PROCESSOS E TECNOLOGIAS DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS: O PAPEL DOS TMB NO DESAFIO PORTUGUÊS DE DESVIO DOS RUB DOS ATERROS

June 6, 2017 | Autor: Mário Russo | Categoria: Tratamento de Resíduos Sólidos, Tratamento mecânico Biológico
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DOSSIER ÁGUA E RESÍDUOS

© DAVID RITTER / D.R.

PROCESSOS E TECNOLOGIAS DE TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS: O PAPEL DOS TMB NO DESAFIO PORTUGUÊS DE DESVIO DOS RUB DOS ATERROS PANORAMA DA GESTÃO DOS RESÍDUOS A produção de resíduos devido à atividade humana é um dos grandes desafios colocados à sociedade nos nossos dias pelas quantidades descartadas anualmente no ambiente, perdendo-se recursos finitos e muitos com um fim à vista na nossa geração, se nada for feito em contrário. De facto, geram-se anualmente no mundo mais de 4 biliões de toneladas de resíduos de origem municipal, industrial e perigosos (http://www.unece.org) que contribuem para 5% dos gases de efeito de estufa (GEE). Os resíduos municipais gerados são entre 1,6 e 2 biliões de toneladas, sendo a maior parte resíduos orgânicos putrescíveis, alimentos e restos de alimentos e resíduos verdes, cujo crescimento é estimado em 44% até 2025 devido ao crescimento da população e do consumo. Esta situação provocará um acréscimo da emissão de GEE de 8 a 10% relativamente à atualidade. A reciclagem em todas as suas formas emprega 12 milhões de pessoas apenas em três países - Brasil, China e Estados Unidos. A triagem e o processamento de materiais reciclá-

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veis sustentam dez vezes mais empregos do que operações em aterros ou em incineração, numa base por Mg (megagrama) (Towards a green economy – UNEP). Por outro lado, deve referir-se que a reciclagem conduz à economia de recursos substanciais. Por exemplo, para cada tonelada de papel reciclado, 17 árvores e 50 por cento da água podem ser evitadas. A reciclagem de cada tonelada de alumínio conduz à economia de recursos, evitando 1,3 toneladas de resíduos de bauxita, o consumo de 15 m3 de água de refrigeração, 0.86 m3 de água de processo e 37 barris de petróleo. Para além de evitar 2 toneladas de CO2 e 11 kg de SO2. O panorama a nível mundial não é nada confortável sob o ponto de vista ambiental. Com efeito, cerca de 70% dos resíduos municipais são depositados em lixeiras ou em aterros sanitários, 11% são tratados por métodos térmicos em incinerações com produção de energia elétrica e apenas os restantes 19% são reciclados ou tratados por tratamentos mecânicobiológico (TMB), que inclui a compostagem. O desperdício de recursos, como se pode deduzir, é imenso. Sob o ponto de vista da saúde pública, o espe-

Mário Russo Prof. Coordenador Instituto Politécnico de Viana do Castelo

lho mostra-nos uma imagem distorcida, dado que se estima que cerca de 3,5 biliões de pessoas no mundo não têm acesso a sistemas de gestão de resíduos, que representa cerca de 52% da população da Terra (dados de 2008), que inclui população sem a recolha para fora das suas áreas de residência e menos ainda qualquer tipo de tratamento. O crescimento rápido da população sugere que o problema se agravará com a rápida urbanização das populações, sobretudo no hemisfério sul, para onde se dirige o crescimento económico mundial e o da população. Esta situação, entre outras, acarreta a deposição de plásticos no oceano à volta de 7 milhões de toneladas por ano, formando verdadeiras ilhas nas calotes polares, santuários ambientais por definição e localização: Estima-se que cerca de 80 milhões de toneladas de plásticos estejam a flutuar no Atlântico e no Pacífico, causando reações tóxicas e libertando, nos ecossistemas e na cadeia alimentar, desreguladores endócrinos, substâncias cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução, partículas de dimensões nanométricas e poluentes orgânicos persistentes

