Produção Musical na IECLB

May 31, 2017 | Autor: Daniel Hunger | Categoria: Music Technology in Music Education
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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

DANIEL HUNGER

PRODUÇÃO MUSICAL NA IECLB Uma análise sobre a produção musical na região Sul

Dissertação de Mestrado Para obtenção do grau de Mestre em Teologia Escola Superior de Teologia Programa de Pós-Graduação Área de Concentração: Religião e Educação

Orientador: Dr. Júlio Cézar Adam

São Leopoldo 2012

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, à família pela compreensão da minha ausência nestes últimos três anos de dedicação e empenho nesta pesquisa. Aos entrevistados: Hans Günther Nauman, Nelson Kirst, Carlos Frederico Reinardo Dreher, Werner Ewald, Walter Schlupp, Rodolfo Gaede Neto, Cláudio Kupka, Louis Marcelo Illenser, Soraya Eberle, Daniel Richter e Waldir Trebien, pelos depoimentos e confiança depositada, pela paciência, pelo empréstimo e doação de materiais precisos a esta pesquisa. Ao Júlio, meu orientador e norteador, pelas contribuições prestadas, pelo incentivo e serenidade na escolha dos caminhos. À Faculdades EST representada pela pessoa de Oneide Bobsin e Remi Klein, por acreditarem na minha colaboração como professor, coordenador e pesquisador. Aos meus significativos “mestres” que auxiliaram na minha formação: Laura F. S. Silva, Luciana Prass e André Lichtler.

Meu muito obrigado!

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RESUMO

Uma pesquisa sobre as produções musicais realizadas na IECLB na região sul através de entrevistas com protagonistas dessa história. Análise de depoimentos a partir de aspectos técnicos, teológicos, sócio culturais e estruturais. O primeiro capítulo trata da contextualização histórica e o desenvolvimento das comunidades luteranas no estado do Rio Grande do Sul através da análise dos hinários utilizados. O segundo capítulo aborda conceitos de produção musical e aspectos relevantes ao objeto de pesquisa como: diferenciações entre produção de discos e apresentações musicais, conceitos de qualidade musical, arranjo, pós-produção e distribuição. O terceiro capítulo apresenta a proposta de questionário aplicado e a exposição dos dados coletados. Cada entrevistado conta sua história através de seu próprio depoimento e descreve suas produções de forma cronológica. São histórias significativas, pela própria grandeza dos fatos. O Quarto capítulo analisa os questionamentos especificamente aplicados na pesquisa: discos relevantes à da história da IECLB, trabalhos realizados, habilidades necessárias numa produção musical, visão da atual produção musical na IECLB, perspectivas à serem apontadas e análise crítica do órgão “Igreja” como coordenador das ações que envolvem produção musical em seu meio. A conclusão analisa as produções musicais citadas a partir dos depoimentos recolhidos e apresenta propostas provocativas e reflexivas no âmbito da produção musical dentro da IECLB.

Palavras-chave: Produção Musical – Teologia e Música – Evolução Tecnológica – Discografia – Contextualização Musical – Histórico das Produções Musicais na IECLB.

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ABSTRACT

A research about musical productions performed in IECLB Church in southern Brazil through interviews with the protagonists of this history. Analysis of testimonials from technical, theological, socio-cultural and structural aspects. The first chapter analyses the historical context and development of Lutheran communities in the state of Rio Grande do Sul through studies of hymnals used. The second chapter discusses concepts of music production and aspects relevant to the object search as: differentiation between the record productions and musical performances, musical quality concepts, arrangement, post-production and distribution. The third chapter presents the proposed questionnaire and exposure data collected. Each interviewee tells his history through his own testimony and describes his productions chronologically. Are meaningful stories, by the greatness of the facts. The fourth chapter analyzes the questions specifically applied at the research: relevant records to the IECLB history, work performed, skills in music production, current music production view of the IECLB, pointing perspectives and critical analysis of the organ "Church" as coordinator of the actions involving music production in their midst. The conclusion analyzes the musical productions listed from the testimony collected and presents provocative and thoughtful proposals about the musical production in the IECB Church.

Keywords: Music Production - Music and Theology - Technological Developments Discography - Musical Background - History of Musical Productions in IECLB.

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Construção do prédio do IPT no Morro do Espelho em 1930. .................. 50 Figura 2 - Corpo Docente do IPT, em 1946............................................................... 53 Figura 3 Coro de Trombones da ENE em 1961 ........................................................ 58 Figura 4 Apresentação Para o Presidente Jucelino 1959 ......................................... 59 Figura 5 Uma das inúmeras excursões que saíram do Morro do Espelho. ............... 63 Figura 6 Contracapa do disco Cantigas de Sempre .................................................. 64 Figura 7 Grupo de Estudantes do Proseminar .......................................................... 72 Figura 8 Turma de 1956 em Frente ao Prédio da Faculdade de Teologia ................ 73 Figura 9 Detalhe do Gravador Wollensak utilizado na época .................................... 75 Figura 10 Igreja Matriz e Praça Otávio Rocha em 1930 e 1970. ............................... 77 Figura 11 Sério Souto e Carlos Garofali no Estúdio e Capa do Disco Befriad .......... 81 Figura 12 Capa do Livro: As crianças desta terra ..................................................... 90 Figura 13 Detalhe do índice da Fita - As Crianças desta terra .................................. 90 Figura 14 Detalhe da Capa do livro - Quero Cantar ao Senhor................................. 91 Figura 15 No detalhe, 2o e 3o Cancioneiro - Quero Cantar ao Senhor..................... 91 Figura 16 Detalhe da matriz em madeira para produçaõ de fitas k7. ........................ 92 Figura 17 Detalhe da capa Canta IECLB - Hinos do Povo de Deus.......................... 93

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ÍNDICE DE FAIXAS DO DISCO ANEXO 2

01- Coral da Faculdade de Teologia – Nós cremos todos num só Deus.- Sec. XV. 1963. 02- Os nove do Sul – Cantigas de Sempre –Estrela é lua nova – H. Villa Lobos. 1963. 03 – Os nove do Sul – Cantigas de Sempre – Meia Canha – Ernani Braga. Arr. Max Maschler. 1963 04- Coral do Morro – O novo canto da Terra – Salmo 98,1 Arr. Micaela Berger. 1979 05 – As crianças desta terra – As crianças desta terra – K. Theyssen – 1981 06 – As crianças desta terra – Deus fez o mar, a terra, a luz – Melita Bona – 1981. 07- Coral do Morro – Arrozais Florescerão – A Canção do Senhor na Terra Brasileira. Arr. Walter Schlupp. 1982. 08 – Canta IECLB – As melodias de HPD 1 – Hinos 42, 50, 58, 66, 79. 1986. 09 - Canta IECLB – As melodias de HPD 1 – Hino 24.1986. 10- Befriad – Libertação – A paz de Jesus. Arr. Lars Mörlid e Peter Sandwall. 1986. 11- Befriad – Libertação – Jesus e a samaritana água viva. Arr. Lars Mörlid e Peter Sandwall. 1986. 12- 1º Musisacra – Grupo Louvor de Canoas - Oração da Igreja – Cláudio Kupka.1986 13 – 1º Musisacra – Grupo Aleluia – Salmo 127 – Oziel Campos de Oliveira. 1986. 14 – 2º Musisacra – Grupo Shalom – Pró- Ecologia – Everton L. F. da Silva. S.d. 15- 2º Musisacra – Grupo de Canto Paróquia de Estudantes POA – Quando o povo se reúne – J. W. Dürr e Cláudio Kupka. S.d. 16- 3º Musisacra – Vocal Libertade Teotônia – Salvação. A. Dalferth S. Meincke. 1995. 17- 3º Musisacra – Grupo Espaço – Resistência – Rodolfo Gaede Neto. 1995. 18 - Coral do Morro – Passos – Dia – Guilherme Kerr Neto e Jorge C.J Rehder. Arr. Nelson Mathias. 1998. 19 - Coral do Morro – Passos – Canção de Advento – Helena W. Coelho.1998.

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20 – Grupo Anima – A Fonte – Cuida bem, Senhor – Rodolfo G. Neto. Arr. Michele Guckert. 2008. 21 – Grupo Anima – Nas asas do vento – Como é bonito, Senhor. José Acácio Santana. 2010 22 – Grupo Anima – Nas asas do vento – Em memória de mim – Buryl Red e Ragan Courtney. Trad. Joan Sutton. 2010. 23- Coleção Diversidade – Cantos do HPD 2 – Grupo Alguém Cantando. Quando o povo se reúne – J. W. Dürr e Cláudio Kupka. 24 – Louis Marcelo Illenser - Ao fim do dia – 2009. 25- Grupo Ars Vocalis – Motetos - Beati quorum via - Charles Villiers Stanford - cf salmo 119. 2010.

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LISTA DE ABREVIAÇÕES

ASSINTEC - Associação Inter-religiosa de Educação BBC - British Broadcasting Corporation CEPA – Comunidade Evangélica de Porto Alegre CD – Compact Disc CM – Centro de Multimídia CRL – Centro de Recursos Litúrgicos DEG- Deutsches Evangelisches Gesangbuch DELS - Deutsches Evangelisches Lehrerseminar (Seminário Evangélico Alemão para Formação de Professores) ENE - Escola Normal Evangélica EST - Escola Superior de Teologia ETC - Escola Técnica de Comércio - São Leopoldo F.EST – Faculdades EST F.Teol. – Faculdade de Teologia HPD – Hinos do Povo de Deus IEI - Instituto de Educação Ivoti IFPLA - Instituto de Formação de Professores de Língua Alemã ISAEC – Instituição Sinodal de Assistência à Educação e Cultura IPT - Instituto Pré-Teológico K7 – Fita Cassete LP – Long Playing MEC – Ministério da Educação e Cultura MPB – Música Popular Brasileira OASE – Ordem Auxiliadora das Senhoras Evangélicas OSPA - Orquestra Sinfônica de Porto Alegre PRO – Seminário pré-teológico PROSEMINAR – Seminário pré-teológico UERGS – Universidade Estadual do Rio Grande do Sul UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul UNISINOS - Universidade do Vale do Rio do Sinos

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Sumário

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17 1 HISTÓRIA DA PRODUÇÃO MUSICAL .................................................................. 21 1.1 O Brasil descoberto, o Brasil colônia e o Brasil dos imigrantes ....................... 21 1.2 A pluralidade Cultural e religiosa...................................................................... 23 1.3 Os Hinários da IECLB ...................................................................................... 25 1.4 Estética Musical luterana ................................................................................. 28 1.5 Um olhar para as outras igrejas no Brasil ........................................................ 30 1.5.1 Igreja Católica ............................................................................................ 30 1.5.2 Matrizes africanas ...................................................................................... 31 1.5.3 O gospel das igrejas batistas ..................................................................... 32 2 PRODUÇÃO MUSICAL NA IECLB ........................................................................ 35 2.1 Conceitos ......................................................................................................... 35 2.1.1 Equipe envolvida na produção de trabalhos musicais: .............................. 36 2.1.2 Sistemas envolvidos no processo de gravação ......................................... 37 2.1.3 Estética Musical ......................................................................................... 38 2.2 A Produção Musical na IECLB ......................................................................... 41 3 ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS........................................................................ 45 3.1 Fundamentação ............................................................................................... 45 3.2 Apresentação dos entrevistados ...................................................................... 45 3.3 O surgimento do Instituto pré-teológico ........................................................... 47 3.4 Hans Günther Naumann .................................................................................. 51 3.5 Nelson Kirst – o pioneirismo do primeiro disco da história da IECLB............... 60 3.5.1 O Estúdio da Faculdades EST ................................................................... 68 3.6 Carlos Reinaldo Dreher.................................................................................... 70 3.6.1 A Fundação ISAEC de Comunicação e seus estúdios .............................. 76

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3.6.2 A importância do surgimento de um estúdio no Rio Grande do Sul: ......... 79 3.6.3 O Musical Befriad ...................................................................................... 80 3.7 Walter Schupp ................................................................................................. 84 3.8 Werner Ewald .................................................................................................. 93 3.8.1 O instituto de música da EST: ................................................................... 95 3.9 Cláudio Kupka ................................................................................................. 97 3.9.1 A música no Morro do Espelho ................................................................. 99 3.9.2 Musisacra .................................................................................................. 99 3.9.3 Entre a música e o Pastorado ................................................................. 102 3.10 Rodolfo Gaede Netto ................................................................................... 105 3.10.1 O Grupo Anima. .................................................................................... 107 3.11 Louis Marcelo Illenser .................................................................................. 109 3.11.1 Conselho Mundial de Igrejas ................................................................. 110 3.11.2 Produções de discos ............................................................................. 110 3.12 Soraya Heinrich Eberle ................................................................................ 112 3.13 Daniel Richter .............................................................................................. 114 4 - ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS .............................................................. 117 4.1 A formação musical na família e na escola ................................................... 118 4.2 As produções musicais mais relevantes da IECLB ....................................... 123 4.3 O Aspecto “qualidade” na produção musical da IECLB ................................. 127 4.4 A organização e o catálogo musical da IECLB: ............................................. 131 4.5 Os conceitos e aprendizados de Produção Musical ...................................... 132 4.6 Apontamentos e perspectivas ....................................................................... 133 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 147 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 151 ANEXOS ................................................................................................................. 155

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INTRODUÇÃO

O significado desta pesquisa representa, entre tantas coisas, uma agradável surpresa. Conhecer parte da história da música sacra luterana na região sul e descobrir como surgiram os primeiros centros de formação e os primeiros discos foi surpreendente. Esta pesquisa revelou histórias fascinantes, depoimentos fortes, outros mais humorados. Lembro-me do brilho nos olhos apertados de cada entrevistado ao recordar fatos do passado. Muitos desses fatos mudaram o curso da história da produção musical na IECLB e até mesmo no Rio Grande do Sul. Minha relação com a música, assim como a grande maioria dos entrevistados, começou muito cedo. Meu pai músico, trombonista e bombardinista1, deu-me um primeiro teclado com aproximadamente dez anos de idade. O aprendizado das primeiras músicas aconteceu por tentativa e erro. Com o bom ouvido que tinha, tocava as melodias que queria de forma muito rápida e já partia para a tentativa de construir a estrutura de acordes. Como a experiência do pai limitava-se ao estudo de instrumentos melódicos, fui fazer aulas de harmonia com um professor de guitarra por indicação de amigos da escola. Foram seis meses de aula entre meus quatorze e quinze anos, depois segui estudando por conta própria, até ingressar no Curso Técnico em Música da EST no ano 2000. Antes da EST, cursei o ensino médio na Fundação e Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha em Novo Hamburgo, onde me formei Técnico em Eletrônica. Mesmo apto ao mercado de trabalho, resolvi continuar estudando música de forma mais séria e mais do que isso, troquei a profissão de técnico em eletrônica pela de músico durante o curso da EST. Lembrome do dia que abandonei a empresa onde trabalhava na manutenção de máquinas, Paquetá Calçados, encorajado a viver da música. Aos dezenove anos, sustentava1

Aquele que toca bombardino. Instrumento de sopro controlado por três pistões. Semelhante à uma trompa.

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me tocando MPB e bossa nova nos bares e restaurantes da região do Vale dos Sinos. Após o técnico, prestei vestibular pra Licenciatura em Música na UERGS e segui estudando. O trabalho incerto nos bares da noite levou-me a buscar alternativas mais sólidas. Resolvi então juntar minha experiência em eletrônica e música e elaborei um projeto de reabertura do estúdio de áudio da EST em 2003, que havia sido reformado poucos anos antes. De 2003 a 2005 atuei como técnico em áudio do estúdio e assumi minhas primeiras turmas como professor de teclado da EST em 2005. De lá pra cá, mantive minha relação com as produções musicais no estúdio, fiz cursos de aperfeiçoamento, participei de importantes discos luteranos como A Fonte e Nas Asas do Vento, do Grupo Anima, Miriã 2, McCoys, Semente de Libertação, de Edson Ponik, Tema do Ano da IECLB, entre outros. Fora da EST, também participei de projetos de gravações e edições de áudio de tribos indígenas e quilombolas em parceria com a Etnomusicologia da UFRGS. Desde 2009 coordeno os cursos Técnicos em Música e Composição e Arranjo da Faculdades EST. Em 2008, trabalhei na criação do Curso Técnico em Composição e Arranjo da EST, onde trabalhamos em estúdio compondo e arranjando. O elemento central desta dissertação trata da análise da Produção Musical na IECLB da região Sul, principalmente na região metropolitana, mais especificamente ao redor do Morro do Espelho2 onde hoje está situada a EST que, por décadas, foi o cenário de formação de todos os envolvidos nesta pesquisa. Entende-se aqui a Produção Musical como todos os processos relacionados ao fazer musical da IECLB, seja através da gravação de discos, da realização de apresentações e celebrações, da composição de hinos e arranjos, da criação de centros de elaboração de materiais e estúdios, ou de veículos de divulgação e distribuição destes materiais. Produção no sentido mais amplo da palavra, sem torna-la tecnicista nem quantitativa. Autores como Maraschin3 e Tillich4 já afirmaram que a música traduz a identidade de um povo e tem papel fortalecedor da unidade religiosa. Porém, o contrário também pode ser considerado. Talvez more nela o declínio constante dos 2

Bairro da cidade de São Leopoldo – RS. Jaci Correia Maraschin é teólogo e filósofo natural de Bagé, autor de inúmeros livros tratando sobre teologia, tecnologia e cultura. Um de seus últimos trabalhos foi o livro “Da leveza e da Beleza”, onde trata das relações filosóficas entre arte e teologia. 4 Paul Tillich foi um teólogo e filósofo alemão (1886-1965). Entre tantos livros, escreveu Teologia da Cultura, traduzido em 2009 por Jaci Marschin. 3

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membros das igrejas tradicionais frente à ascensão do pentecostalismo e dos movimentos carismáticos. Com o discurso teológico do “Deus individualizado”, estes trabalhos

conquistaram

a

admiração

de

diferentes

crenças

religiosas

e

incorporaram-se no cotidiano destas pessoas. Este fenômeno tem gerado significativos impactos na IECLB e as discussões nesta pesquisa acabaram sendo muito mais teológicas do que o esperado. A pesquisa se revela, em sua grande maioria, por entrevistas realizadas com pessoas que tiveram ou têm papel- chave na história das principais produções. Alguns nomes surgiram pela própria indicação de entrevistados em sondagem prévia. O primeiro capítulo apresenta uma análise mais ampla do desenvolvimento das igrejas no Brasil e, especificamente, da IECLB. A hinologia5 é o foco de análise neste capítulo por trazer registros do repertório cantando. O capítulo seguinte aprofunda conceitos de produção musical e suas implicações práticas. A bibliografia escassa na área abre espaço para muitas discussões e debates. Embora haja uma longa caminhada prática, carece de conceitos. Após o estabelecimento destes parâmetros, o trabalho foca-se nas entrevistas realizadas ao vivo e registradas através de gravação de áudio. Todos os depoimentos foram transcritos na íntegra. O questionário aplicado conteve nove perguntas conforme anexo 1, abordando historicidade, formação musical, análise de obras, tecnologias aplicadas, experiências práticas e leituras críticas sobre a evolução histórica da Produção Musical da IECLB. Cada entrevista durou em média duas horas. Foram dez pessoas entrevistadas e aproximadamente duzentas páginas de transcrições. Estes dados foram organizados de acordo com as temáticas abordadas, convergindo e contrapondo opiniões sobre diferentes temas. A apresentação dos resultados ficou dividida em dois grandes capítulos. O capítulo três trata da cronologia dos fatos contados por seus protagonistas. Respeitou-se aí uma ordem cronológica dos fatos, mas organizados sob o ponto de vista de cada entrevistado, ao apresentar a sua biografia relacionada à música da IECLB. O capítulo quatro concentra-se nas perguntas mais específicas e organiza os discursos de acordo com a temática. Alguns entrevistados complementaram sua fala com 5

Entende-se aqui Hinologia como o conjunto de hinários utilizados ao longo da história da igreja como base do repertório cantado nos cultos.

