e do Rio Grande do Sul (UFRGS), tais empreendimentos têm se constituído como experiências que, vislumbrando a produção de saúde no e pelo trabalho, focam a produção de metodologias de intervenção e análise a partir de inflexões nas propostas originais de Yves Clot e seus colaboradores. Como um eixo norteador para a construção de dispositivos clínico-analíticos nessas investigações, coloca-se a produção de imagens – fotográficas e videográficas – como meios de potencialização de exercícios de autoria e de invenção de si nos locais de trabalho. Autoria aqui é tomada como uma postura inventiva do sujeito-trabalhador que remete à possibilidade de produzir uma diferença em uma rede de sentidos. Isso implica ainda que os processos de trabalho em questão, pela clínica do trabalho que vamos construindo junto com os trabalhadores, interferem no próprio dispositivo clínico. Isso configura um índice de protagonismo do trabalhador nos processos de análise do seu próprio trabalho, o que remete à potência de interferência do trabalhador no mundo. Sendo assim, a noção de exercícios de autoria se aproxima da noção de experiência de si, na qual o sujeito irá produzir também uma relação singular com os regimes de verdade nos quais se constitui, seguindo o rastro do pensamento de Michel Foucault. As nossas diferentes pesquisas estão pautadas no entendimento segundo o qual as tecnologias postas em funcionamento na análise dos processos de trabalho são condições de possibilidade de construção de novas práticas no campo da pesquisa e da intervenção. Parte-se de uma rede conceitual que considera que um acoplamento tecnológico implica uma relação de constituição mútua na qual a plasticidade das máquinas e as diferentes configurações subjetivas se co-engendram. Ou seja, a produção de saúde está intrinsecamente conectada à possibilidade de criação de meios produtivos como máquinas existenciais por (re)normatizações coletivas. As intervenções foram realizadas junto com professores de escola pública, com mulheres agentes penitenciárias, com motoristas de ônibus coletivo urbano e trabalhadores das equipes de atenção básica em saúde. Ressaltando-se, entre nós, a noção de trabalho como arte e invenção. Toma-se, como direção ético-estético-política, uma metodologia que se afasta de

3 uma perspectiva representacional da realidade para se atentar à experiência das situações de trabalhos tomada no seu sentido ontológico, ou seja, acompanhar como trabalhador e ambientes laborais co-emergem, não havendo anterioridade de nenhum dos termos nos processos de trabalho. Trabalhador e trabalho, mundo e sujeito, estão em variação contínua pela atividade, que instala essa relação numa zona de tensão que remete à política, ou seja, aos jogos de forças coletivas condensados na situação de trabalho. O vídeo é tomado como agenciamento entre homens e máquinas, implicando a constituição de um território produtivo e existencial. E aí nos interessam, sobretudo, os limites onde a crítica da produção videográfica pode suscitar novos modos imagéticos, desmontando clichês cujos efeitos parecem produzir abertura para novos modos de pensar o trabalho potencializando, assim, a saúde dos trabalhadores. A partir das experimentações próprias, os grupos de pesquisa focam nesta discussão os modos de operar com material audiovisual. Sintonizam com suas peculiaridades, de modo a tomá-las em uma perspectiva não-representacional dos mundos do trabalho, pelos percursos de pesquisas cartográficas. Parte-se do principio, comum à análise institucional e à clínica da atividade, de “transformar para compreender”. Portanto, nossas errâncias metodológicas, por nós valorizadas, sustentam-se pela radicalidade deste princípio. Pela própria perspectiva da atividade, cabe considerar que as prescrições relativas às estratégias metodológicas serão sempre diversas do real da atividade de pesquisa, com todos os seus desvios, impasses, possibilidades e impossibilidades, de maneira que cabe colocar em análise a própria atividade de pesquisa por meio da análise de outras atividades de trabalho. O que entrelaça essas duas atividades são os processos de normatização que perpassam os diversos gêneros de atividade produtivas. Busca-se assim desenvolver a abordagem institucional, em clínica da atividade, pela análise das normas e valores construídos coletivamente em situação de trabalho, bem como dos modos como os sujeitos lidam com essas normas, focando na dimensão ética a que a análise da atividade nos conduz. O vídeo e a fotografia são tomados em sua potência de criação pela apropriação dos trabalhadores para aumentar seu poder de agir, produzindo, assim, saúde no trabalho. Essas máquinas produtoras de imagens, visuais e audiovisuais, funcionam como intercessoras para as atividades próprias dos trabalhadores em questão, ou seja, ao cruzaremse distintos campos de atividade com a produção imagética promovem-se mútuas interferências fazendo com que as atividades atravessando-se umas às outras se desenvolvam.