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que perduram dezenas de anos no ambiente (Relatório sobre uma estratégia europeia para os resíduos de plástico no ambiente (2013/2113(INI)). É uma realidade factual que todos os recursos disponíveis no mercado estão condenados a serem transformados em resíduos a qualquer momento e toda a atividade produtiva gera uma forma de resíduo. Estes factos sugerem claramente o agravamento dos problemas de saúde pública e riscos ambientais, bem como a perda de importantes recursos minerais por aterramento, que exigem uma tomada de posição de todos os governos por soluções compatíveis com os princípios de preservação ambiental e social. Com efeito, apesar das preocupações pelo fim do petróleo, manifestadas frequentemente, poderá ser o fim das reservas conhecidas de dezenas de elementos metálicos e metaloides, designadamente terras raras, lantanídeos, gálio, germanium, entre outros, que poderá pôr em causa o desenvolvimento da sociedade que conhecemos. Estes recursos estão a ser desperdiçados por má gestão dos resíduos com o seu aterramento em aterros, mas sobretudo em lixeiras em quase todo o mundo. Sob o ponto de vista económico, este setor é uma indústria que movimenta, anualmente, cerca de 433 biliões de USD$ e tem forte tendência de crescimento face à necessidade de implementação de soluções capazes de responder aos desafios de legislações já aprovadas e cada vez mais precisas quanto a metas a atingir, seja na Europa (legislação sobre resíduos aprovada em 1975 e atualizada em 2012), seja em muitos outros países, designadamente no Brasil (marco regulatório aprovado em 2010) e em Angola, com a aprovação do PESGRU, o marco regulatório do país, aprovado em 2012. No entanto, não se pode falar de uma solução para tratamento dos resíduos, devido às especificidades de: legislação nacional e regional a cumprir; tipos de resíduos; contexto ambiental, económico, social e cultural dos países; quantidades a manejar; tecnologias disponíveis e fiáveis nos diversos contextos; entre outros requisitos, como: • Preservação de condições ambientais e sociais (desenvolvimento sustentável); • Implementação de práticas de custo efetivo (princípio poluidor-pagador ou utilizadorpagador); • Preservação e minimização da depleção dos recursos naturais; • Redução das emissões gasosas decorrentes de práticas de gestão dos resíduos.

A União Europeia aprovou recentemente a estratégia para os resíduos que muda de paradigma, passando da gestão dos resíduos para a gestão de recursos por forma a inverter a atual situação em que ainda prevalece o aterro como solução e se privilegie a valorização dos recursos. Com efeito, na UE, cerca de 39% dos resíduos produzidos são depositados em aterro, 20% são incinerados e 23% são reciclados e 18% são compostados (dados disponíveis de 2009 pelo Eurostat). Esta mudança de foco fortalece a necessidade de se desenhar e implementar uma gestão integrada de resíduos que combina diversas tecnologias para atingir os objetivos estabelecidos, designadamente: • Minimização da produção de resíduos e o fim gradual da sua deposição em aterro; • Preservação de recursos naturais através do incremento da reciclagem de produtos secundários; • Redução do uso de combustíveis fósseis através do aproveitamento da energia contida nos resíduos;

A escolha ou seleção do método apropriado de tratamento de resíduos depende de vários critérios, que incluem: • Custos de investimento e de operação; • Simplicidade da tecnologia: • Referências de cada tecnologia • Requisitos de licenciamento; • Dados quantitativos e qualitativos sobre resíduos produzidos; • Tratamento de subprodutos de resíduos e a maturidade do Mercado para os absorver; • Requisitos impostos pela legislação nacional ou regional; • Potencial capacidade de expansão da tecnologia – incremento do input/output • Requisitos de segurança e saúde do pessoal; • Avaliação do impacto ambiental.

O DESAFIO DE PORTUGAL NO OBJETIVO DE DESVIO DE RUB DOS ATERROS Para atingir os objetivos plasmados na estratégia europeia de gestão de resíduos, os diversos Estados Membros terão de adequar os seus planos, dando ênfase à recuperação dos materiais através da reciclagem e reduzindo drasticamente a deposição em aterro, sobretudo ao cumprir as metas de deposição da fração urbana biodegradável (definida como os resíduos orgânicos fermentáveis mais o papel e cartão). Portugal também se encontra