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textos escritos enviados por email. Em alguns momentos, há longos trechos de entrevista. A transcrição da fala preserva a fluência do discurso, sem alterações na organização do pensamento do autor. Por isso, algumas ideias aparecem às vezes de forma confusa ou repetitiva, mas traduzem o modo como os entrevistados se expressaram. Os textos entre colchetes [ ] representam inserções posteriores ao momento da gravação para auxiliar na compreensão do assunto. Os textos entre parênteses ( ) representam minha fala ao longo do discurso. Há portanto no texto, dois momentos conclusivos. Um deles está contido nos próprios depoimentos das pessoas entrevistadas durante as reflexões sobre os temas abordados. Minhas

conclusões estão formalizadas

no

último

capítulo, mas

se

fundamentam também nos depoimentos e vivências relatadas. A própria “costura” das falas é, de certa forma, conclusiva. Há poucas opiniões isoladas. Geralmente o pensamento coletivo aponta para os mesmos problemas e questões abordadas. Em 2013, completo dez anos de atividades na EST e tive contato com uma grande quantidade de compositores, coordenadores de grupo e músicos da IECLB. Este objeto de pesquisa é fruto dessa experiência e de uma inquietação em querer contribuir de alguma forma à produção musical da Igreja além dos trabalhos realizados em estúdio. Sentia a necessidade de pesquisar sobre produção musical, de entender o comportamento luterano dentro da Igreja e descobrir formas de tornar a música da Igreja mais qualificada. E foi através do mestrado que pude mergulhar de cabeça neste tema que trouxe muitos significados. Hoje entro na EST, no prédio da música que abrigou os estudantes do IPT, com outra percepção, por saber que o lugar onde vi nascer tantos trabalhos bonitos tinha uma história ainda mais significativa à Produção Musical da IECLB.

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1 HISTÓRIA DA PRODUÇÃO MUSICAL

1.1 O Brasil descoberto, o Brasil colônia e o Brasil dos imigrantes

A partir da época do descobrimento europeu em 1500, o Brasil configurou-se como um país de território amplo e miscigenado. Havia aqui uma tradição musical nativa dos indígenas, inicialmente caracterizada pelo canto e por batidas de tambores, utilizados nos rituais de adoração à natureza. Com a chegada dos padres jesuítas, os índios foram sendo convertidos ao cristianismo e tornaram-se exímios fabricantes de instrumentos musicais, devido às suas habilidades com madeira. Construíam violinos, flautas, alaúdes, etc. Este contato transformou a cultura local primitiva dos índios, que passou a incorporar técnicas, estilos e até mesmo os instrumentos europeus à sua música6. O catolicismo português impôs-se aos índios com a ideia de que estariam salvando suas almas. Muitos índios foram escravizados. Ao mesmo tempo, escravos negros chegavam da África em substituição à mão de obra indígena, que não rendia para o trabalho pesado. Estes escravos eram proibidos de praticar seus rituais religiosos de origem e igualmente, foram convertidos ao catolicismo. Neste contexto, não podemos deixar de citar o grandioso projeto das missões jesuíticas da América do sul no século XVII, mais especificamente dos Sete Povos das Missões, que deixou um legado de ampla produção artística, demarcação territorial e um fomento ao desenvolvimento cultural e econômico, herança esta representada por cidades representativas no estado. As batalhas travadas entre soldados portugueses e índios fazem parte da cultura gaúcha, onde se destaca um dos principais líderes da resistência indígena, Sepé Tiarajú7. Mesmo com a expulsão dos guaranis em 1759 e a extinção das missões, a tradição e os ensinamentos 6

KIEFER, Bruno. História da Música Brasileira. 4 ed. Porto Alegre: Movimento, 1997. p. 9. Sepé Tiaraju: Líder indígena, nascido em 1756. Símbolo da luta contra os espanhóis e lusobrasileiros em defesa das Missões de São Luiz Gonzaga. Fonte: COMITÊ DO ANO DE SEPÉ TIARAJU. Sepé Tiaraju, 250 anos depois. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

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permanecem vivos. É comum encontrarmos nas tribos Guaranis do RS, grupos musicais compostos por coral, violão, rabeca (ou violino) acompanhada por alguns instrumentos de percussão. Na tradição Guarani, o aprendizado da música inicia-se muito cedo. Crianças recém-alfabetizadas já participam cantando hinos de adoração à natureza e desta forma mantêm viva sua cultura. Seus cantos são baseados nas lendas contadas de geração em geração8. Ao longo da história, muitas batalhas foram travadas entre espanhóis e portugueses por disputas de terra às margens do Rio da Prata. Além do índio, o estado do Rio Grande do Sul criou uma cultura muito forte, representada pela figura do gaúcho. Homens do campo, que cuidavam da estância e do gado, receberam este nome e caracterizaram-se pela mistura do índio, do espanhol e negro com o português. Os hábitos, o vocabulário e a música também tornaram-se muito peculiares. Após a série de conflitos entre índios, portugueses e espanhóis, chegam novos imigrantes ao sul do Brasil em busca de trabalho no campo. Em 1824 é a vez dos alemães povoarem o Rio de Janeiro e o Rio Grande do sul. Junto com eles, instala-se a igreja protestante no Brasil, que se espalha rapidamente pela região sul. Em 1870, incentivado pelo imperador português, é a vez dos imigrantes italianos chegarem, após a escassez da migração alemã. Em meados do século XIX, com a queda da indústria do charque9, os escravos negros desenvolvem a prática do batuque, uma religião de matriz africana muito difundida pelos negros neste estado10. Além da religião católica, protestante e de matriz africana no sul do Brasil, outras igrejas de missão também surgiram vindo, principalmente, dos Estados Unidos: pentecostais, batistas, anglicanos, adventistas, etc. Nesta análise histórica, é importante considerarmos que o Brasil era um país oficialmente católico até a Constituição Republicana de 1891, quando se torna laico:

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LUCAS, Maria Elizabeth; STEIN, Marília Raquel. IPHAN e UFRGS. Yvy Poty, Yva'á: Flores e frutos da terra : Mbyá mboraí nhendú: cantos e danças tradicionais Mbyá-Guarani. Porto Alegre: IPHAN, UFRGS 2009 9 Charque: produção campeira da região sul do brasil. Caracteriza-se por carne uma carne salgada, que é secada ao sol e disposta em camadas. Sua produção no sul iniciou em meados do século XVI. 10 KIEFER, 2009. p 65.

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Artigo 72 (Caput): §7°- Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção ofi cial, nem terá relações 11 de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.

A constituição de 1891, assim como a abolição da escravatura, alavancaram a miscigenação religiosa no Brasil. Seu vasto território, de diferentes características climáticas, despertou interesses colonizadores em todo o mundo e continua despertando até hoje. Mais adiante, trataremos das principais contribuições musicais de alguns dos principais colonizadores deste território.

1.2 A pluralidade Cultural e religiosa

Analisando o censo da religiões no Brasil, podemos constatar que o catolicismo vem perdendo forças gradativamente nos últimos anos. Diminui numa média de 6% a cada década. A igreja católica, assim como a IECLB são igrejas de migração, têm por tradição o batismo infantil e, consequentemente, mantém seus membros quase que somente através da proliferação das gerações ou da conversão de uma das partes no matrimônio entre um luterano e uma pessoa de outra denominação religiosa. Seguindo esta perspectiva, os gráficos demonstram que o catolicismo deixará de ser a religião predominante dento de 50 anos. A IECLB também sofrerá uma perda significativa, pois a maioria de seus membros pertence a uma geração com faixa etária avançada. Estimativas apontam para uma diminuição de jovens filiando-se como membros. Em contraponto, há uma crescente pluriculturalidade religiosa no Brasil. A tabela do senso abaixo ajuda-nos a observar a constante perda de espaço da igreja Católica no Brasil.

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Disponível em: http://www.brasil.gov.br/linhadotempo/epocas/1891/primeira-constituicaorepublicana Acessado em: maio 2010.

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Infelizmente, o Censo de 201012 cometeu o enorme equívoco de generalizar todas as Igrejas evangélicas. Mais do que isso, trouxe uma lista de mais de 2500 denominações religiosas onde a IECLB não constava. Mesmo com as críticas da presidência e a repercussão de repúdio na mídia, os dados foram assim apresentados e, infelizmente, não representam dados significativos à nossa Igreja. Porém, de acordo com dados da secretaria geral13, do total de 1.062.145 evangélicos, certa de 750.000 pertencem à IECLB, a parcela restante à IELB14. O aumento do protestantismo se evidencia realmente nas igrejas pentecostais e neopentecostais, caracterizadas como "protestantes".

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Censo 2010. Disponível em: Acessado em: maio 2010. 13 Secretaria Geral da IECLB. Responde pelas informações presentes no portal da Igreja. Carta do Pastor Presidende. Dr. Walter Altmann em agosto de 2010, fazendo referência ao senso. Disponível em: . Acessado em: dez. 2010. 14 A IELB – Igreja Evangélica Luterana do Brasil foi fundada em 1904 na cidade de São Pedro do Sul, no Rio Grande do Sul. Sua origem está ligada ao esforço missionário dos norte-americanos da Igreja Luterana - Sínodo de Missouri, Lutheran Church-Missouri Synod - LCMS. Ao final de 2007, a IELB contava com 233.416 membros e possuía 1.438 congregações e 662 pontos de missão, encontrados em todos os estados brasileiros, mas sua principal concentração está no Rio Grande do Sul (50%). Disponível em: Acessado em: novembro 2010.

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1.3 Os Hinários da IECLB

Ao longo de sua história no Brasil, o repertório musical da IECLB pode ser analisado através dos hinários e cancioneiros inicialmente trazidos por pastores vindos da Alemanha. O hino Castelo Forte é nosso Deus de Martim Lutero, símbolo da Reforma Luterana, foi incluído no primeiro hinário editado em 1524 na Alemanha. Tendo o alemão como língua eclesiástica oficial, os primeiros hinários utilizados no Brasil vieram junto com os primeiros pastores alemães. Exemplares originais podem ser encontrados em Joinvile, SC, fundada em março de 1851 pela Sociedade Colonizadora de Hamburgo. Há hinários da Suiça, de Schleswig-Holstein, da Silésia, da Alsácia-Lorena e do Platinado. Mas segundo consta, o primeiro hinário utilizado pelos evangélicos luteranos nos cultos era o de Hamburgo, por sugestão da Sociedade Colonizadora.15 É de 1861 a primeira edição brasileira de um hinário oficial da IECLB: Salmos e Hymnos. Organizado por Sarah Poulton Kalley e Robert Reid Kalley, Salmos e Hymnos permaneceu por décadas como hinário mais importante da igreja, sendo reeditado em 1889 e 1899 e 1919: Esse hinário, além de atravessar várias décadas como o único hinário dos protestantes brasileiros, serviu de base para os que surgiram depois. O ‘Salmos e hinos’, obra de Robert e Sarah Kalley, pertence à Igreja Evangélica Fluminense. Passou décadas sem nenhuma revisão, e as letras de seus hinos se cristalizaram nas mentes dos protestantes brasileiros como verdadeiro sistema teológico de base. Em 1975 foi publicada sua quinta edição com música, revisada e aumentada. A edição que se tornou 16 clássica foi a quarta, de 1919, com 608 títulos, que permaneceu até 1975.

Outro importante livro utilizado por aproximadamente cem anos foi o DEGDeutsches Evangelisches Gesangbuch. Impresso na Alemanha até 1949, este hinário passou a ser impresso no Brasil com o nome de Hinário Evangélico e sua 18ª e última edição, foi impressa em 1995, acrescido de alguns novos hinos. Mais hinários em português surgiram após a Primeira Guerra Mundial (1914-1919), após o decreto do governo (1918), proibindo o uso da língua alemã em locais públicos. Nos primeiros livros, constavam traduções de corais alemães e hinos de outras 15

CREUTZBERG, Leonhard. Estou pronto para cantar:subsídios para a hinariologia da IECLB. São Leopoldo: Sinodal, 2001. 16

MENDONÇA, Antônio Gouvea. Crise do Culto protestante no Brasil: diálogos e alternativas. P.190.

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igrejas evangélicas. Não menos importante, a obra do P.Joseph Hohl (1897-1951) também teve expressão significativa em Petrópolis, RS, através de seu livro Hymnos para o Culto Evangélico Alemão, de 1932. Sua coleção incluía 46 canções da Igreja Metodista escolhidas por senhoras evangélicas em Juiz de Fora- MG, onde atuou por alguns anos antes, como pastor. As melodias foram extraídas do hinário alemão com texto do hinário metodista para facilitar o aprendizado da comunidade. Em 1945 Hans Wiemer (1909-1956) edita o primeiro hinário contendo letras e a partitura da melodia baseado na Obra do P. Joseph Hohl. Através de uma revisão, Wiemer acrescentou e adaptou hinos e corrigiu textos. Esta nova edição também ocorreu na cidade de Petrópolis no RJ. Dentre tantas produções, surge pela primeira vez o pensamento da necessidade de contextualizar a música litúrgica criada na Alemanha à realidade brasileira. Wilhelm Fugmann (1886-1954) foi um pastor que chegou da Baviera em 1909 para atuar na comunidade de Ponta Grossa, Paraná. Até 1959, dedicou seu trabalho à comunidade atuando como pastor e professor. Com a Primeira Guerra Mundial, sua escola foi fechada em decorrência da proibição do ensino da língua alemã. Numa tentativa de adaptar-se, Fugmann elabora uma liturgia em português e desde então dedica-se a contextualizar a igreja luterana no país. No relatório da Comunidade Evangélica de Ponta Grossa de 1930 consta: “Nosso ideal deve ser: uma Igreja Luterana independente e brasileira.”17 O CANTATE. Liturgia e Hymnos foi editado em 1932. Em 1933, sai uma 2ª edição, com 31 hinos. No ano de 1938 surge a 3ª edição ampliada, com 73 hinos, que contém o subtítulo Liturgia, Hymnos e Orações para a Igreja e Família Evangélica, impressa em Joinville, SC. Outra figura importante na história da música da IECLB foi Hanz Müller (18921939). Nascido em Frankfurt, estudou teologia e chegou ao Brasil em 1913 para atuar na comunidade de Joinvile. Atuando como pastor, dedicou-se a tradução de hinos. Já em 1932 já havia incluído quatro traduções no hinário Cantate de Wilhelm Fugmann. Na terceira edição do Cantate (1938) constavam mais 15 hinos. Durante este período, Müller já trabalhava na edição de seu próprio hinário que saiu impresso em 1939, contendo 132 hinos em português. Hoje, o hinário oficial e mais representativo da IECLB é o Hinos do Povo de 17

FUGMAN, Wilhelm. Disponível em: . Acessado em 27/12/2010 às 15:08:05

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Deus HPD118. Tem seu repertório baseado na compilação dos antigos hinários, contendo hinos traduzidos do alemão, datados do século XV até o século XX, além de hinos de compositores brasileiros. Sua primeira edição data de 1981, contendo 302 hinos. O repertório caracteriza-se por música coral, contendo a letra e a partitura da música: Minha esposa desenhou, linha por linha, nota por nota, a nanquim, cada melodia deste primeiro hinário”, testemunhou Graf. “Preservamos os hinos luteranos que não podiam ficar de fora por razões confessionais, fizemos traduções de novos hinos de diferentes fontes e incluímos diversos autores 19 nossos, dando um rosto brasileiro ao hinário.