4 Procura-se, então, não dissociar os princípios ético-estético-políticos dos aspectos metodológicos dessa clínica, tomando os aparelhos de intervenção a partir das propostas de desenvolvimento do poder de agir do trabalhador, de inspiração spinozista, e de desenvolvimento da “autonomia” dos coletivos de trabalhadores. Nesse sentido, a produção de imagens se faz como dispositivo de pesquisa-intervenção. O vídeo se instala de um modo bem preciso na estratégia metodológica da Autoconfrontação Cruzada, tal como montada por Yves Clot. A imagem videográfica produzida com situações ordinárias do trabalho funciona como um “disparador” da atividade dialógica, intercessora para o desenvolvimento da atividade de trabalho captada em imagens a partir das quais se desenrolam controvérsias e conversações. Mas, a partir da nossa apropriação do vídeo como dispositivo de pesquisa, propomo-nos a tomar o processo de produção videográfico como intercessor para o desenvolvimento da atividade de trabalho. Por aí, já não se trata do vídeo individualmente, seja pela máquina seja pelo indivíduo criador. A produção videográfica é de autoria coletiva, e a divisão do trabalho produtivo é uma das dimensões a considerar na construção das imagens. As oficinas de fotos, por sua vez, já implicam uma construção metodológica que germina e cresce em terras brasileiras. Aí, o próprio trabalhador já é convocado a produzir diretamente, com a câmera na mão, as imagens disparadoras. Ampliando a intercessão da atividade produtiva em questão com a atividade de produção de imagens, a atividade dialógica, pela qual se poderá colocar em cena as estilizações fundamentais para a criação e desenvolvimento do trabalho, passa a implicar outros domínios de produção além das palavras e gestos diante da imagem. O modo como se produz as imagens, a maneira de tirar as fotos, o enquadre, a luz, as modificações na paisagem que se encontra, tudo isso torna-se crucial para o processo analítico.

Motoristas de ônibus coletivo urbano Na experiência com motoristas de ônibus coletivo urbano da região metropolitana da Grande Vitória - Espírito Santo (GV-ES), o vídeo emerge como um analisador dos processos de trabalho (Zamboni, 2011). As câmeras de vigilância instaladas nos terminais de passageiros e no interior dos próprios ônibus, focando o trabalhador ininterruptamente, lança a questão aos

5 motoristas dos modos de produção e funcionamento do vídeo no plano social. Portanto, coloca-se o problema de tratar o vídeo em sua potência de criação pela possibilidade de apropriação dos motoristas do dispositivo tecnológico em outros sentidos que escapem à vigilância e ao controle e, assim, sejam estratégias de produção de saúde. Ao nos apropriarmos da proposta de autoconfrontação cruzada em clínica da atividade, tal como formulada por Yves Clot e seus companheiros de trabalho, bem como da experimentação de Fernanda Amador com o processo de produção de vídeo como “um dispositivo tecno-poético para uma clínica do trabalho”, projetamos a análise da atividade dos motoristas pela produção videográfica. Entretanto, de pronto, em meio à construção da paisagem de pesquisa pela construção do próprio dispositivo, o vídeo irrompe uma negativa certeira do motorista em direção ao pesquisador. Como proceder, então? Renunciar ao contato com esses sujeitos que não se subordinam à pesquisa tal como ela fora planejada ou sustentar como convocatória tal transfiguração do método? Passamos a tratar o método como estratégia metodológica, como construção situada cuja aplicação fiel é impossível e, mais ainda, passamos a derivar nas margens que tais infidelidades do meio de pesquisa potencializam. A proposta de produzir vídeo do trabalho do motorista funciona como um dispositivo, cada vez menos como aparelho bem arranjado tecnologicamente com procedimentos bem definidos e cada vez mais como provocação que dispõe ao diálogo uma série de conflitivas do cotidiano laboral. Isso porque o trabalho do motorista abordado já está permeado de produção de vídeo. Há câmeras de vigilância espalhadas pelas ruas da cidade filmando o ônibus que passa. E a produção videográfica já passa a compor o ambiente de trabalho do motorista com câmeras espalhadas pelos terminais de ônibus e pelo próprio interior do ônibus. Todo esse aparato tecnológico implicará modulações na organização do trabalho do motorista, bem como o forjar de novos problemas a viver na atividade produtiva. Seguimos propondo, a partir das nossas provocações à conversação pelo tema do vídeo no trabalho, a construção pelo pesquisador de um vídeo a partir dessas conversações, dos paradoxos como situações problemáticas do trabalho. Esse desvio, entretanto, irá verter-se numa série de outras modulações. A produção do vídeo promove o contato com outros motoristas, ainda desconhecidos pelos pesquisadores, que passam a compor o coletivo de análise da atividade de trabalho. Ao assistirem o vídeo, surgem também novas situações nas séries que se compõem por (dis)junção entre cenas cotidianas que se repetem forçando a