nesta situação desafiante, estando em discussão a revisão do PERSU II, através de um documento PERSU 2020, que traça o caminho, impondo metas diferenciadas aos diversos sistemas de gestão existentes no país. Numa análise do comportamento passado nos vários sistemas e das metas que lhes são agora impostos na revisão do PERSU II, não é difícil vaticinar as dificuldades do cumprimento de tais objetivos assentes em desejos dos autores e não na realidade do país e das regiões. Sendo o maior desafio a redução da deposição em aterro fração biodegradável, cujas metas são a autorização da deposição de apenas 35% do RUB produzido em 1995 a partir de 2020. Com efeito, segundo a APA, em 2010 o quantitativo de RUB encaminhado a aterros foi de 1.866.605 t contra uma meta de 937.000 t. Em 2011 foram encaminhados 1.700.000 t contra uma meta de 566.000 t, ou seja, em 2010 o défice foi de 939.605t e em 2011 foi de 1.134.000 t. Em 2010 havia 9 unidades de valorização orgânica (VO) e 10 em construção. Em 2011 havia 13 unidades de VO e 6 permaneciam em construção. Como se pode constatar o desafio é grande e exigirá a construção de soluções para valorizar os RUB não admitidos em aterro. Abordarei, por isso, soluções de valorização desta fração, seja por via aeróbia, seja anaeróbia. Para tanto abordarei as tecnologias de tratamento TMB (tratamento mecânico biológico).

TRATAMENTO MECÂNICO BIOLÓGICO O TMB envolve operações de separação mecânica e processos de tratamento biológico, aeróbio ou anaeróbio. Com efeito, a componente de separação mecânica é similar ao que se processa em unidades de triagem para reciclagem multimaterial. Há variações deste processo em que após a trituração dos RSU, com prévia separação dos componentes de maiores dimensões, todo o material é sujeito a um processo de degradação biológico, aeróbio ou anaeróbio, que é designado de TMB ou algumas vezes de Tratamento Biológico Mecânico (TBM), porque é de facto diferente. No TMB os resíduos são separados mecanicamente através de tromels rotativos em duas ou mais frações. A fração < 90 mm é biologicamente tratada por compostagem ou digestão anaeróbia, enquanto a fração > 90 mm é submetida a um tratamento mecânico de separação para recuperar materiais recicláveis e produzir um combustível de alto poder calorífico (combustível derivado de resíduos, CDR).

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FIGURA 1 Fluxograma de um TBM (Mavropoulos, 2012).

FIGURA 2 Fluxograma de uma instalação TMB compostagem (Mavropoulos, 2012).

Materiais Recicláveis

Receção RSU

Compostagem

Materiais para a Reciclagem

Separação Mecânica

Fração orgânica (Composto) Uso no solo ou depósito em Aterro

Separação Mecânica

Separação Mecânica

Receção RSU

CDR

Compostagem

Refugos para Aterro

Composto

Refugos para Aterro

A pequena fração de refugo obtida a seguir ao tratamento biológico pode ser submetida a um outro tratamento mecânico para produzir um CDR. No TBM a degradação da fração biodegradável é realizada conjuntamente com os não degradáveis e só depois é que entra a componente de separação mecânica. No entanto, as designações tem sido usadas indistintamente de forma errada (Figura 1). O TMB é classificado como um pré-tratamento, convertendo resíduos em produtos que requerem um tratamento posterior. Em alguns casos resíduos orgânicos e plásticos mistos são convertidos em CDR, um combustível utilizado em fornos de cimenteiras, por exemplo. Podemos descrever três variantes do TMB: • Pré-tratamento mecânico seguido de compostagem; • Pré-tratamento mecânico e digestão anaeróbia, com aproveitamento do biogás para produção de energia. O digerido é compostado tendo em conta o seu aproveitamento como condicionador de solos degradados; • Pré-tratamento mecânico e bio-desidratação.

Pré-tratamento mecânico e compostagem A compostagem é um processo de conversão da fração biodegradável dos resíduos em duas fases, uma degradação ativa e uma de maturação, na presença de oxigénio fornecido por meios mecânicos de revolvimento ou injeção de ar nas pilhas: estas podem ser em sistemas abertos ou fechados (túneis e reatores verticais ou horizontais (tipo Dano). O controlo é feito por parâmetros operacionais: temperatura (deve ser inferior a 55ºC), teor de humidade (entre 40 e 60%), teor de oxigénio, porosidade (aumenta a superfície específica) e o rácio C/N (deve ser superior a 30:1). O tempo de degradação total ronda de 50 a 60 dias, repartidos entre a degradação ativa que necessita de oxigenação e a maturação (Figura 2). Um balanço de massas típico mostra 10% de recicláveis, 23% de CDR, 14% de composto, refugos de 20% para aterro e perdas de 33% na compostagem. Pré-tratamento mecânico com digestão anaeróbia A digestão anaeróbia consiste na conversão da matéria orgânica num digerido e biogás,