Em 2001, a IECLB lançou o Hinos de Povo de Deus 2 (HPD2) contendo cento e oitenta e cinco novos hinos. Este novo hinário integra hinos latino-americanos e de compositores brasileiros mais recentes, cujo repertório já fora incorporado ao dia-adia das comunidades luteranas. Além destes, a IECLB também fomenta outros cancioneiros ligados a movimentos sociais ou setores de trabalhos. São exemplos disso O povo Canta, que fomenta subsídios aos períodos litúrgicos, Cantarei ao Senhor, dividido em vários volumes, Livro de Culto, específico às liturgias, entre outros. Recentemente, a musicista Isolde Frank lançou 100 melodias do HPD, com uma proposta para arranjos

instrumentais:

grupos

de

flautas,

teclado,

violão

e

voz.

Antes,

tradicionalmente os hinos eram destinados ao acompanhamento com órgão ou harmônio nas igrejas. Hoje, músicas de louvor e liturgia acabam sendo confundidas e entoadas tanto durante os cultos quanto em momentos da igreja. O repertório e a instrumentação já fomentaram inúmeras discussões entre o sacro e o profano. As entrevistas mais adiante evidenciam pontos de vistas distintos sobre a produção musical na IECLB. Através da representação do Conselho Nacional de Música, festivais são organizados a cada dois anos no Sínodo Rio dos Sinos20, discos são divulgados, arranjos são publicados e discute-se o futuro da produção musical da IECLB. Um

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HPD 1: Hinos do Povo de Deus. 1ª Edição data de 1981. desde sua primeira edição, o hinário foi reimpresso 40 vezes, num total de 223 mil exemplares. Ao lado disso, também foi elaborado um livro com arranjos para organistas, do qual foram distribuídos 1.470 exemplares.

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20

GRAF, Frank (ed.) As Crianças desta Terra. 2.ed. São Leopoldo: Sinodal, 1985.

Sínodo é uma organização regional que constituem um grupo de luteranos. O primeiro Sínodo Rio-grandense foi fundado em 20 de maio de 1886, em São Leopoldo/RS

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exemplo vivo do processo de modernização da música no contexto de louvor é o grupo Anima, subsidiado pela EST, de São Leopoldo. Com seu segundo disco gravado, o grupo apresenta um repertório de música popular, latino americana, regional e sacra, fomentado pelas experiências e vivências de seus integrantes, oriundos de diferentes cidades e estados do país. Além da escolha do repertório, os arranjos e instrumentos também caracterizam a diversidade de estilos, com o uso de teclados, trompete, violão, cajon, viola caipira, pandeiro e outros instrumentos de percussão. Além do intercâmbio latino-americano de repertório, alguns grupos musicais também possuem uma estética baseada no blues, no country e no rock, gêneros que surgiram respectivamente nos Estados Unidos e Inglaterra. O grupo musical da cidade de Novo Hamburgo-RS, os Mc Coys, gravou seu primeiro disco em 2009, com repertório de música country. Estes são apenas dois exemplos da região do vale dos sinos. Ao longo da história, muitos grupos litúrgicos de comunidades luteranas desenvolveram trabalhos com influência profana. EBERLE21, em sua dissertação de mestrado, discorre sobre a história recente da música sacra no Brasil. Desde os anos 50, influenciados pelas manifestações musicais populares como a jovem guarda, bossa nova, tropicália e o rock nacional, grupos de louvor compuseram, gravaram e arranjaram hinos com texturas profanas, com estilos que iam desde a bossa nova e samba até o rock mais pesado. De acordo com dados do Conselho Nacional de Música22, em 2001, a IECLB possuía 814 corais/grupos vocais e 379 conjuntos instrumentais espalhados por todo o Brasil. A maior concentração de grupos está no centro-sul catarinense e no Espírito Santo.

1.4 Estética Musical luterana A música da IECLB foi fundamentada a partir de um repertório coral de estilo barroco e clássico. A estruturação deste período era baseada no contraponto23, ou seja, pensando-se nota contra nota. O conceito de harmonia só surgiu no período da

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EBERLE, Soraya Heinrich. “ENSAIO PRA QUÊ?” – Reflexões Iniciais Sobre a Partilha de Saberes: O Grupo de Louvor e Adoração como Agente e Espaço Formador Teológico Musical. São Leopoldo – 2008. 22 Disponível em: portal da IECLB: http://www.ieclb.org.br/musica.php. Acessado em 13/12/2010 23 Contraponto: é a técnica usada na composição onde duas ou mais vozes melódicas são compostas levando-se em conta, simultaneamente: o perfil melódico de cada uma delas e a qualidade intervalar e harmônica gerada pela sobreposição das duas ou mais melodias.

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Renascença, entre os séculos XVIII e XIX24. Porém, os hinos da IECLB continuaram sendo compostos dentro destes princípios até a metade do século XX. Ao analisarmos os corais nos dias de hoje, podemos traduzir a resultante das melodias sobrepostas em acordes25. Estes acordes podem ser simplificados através de cifras e executados no teclado ou violão. No pensamento moderno de música popular, não há aplicação de contraponto. Construímos música pensando em uma melodia acompanhada, ou seja, melodia e cifra26. Ao analisarmos a música coral luterana e traduzi-la em cifras, podemos executar o que chamamos de análise harmônica. A uma sequência de acordes, damos o nome de cadências. Cada cadência desempenha uma função na música. Podemos criar expectativas, tensões e repousos simplesmente através da escolha correta dos acordes. Ao analisar a construção dos hinos luteranos, percebemos uma constante previsibilidade de acordes e cadências característicos do período barroco e clássico. As melodias dos corais são caracterizadas quase sempre por funções básicas de tensão e repouso, mas com presença de modulações de nota fundamental ou mudanças de modo. Entre melodias não há presença de intervalos complexos, como podemos observar no jazz ou na bossa nova, por exemplo. Ao longo da história, a comunidade luterana desenvolveu-se no Brasil ouvindo esta estética musical germânica, ou seja, órgão e coral na igreja com harmonia clássica e barroca. O ritmo previsível é outro aspecto significativo. Não há uso de síncopes e contratempos27. Esta simplicidade rítmica é uma característica cultural europeia. A partir dos anos 60 e 70 a música sacra luterana passou a contar com um novo jeito de fazer música. Inspirados pela opressão da ditadura e pelo movimento da música popular brasileira, novos compositores surgiram escrevendo sobre uma teologia mais contextualizada. Críticas à pobreza, opressão, sofrimento são temas constantes dessa nova geração. Do ponto de vista técnico, a evolução

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BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Reimpressão 2007 com nova paginação, sem alteraç. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2007. 25 Acorde: é o agrupamento de três ou mais notas musicais soando simultaneamente. São normalmente dispostas em intervalos de terça. 26 Cifra: sistema de notação musical que utiliza as letras do alfabeto para identificar acordes. Da letra A até a letra G, que correspondem respectivamente e em forma ascendente, da nota Lá até a nota Sol. 27 Síncopes e contratempos: Nome dado respectivamente às figuras musicais positivas que são deslocadas em sua acentuação e no tempo. Estas figuras rítmicas são comumente encontradas nos ritmos de samba, swing e no partido alto.

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dos estudos de harmonia popularizou a música luterana a ponto de simplificar hinos em caráter de voz acompanhada pelo violão. Ao final dos anos 70 iniciou-se um movimento de popularização de cantos inspirados por festivais de música sacra. O Primeiro Festival de Música Sacra da IECLB já trazia ritmos como o baião, xote e milongas. Este e outros movimentos levaram à Igreja a compor seu segundo hinário, o HPD2. Este novo repertório têm enfrentado resistências de aceitação por parte de uma parcela mais conservadora da Igreja, sob a crítica do abandono ao repertório tradicional da IECLB.

1.5 Um olhar para as outras igrejas no Brasil

1.5.1 Igreja Católica

A Igreja Católica é predominante no Brasil em número de membros por questões históricas que já vimos anteriormente. Sua organização está centralizada na cidade/estado do Vaticano, no centro de Roma, capital da Itália. Até o século XX, sua música era baseada na preservação dos costumes e tradições romanas. Salmos e hinos foram preservados de acordo com os rituais da missa. A estética musical italiana influenciou a música católica. As estruturas harmônicas e melódicas dos salmos tem influência do canto gregoriano, passando pela textura barroca e clássica, assim com a igreja luterana. A música popular católica ganho muita força após o Concílio do Vaticano II28, ocorrido em 1961. A partir deste encontro, houve uma maior abertura e aceitação de grupos de músicas populares, onde se destacou inicialmente o Padre Zezinho, sendo promovido pela editora Paulinas. Já no final da década de 1970 e, início de 1980, houve o Movimento de Renovação Carismática, que alavancou outros artistas no mesmo segmento através dos Festivais de Música Católica. Já na década de 1990, gravadoras seculares começaram a investir em cantores católicos já vislumbrando um nicho de mercado em ascensão. Em 1997, a Warner Music do Brasil lança o Padre Antônio Maria e a Sony BMG, lança o Padre Marcelo. O mercado continuou crescendo e, em 2008, o DVD do Padre Marcelo foi o mais vendido do país no segmento pop, com cinquenta mil cópias e um show lendário 28

BECKHAEUSER, Alberto. Concílio do Vaticano II: a liturgia 25 anos depois. Petrópolis: Vozes, 1989.

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para três milhões de pessoas no autódromo de Interlagos. O ícone mais recente da música católica hoje é o Padre Fábio de Melo, que já vendeu mais de dois milhões de discos e quinhentos mil livros. Além de músico é professor universitário e apresentador de um programa de TV.

1.5.2 Matrizes africanas O Brasil recebeu uma rica contribuição musical dos negros vindos da África. Podemos atribuir à trágica chegada destes escravos o surgimento do samba, do choro, influenciaram a música gaúcha, baiana, movimentos como o bumba-meu-boi, o congado e, a mais importante delas: o carnaval. A África, assim como o Brasil, é um continente muito grande, com muitos países e culturas distintas. Escravos vieram para a América de diferentes regiões do continente africano e desenvolveram peculiaridades em cada território habitado. A fusão de ingleses e negros nos Estados Unidos da América originou o blues. Na américa Central e Caribe, ritmos como a salsa, a habanera. No Brasil a fusão do negro com a cultura portuguesa originou uma série de estilos de norte a sul do país. As religiões de matriz africana29 estão divididas em dois grandes grupos: as religiões tradicionais africanas e as afro-americanas. As tradicionais dizem respeito ao país de origem e as afro-americanas dividem-se em dois grandes grupos: as afrocaribenhas e as afro-brasileiras. As religiões afro-brasileiras são: O tambor de Mina, (proveniente do Maranhão), o candomblé (é a religião mais conhecida). Iniciou-se na Bahia e espalhou-se Brasil afora de norte a Sul. No sul, porém, desenvolveu-se a religião do Batuque, (um nome dado pelos brancos devido ao toque dos tambores durante o culto aos orixás30). Existe ainda a Macumba, desenvolvida no Rio de Janeiro, cujo nome remete a um tambor utilizado nos rituais religiosos. As religiões afro-brasileiras influenciaram toda música popular do país. A presença de tambores, do ritmo e dos toques podem ser encontrados no samba, que influenciou a bossa nova, nos ritmos tradicionais do norte, como a congada, o afoxé e o oldum. Além destes, o norte do país recebeu influência da cultura afrocaribenha pela proximidade geográfica com Trinidad e Tobago. Através das ondas 29

SOARES, Afonso Maria Ligorio. Os deuses também migram: a presença africana na cultura brasileira. Diálogo: São Paulo, SP: Paulinas, 1996 Vol./No. 2 , p. 27-32. 30 Orixá: Os orixás são semideuses na cultura africana. São guardiões dos elementos da natureza, criados pelo Deus Olorun. SOARES, 1996, p 30.

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de rádio, ritmos como o Calipso foram copiados e introduzidos a nossa cultura. Dele, na década de 1950 deu origem ao reggae e ao ska, que difundiram-se na América Central e Brasil. O carnaval tem origem europeia datada do século XI31, quando instituiu-se a Semana Santa pela Igreja Católica, onde surgiu a quarentena de jejum antes dela, a quaresma. O carnaval antecede este período e tem relação com o jejum da carne. Ao longo dos séculos, esta festa de abundância de bebida e comida popularizou-se e expandiu-se por toda Europa, chegando à América. No Brasil, inicialmente no Rio de Janeiro por volta do século XVIII houve um movimento de nacionalizar os tradicionais bailes carnavalescos que aconteciam em Paris. Festas passaram a ser promovidas em clubes, ganhando dimensões até atingirem as ruas. O crescimento excessivo foi proporcionado por blocos carnavalescos que saíam pelas ruas anunciando a festa. Em 1890, Chiquinha Gonzaga compõe a primeira música caracterizada como marchinha de carnaval: ô Abre Alas. Nestes blocos, a participação negra foi determinante e caracterizou o ritmo e os toques de tambores tipicamente brasileiros. A partir desta data, a festa foi se profissionalizando e tornando-se um atrativo turístico. Durante os desfiles, temáticas são desenvolvidas anualmente, muitas vezes cultuando deuses africanos. A festa carioca popularizouse também em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Estados como Bahia e Pernambuco cultuam o carnaval como em sua origem, através de blocos e “trios elétricos” tocando nas principais ruas e avenidas. 1.5.3 O gospel das igrejas batistas Nos Estados Unidos, os negros desenvolveram um estilo musical muito peculiar por influência das marchas inglesas, que deram origem ao Blues. Durante o século XVIII as famílias americanas tinham o hábito de ensinar piano às filhas dos senhores. Junto à família, estavam os negros escravos que, influenciados por aquela música, desenvolveram sua maneira de tocar a marcha com um ritmo sincopado, dando origem incialmente ao ragtime32 e, posteriormente, ao blues. O blues surgiu como uma canção de lamento e protesto. Embalava o trabalho escravo 31

SADIE, Stanley. Dicionário Grove de música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. P. 315. 32 Gênero musical de origem afro-americana. Caracteriza-se por uma marcha com síncopes e contratempos. Sue maior expoente foi Scott Joplin, cuja composição mais famosa popularizou-se pelo mundo, virando inclusive toque de celular: The Entertainer, de 1902.

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nas plantações de algodão e era caracterizado como folk Music. O violão, por ser mais acessível de fácil locomoção, foi muito utilizado no gênero. Durante o século XX, após a abolição, muitas igrejas negras surgiram, onde corais entoavam hinos, chamados Negro Spiritual. Mais uma vez, a música negra americana influenciou as igrejas batistas. O blues influenciou a música chamada Gospel. Do blues, também surgiu o Jazz no início do século XX, caracterizado por harmonias complexas e polifonia vocal moderna. Ao longo deste mesmo século a música secular teve grande influência nas igrejas, principalmente pelo fato de não haver a proibição e o tradicionalismo que encontramos nas igrejas de migração aqui no Brasil. Um clássico do Blues, de T Bone, trata bem da relação do negro com a religião nos EUA: They called it stormy Monday,but Tuesday is just as bad Oh, they called it, they called it stormy monday, But Tuesday, Tuesday is just as bad Oh, Wednesday is worst And Thursday oh so sad The eagle flies on Friday now, Saturday I'll go out to play Oh, the eagle, the eagle flies on Friday Saturday I'll go out and play Sunday I'll go to church, and I fall on my knees and pray I say, Lord have mercy, Lord have mercy on me But Lord, Lord have mercy Lord have mercy on me You know I'm crazy 'bout my baby 33 Lord, please send her back home to me Tradução: Eles a chamam segunda-feira trovejante Mas terça é tão ruim quanto. Eles a chamam segunda-feira trovejante Mas terça é tão ruim quanto. Senhor, e quarta é pior E quinta tudo tão ruim. A águia voa na sexta, Sábado eu saio para jogar. A águia voa na sexta, Sábado eu saio para jogar. Domingo eu vou à Igreja, Irei ajoelhar e rezar. O Senhor tem misericórdia, O Senhor tem misericórdia de mim. O Senhor tem misericórdia, O Senhor tem misericórdia de mim. Penso que estou tentando e tentando encontrar meu amor, 34 Alguém por favor mande-a pra casa para mim.

33 34

WALKER, T-Bone. Stormy Money. Linden,Texas EUA. 1947. Tradução minha.

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Esta canção, de T-Bone Walker traduz bem a relação do negro americano com a religiosidade. O documentário de Martin Scorsese35 sobre o blues demonstra que, vários hinos tradicionais batistas foram transformados em canções populares. Havia uma presença muito grande da religiosidade no cotidiano da sociedade. Oriundo das igrejas de missão, a música gospel no Brasil cresceu muito em meados da década de 1950 para cá. Muitos grupos batistas, influenciados pela harmonia do jazz e do blues americano, incorporaram o estilo através de corais e bandas nas igrejas. A música é caracterizada pelo louvor e pela adoração, muitas vezes buscando o transe. Junto desta tradição, veio o cuidado com as tecnologias, com a modernização dos timbres e instrumentos utilizados nas igrejas. É uma música que soa moderna, com a presença de bateria, baixo e guitarra nas igrejas, como nas bandas de jazz e blues dos bares de New Orleans e Mississippi, berço do gênero.

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SCORSESE, Martin. The Blues. SA: Lusomundo Audiovisuais, 2003.