6 singularizar no trabalho, a criar táticas próprias para lidar com cada variação de um problema comum na profissão. Nossa experimentação em análise da atividade de trabalho com os motoristas de ônibus coletivo urbano nos levou a tratar a produção videográfica como dispositivo. E isso se fez porque a intercessão entre a produção videográfica e produção de transporte público na cidade promoveu um tensionamento em todo campo problemático das políticas de transporte coletivo urbano pela própria atividade do motorista. São, portanto, problemas éticos e políticos que se colocaram como cruciais para o trabalho, como horizonte a que toda análise da atividade acaba por nos conduzir quando não engessamos o método em função de regras e interpretações pré-delimitadas. Concluímos, assim, que o dispositivo de pesquisa funciona desarranjando-se.

Professores de escola pública Outra experimentação cartográfica com a clínica da atividade, primando pelos desvios no processo de construção da pesquisa, se efetivou com professores de uma escola pública na GV-ES (Vasconcelos et al., s.d.). A câmera passou para a mão de um professor, que capta cenas digitais, áudio e vídeo em movimento, roteirizadas previamente pelo grupo de trabalho de uma escola em reunião para discutir os processos de trabalho. A cada instante o vídeo desvia de qualquer prescrição que se pretenda absoluta. Pode-se assim experimentar habitar a margem de variabilidade que qualquer produção implica; uma variabilidade que se trata de acompanhar pela atividade inventiva. Na experiência com o vídeo, o investimento dialógico desloca-se do momento em que um pesquisador e um professor interrogam sobre a atividade de outro professor em autoconfrontação cruzada para as experiências de construção de roteiro de vídeo, de captação das imagens e de assistência ao vídeo já acabado. O (des)investimento na conversa em par focando a atividade individual, preconizada como núcleo do dispositivo da autoconfrontação cruzada é desmontado pelos professores e por nós em pesquisa. O roteiro, ao focar diversos problemas na escola sem privilegiar um ou outro e ao ser concretizado em imagem pela atividade de um professor, que em vez de ser filmado passa a filmar, sinaliza outra disposição da produção videográfica na análise da atividade do professor.

7 A imagem do corredor de entrada e saída da escola é paisagem para a formulação de uma questão crucial em nossa conversação formulada por uma professora: “será que não estou sendo violenta com o meu colega professor quando ele se ausenta das paralisações e greves decididas coletivamente e vai para o shopping abandonando a assembléia?”. A questão é inquietante, pelo modo como se dispõe. A professora coloca em questão uma série de práticas postas em funcionamento no coletivo de trabalho ao voltar para “si” o problema. Essa orientação a si, entretanto, é o que possibilita desenvolver a problemática impessoal das lutas dos professores, em vez de cair em clichês culpabilizantes, decidindo quem está certo e quem está errado. É desse impasse que se pode sair ao delirar a cena do corredor da escola tensionado os espaços para produzir saídas e entradas para a luta no trabalho. Ao assistir o vídeo, num coletivo composto por vários dos pesquisadores e professores que compuseram a pesquisa, trata-se de uma vertigem que faz a imagem funcionar como princípio de um caminho de conversa que não tem como previamente determinar. A imagem provoca o pensamento a circular e desenvolver as inquietações que as imagens escancaram diante dos professores menos pelos clichês de sentidos tornados significantes daquelas imagens e mais pela variação de sensações que perpassam uma vida que se constrói no chão da escola.