FIGURA 3 Fluxograma do TMB com digestão anaeróbia e compostagem (Mavropoulos, 2012).

através da fermentação microbiana na ausência de oxigénio nas seguintes fases: hidrólise dos compostos orgânicos em açúcares, acidogénese, acetogénese e metanogénese. As condições ótimas são a manutenção de temperaturas mesofílicas entre 30-40ºC e termofílicas entre 50-65ºC; o tamanho das partículas inferior a 2 cm e humidade entre 80 para alta concentração de sólidos e 95%, restantes tradicionais casos. O C/N para componentes rapidamente biodegradáveis deve ser superior a 25:1 ou superior a 40:1 para os lentamente biodegradáveis (Figura 3). Os sistemas de DA podem ser classificados de acordo com 4 critérios que definem as respetivas tecnologias: (i) concentração de sólidos; (ii) temperatura; (iii) sistema de mistura (Figura 4) e (iv) número de reatores/estágios (1 estágio ou em 2 estágios). Os reatores, quanto à mistura, podem ser de eixo vertical ou horizontal. Num balanço de massas deste sistema obtém-se aproximadamente 10% de recicláveis, 27% de CDR, 6% de biogás, 31% de composto e perdas e refugos da ordem dos 25%.

FIGURA 4 Esquemas dos processos tecnológicos das 3 empresas identificadas

A

B

Materiais para a Reciclagem

Receção RSU

Separação Mecânica

C

Recirculação do inóculo

Digestão Anaeróbia

Biogás para produção de eletricidade Recirculação Biogás

Refugos para Aterro

Compostagem (digerido)

Composto para uso no solo ou depositar em aterro

Alimentação

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Alimentação Digerido

Alimentação DRANCO

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Digerido

Digerido KOMPOGAS

VALORGA

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FIGURA 5 Fluxograma do processo de bio desidratação num TMB. Materiais Recicláveis

Receção RSU

Bio desidratação

Separação Mecânica

CDR

Refugos para Aterro

devido à falta de unidades de valorização orgânica. Estas deverão ser maioritariamente TMB com variantes de DA com aproveitamento do biogás e compostagem ou apenas com compostagem. As tecnologias disponíveis sugerem um cuidado especial na sua seleção devido à dificuldade de estabilização dos processos, já com evidências nos exemplos instalados em Portugal.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA • C.A. Velis, P.J. Longhurst, G.H. Drew and R. Smith,

microbiana dos componentes rapidamente biodegradáveis (Figura 5). Um balanço de massas típico mostra 10% de recicláveis, 50% de CDR e 40% de perdas no processo e refugos a encaminhar ao aterro (13%).

S.J.T. Pollard (2009) - Biodrying for mechanicalbiological treatment of wastes: a review of process science and engineering. Bioresource Technology, Volume 100, Issue 11, June 2009, Pages 2747-2761. • Mavropoulos, Antonis (2012) - Review of solid waste mechanical biological treatment technologies, FADE/BNDES - UFPE Project, Recife, Brazil, 2012. • Russo, M A T (2012) – Gestão integrada de resíduos

CONCLUSÕES – O DESAFIO DO CUMPRIMENTO DAS METAS Portugal tem um desafio muito grande para cumprir a meta de desvio de RUB de aterro

sólidos, Ed. ESTG/IPVC, Portugal. • EU, 2008 – Diretiva n.º2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro, relativa aos resíduos.

PUB.

Pré-tratamento mecânico e bio-desidratação Trata-se de uma alternativa de tratamento de resíduos em TMB em que a componente de separação mecânica é precedida de uma desidratação biológica aeróbia, produzindo um CDR de elevada qualidade, uma vez que, no processo, que é diferente da compostagem, é preservada a biomassa da matriz, acrescentando carbono biogénico preservado no CDR. O calor necessário para a desidratação é devido ao efeito de convecção do ar aquecido pelas reações exotérmicas da decomposição

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