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2 PRODUÇÃO MUSICAL NA IECLB

2.1 Conceitos

A bibliografia sobre Produção Musical é escassa e seu estudo é ainda pouco difundido no Brasil. Sobre o assunto, contando apenas com uma espécie de “manual prático” de produção musical produzido pela Editora Música e Tecnologia, do autor Sallaberry36 em 2008. Outro autor, Zasnicoff37, mantém um site com cursos e fórum de discussão online na área de Produção Musical. Por uma necessidade de mercado e por iniciativa de escolas de música e tecnologia espalhadas pelo país, em 2008 o MEC publica em seu diário oficial o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos contemplando a área de Composição e Arranjo. Posteriormente, em 2010, cria também o Catálogo Nacional de Cursos Superiores, que contempla uma nova área chamada: Curso Superior em Produção Fonográfica. Embora Europa e Estados Unidos tenham experiência de longa data na área de produção musical, o Brasil começa a dar seus primeiros passos em âmbito acadêmico. Estácio de Sá/RJ, Instituto Tatuí/SP, UCPel/RS, Unisinos/RS, Barros Melo/PE e Anhembi/SP são locais que possuem curso Superior em Produção Fonográfica, todos com menos de cinco anos de vida. Antes disso, revistas como Áudio Música e Tecnologia, Backstage e Sound on Sound representaram o trabalho mais significativo de pesquisa e publicações no que diz respeito à produção musical.

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Beto Sallaberry é baterista e produtor musical paulista. Fundador do Instituto de bateria Vera Figueiredo, lançou em 2008 o livro Manual Prático de Produção Musical pela editora Música e Tecnologia. SALABERRY, Beto. Manual Prático de Produção Musical. São Paulo: Música e Tecnologia, 2008 37 Zasnicoff, Dennis. É engenheiro eletrônico paulista, lançou em 2011 o livro Manual de Bolso da Produção Musical. Possui o blog www.audicaocritica.com.br onde divulga seu livro, cursos e trabalhos. ZASNICOFF, Dennis. Manual de Bolso da Produção Musical. São Paulo: Ed. independente. 2011

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Por outro lado, a ausência de livros específicos não atesta a falta de debate sobre o assunto. Muitas publicações ligadas à música acabam discutindo o tema paralelamente onde, por vezes, a problemática principal gira em torno da produção musical. Exemplo disso é o livro Gravando38, de Phil Ramone, onde o autor descreve sua história como produtor de discos. Trabalhou com artistas como Frank Sinatra, Paul McCartney, Billy Joel e Ray Charles, entre outros. O Manual Prático de Produção Musical – Sallaberry faz um apanhado minucioso de todos os agentes do processo de produção musical numa espécie de dicionário de termos técnicos. Organizado como uma espécie de dicionário, cada termo ou palavra chave ganha um texto específico onde consta um embasamento teórico, seguido de exemplos práticos, dicas, custos de mercado e sugestões de escolas. Nele, Sallaberry conceitua o produtor musical como uma espécie de agente que trabalha para viabilizar e buscar a máxima qualidade num trabalho musical, seja na gravação de um disco ou vídeo ou na produção de um espetáculo ao vivo. O produtor é capaz de escolher estúdio, equipamentos que serão utilizados, interferir na qualidade dos instrumentos, dos arranjos e até mesmo sugerir alterações na música do artista que está dirigindo. Alguns nomes de expressão são caracterizados como um membro da banda, como exemplo temos George Martin com os Beatles ou Quince Jones, responsável pelo maior álbum da história de Michael Jackson. O empenho destes profissionais pode tirar uma banda do anonimato e conquistar um Grammy, prêmio máximo da música pop de expressão mundial.

2.1.1 Equipe envolvida na produção de trabalhos musicais: - Técnico de áudio ou operador: pessoa responsável pela operação dos equipamentos do estúdio ou de uma sonorização ao vivo. A função principal do operador é o controle da mesa de som onde misturam-se todos os instrumentos envolvidos numa performance. Em apresentações ao vivo, pode haver dois operadores, um deles responsável pelo som da plateia e outro somente pelo som de retorno de palco dos músicos;

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RAMONE, Phill. Gravando. Editora Guarda Chuva, 2004. É produtor musical americano, vencedor de inúmeros Grammys (prêmio máximo da música americana), responsável por muitos dos principais discos da música pop americana como Paul McCarney, Ray Charles e Frank Sinatra.

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- Técnico de palco: Em apresentações ao vivo, é a pessoa responsável pelo posicionamento de microfones e cabos, pode ainda resolver problemas durante apresentações musicais como quedas de microfones, problemas elétricos, etc. - Roadie: termo americano que significaria estradinha é o nome técnico do ajudante dos músicos. Sua principal função é carregar, montar e desmontar os instrumentos

e

equipamentos

das

bandas

e

servir

de

suporte

durante

apresentações, como troca de instrumentos, reposicionamento no palco e ajudas diversas; - Iluminador: responsável pela operação de equipamentos de luz em um espetáculo. É capaz de criar cenas e nuances de acordo com a performance musical; - Produtor Fonográfico: Geralmente é o idealizador do trabalho. Faz a supervisão do processo de gravação do disco e a venda do mesmo. A grande maioria dos produtores fonográficos está atrelado a um selo, uma editora ou produtora. - Produtor musical: Concentra seu trabalho mais especificamente na música, nos arranjos, na escolha dos músicos, no agendamento das gravações e na conferência de cada registro gravado (take); - Arranjador: pessoa responsável pela criação da instrumentação do trabalho. Pode lidar com vozes e instrumentos. Existem arranjos pré-concebidos quando escritos anteriormente e executados tal qual a ideia do criador, mas há também a criação de arranjos no próprio estúdio, através da troca de ideias entre músicos, produtores e arranjadores. Neste caso, pode ou não haver o registro de ideias; - Microfonista: em alguns casos, há um profissional especificamente especializado no posicionamento de microfones diante da fonte sonora;

2.1.2 Sistemas envolvidos no processo de gravação Gravação linear: consiste na gravação em sistemas analógicos, ou seja, registrados em fitas magnéticas, também chamadas de rolos. A gravação linear implica num processo mais lento de acesso às informações gravadas, pois a fita precisa ser avançada ou rebobinada a todo momento para se ter acesso ao áudio gravado. Além disso, não permite o reposicionamento de partes gravadas em outros

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locais da música nem processamentos digitais como afinadores, efeitos etc. Por outro lado, tem uma fidelidade superior ao sistema digital por não apresentar distorções causadas pelo processo de transformação do sinal analógico em digital. O número de canais disponíveis numa gravação linear limita-se à capacidade do rolo e do sistema de gravação envolvido; Gravação não-linear ou digital: sistema normalmente associado à gravação com computadores e softwares, permitindo assim o acesso ao som a qualquer momento. Permite também a manipulação digital de elementos processadores, como afinadores, equalizadores, efeitos, etc. Num sistema digital, o número de pistas ou canais a ser gravados limita-se pela capacidade do software de controle e à capacidade de processamento do computador; Sistemas de armazenamento de áudio: entre os sistemas disponíveis no mercado, podemos registrar um som em fita magnética, disco de vinil ou mídia digital. A fita magnética de uso doméstico chama-se cassete e caiu em desuso no final dos anos 90, com o advento do CD. O sistema magnético permite que se apague a informação gravada e substitua por outra. Porém, apresenta depreciação da qualidade à medida que vai sendo reutilizada e fica exposta à interferências e ruídos causados pelos motores envolvidos, sujeira no sistema de gravação, mofo, etc. O sistema de disco compacto (CD) armazena informações digitais, o que elimina a possiblidade de ruídos causados pela má leitura das informações, porém, pode sofrer danos físicos através de arranhões ou quebras; o disco de vinil teve sua produção interrompida nos anos 90 no Brasil por conta dos custos envolvidos na sua produção, mas nos últimos anos vêm crescendo novamente por conta da reabertura de fábricas no país. É considerado por muitos um sistema “nostálgico” pela sonoridade produzida. Assim como é cassete, funciona pelo registro analógico de informações e sofre interferências que resultam na má qualidade do som: agulhas sujas, discos sujos, motores danificados, sistemas de amplificação ruins, etc.

2.1.3 Estética Musical Historicamente a produção musical sempre esteve relacionada a movimentos sociais, manifestações culturais ou de vanguarda artística da literatura e das artes

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visuais. Podemos identificar uma estética que definiu o movimento Barroco, o Classicismo, o Romantismo, a Música Eletroacústica, Serial, Eletrônica, e assim por diante. Um bom produtor, precisa ter claro estes conceitos. Precisa conhecer a história da música de forma crítica, sob o ponto de vista técnico, para que possa, por exemplo, produzir uma banda de tradicional de jazz e um grupo de heavy metal. A chave para a compreensão teológica de uma criação cultural é seu estilo. Estilo é um termo que procede do campo das artes, mas é possível aplicá-lo a todos os domínios da cultura. Há um estilo de pensamento, de política, de vida social, etc. O estilo de uma época se expressa em suas formas culturais, na escolha de objetos, nas atitudes de suas personalidades criativas, em suas instituições e costumes. “Ler estilos” é tanto uma arte quanto uma ciência. Requer-se uma intuição religiosa, com base em uma preocupação última, para penetrar nas profundidades de um estilo, para chegar ao nível em que uma preocupação última exerce seu poder 39 condutor.

Isto é, a concepção clássica da cultura – compartilhada por Tillich no início da sua carreira – difere do conceito atualmente dominante nas ciências sociais. Por cultura, Tillich entende, antes de tudo, um processo de refinamento do comportamento, enobrecimento do espírito, polidez dos gestos e dos costumes e, principalmente, grandes realizações do espírito humano nas artes, no pensamento, na ciência, na organização social, na técnica e na 40 religião.

Até o início do século XX, classificávamos a História da Música através de gêneros linearmente organizados na história. Hoje a realidade é outra, temos gêneros sendo produzidos e misturados de forma simultânea, o que torna cada vez mais complexa a classificação musical de grupos que surgem a todo o momento. Um bom produtor precisa conhecer história e principalmente, os processos pra se chegar em determinada sonoridade. Capturar uma bateria de heavy metal é completamente diferente do processo utilizado numa bateria de jazz, por exemplo. Outro fator importante é o conhecimento da linguagem musical. Um produtor precisa estar com seu vocabulário afinado com os músicos, para que possa corrigir e sugerir questões no arranjo das músicas. Um bom produtor precisa ser propositivo na elaboração do disco ou do show e ter domínio técnico pra expressar suas ideias aos músicos. 39

Etienne A. Higuet - Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, onde foi colega e amigo do professor Antonio Mendonça durante mais de vinte anos. HIGUET, Etienne A. As relações entre Religião e Cultura no Pensamento de Paul Thilich. Revista Eletrônica Correlatio nº 14 - Dezembro de 2008. p.134. 40 HIGUET, 2008, p. 135.

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Não menos importante, o Produtor Musical precisa ter linguagem afinada com o Engenheiro de som. Só assim poderá sugerir novos efeitos ou novos timbres ao artista e desta forma contribuir na melhor sonoridade musical. Há uma infinidade de técnicas

de

captação,

mixagem

e

masterização

capazes

de

transformar

completamente o som de uma banda. No âmbito religioso o fator estético passa por um estudo aprofundado do conhecimento da história da música sacra, mas também por uma leitura atenta às novidades do mundo contemporâneo. A produção de trabalhos musicais religiosos deveria, de antemão, ter claro a função e o conceito do que se está produzindo. A partir da função, determina-se o repertório, os arranjos, os instrumentos utilizados e, principalmente, a mensagem principal. A música luterana pode ser vista em sua origem pela característica do canto comunitário acompanhado pelo órgão ou harmônio. Esta estética é bastante clara até os anos 70. Hoje, podemos observar movimentos ecumênicos dentro da IECLB que abriram diálogo com outras culturas e incorporaram uma teologia contextualizada, ou seja, transmite-se, através da música, a cultura de uma determinada região. Ainda sob o ponto de vista estético, percebemos, de um lado, a cultura germânica bastante centrada no modelo de canto comunitário acompanhada pelo harmônio e de outro, uma nova visão músico-teológica baseada em cantos populares acompanhados pelo violão e outros instrumentos populares. Este conflito de gerações no mundo luterano evidencia-se nos depoimentos colhidos e descritos no próximo capítulo. A igreja, enquanto espaço comum de jovens, adultos e idosos, não consegue contemplar as expectativas de todos. O repertório musical de cada comunidade geralmente inclina-se a uma ou outra geração, dependendo do perfil do grupo responsável pela música. A música nas comunidades luteranas geralmente se configura pela figura de um líder, responsável pelo ensino, pela organização dos ensaios e pela escolha do repertório, sob orientação do pastor. Entre a liturgia e o canto, há uma tomada de decisões que permeiam conceitos estéticos que vão influenciar na música produzida. Este conceito nem sempre é consciente e na grande maioria das vezes ditado pelo material humano disponível em cada situação. O trabalho do coordenador de música limita-se apenas em organizar o grupo e adaptar as habilidades de cada integrante ao repertório escolhido. Num trabalho com um estética consciente, o líder musical estaria preocupado com o conceito do grupo,

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com a função do grupo na comunidade, com a sonoridade desejada, com as possiblidades de arranjos e instrumentação que poderia criar e, a partir, disso, direcionar o próprio grupo ao aperfeiçoamento de suas ações. Podemos aí, a partir destas atribuições, afirmar que um líder musical comunitário é também um produtor musical. É a figura responsável por extrair do músico seu melhor potencial. No mundo profano e no sacro ele pode atuar tanto em apresentações quanto em gravações. Em gravações, tem responsabilidade pelo resultado final de um disco a partir de seu conceito, auxiliando o grupo na escolha das músicas, na definição dos arranjos, e ainda zelando pelo cuidado na captação e edição dos instrumentos e vozes gravadas. Suas atribuições deveriam estar definidas desde o início do seu trabalho, mas muitas vezes ultrapassam os limites propostos pela falta de consciência de sua função. No âmbito profano, grandes artistas sempre estiveram acompanhados de grandes produtores: Jorge Martin com os Beatles, Quince Jones com Michael Jackson, Phill Ramone com Frank Sinatra, Billy Joel, Sara Brightmann, etc. No Brasil temos grandes nomes, como Tom Capone, que antes de morrer em 2004 produziu inúmeros artistas e bandas, como Maria Rita e Gilberto Gil. Os últimos trabalhos do Padre Fábio de Melo contaram com a produção do grupo Roupa Nova. Na IECLB, nomes como Nelson Kirst, Carlos Dreher, Louis Marcelo Illenser, Cláudio Kupka, são conhecidos por estarem em constante produção de trabalhos ligados à Igreja.

2.2 A Produção Musical na IECLB Ao longo de dez anos em contato com a música da IECLB, trabalhando como músico, técnico em áudio e produtor, percebo carências na produção da música da IECLB. Através da observação de festivais, audição de discos e presenciando processos de gravação, muitos problemas são detectados, seja na afinação de seus instrumentos, na escolha de equipamentos adequados para tocar ou gravar, como também no conteúdo musical: ao definir tom, organizar arranjos ou posicionar-se no palco. São os detalhes que muitas vezes depreciam o trabalho artístico e acabam destoando o objetivo do trabalho: aproximar-se de Deus através da música. Ser exigente e ter cuidados no trabalho de música litúrgica não significa desvirtuar o propósito do grupo ou transformar a mensagem em produto midiático.

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Ao longo da história da IECLB sempre houve muito cuidado na música litúrgica como um todo. No início da era cristã, por exemplo, houve resistência pelo órgão na igreja. Católicos aceitavam somente as vozes em seu sua liturgia. Ao longo dos séculos, barreiras foram sendo rompidas e o órgão tornou-se companheiro inseparável dos corais na igreja. No contexto luterano não foi diferente. A ausência do órgão em comunidades mais pobres do Brasil era substituída pelo harmônio41 ou pelo violão. Num passado mais recente, teclados eletrônicos também exerceram o papel de simular o som do instrumento. Para reforçar o coral, flautas foram muito utilizadas ao longo da colonização alemã no Brasil. Estas e outras questões definiram a estética da música luterana ao longo de sua história. As tomadas de decisão (produtores musicais da época) eram inicialmente geridas pela direção da igreja, pelos pastores sinodais e pelos coordenadores de música, baseado na ética profissional da identidade luterana. No século XX houve um avanço muito grande nos meios de produção e divulgação da música. Em 1887 Tomaz Edison patenteia o fonógrafo42 e pela primeira vez na história uma música pode ser registrada. Do gramofone à música para download43, muita cosia aconteceu. Novas tecnologias foram aprimorando os sistemas de gravação, surgiu o rádio, a televisão, a guitarra elétrica, os sintetizadores, o vhs, e o DVD. A música deixou de ser ouvida para ser também vista. A secretaria de comunicação da IECLB, através de figuras centrais, por muitos anos esteve atenta a esta evolução tecnológica. Na década de 70 até os anos 90, o estúdio da ISAEC produziu inúmeros trabalhos para a música da IECLB. Na formação de estudantes para o pastorado, a EST também oferecia cadeiras de produção de vídeo na década de 80 e 90 e também montou seu estúdio de onde saíram inúmeras produções. A partir de 2003 a EST reativou seu estúdio e criou o Centro de Multimídia, passando a gravar áudio e vídeo. Num olhar mais distante, o produtor que trabalha com música profana ou comercial tem o desafio de seguir as tendências do mercado. Mas além de seguir a 41

Harmônio. Instrumento de teclado com funcionamento semelhante ao órgão. Seu som é produzido através do deslocamento de ar por entre palhetas, como num acordeon. A produção deste ar é feita através de um fole acionado por pedais mecânicos. 42 Fonógrafo: Aparelho que gravava o som através de um processo mecânico. No início, o som era registrado através de uma agulha acoplada a uma corneta que captava o som. Com a ajuda de uma manivela, o som era registrado um papel alumínio envolto num cilindro e podia ser ouvido inúmeras vezes. Anos mais tarde as gravações passaram a ser registradas em discos de cera, depois em vinil. 43 HUNGER, Daniel. Ensino de Música no RS. Trabalho de Graduação. Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, 2006.