As agentes penitenciárias Na pesquisa com agentes penitenciárias (Amador, 2009), abordamos os temas centrais da imagem e subjetivação, que se desdobram em outros três, de forma transversa: trabalho, que ganha a cena enquanto atividade, clínica, pensada por entre as formulações da Clínica da Atividade (Clot, 2008) e dos procedimentos de Crítica e Clínica (Deleuze, 2007) e tecnologias digitais de imagem, em seus potenciais de estetização de si e do trabalho. Situada em uma Casa Albergue Feminino, destinada a mulheres que cumprem pena em regime semi-aberto, a pesquisa teve como objetivo geral a criação de um campo de experimentação da atividade prisional pelo emprego de recursos tecnológicos de videografia digital junto a trabalhadoras agentes do sistema penitenciário. Assim, o eixo da investigação consistiu no dispositivo que propusemos para disparar uma análise das situações de trabalho na prisão, o qual intitulamos Tecno-Poético de Análise da Atividade, para fins de confrontação com situações do trabalho na prisão por meio do uso de câmera de vídeo e de

8 computadores para edição de imagens. Exploramos, então, as peculiaridades da atividade de produção de imagens sobre o trabalho prisional ressaltando as imbricações entre ver, pensar e falar visando suas potencialidades para deflagrar um processo de pensamento por imagens acerca da atividade de trabalho na prisão. Assim, o dispositivo que propusemos permitiu uma espécie de (re)vivência das conflitivas laborais, tendo nos recursos imagéticos e informáticos, uma oportunidade para que as agentes se pusessem em atividade, pela produção fílmica, tendo a imagem como recurso ao pensamento e ao vivo de seu trabalho na prisão. Pela experimentação da produção de imagens propusemos uma espécie de (re)dobramento da experiência vivida pela atividade prisional, pelo qual evidenciamos que, durante todo o processo, o que pautou a produção das cenas, primeiro com a câmera e depois em seu encadeamento na edição, foi a oportunidade de dar vazão à algo das dramáticas dos usos de si em situação de trabalho. Assim, delas, por elas, com elas e contra elas as agentes tiveram a oportunidade de colocar sua atividade em movimento, diferentemente, em um caminho pelo qual a experimentação imagética pareceu potente para introduzir uma variação da atividade ordinária, abrindo novas possibilidades de ação para expansão do poder de agir sobre o mundo e sobre si: por uma espécie de “expansão do poder de ver”, uma expansão do poder de agir. Visando apresentar rotinas de trabalho, durante todo o percurso, tais rotinas aparecem acompanhadas dos dramas por elas enfrentados na situação de trabalho ordinária quando, diante de determinados obstáculos, vêem-se na tarefa de encontrar alternativas de enfrentamento, o que passa pela colocação de problemas. Dramas que são revividos pela experimentação por imagens, a qual introduz, pela especificidade dos signos envolvidos, linhas problemáticas em relação ao trabalho real. Perguntamo-nos, então: o que caracterizou a ação das agentes penitenciárias quando produziram cenas de seu trabalho na prisão com a câmera de vídeo e depois, quando as editaram pelo software de edição? Por dois momentos diferentes, cujas peculiaridades ressaltamos aqui, operar com imagens consistiu em deslizar por uma esfera de experiência (relativa à atividade prisional) por uma experiência videográfica, que tendo como produto uma matéria (filmada e editada) excede e, ao mesmo tempo, reduz o “real” que se (re)apresenta imageticamente.