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moda, grandes produtores criam seu nome através de grandes ideias, muitas delas, muito simples do ponto de vista técnico. A produção musical luterana não pode ser vista como um simples mercado. Longe disso, deve estar fundamentada num estudo teológico, mas atenta às perspectivas e exigências do mundo moderno. A música é uma linguagem de expressão artística e, assim como a pintura, a dança ou o teatro, exige o domínio de técnicas para alcançar os resultados estéticos desejados. Há uma série de elementos na composição que transcendem o simples “dom” de cantar ou tocar um instrumento. Para o texto, é preciso observar métrica, fraseologia, concordância verbal, respeito à prosódia, dicção, interpretação, afinação. Quando analisamos os elementos melódicos e harmônicos, temos que considerar a música como um plano X Y, onde temos uma relação entre alturas (grave e agudo) no eixo Y e sua distribuição no tempo do eixo X. O desafio do compositor é acomodar múltiplos elementos neste tempo e espaço sonoro. A linguagem musical compreende um pensamento rítmico e melódico. O conjunto de melodias forma o contraponto. O contraponto dá origem à harmonia. A harmonia implica na criação de cadências, que são movimentos harmônicos capazes de criar expectativa, tensão ou repouso. Quando há o domínio e a coerência entre os movimentos melódicos, rítmicos, harmônicos e poéticos, temos grandes chances de termos uma música de qualidade estética e poética, mas mesmo assim, todo este estudo está sujeito a não atingir seu objetivo maior que é tocar o coração e a alma de quem a escuta se não houver qualidade nos instrumentos musicais utilizados ou no equipamento de som que capta a amplifica esta música. É aí que entra o papel da produção musical: de fazer esta música chegar ao ouvido de quem a aprecia da melhor maneira possível, seja ela gravada ou executada vivo.

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3 ENTREVISTAS E DEPOIMENTOS

3.1 Fundamentação

A produção musical da IECLB na região sul esteve intrinsicamente ligada à sua organização através de sínodos e ao legado deixado pelos professores e estudantes de seus centros de formação. A busca por pessoas ligadas a estes centros foi um dos critérios determinantes na escolha dos entrevistados. O segundo critério de escolha ocorreu a partir de pesquisa realizada através de discografias encontradas na biblioteca da Faculdades EST e em acervo pessoal. Outros nomes ainda foram elencados a partir de contatos profissionais pelo fato de trabalhar em estúdio de áudio. O questionário aplicado foi elaborado durante a construção do projeto de pesquisa. Surgiu a partir de hipóteses, da construção de um quadro teórico e, principalmente, a partir dos objetivos da pesquisa. Foi construído com nove perguntas, conforme anexo 1.

3.2 Apresentação dos entrevistados

A seguir, apresento cada um dos entrevistados justificando sua escolha. Os nomes estão organizados de acordo com o grau de proximidade do pesquisador: Rodolfo Gaede Neto: Trabalhamos juntos na gravação de três discos do Grupo Anima, do qual é coordenador. As gravações ocorreram no estúdio da Faculdades EST, respectivamente em 2008, 2010 e 2012. Fui o produtor musical responsável pelos últimos dois discos;

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Nelson Kirst: Da mesma forma, participei da gravação do disco Miriã 244 como técnico em áudio durante o ano de 2006, no estúdio da Faculdades EST. Fomos colegas de trabalho, enquanto coordenador do Centro de Recursos Litúrgicos (CRL) da mesma instituição. Ex-aluno do IPT até 1964; Werner Ewald: Foi produtor musical do primeiro disco do grupo Anima e produtor do disco Miriã 2, além de colega de profissão enquanto docente do Bacharelado em Musicoterapia e Curso Técnico em Música da Faculdades EST em 2005 e 2006. Walter Schlupp: Ex-aluno do IPT entre 1962 e 1967, fez grandes contribuições através de auxílio técnico na reforma do estúdio da Faculdades EST e fornecendo gravações. Contribuiu também com o depoimento do colega e ex-aluno do IPT, Waldir Trebin. Atuou em diversas produções musicais na década de 80 e 90 no estúdio da EST e também como violinista da OSPA, até sua aposentadoria em 2012; Cláudio Kupka: compositor de vários hinos conhecidos da IECLB, é também organizador do Festival Luterano de Música. Foi idealizador do 2º e 3º Musisacra45. Trabalhamos juntos em algumas ocasiões como o Dia da Igreja do Sínodo Rio dos Sinos. Foi indicação de Walter Schlupp, por sua significativa contribuição à produção musical da IECLB; Soraya Eberle: Atual diretora do departamento de música da IECLB e colega de trabalho na Faculdades EST; Carlos F. Reinardo Dreher: Acabei conhecendo-o pessoalmente somente durante a pesquisa. Acompanhei seu trabalho através da gravação de inúmeros discos em seu estúdio Dreher. Foi também coralista, regente e ex-aluno do IPT entre 1956 e 1961; Daniel Streb Richter: coordenador de programas teológicos da rádio União FM de Novo Hamburgo, rádio ligada à Fundação Sinodal de Comunicação, trabalhamos juntos na produção de áudio e vídeo no estúdio da Faculdades EST entre 2003 e 2007;

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Trabalho composto por uma série de hinos de origem latino-americana. Importante Festival de Música Sacra da IECLB ocorrido na década de 90 em âmbito nacional. Resultou na gravação de três discos de mesmo nome. 45

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Louis Marcelo Illenser: produtor musical, regente e compositor, tem forte atuação em vários projetos musicais da IECLB. Foi indicação de Carlos F. R. Dreher, por trabalharem juntos em inúmeros projetos no Estúdio Dreher; Hans Günther Naumann: até então, conhecia-o por suas composições ao HPD1 e como ex-diretor do Colégio Evangélico de Ivoti. Foi indicação de Nelson Kirst, referindo-se à uma das pessoas mais atuantes na área da música das primeiras gerações de estudantes do IPT (1936 a 1940); O interesse em pesquisar as raízes da produção musical na IECB foi, em grande parte, instigado por inúmeras indicações de referências por parte dos entrevistados. Obras singulares resgatam a história de formação de pastores no Brasil, uma história até então desconhecida pelo pesquisador, mas descoberta com grande alegria e entusiasmo, ao perceber a importância do legado deixado pelos primeiros imigrantes, pelos primeiros centros de formação e, consequentemente, por seus docentes e líderes. A análise das entrevistas será organizada em dois momentos. No primeiro, uma biografia descritiva baseada nos relatos de experiência de cada entrevistado, contando histórias significativas à produção musical da IECLB. A organização é cronológica visando a ordenação dos fatos. O segundo momento está atrelado ao questionário de perguntas aplicado aos entrevistados.

3.3 O surgimento do Instituto pré-teológico Antes de conhecermos os entrevistados, há um período importante da história da IECLB que precisa ser conhecido. O ponto de partida da pesquisa - para que não oculte fatos ou influências relevantes – inicia com a chegada dos primeiros imigrantes alemães às margens do Rio dos Sinos em julho de 1824. Porém, conforme lembra Witt46, alguns confundem a chegada dos imigrantes alemães com a formação das primeiras comunidades evangélicas no sul do Brasil. Segundo relatos de Weber47, durante os primeiro quartenta anos após a chegada dos primeiros imigrantes, não houve envio de pastores para o exercício da profissão nas 46

WITT, Osmar Luiz. Breve História do Instituto Pré-Teológico. In:DROSTE, Rolf (org.). Uma escola singular: Instituto Pré-Teológico PROSEMINAR. São Leopoldo: Sinodal, 1996. p. 13. 47 WEBER, Bertoldo. Instituto Pré-Teológico e Comunidades. In: DROSTE, Rolf (org.) Uma escola singular: Instituto Pré-Teológico PROSEMINAR. São Leopoldo: Sinodal, 1996. p. 46.

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comunidades que se formavam pelo interior do Estado. O exercício da espiritualidade era, porém, desenvolvido através de “pseudopastores”, ou seja, imigrantes comuns e sem formação, exercendo hábitos cultivados durante sua vida ainda no país de origem. Com tantas famílias desbravando um novo território e tantos imigrantes ainda por chegar, era urgente a necessidade de criação de centros de formação educacional germânicos para facilitar a adaptação e o aprendizado da língua brasileira, como também para a formação teológica de novos obreiros. Nesta ótica, é estranho pensarmos porque uma igreja levou quase 100 anos para instituir seu primeiro centro de formação de pastores no Brasil. Uma série de circunstâncias nos ajuda a compreender as dificuldades enfrentadas: a falta de recursos financeiros e material humano, as longas distâncias em lombo animal para chegar às comunidades mais longínquas, as dificuldades de adaptação com a língua, a resistência na criação de vínculos entre pastores com as novas comunidades, ou seja, foi um longo caminho percorrido até a criação do primeiro centro de formação teológica autóctone. Apesar das dificuldades, as organizações eclesiais evangélicas começaram uma mobilização em solo brasileiro para promover discussões e consolidar sua fé luterana. Neste contexto, é importante observarmos a resistência dos evangélicos em se tratando da preservação da fé e dos costumes trazidos da Alemanha num Brasil onde o catolicismo era a religião oficial e não atribuía direitos iguais aos protestantes. No entanto, com o tempo surgiu a ideia e amadureceu a compreensão da necessidade de a Igreja daqui cuidar, ela mesma, da formação de seus pastores e professores, afim de arraigar o cristianismo evangélico no 48 contexto de seu povo.

Ainda segundo Weber, data de 1877 o documento que registra o primeiro projeto de criação de um seminário de pregadores autóctone. Trata-se de um relatório redigido pelo Dr. Wilhelm Rotermund, na ocasião, pároco em São Leopoldo e Lomba Grande, onde atesta: Sem instituições de formação de pastores e professores, a Igreja do evangelho não lançará raízes neste país e, em vez de uma fonte viva, ela 48

WEBER, Bertoldo. Instituto Pré-Teológico e Comunidades. In: DROSTE, Rolf (org.) Uma

escola singular: Instituto Pré-Teológico PROSEMINAR. São Leopoldo: Sinodal, 1996. p. 46.

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também no futuro assemelhar-se-á a uma cisterna, na qual se encontra 49 tanta água quanto aflui da Igreja da velha pátria.

Alguns anos mais tarde, em 1886, outro fato solidifica a ideia de Rotermund, a criação do Sínodo Rio-Grandense. A Igreja Evangélica no Rio Grande do Sul estava agora estruturada e contava com a presença de sete pastores representando sete comunidades: São Leopoldo, São Sebastião do Caí, Santa Cruz do Sul, Igrejinha, Santa Maria, Dois Irmãos e Teutônia. Dois anos após a criação do sínodo, há registros de atas do segundo Concílio Ordinário idealizando novamente a criação de uma escola para a formação de pastores e professores. Mais anos se passaram e pelas razões já acima descritas o dilema seguia. Veio a 1ª Guerra Mundial a partir de 1914 e durante aquele período a situação se agravou ainda mais, pois a vinda de pastores da Alemanha ficou impossibilitada. Enquanto isso, as discussões no Brasil seguiam e uma reflexão apontava para a necessidade de implantação de um curso pré-teológico para a preparação de jovens que seguiriam seus estudos na Alemanha. A educação básica oferecida aqui era incompatível com os padrões exigidos em solo germânico para que algum jovem pudesse ingressar numa faculdade de teologia, principalmente na formação em línguas como grego e latim. Foi então, por uma iniciativa desbravadora que o Dr. Herman Dohms50 iniciou em 1921, em sua própria residência em Cachoeira do Sul, o Instituto Pré-teológico com apenas um aluno, atuando com diretor e professor, auxiliado por sua esposa. Era o surgimento do Proseminar, como era chamado na época. Em 1925 a Casa Pastoral de Cachoeira do Sul passou a abrigar o IPT. Sua manutenção era garantida com recursos oriundos do Sínodo Rio-Grandense, da Sociedade Gustavo Adolfo51 e de coletas realizadas em cultos e eventos comunitários.

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SCHRÖDER, Ferdinand. Brasilien und Wittenberg. In: WEBER, Bertoldo. Instituto Pré-Teológico e Comunidades. In: DROSTE, Rolf (org.) Uma escola singular: Instituto Pré-Teológico PROSEMINAR. São Leopoldo: Sinodal, 1996. p. 48. 50 Dohms, Hermann Gottlieb. Natural de Sapiranga, nasceu em 1887, aos 9 anos foi para a Alemanha estudar Teologia. Retornou em 1914 e, após menos de 1 ano em Sapiranga, foi transferido para Cachoeira do Sul. Lá começou a trabalhar pela autonomia do Sínodo Riograndense em relação à Igreja Evangélica na Alemanha, buscando autonomia financeira e jurídica, e a transformação do Sínodo em Igreja. 51 Fundada em 1832, na Alemanha, tem com o objetivo apoiar minorias confessionais na diáspora. Os Sínodos existentes no Brasil, que mais tarde constituíram a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), passaram a receber auxílios desde a metade do século 19. Disponível em: < http://www.luteranos.com.br/conteudo.php?idConteudo=10148>. Acesso em: 01 de dezembro 2012.

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Com o crescente número de estudantes, transferiu-se para São Leopoldo em 1926 num novo espaço, provisoriamente junto ao Seminário de Professores – também denominado Escola Normal52 e lá permaneceu até 1931, quando foi instalado definitivamente num novo prédio erguido no Morro do Espelho, onde hoje abriga os cursos de música e teologia da Faculdades EST.

Figura 1 - Construção do prédio do IPT no Morro do Espelho em 1930.53

O projeto de engenharia deste prédio é de Rudolf Ahrons e o arquiteto Theo Wiederspahn, que também projetaram a Casa de Cultura Mário Quintana, os Correios (Hoje Memorial do RS) e o MARGS, em Porto Alegre, entre outros. Embora fuja os padrões acadêmicos, abro parênteses para tratar da principal referência bibliográfica nesta etapa da pesquisa. O livro Uma Escola Singular – Instituto Pré-teológico – Proseminar foi organizado por Rolf Droste, e já foi citado

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Prédio localizado na esquina das ruas Independência e Dom João Becker num prédio onde hoje funciona a Câmara de Vereadores de São Leopoldo. A Escola Normal foi fundada em 1909 em Taquari. Em 1910 foi transferido para Santa Cruz do Sul. Em 1926 o Seminário foi transferido para o então prédio, em São Leopoldo. Disponível em: < http://www.luteranos.com.br/conteudo.php?idConteudo=345> acessado em: 15 de dezembro 2012. 53 Disponível em: . Acessado em novembro 2012.

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nos relatos acima. Recebi um exemplar em mãos do professor Naumann54 durante entrevista realizada em sua residência em novembro de 2012: uma obra publicada pelos ex-alunos do IPT no ano de 1996, trazendo uma coletânea de textos - na grande maioria - de seus ex-integrantes. O material traz fotos históricas, depoimentos bem-humorados de fatos inusitados e um resgate da importância que a formação musical tinha naquela época. A leitura é cativante, pois é escrita por pessoas que viveram na pele a construção de um patrimônio histórico e cultural, inclusive musical, no sul do Brasil e tiveram contato com pessoas de grandes feitos, como Wilhelm Rotermund e Herman Dohms. O livro traz também texto de Osmar Witt que, embora não seja ex-aluno do IPT, é o atual responsável pelo arquivo histórico da IECLB, sediado no prédio da Faculdades EST.

3.4 Hans Günther Naumann Durante a realização das entrevistas o nome do professor Naumann – assim chamado pelos entrevistados – surgia com frequência como fonte bibliográfica em resposta a muitas perguntas que iam surgindo. Lembro-me dos relatos do professor Nelson Kirst: - “se você quer conhecer um pouco mais da história da música na IECLB antes dos anos 60, tem que entrevistar o professor Naumann”55. Após alguns contatos telefônicos, agendamos então um encontro para o dia vinte e oito de novembro de 2012 em sua residência, na cidade de Ivoti: - Alô, professor Naumann? - Sim, quem deseja? - Daniel Hunger, da Faculdades EST, estou realizando uma pesquisa sobre a produção musical... - Daniel Hunger? Mas não vem “faminto” para a entrevista, né? - Não, não, tomarei café antes de sair de casa, (risos). - Mas um café podemos tomar aqui também! (risos). Logo na chegada – uma manhã ensolarada - percebi que em sua residência tocava uma música que não vinha de dentro, mas dos fundos da sua casa. Era um

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NAUMANN, Hans Günther. Foi ex-aluno do IPT e um dos entrevistados. Transcrição Entrevistas, p 56.

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som de jovens correndo, se exercitando, brincando e também tocando algum instrumento. Esse som vinha do Instituto de Educação Ivoti e bastava atravessar uma cerca feita de arbustos para já estar no pátio da escola. Ao entrar em sua casa – um lindo chalé em meio a um pátio arborizado tocava uma música com bastante intensidade. Era um vigoroso som de piano acompanhado de um violoncelo e violino, se não me falha a memória, um trio de Beethoven. Ficamos alguns instantes na sala ouvindo aquela belíssima música em alto e bom som. Revelou-me então que era seu filho ao piano, Peter Naumann, numa gravação realizada na Alemanha há alguns anos. Mais tarde descobri que abandonara a carreira por uma paralisia no braço. Em seguida, dirigimo-nos para a varanda de sua casa, de frente para uma pequena piscina natural com peixes, rodeada por pássaros e um lagarto sem rabo. Nascido em 1923 no Rio de Janeiro, contou-me que veio com sete anos de idade com a família para Porto Alegre. Em 1936 ingressou no Proseminar. Seguiu seus estudos na Escola de Teologia, onde graduou-se em 1948. Ao relatar-me sua chegada ao IPT, explicou-me que o Instituto era uma tentativa do Pastor Dohms de formar pastores para as igrejas no Brasil. Naquela época, existiam somente quatro sínodos e estes pastores vinham da Alemanha e, de vez em quando, algum jovem daqui ia para a Alemanha para estudar teologia. Foi o caso do pastor Dohms que, aos nove anos de idade saiu de Sapiranga, foi até o porto de Rio Grande e lá embarcou para a Alemanha para estudar teologia. Posteriormente ele fundou o Pro e foi o primeiro pastor presidente da IECLB. Naquele período, a prática musical entre os descendentes alemães estendiase da igreja para dentro das casas. A prática do canto, o domínio da flauta doce e o aprendizado de algum outro instrumento eram hábitos comuns nas famílias luteranas: Meu pai tocava piano, mas deixou de tocar quando era jovem, eu não sei muito bem de onde vem isso. Da família da minha mãe, o meu avô era regente oficial de um coral masculino na Alemanha. E a geração que veio pro Brasil foi dos meus pais, que se conheceram no Rio. Vieram independentes e se casaram lá. Agora, minha esposa sim, o pai dela foi um excelente pianista, mas tudo autodidata. Meu filho também, nós sempre tentamos, depois dos primeiros anos que ele fez flauta doce, ele foi pro piano com a mãe. Depois ele teve aulas com aquela organista alemã que trabalhou uns dez anos como diretora do departamento de música que 56 nós criamos aqui da Igreja, a Bárbara Fritburg.

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Entrevista Naumann, p.52.

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Naumann conta ainda seus primeiros anos de formação, vale a pena acompanhar seu relato na “íntegra”: [...] estudei no IPT de 36 a 40, depois fiz um ano em São Paulo, onde frequentei uma escola alemã que possibilitava fazer o exame da escola média pra poder entrar numa escola da Alemanha. Eu ia seguir o caminho de muitos concluintes do Pré-teológico e estudar na Alemanha, mas veio a guerra e tudo isso termino. Então, já aos 19 anos eu fui chamado para substituir um professor do IPT que tinha sido preso como “súdito do eixo”, esse pessoal era muito perigoso aqui [em tom irônico]...era alemão, mas não era nazista! Mas ele foi preso, mas não se sabe por que, possivelmente porque ele publicou alguns livros. Aí eu fui chamado pelo professor Dohms para substitui-lo. Eu tinha 19 anos, eu era um guri. Depois eu fiz a Teologia e fui enviado para reerguer o Seminário de formação de Professores que funcionava em São Leopoldo, que também tinha sido fechado durante a guerra. Fui chamado para reestruturar aquele estabelecimento, ao lado da praça onde hoje funciona a câmara de vereadores. (com que idade?) Nessa época eu tinha 26 anos (super jovem!) pois é, praticamente me impuseram 57 lá.[risos].

Figura 2 - Corpo Docente do IPT, em 1946. Sentados: Dr. Erich Fausel, D. Hermann G. Dohms e Dr. Erich Fülling. De pé: Willy Fuchs, Heinrich Höhn, Walter Hinrichs, Hans G. Naumann, Udo Soth, Rodolfo 58 Schreiner e Max Maschler

Conversamos ainda sobre o cenário de aprendizado da música nos tempos do IPT, onde muitos docentes assumiam múltiplas tarefas, ensinando disciplinas do

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Entrevista Naumann, p. 52. Disponível em: . Acessado em 1 de fev. 2013. 58

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currículo e realizando atividades paralelas, como regência de coros e grupos instrumentais. No IPT eu não era professor de música, mas tínhamos um professor alemão Max Maschler, figura lendária. A esposa dele ainda vive, comadre, mora na Alemanha. Ele voltou pra Alemanha em 55 ou 56, por aí com a família. Pois lá [no IPT] nós tínhamos um quarteto de cordas e uma vez ou outra eu substitui o Maschler, mas ele me levou a assumir a direção do Coral da Igreja, ali eu desenvolvi bastante e apresentamos cantatas [...] (E a sua formação musical, foi no IPT?) Tinha aulas no currículo, mas com Max Maschler era aula particular e lá tinha uma orquestra escolar. (E tocava em que horários?) Tinha um coro de trombones, essa é uma longa história, porque o Dohms já tocava trompete também, ou foi trompa, se não me engano, e ele fundou esse coro de trombones, chamava-se Coro de Trombones e já existia quando eu cheguei lá e eu não toquei, infelizmente, eu era das cordas e piano. Mas tinha um professor de línguas antigas lá [Walter Hinrischs], latim e grego e ele era um bom músico, tocava piano, com esse eu fiz muita música também, assim, ele era amador, mas um bom amador, ele tocava violoncelo e já no 1º ano ele formou uma orquestra e lá ele juntou alunos do IPT e do colégio Sinodal e desenvolveu isso bastante, depois ele deixou a direção comigo desse grupo. Isso se fazia por amor a camiseta. (E as ambições eram?) A orquestra e o coral não viajavam, isso se fez depois, quando eu assumi a direção da escola normal. Fizemos um coral escolar também, eu busquei bons alunos formados em música pra dirigir uma orquestra, tudo muito modesto e com isso fizemos excursões artísticas pelo interior do estado, Santa Catarina, Paraná e uma vez fomos 59 até a Bahia .

Ao final da entrevista, Naumann emprestou-me um pequeno livreto de própria autoria publicado em 2001, em comemoração aos 90 anos da Igreja da Comunidade Evangélica Luterana de São Leopoldo. Nele, apresenta uma memória do seu período como regente do Coral da Igreja do Relógio, entre 1943 até 1957. Neste livro, há informações importantes e específicos sobre o cenário musical do IPT, bem como uma pequena biografia de uma pessoa importante nesta história, Max Maschler: Regência do Coral da Igreja do Relógio de 1937 a 1942. Professor, músico, regente coral, exerceu profunda influência em seus alunos como incentivador ainda presente, durante decênios, em suas atividades musicais. Veio ao Brasil em 1935, como professor de Matemática, Música, Religião e Pedagogia, no Evangelisches Lehrerseminar de São Leopoldo, transferido para Ivoti, em 1966, onde hoje funciona sob a denominação de Instituto superior de Educação Ivoti. Quando em 1939 o Seminário teve que interromper suas atividades, foi contratado como professor do Instituto Préteológico e do Colégio Sinodal, de São Leopoldo, assumindo, mais tarde, também aulas na Faculdade de Teologia, da mesma cidade, e Fundação Evangélica, de Novo Hamburgo. Maschler havia adquirido sua formação musical na Pädagogische Hochschule/escola Superior de Pedagogia, em Breslau/Alemanha, sua cidade natal, onde se formou professor de ensino fundamental, com especialização em matemática e música. Não possuía, portanto, formação 59

Entrevista Naumann, p. 53.

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musical específica. Porém, em função de sua ampla cultura geral, pedagógica e musical, sua excelente sensibilidade e capacidade musical e uma boa dose de genialidade, em competência musical excedia, e muito, a de muitos músicos profissionais. Seu instrumento principal era o violino, tocava também viola e era pianista, com boa leitura de primeira vista, e organista. Creio que assumiu a direção do coral da Igreja em 1937, após o falecimento de seu então regente, Dr. Ernst Rotermund, formado em direito, diretor da Livraria Gráfica Rotermund. Como bom violinista amador, Rotermund fazia regularmente música de câmara (trios c. piano e quarteto de cordas) e dirigia também uma orquestra de salão em concertos e operetas. De relatos pessoais de Maschler sei ainda que pontos altos de sua atividade com o Coral da Igreja foram apresentações do moteto “Jesu, meine Freude”, de J.S.Bach, como também do moteto “Ich bin ein rechter Weinstock”, da “Geistliche Chormusik 1648”, de Heinrich Schütz. Pessoalmente me lembro ter participado, como violinista, ainda como aluno de Maschler, de um concerto sacro, em novembro ou dezembro de 1940. Neste concerto foram apresentadas três cantatas de Buxtehude, “Befiehl dem Engel, das ser komm”, “Lobet, Christen, euren Heiland” e “Das neugebor´ne Kindelein”, que muito me impressionaram. Com estas atividades Maschler havia construído em poucos anos uma boa reputação como eficiente regente coral. Pelo que me disse, não queria continuar nesta atividade, quando sua esposa, Elisabeth, filha de Ernnst Rotermund, estava grávida do primeiro filho do casal, em fins de 1942. Poucos meses antes eu havia sido convodado como professor auxiliar do Instituto Pré-teológico. Maschler me conhecia como aluno, sabia do meu interesse em, eventualmente, me formar em música, especialmente em música sacra. Já participava dos encontros semanais do quarteto formado por professores do IPT ehavia, a convite do meu professor Hinrichs, dirigido, ainda aluno, a orquestra de principiantes e a orquestra escolar na Noitada Musical, em outubro de 1942. [...] Maschler possuía, o que na época era raro, um toca-disco com boa coleção de discos, e me convidava, frequentemente, para audições musicais em sua residência, ocasiões em que sempre comentávamos também as obras ouvidas. Tudo isso me faz desconfiar que Maschler queria dar-me uma oportunidade de também adquirir experiência na regência coral. Pois em resposta a uma carta que escrevi a sua esposa Elisabeth, ao receber a notícia de seu falecimento, em 1992, ela me escreveu: “...ele sempre considerava você seu sucessor no campo da música”. (v. também o registro de Elisabeth Maschler em [...] De longe também se ama – Recordações de uma vida no sul do Brasi, São 60 Leopoldo, 2004, pg. 130).

Pela importância que representa, o texto acima não poderia deixar de ser publicado na sua íntegra, bem como mais um anexo deste mesmo material, um manuscrito até então não publicado, onde Naumann lembra do início de sua caminhada musical: Walter Hinrichs, professor de Latim e Grego e Geografia, no IPT, bom pianista e violoncelista amador, e praticamente de música de câmara, já no segundo ano depois de seu ingresso na escola havia fundado uma orquestra de alunos, da qual eu participava. No meu último ano de aluno do IPT, em 1940, ele me entregou a direção a orquestra de principiantes. Em outubro de 1942, poucas semanas depois de ter sido admitido como professor no IPT, Hinrichs me convidou a substituí-lo na regência da 60

NAUMANN, Hans Günther. O Coral da Igreja de Cristo. Igreja do Relógio, 1943-1957. Anexo III. São Leopoldo, 2001, p. 17 e 18.

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orquestra escolar em sua apresentação na Noitada Musical do ano, normalmente realizada em novembro. A orquestra não dispunha de um violoncelista, e Hinrichs tinha que assumir esse papel. Foi minha prova de fogo como regente de orquestra e não sei como me saí desta prova. O resultado, porém, foi que Max Maschler no fim do ano me disse: “No ano que vem não poderei mais dirigir o Coral da Igreja de Cristo, da comunidade evangélica da cidade. Você vai me substituir, durante algum tempo. Se der certo, você fica, se não der certo, eu reassumirei. Eu lhe ajudarei a selecionar o repertório e preparar os ensaios”. O coral tinha uma certa fama, Maschler havia apresentado com ele cantatas de Dietrich buxtehude, e até o moteto Jesu, meine Freude, de Bach. Estávamos em plena guerra, a proibição da língua alemã atingia também os cultos e a própria música. Maschler me recomendou ensaiar, além de hinos de Bach, em língua portuguesa, uma cantata de Buxtehude com texto em latim, Magnificat anima mea, uma belíssima composição a cinco vozes, que foi apresentada em concertos sacros e em outras oportunidades. Aos poucos fui me firmando na regência. O coral, aparentemente, não se revoltou contra o jovem regente. Foi assim que continuei à frente deste coral durante quatorze ou quinze anos. Os pontos altos de nossas apresentações eram cantatas de Buxtehude, motetos da Geistliche Chormusik 1648 de Heinrich Schütz, a Paixão de São Mateus, do mesmo compositor, cantatas e um moteto de Bach, como também motetos de compositores contemporâneos, Hugo Distler, Kurt Thomas, Micheelsen. Música sacra brasileira era pouco conhecida entre nós, naquela época. Nossos concertos anuais eram bem frequentados, inclusive, por pessoas de Porto Alegre, Novo Hamburgo e outras cidades vizinhas. Em várias oportunidades o coral se apresentou também em outras cidades, como Porto Alegre, Novo Hamburgo, Santa Cruz e Cachoeira do Sul. Consegui também o auxílio de músicos como Maschler e Hinrichs, Bruno Kiefer, os violinistas Gertrud Sporket, Gelci Closs e outros amigos de Porto Alegre. Sempre tentei dar a estas apresentações um cunho litúrgico e didático, fazendo os ouvintes – a comunidade – participar pelo canto de hinos vinculados aos conteúdos das obras apresentadas, ou inserindo breves leituras bíblicas ou outras, comentários explicativos ou orações. Tentei, desta forma, colocar no centro das nossas apresentações o testemunho que 61 a música sacra pretende transmitir. [...]

O período da guerra trouxe complicações com o uso da língua alemã. Naumann conta-me que, alguns anos antes da guerra explodir, seu pai já trabalhar em traduções de hinos, prevendo o que estava por vir: Antes da guerra já havia pastores aqui, um deles foi meu sogro - eu não cheguei a conhecer ele porque faleceu cedo - que, vendo a evolução toda, já se preocuparam em fazer adaptações à língua portuguesa. E, felizmente, eles fizeram esse trabalho quando logo depois foi proibida a língua alemã nos cultos, foi impresso esses hinários e com isso a Igreja conseguiu sobreviver. Depois da guerra se formou aqui pela IECLB uma comissão do hinário, o presidente era então o Pastor Ernesto Schlieper e a gente se reunia uma vez por semana pra fazer traduções. Mas isso era muito difícil porque nenhum de nós tinha tempo. Éramos três: eu, o Saenger que era diretor do colégio sinodal [Pastor Rodolfo Saenger], o Schlieper [Ernesto] e eu e nenhum de nós tinha dotes poéticos. Então a gente quase se matava e não conseguia fazer muita coisa. Só depois, se juntou um professor do colégio sinodal que tinha condições de fazer e tinha condições poéticas e principalmente um colega nosso, que ainda vive, Lindolfo Weingärtner, que 61

NAUMANN, 2001, p. 15.

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foi diretor da Escola Superior de Teologia, primeiro colega nosso que se doutorou em teologia na Alemanha. Esse fez um excelente trabalho, muitas 62 traduções no HPD 1.. [34 traduções e 14 composições].

Paralelo ao trabalho realizado no Morro do Espelho com o Instituto Préteológico, o Lehererseminar funcionou às margens do Rio dos Sinos até 1939. Neste mesmo ano, teve que encerrar suas atividades por pressões políticas. Um decreto do então presidente Getúlio Vargas proibia que as escolas de ensino básico tivessem um diretor não nascido no Brasil. O controle do ensino era quase uma exclusividade do estado. Pouco antes, em 1937 cria-se uma nova constituição federal nacionalista. O estado cria em 1938 uma legislação própria baseada na constituição. O Decreto nº 7.614 de 12 de dezembro de 1938, entre outras normas, ditava que toda a instrução primária deveria ser ministrada apenas em língua portuguesa. Jesuítas e evangélicos eram visto como inimigos do governo. Tal medida fez reduzir drasticamente o número de alunos do Leherenseminar, com medo da pressão. Ainda antes de fechar suas portas, tentou mudar de nome em 1939, passando a chamar-se Escola Técnica do Comércio de São Leopoldo – ETC. Nestes moldes, ficou aguardando dias melhores na política nacional. Passaram-se dez anos e, desde 1948 iniciou-se no IPT um Curso Rápido de Professores, com duração de um ano. No ano seguinte o Sínodo Rio-Grandense decide transferir este curso para os prédios do antigo Leherenseminar. A partir de 1950, sob o novo nome de Curso Normal e baseado numa reforma da lei em 1946, chamada Lei Orgânica do Ensino Normal, a nova velha escola passou a oferecer curso ginasial de quatro anos. Em 1954 já obterá seu reconhecimento junto à Secretaria Estadual de Educação. Nesta época, Naumann regia o Coral da Comunidade Evangélica do Relógio (entre 1943 até 1957) e lecionava no IPT (entre 1942 e 1949). Em 1950 Naumann assume a Escola Normal, onde fica até 1981. Nos anos de 1966 e 1967 transferiu-se para Ivoti. Entre 1976 e 1991 foi diretor do Instituto de Formação de Professores de Língua Alemã em convênio com a Unisinos. Entre 1951 e 1985 permaneceu na comissão de Hinários da IECLB e, entre 1965 e 1985 fez parte da Comissão de Música Sacra da IECLB. De 1976 até 1980 foi Presidente do Conselho Curatório da Faculdade de Teologia, ou seja, trabalhou pouco este jovem moço. 62

Entrevista Naumann, p. 54.