9 Produzir cenas com a câmera de vídeo consistiu em um momento pelo qual se captou o imediato, o que dura na ação; enquanto, na edição deste imediato, passaram-se tentativas de relações entre as imagens, na vivência de uma espécie de montagem. Produzir cenas do próprio trabalho consistiu ainda em uma tarefa pela qual de dentro – quer dizer, não como estrangeiras à sua própria atividade – buscou-se certa estrangeiridade pelo deslocamento nos modos de olhar para o trabalho. Ver outramente, desde outros pontos de vista. Da câmera que está a serviço da vigilância, uma câmera a serviço do encontro com elementos que forcem a pensar, que lancem à uma dissolução de formas, à uma dissolução de pontos de vista, a deslizamentos de sentidos pela expressão impregnada no modo de ver. Produzir as imagens como não estrangeiras ao próprio trabalho implica reconhecer que tal produção parte do gênero da atividade, como em vários momentos pudemos evidenciar ao longo da pesquisa. Entre produzir imagens a partir de uma intenção inicial, que no caso da pesquisa em questão se apresentou como um esforço de mostrar suas rotinas de trabalho e os modos como se sentem nestas situações; por um vivido sobre o qual desliza a imagem, a vivência por um deslize imagético que convoca os afectos, marcando um trabalho poético a partir da própria atividade penitenciária mostrada. Poética que pensamos como nuances que podem levar a uma estilização, pela imagem, do próprio gênero da atividade prisional. Do olho que visou mostrar rotinas de trabalho ao olho que nada almejou, e que por isso mesmo se surpreendeu diante de determinados elementos que se deram à visão. Assim foi o movimento que marcou o percurso das agentes em experimentação imagética.

Os trabalhadores de equipes de atenção básica em saúde Na pesquisa com trabalhadores da atenção básica identificamos três âmbitos de problematização: a noção de trabalho como arte e invenção, as experiências específicas de trabalhadores da saúde e a utilização das imagens como estratégia de intervenção nas linhas de visibilidade que indicam os modos institucionalizados de trabalhar. O primeiro aspecto aborda o trabalho e a saúde como potências de produção da vida e de modos de viver, onde o trabalho configura-se nos jogos de poder e de verdade que lhe garantem condições de possibilidade de existência, tensionando as formas de trabalhar institucionalizadas. Desta forma, trabalhar mostra-se como a luta pela possibilidade de inventar diferentes modos de trabalhar e viver, enfrentando os modos institucionalizados. No segundo aspecto, importante

10 discutir as experiências dos trabalhadores da saúde através da análise da saúde do trabalhador, onde as transformações do trabalho na saúde a partir do Sistema Único de Saúde e as diferentes estratégias de gestão como projetos de humanização da atenção em saúde, presença de educação permanente em serviço, entre outros, são evidenciados pelos trabalhadores. Estas estratégias indicam sobre “novas” formas de trabalhar que convocam o trabalhador como sujeito implicado nas suas atividades. O terceiro aspecto propõe discutir a pesquisa como intervenção e como intervenção fotográfica, buscando tensionar as linhas de visibilidade e de invisibilidade que compõe os modos institucionalizados de trabalhar e as potências de transformação e de invenção, muitas vezes, invisibilizadas nos cotidianos de trabalho. Estes três aspectos da problematização da saúde e do trabalho buscam pensar o trabalho e a saúde no seu caráter ético-estético, acreditando na potencialidade do trabalho e da saúde na produção da vida.

Referências Bibliográficas AMADOR, Fernanda Spanier. (2009). Entre prisões da imagem, imagens da prisão. Um dispositivo tecno-poético para uma clínica do trabalho. Tese de doutorado. Programa de PósGraduação em Informática na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS. CLOT, Yves. (2008). Travail et pouvoir d’agir. Paris: Presses Universitaires de France. DELEUZE, Gilles. (1997). Crítica e Clínica. São Paulo: Ed. 34. TEIXEIRA, Danielle Vasconcelos; et al. (s.d.). Da experiencia com o vídeo na pesquisa acerca da atividade docente. Texto em proceso de publicação. ZAMBONI, Jésio. (2011). Paradoxos do motor: uma esquizoanálise da atividade dos motoristas de ônibus do transporte coletivo urbano na Grande Vitória – ES. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

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