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Na bagagem do ex-aluno do IPT, estudante da primeira turma da Faculdade de Teologia e posteriormente professor do IPT, levou os bons exemplos para a direção da Escola Normal de Ivoti. Um deles, o hábito do Coral de Trombones: Era sempre um dos professores, nem sempre um professor de música, um professor que sabia tocar trombone, [...] eles tocavam toda manhã e essa tradição eu levei pra a Escola Normal. Cada manhã os alunos eram acordados, despertados, as 6h00 ou 6h05 com um hino do hinário tocado. Outra possibilidade de derramar música, de educação musical. Era o despertador. E nos domingos se fazia um quarteto e ia todo o conjunto, Isso se transmitia de pai pra filho eu diria, de geração a geração. E não havia um professor de instrumentos de sopro. Os alunos transmitiam. Conosco era a mesma coisa, eu não sabia tocar pistão nem trompete, mas nós tínhamos um aluno aí que tinha aprendido isso na comunidade dele, e esse camarada eu disse: - Olha, você recebe aqui tanto de dinheiro e você vai comprar 63 instrumentos na Casa Valcareggi em porto Alegre, não sei se ainda existe, e ele foi lá e comprou quatro instrumentos e ele mesmo deu aulas. Em questão de meio ano, depois eu ensaiava o conjunto Isso eu sabia fazer, dizer se estava certo ou não esttava certo. [...] Sim. Isso depois morreu. Se bem que depois o meu sucessor era o Belmiro Meine, que hoje é diretor do conjunto Dohms em Porto Alegre, que tocava bastante bem trompete, Ah não, lembrei, isso morreu por interferência de um diretor do internato que tinha uma filinha nascida e ela tinha que dormir e seria despertada. Ora, seria despertada uma ou duas vezes e ia acostumar! Não ia mais acordar. 64 [...]

Figura 3 Coro de Trombones da ENE em 1961

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Casa Valgareggi: Tradicional e antiga casa que vende instrumentos musicais. Funciona até hoje na João Alfredo, 689. Cidade Baixa – Porto Alegre-RS. 64 Entrevista Naumann, p. 59.

59

Durante seus primeiros anos como diretor da Escola Normal, Naumann conta que montou um coro estudantil e passou a organizar excursões pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio, São Paulo, indo até a Bahia. Nestas andanças, apresentaram-se em grandes e importantes eventos, recebendo ótimas críticas da imprensa local. A figura abaixo ilustra um desses momentos, ao apresentarem-se para o então presidente Juscelino Kubichek, em 1959.

Figura 4 Apresentação Para o Presidente Jucelino 1959

Durante os anos, dividia seu tempo entre o cargo de diretor e as atividades musicais. Apresentou-se também com este mesmo grupo no Theatro São Pedro em 1958. Segundo o autor, este evento foi gravado e teve ampla crítica do jornal Correio do povo65. Nos anos seguintes as atividades do grupo reduziram gradativamente em detrimento do seu envolvimento na transferência da Escola Normal para a cidade de Ivoti. Nós fazíamos muita música de câmara em casa. [...] eu tocava principalmente violino, mas isso sempre aqui, com o dedo pequeno da mão esquerda. Eu não tinha tempo, eu já era diretor aqui e desenvolvia a música enquanto não tínhamos outros professores, mas várias vezes eu tentei deixar isso pra outros, não que eu não queria, eu gostava de ensinar e fazia 66 música coral, mas eu tinha outras tarefas.

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OBINO, Aldo. O Coral de São Leopoldo. Correio do Povo. 10 out. 1958. p. 8. In: FELDENS, Irwing. Música na Educação dos Alunos do Instituto de Educação Ivoti: Um século de História. Dessertação Mestrado, Faculdades EST: São Leopoldo: 2008, p. 107. 66

Entrevista Naumann, p. 52.

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Quando questionado os motivos da migração da escola, Naumann explica: [...] Eu tive que promover uma campanha de construção aqui [em Ivoti], porque aquele prédio lá embaixo, no meio da cidade, tinha muito barulho. Quando passava um caminhão, a gente tinha que suspender a aula, [...] e não tinha espaço pra gente fazer um campo de esportes, então nós transferimos a Escola pra cá. A gente conseguiu um tempo, ampliar a área da escola. Nós tínhamos no fim uns 130 hectares, [...] lá tinha uma média de 100 alunos internos. Eram só internos lá, era só escola normal. Aqui nós 67 ampliamos um pouco. [...]

No capítulo seguinte, mais detalhes da entrevista abordando pontos específicos do questionário. As atividades musicais seguem através de outro interlocutor, o ex-professor da Faculdades, Nelson Kirst.

3.5 Nelson Kirst – o pioneirismo do primeiro disco da história da IECLB Nascido em Estrela/RS em 1941, veio estudar Teologia na EST e formou-se em 1964. Fez doutorado em Antigo Testamento em Hamburgo/Alemanha entre 1965 e 1968. Entre 1968 até 1970 atuou como pároco da Comunidade Evangélica de Porto Alegre, vindo assumir como docente na EST em 1970. Entre 1985 e 1990 atuou na Federação Luterana Mundial em Genebra/Suiça. Após, retornou à EST como docente e coordenador de projetos, o mais importante deles, o Centro de Recursos Litúrgicos (CRL). É autor de um famoso hino do HPD 1, Em gratidão nós chegamos a ti, de 1977. A relação com Nelson Kirst começou logo nos primeiros anos que trabalhei na função de técnico em áudio em 2003, no estúdio da Faculdades EST. Lá realizamos a gravação do CD Miriã 2 por volta de 2006. Uma coletânea de quarenta cantos litúrgicos intitulada Mirian 1 foi gravada no ano de 2001, e sua segunda edição era planejada. O primeiro disco fora gravado no Estúdio de Carlos Dreher, - um dos Nove do Sul – na cidade de Porto Alegre. Em 2003 a então Escola Superior de Teologia reforma e reativa seu estúdio de áudio, o qual estava fechado desde meados dos anos 90. Kirst foi o responsável por sua construção nos anos 80. Com o estúdio reativado, resolve então realizar a gravação do trabalho.

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Transcrição Entrevista, p. 52.

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A entrevista foi realizada na residência de Nelson Kirst, na cidade de São Leopoldo, próximo ao campus da Faculdades EST e ocorreu em duas etapas, pois ambos estavam com agenda apertada. Enquanto degustávamos um chimarrão, as histórias iam sendo contadas e ilustradas por um álbum de fotos e capas de discos. A conversa começou pela história do Coral da Faculdade de Teologia e o Coral Os Nove do Sul que, na verdade, trata-se do mesmo grupo, do qual foi regente e gravou o primeiro disco da história da IECLB, e foi vencedor do Primeiro Festival de Coros de Porto Alegre: Foi uma participação assim, muito impactante porque eram só nove né, era o Coral da Faculdade de Teologia, porque antes se apresentou o coral do Instituto de Educação ao lado da UFRGS ali, Colégio Feminino, assim, duzentas meninas no palco né, aí, fechou a cortina, e aí veio um grupinho de nove, se colocou na frente da cortina assim, acho que ninguém esperava nada, e foi muito bom. Enfim, a gente ficou bastante conhecido. Tinha jornalista querendo nos levar pra Cuba e umas coisas assim né. (O Que cantaram?) Foi coisas que estão no disco: “cantamos negro spiritual, De longe também se ama, Jericho, Cana-fita, mas nessa época, a gente cantava muito por aí. Tinha concertos, e o Pastor Palmer, sogro do Hilmar 68 Kannenberg , o pastor Palmer era pastor em Hamburgo Velho e presidente do Curatório da Faculdade, era um homem muito empreendedor assim, [...] e ele nos deu a ideia de gravar um disco. Isso nunca tinha acontecido na IECLB, quer dizer, jamais alguém tinha tido a ideia de gravar um disco de música religiosa, meio distante assim a ideia. Tá, mas precisávamos de dinheiro pra isso. Como é que vamos fazer? Então ele ajudou a organizar um “carnezinho” de venda antecipada, e a ideia era a seguinte: porque não 69 tinha música pras Horas Evangélicas , era uma coisa bem objetiva, uma necessidade assim, bem clara, então ele sugeriu de se fazer gravar um disco pra usar nas horas evangélicas, no rádio. (Que rádio?) Por tudo tinha rádio de Hora Evangélica...sabe o que é Hora Evangélica? [...] É um programa religioso pra uma comunidade evangélica no rádio. Isso era um negócio local por tudo, praticamente toda comunidade tinha hora evangélica na sua rádio local. Por isso que eu criei, mais tarde, o estúdio [Estúdio da Faculdades EST], pensando em preparar os pastores pra produzirem suas horas evangélicas nas rádios locais. Essa foi minha motivação pra ir aprender a produção radiofônica [na BBC de Londres] e pra construir o estúdio, não tinha outra intenção. Então, faltava música, aí a gente topou a ideia. Não existia música brasileira religiosa - isso nós estamos falando início da década de 60 - que eu conhecia, aquilo que meu pai fazia, mas 70 que não tinha nenhuma divulgação .

A primeira apresentação do coral ocorreu em Abril de 1963. Em julho de 1963, uma excursão ao Espírito Santo foi realizada. Em dezembro de 1963 ocorreu

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Ex-aluno do IPT e atual presidente do Conselho de Administração da Faculdades EST, antigamente chamado Conselho Curador. 69 Horas evangélicas: Programas de rádio que veiculavam música religiosa luterana, principalmente nas rádios de interior. Até hoje, cidades do interior do RS possuem espaço em sua programação. A rádio União FM de Novo Hamburgo apresenta o programa Comunidades em União aos domingos pela manhã. 70 Entrevista Kirst, p. 33 e 34.

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a gravação dos dois discos, Nó todos Cremos num só Deus e Cantigas de Sempre, nos estúdios da Chantecler, em São Paulo. Veja anexo 2, faixa 01. Até que se prove o contrário, o Coral da Faculdade de Teologia dirigido por Kirst divide com as Missionárias do Jesus Crucificado o título de primeiro disco da história da música religiosa no Brasil. O LP intitulado “Missionárias em LP”71 foi uma encomenda da Cia Industrial de discos – RJ e contém composições das próprias missionárias. Foi distribuído com selo independente. Nos arquivos encontrados só consta o ano, não podendo definir qual deles foi lançado primeiro. Segundo relatos de Kirst, no início dos anos 60 o Rio Grande do Sul não possuía nenhum estúdio. Todas as bandas e grupos musicais que desejassem gravar algum trabalho tinham que viajar para Rio ou São Paulo. Existia apenas gravadores portáteis e registros de apresentações ao vivo. (Ver Dreher, p.75) A própria apresentação do professor Naumann nos anos 50 já havia sido registrada. Então como é que a gente fez isso., Nós éramos 9 nessa época...as vezes a gente foi entre 8, as vezes era 9. A Faculdade de Teologia tinha uma Kombi naquele tempo, então nos cederam essa Kombi. O Pastor Carl Burh, que tinha se formado pouco tempo atrás, morava e era pastor e Ferraz de Vasconcelos, perto de São Paulo, então ele conseguiu alojamento pra nós lá na casa de membros da comunidade e fomos com a Kombi pra lá. [...] Fomos gravar no centro da Cidade. O estúdio ficava na praça da República, no Centro de São Paulo, num edifício. Não tinha nada de gravadora por aqui... nós fomos pra São Paulo porque não tinha nada por aqui [...] esse estúdio ficava num edifício cuja corrente elétrica dava interferência na gravação. Então nós começávamos a gravar às onze da noite, quando não tinha mais nada acontecendo no edifício e nós gravávamos até o sol raiar. Ficamos lá duas semanas gravando. Aí a gente dormia todo dia lá em Ferraz, fim da tarde pegava o carro, ia pro centro, estacionava lá na Comunidade Evangélica que ficava pertinho dali na Rio Branco, jantava, ia pro cinema e depois ia gravar. Enquanto aguentava a voz, a gente gravava. E aí, quando nós estávamos lá gravando esse disco, o técnico lá de gravação disse, nossa, mas vocês são muito bons, vocês não tem mais coisa pra gravar? Aí eu disse: ah, tem, tem um repertório popular. Ah, vamos ouvir e tal. Daí eles ofereceram de nós gravarmos isso sem pagar. Eles iam bancar a gravação: daí, esse disco nós pagamos com a produção [referindo-se ao de cantos religiosos] e esse aqui [Cantigas de Sempre] foi um disco comercial, que eles produziram sem custo. A gente nem tinha tido 72 essa ideia aqui, então esse se vendeu assim no mercado .

De fato, lembro-me de ter ouvido relatos de pessoas no centro do país que conheceram o Nove do Sul. Hoje, é possível encontrar discos do grupo em “sebos” e

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Disponível em . Acessado em: dezembro, 2012. 72 Entrevista Kirst, p 35.

63

sites de compra e venda de peças antigas. O registro de algumas gravações podem ser ouvidos nas faixas 02 e 03 do anexo 2.

Figura 5 Uma das inúmeras excursões que saíram do Morro do Espelho.

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No ano seguinte em 1964, muitos integrantes do grupo iriam se formar na Faculdade de Teologia e o projeto acabaria. A renda do disco ficou sob responsabilidade do Centro Acadêmico da Faculdade, denominado CADES – Centro Acadêmico Doutor Ernesto Schlieper74. Com a renda do disco, o CADES pagou moradia para alguns estudantes sem condições financeiras. O repertório cantando no disco da Faculdade de Teologia trazia, na grande maioria, hinos traduzidos do alemão. O coral da Faculdade de Teologia de São Leopoldo: Nós cremos todos num só Deus. LADO A 01 - Nós cremos todos num só Deus (anexo 2, fx 1) 02 - A Jesus só pertencemos 03 - O que deus quer sucederá 04 - Se deus está comigo 05 - Somente a deus no céu louvor 06 - Deus é castelo forte 07 - Ao santo espírito Lado B 01 - Deus,o teu verbo guarda a nós 02 - Da mais profunda angústia

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Disponível em: < http://institutopreteologico.wordpress.com/2009/07/09/fotografias-de-ingridmarxen-2/> Acessado em 15 dezembro 2012. 74 Ernesto Theóphilo Schlieper foi vice-presidente da IECLB de 1950 até 1956 e presidente de 1956 até 1969.

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03 - Louvor seja ao senhor 04 - Minha alma entoa um hino 05 - Louvor rendamos

Além do disco gravado com fundos próprios, segue abaixo o disco produzido pela Chantecler de São Paulo:

Figura 6 Contracapa do disco Cantigas de Sempre encontrada à venda num site de compras da internet.

Segue transcrição do texto da contracapa do disco: Embora seja difícil datar o surgimento do grupo que hoje leva o nome de “Os Nove do Sul”, é lícito afirmar que seus primeiros sinais de vida remontam, a rigor, o ano de 1958. Desde então, até 1962 o chamado “corinho” reunia-se esporadicamente, tendo em vista uma atividade

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principal: ensaiar serenatas para as garotas que eram a fonte de sua inspiração. Todos os componentes do corinho estudavam na época em uma escola secundária em São Leopoldo – RS. Com o correr dos anos, foram eles ingressando para a Faculdade de Teologia na mesma cidade. Suas finalidades continuavam as mesmas. O grupo reunia-se para cantar e só cantava quando havia disposição para tanto. Foi apenas em início de 1963 que o coral começa a tomar forma mais concreta e definida. Organizaram-se então os nove (que na época eram apenas oito) e começaram a ensaiar sistematicamente com o fim de acompanhar a excursão artística dos estudantes do Centro Acadêmico de estudantes de teologia, em julho do mesmo ano. Os aplausos que recebeu durante a excursão encorajaram o coral a continuar. Tendo despertado a atenção de pessoas influentes, os rapazes foram solicitados a gravarem um LP de música sacra, tarefa que foi aceita com alegria e levada a cabo com muita dedicação. Apresentando-se no I Festival de Coros de Porto Alegre e em diversos outros festivais, sob o nome de Coral da Faculdade de Teologia, recebeu o gupo o incentivo para a gravação de um LP de música folclórica. Após breve vacilação, resolveram os rapazes lançar-se nessa aventura que parecia por demais distante da realidade. Do seu repertório escolheram o que havia de mais representativo do folclore brasileiro, adicionaram alguns números do folclore internacional e, com isso na bagagem, rumaram para São Paulo. Gravaram, na mesma ocasião, o LP de música sacra, sob o nome de “Coral da Faculdade de Teologia”, e o presente LP, sob o nome de “Os nove do Sul”. Dos nove componentes do coral, sete são estudantes de teologia. São eles: Reinhard Dreher (Porto Alegre-RS), Frank Graf (Curitiba-PR), Nelson Kirst (Marcelino Ramos-RS), Friedrich Krause (Aratiba – RS), Gustavo Krieger (Brusque-SC), Paulo Schneider (Rolante-RS), Egberto Schwanz (Ibirama-SC). Além destes, conta o coral com a participação do pastor Helmut Burger – assistente da Faculdade de Teologia e de Herwig Schreiner – aluno do Colégio Sinodal de São Leopoldo.

Músicas: LADO A Meia Canha – Folclore gaúcho. Ernani Braga – Arr. Max Maschler (anexo 2, fx 3) Boas Vindas – Heitor Villa Lobos Mãe d’água – canção tupi. Vicente aricó Jr. Saci Pererê – folclore gaúcho. Ernani Braga De longe também se ama – folclore gaúcho. Ernani Braga. – Arr. Max Maschler Estrela e lua Nova – folclore brasileiro. Heitor Villa Lobos (anexo 2, fx 2) De animals a coming – Negro Spiritual. Marshall Bartholomew O Du Stille zeit – folklore alemão. Bern Englbrecht e Cesar Bresgen. Arr. Will Traeder John Henry – Negro work song. Edward Brookhart LADO B Boiadeiro – Folclore Brasileiro. Lauro Rodrigues – Arr. Max Maschler Lilltle Innocent lamb – Negro Spiritual. Marshall Bartholomew Im wisengrunde – Folclore francês. versão alemã: Franz Bauer – Arr. Walter Rein Quando anoitece – Folclore gaúcho. J. Otaviano – Arr. Max Maschler Cana-fita – Folclore nordestino. Jorge Geraldo de Souza Where you there – Negro Spiritual. James Erb

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Gaudeamus Igitur – Canção Universitária Mundial. D. R Noites gaúchas – folclore gaúcho - Paraguassú Capa: Pastor Hans Burger

Após a dissolução do grupo, quando cada um segue seu rumo com a formatura na Faculdade de Teologia, cantaram ainda no casamento de Nelson Kirst, em fevereiro de 65. Na ocasião, deram ainda mais dois concertos pra pagar o transporte do grupo, um em Joinvile e outro em Pirabeiraba, em Santa Catarina. Com 24 anos eu me formei. A gente casou, aí fomos pra Hamburgo em 65. Fiz doutorado lá. 68 terminei o doutorado, com 28, e fui ser pastor em Porto Alegre. Daí eu vim pra Faculdade em 70 como professor e em 72 eu comecei o coral do Morro. De 72 até 82. E era muito trabalho, a gente ensaiava duas vezes por semana e eu não contava nada de horas. [...] E fazer isso como voluntário, aí não dá. Se tu faz isso profissionalmente, tu 75 ganha pago né.

O primeiro disco do Coral do Morro, segundo trabalho de regência de Nelson Kirst no Brasil, ocorreu no ano de 1979 e foi gravado nos estúdios da ISAEC.76 (faixa de áudio anexo 2, fx 04). O segundo disco, Arrozais Florescerão, foi gravado no mesmo estúdio em 1982 (anexo 2, fx 07). Em 1997, inicia-se a gravação do CD Passos lançado em 1998, em comemoração aos 25 anos do Coral do Morro, este último, sob regência de André Lichtler77. (anexo 2, fx 18 e 19)

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O Novo canto da Terra. Eu peguei um fotógrafo e fui lá pra Campestre até que nós achamos um barranco bonito lá. Foi essa foto aqui, isso aqui tá meio apagado já.[...] Aqui realmente tinha essa preocupação de conteúdo.

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Entrevista Kirst, p. 36. ISAEC – Instituição Sinodal de Assistência à Educação e Cultura. Nos anos 70 a IECLB criou a Fundação ISAEC de Comunicação, contemplando concessões de rádios e estúdios no RS, Santa Catarina e Paraná. 77 Foi diretor e professor do Curso Técnico em música entre 1998 até 2004. Hoje mora na Suiça. 78 Bairro da cidade de São Leopoldo. 76

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As músicas tem que ser brasileiras e compostas em data recente, boa 79 qualidade comunicativa, que o povo entendesse e pudesse cantar junto.

No relato a seguir, Kirst fala de sua experiência e dos problemas enfrentados no estúdio durante suas produções musicais: Esse aqui foi gravado na ISAEC em Porto Alegre [O novo canto da terra]. Esse é um problema muito sério com a gravação de corais, que também lá em São Paulo quando a gente gravou. Eles não tão preparados pra gravar um coro como uma coisa inteira. As gravações que eu vi na Europa de orquestra sinfônica, câmara ou coral, bota lá, dois microfones no meio, acima do regente que é o que faz a coisa soar daquele jeito e grava ali. Aqui tudo tu grava com microfone na boca assim como nós gravamos no nosso estúdio também lá [referindo-se ao estúdio da EST] e é um disparate porque primeiro o coro trabalha pra criar um conjunto, depois vem lá o técnico de som e quebra o conjunto. Lá na ISAEC foi gravado por naipe, um microfone pra cada naipe, e depois tinha que reconstruir o conjunto, com eco e tudo que é artifício. [...] e depois tudo em estúdio, quer dizer, um ambiente que não é natural. Isso aqui é um ambiente natural, [referindo-se a foto acima onde o grupo encontra-se na Capela da Faculdades] aquela concha lá atrás né, dá uma reverberação linda do ambiente natural, mas pra gravar não dá, tem aquela rua lá atrás. Se passa um carro lá fora, tu tens que parar né. Isso é um trabalho muito complicado com o coro, isso aí precisa um trabalho psicológico muito grande em cima da turma, pra eles terem tranquilidade, sabe? Pra não ficarem perdendo paciência. Gravar num 80 estúdio não é brincadeira.

Desde sua criação em 1972, o Coral do Morro realizou muitas viagens artísticas. Enquanto conversávamos, Kirst ia mostrando-me um álbum de fotos 79 80

Entrevista Kirst, p. 35. Entrevista Kirst, p. 35 e 36.

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organizado ano a ano. Viagens ao Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná. Normalmente viajavam de ônibus. Registros em Foz do Iguaçú antes da construção da Usina de Itaipú, estudos em volta do harmônio que encontra-se até hoje pelos corredores da EST. Este harmônio foi recebido como prêmio de grupo vencedor do Primeiro Festival de Coros de Porto Alegre em 1963. Em 1983 Nelson Kirst inicia um novo grupo vocal chamado Roda de Canto. No período em que esteve trabalhando pela FLM na Suiça, Carlos Dreher assumiu a regência do grupo. Ao voltar da Suiça onde especializou-se em Liturgia, Kirst reassume suas funções na EST como professor de liturgia. Foi quando realizou outro importante trabalho, Miriã 1 e 2: Minha linha era coletar e tornar acessíveis músicas latino-americanas. E esse material nós produzimos [MIRIÃ 1 e 2]. Cada um tem 40 hinos, O Primeiro, direção musical de André Lichtler e Luciana Prass gravou violões eu acho, gravado no estúdio Dreher. O segundo foi gravado na EST com direção Werner Ewald. O primeiro é de 2001. O segundo Mirian é de 20052006. Seleção musical Werner Ewald, gravação de Daniel Hunger e Tiago Neumann. Luciana Prass gravou os violões e as percussões no 2º disco. O Miriam 1 foi gravado de setembro a dezembro de 2001. Teve o “Em tua casa” que foi gravado em 2004 no estúdio Dreher e o Miriam 2 foi gravado entre 2005 e 2006 na EST. Estes 2 trabalhos - 1 e 2 - tem intensão de ser hinos latino-americanos.

3.5.1 O Estúdio da Faculdades EST

A Faculdades EST situa-se no Morro do Espelho, mesmo local que abrigou, por décadas, o Instituto Pré-Teológico. Desde os anos 80 o prédio do Proseminar abrigou um estúdio de áudio e vídeo. O espaço construído pelo professor Kirst foi cenário de inúmeras gravações importantes na história da IECLB, além de cursos de formação em rádio. Inicialmente, foi criado sob a demanda de geração de programas radiofônicos para as rádios comunitárias chamados de “Hora Evangélica”. Momentos mais tarde serviu de espaço para gravações das fitas do Repartir Juntos81, gravação de 155 hinos do HPD1 pelos estudantes de teologia sob o comando de Walter Schlupp82. No final dos anos 90, programas televisivos foram produzidos ali para a comunidade da 81

Movimento religioso da esquerda da IECLB – Surgiu no início dos anos 80 e organizavam acampamentos anuais em âmbito nacional. 82 Ex-aluno do IPT, especializou-se em Engenharia Acústica na Alemanha e dirigiu cursos de gravação no estúdio na década de 80. É um dos entrevistados desta pesquisa.

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CEPA83. No início dos anos 2000, um projeto de reforma do estúdio deu novo fôlego ao espaço, onde foram gravados discos como: Miriã 2 de Nelson Kirst e três discos do Grupo Anima, sob o comando de Rodolfo Gaede Neto. A história de sua criação, por Nelson Kirst: Então, eu comecei como professor de Homilética, daí eu achei que a gente tinha que oferecer, pros futuros pastores, um curso de produção radiofônica. Pra ti poder fazer uma coisa com pé e cabeça nas horas evangélicas. [...] qualquer pastor tinha acesso a uma rádio local, uma hora evangélica, e o pessoal não sabia fazer isso. Eles usavam, como eu disse, liam um texto escrito, pegavam um artigo de jornal evangélico e liam [...] na comunidade evangélica, meu amigo, isso é muito forte. [...] Aqui eu acho que não tem assim, mas no interior é muito forte. Isso pode funcionar de diversas maneiras, as vezes a comunidade arruma patrocínio pra fazer. Tem rádios que “dão graças a Deus” quando tem alguma coisa pra eles botarem. Mas o normal que tu vai lidar é uma hora ou trinta minutos de programa, não menos do que isso. Tá, mas aí eu não sabia onde conseguir isso [dinheiro pra montar o estúdio], aí eu consegui uma bolsa com a Igreja da Alemanha, ela proporcionava a oportunidade de estudar na Alemanha. Aí eu combinei isso com um período em Londres. Eu fiz estágio numa rádio da Alemanha, em 1982. Aí eu fiz um curso de dois meses em Londres. Não era um curso de Igreja, era um curso de Produção Radiofônica. Desde vinhetas, coisinhas pequenas assim, até uma dramatização, eu escrevi uma peça em inglês, um radio teatro sobre a cena da crucificação e a gente aprendeu tudo que tinha pra aprender de corte, edição e etc. Antes de viajar, eu já estava fazendo programas de produção de rádio, programas pra Cristo Vive, lá em Porto Alegre. A ISAEC já existia, então alguma noção de estúdio eu já tinha. Eu tinha um gravador de rolo grande e mais um cassete e eu tinha um 84 quarto livre lá na EST, no Prédio Velho . Eu botei uma mesa ali e comecei a fazer programas de rádio, [...] Nós estávamos ali um dia e veio alguém de uma igreja da Alemanha e passou lá embaixo e eu pensei: -Poxa, esse pessoal podia nos dar um estúdio. Aí eu fui lá, falei com eles, chamei-lhes pro quarto e falei: -Olha só o estúdio que nós temos aqui né, será que vocês não podiam dar uma mão pra gente? Eles nos deram, acho que 7000 marcos ou dólares pra montar o estúdio. Então, quando eu vim do curso da Inglaterra, eu sabia mais ou menos como tinha que ser e fui negociar com o reitor. [...] Olha, eu preciso de um espaço pra um estúdio, aí a gente bolou aquele espaço lá. Eram duas salinhas de estúdio que tinha ali onde tá a parte da técnica, e onde tá a parte do estúdio mesmo ali era uma outra sala, que era secretaria antigamente. Aí nós fechamos e eu pedi pro Schlupp nos ajudar a construir aquilo lá, o aquário, isso ali foi o Schlupp que bolou. Fechamos aquela porta, revestimos a parede, era cortina. Conseguimos junto um gravador de quatro pistas de rolo grande, um conjunto de microfones bastante rudimentar. [...] Mas o estúdio começou assim, quer dizer, ele nem era pra ser um estúdio de gravação de som e música assim, 83

Comunidade Evangélica de Porto Alegre. Edifício construído em 1956 para abrigar salas de aula e moradia aos estudantes da Faculdade de Teologia. Na época ficou conhecido como Casa dos Estudantes. Antes os alunos tiveram aula no espaço onde hoje se encontra o Centro Administrativo da Instituição, construído em 1948. O primeiro prédio dos estudante é um antigo chalé que hoje está desocupado. Fica em frente ao bar da Instituição. 84

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era pra treinar com a turma a realização de seminários, (E você trabalhou no estúdio da EST até que ano?) Pouco tempo, isso foi 82. Foi construído em 83, aí eu fiquei em 84 e em 85 fui trabalhar na Federação Luterana Mundial, aí quando eu voltei em 90 já tinham feito a coisa bem mais profissionalizada. Tinha dois gravadores de rolo, e um dos gravadores nós 85 ganhamos do professor Naumann de Ivoti.

Se analisamos a estrutura da Faculdades EST hoje, percebemos a importância deste relato. Graças a esta iniciativa o estúdio criado no início dos anos 80 foi sendo atualizado e permitiu que um Curso Técnico em Composição e Arranjo fosse criado no ano de 2008. Além disso, tem sido um importante espaço de produção musical para a IECLB como um todo pelas inúmeras gravações nele realizadas, não só de áudio, mas também de vídeo. Além do seu pioneirismo nos estúdios e nas gravações de discos, Nelson Kirst transformou o entendimento de Liturgia no âmbito da IECLB. Foi notável professor de Homilética e criador do Centro de Recursos Litúrgicos, contribuindo generosamente na produção de materiais de apoio à liturgia.

3.6 Carlos Reinaldo Dreher Filho de pastor, nascido em 1944 na cidade de Panambi- RS por acidente como mesmo conta, mudou-se para Três de Maio em 1945. Seu pai havia sido transferido para a cidade em substituição a um pastor da Alemanha que antes lá estava. Entre 1948 e 1957 estiveram em Lajeado – RS e em 1957 sua família mudase para Porto Alegre. O cenário da entrevista? Estúdio Dreher, em Porto Alegre, em meio a cabos, microfones e instrumentos. Seu nome é, certamente, uma referência na cidade quando se fala em estúdios, pois esteve por muitos anos à frente da direção da Fundação ISAEC de comunicação e, após o fechamento, trabalhando em seu próprio estúdio. Iniciei a conversa lembrando do depoimento de Nelson Kirst em que tratava das “horas evangélicas”. Dreher contou-me então que nos anos 50 seu pai produzia regularmente programas da Hora Evangélica para as rádios locais. As músicas que

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Entrevista Kirst, p. 39.

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rodavam nestes programas eram obtidas através de discos vindos da Alemanha, compactos ainda em 45 rotações. Entrou no IPT no ano de 1956. Naquela época, estava aprendendo a tocar piano, já tocava flauta e iniciou o estudo de trompete na nova escola. Apesar do estudo destes instrumentos, conta que seu forte era mesmo o canto. Logo no segundo ano no “Pro”, conta que já ingressou no coro de Ludwig Seyer86 que recém chegara. Iniciou cantando soprano com as meninas, tinha 12 anos, depois passou para o contralto e hoje canta voz baixo. Nascido em família de músicos, conta que seu pai estudou teologia na Alemanha de 1937 até 1941. Lá teve aulas de músicas e aperfeiçoou-se em instrumento. Tocava violino, violoncelo e também trompete. Em casa todos tocavam flauta, em conjunto. Dreher também integrou o coro de trombones do IPT, entre 57 até 62. Esse coro de trombones tinha que acordar as 6h00 e em seguida tocar todas as manhas pra acordar o pessoal do PRO. Éramos convidados pra tocar nas comunidades, tocar no culto. Depois na Faculdade de Teologia a 87 gente continuou tocando. No meu tempo o regente era o Theo Kleine . Esse projeto já vem de todos os tempos, não foi ele quem organizou. Ele 88 assumiu com “hausvater” em 55, aí ele já assumiu isso.

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Ludwig Wilhelm Theodor Seyer Júnior (1914-2009) – Natural de Curitiba, iniciou carreira em Joinvile entre 1935 e 1943. Foi regente no Teatro Carlos Gomes de Blumenau. Em 1954 foi à Alemanha aperfeiçoar seus estudos em música sacra em Augsburgo. Em 1948 foi fundador da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Em 1956 foi aluno de Villa Lobos através do estudo do Canto Orfeônico no RJ. Entre 1957 e 1963 atuou no IPT da EST. De 1963 até 1985 foi professor no Conservatório de Belas Artes do Paraná. Disponível em: http://www.jornalocaminho.com.br/noticia.php?edicaoId=72&cadernoId=9¬iciaId=3534 Acessado em: 15, Janeiro 2013. 87 Theodor F. Kleine. Iniciou como professor no IPT já em 1955, foi também o último diretor do Instituto em 1977. 88 Entrevista Dreher, p. 2.

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Figura 7 Grupo de Estudantes do Proseminar

Dreher segue explicando a rotina do IPT e a presença da música nas aulas. Era inadmissível que um pastor fosse para alguma comunidade sem o domínio dos hinos da Igreja Luterana, da mesma forma que a maioria dos professores do Pro também deveriam ter aptidão na docência musical. No Proseminar todo mundo tinha que aprender um pouco de música, então, quem não tinha muita vocação tinha que aprender um pouco de flauta doce e harmônio. No currículo nós tínhamos aula de música sim, a gente aprendia notação e a cantar e todo dia o grupo tocava pra acordar a turma, aí a gente tinha que acordar e se lavar e 6h45 ou 6h50, era a Andhaht no auditório, e ali sempre se cantava os hinos do Hinário, ou seja, quem saiu do Proseminar cantou todos os hinos do hinário nesses anos. Já entrava pra Faculdade de Teologia e não precisava ter aula de Hinologia, já dominava isso.[...] Além disso, das aulas, tinha obrigatoriamente um coro misto. Tinha muitas moças que estudavam lá no morro. Tinha um internato 89 90 feminino numa casa antiga onde iniciou a Casa Matriz de Diaconisas.

Enquanto Dreher ainda se adaptava a sua nova vida no IPT, conta que logo na sua chegada ao Morro do Espelho auxiliou no desmatamento da área onde seria erguida a construção do segundo prédio da Faculdade de Teologia na qual viria a estudar, poucos anos depois. Era o chamado Prédio Velho. 89

Espaço de abrigo à irmandade luterana. Foi fundada em 1939 para abrigar profissionais da saúde e educação infantil, servindo de auxílio à comunidade evangélica. 90 Transcrição entrevista, p. 3.

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Figura 8 Turma de 1956 em Frente ao Prédio da Faculdade de Teologia

Corroborando com a história já contada por Nelson Kisrt, Dreher relata o início do Coral da Faculdade de Teologia: 92

Ali no Morro sempre houve o Collegium Musicum , que era regido pelo Maschler e depois pelo Ludwig Seyer e aí o Naumann também participava. Ele tocava viola e trazia alunos da Escola Normal Evangélica junto. o Pro fornecia bons músicos, por exemplo, o Paulo Rudi Schneider, primeiro violinista exemplar, Ingo Schreiner, filho do velho professor. O Ingo era um excelente violoncelista, moradores do Morro do Espelho e algumas pessoas da comunidade evangélica de São Leopoldo também tocavam. Os consertos do Collegium Musicum eram sempre especiais. Com o doutor Fausel fazíamos o “Evening English” no Pro-Seminare, então o coro cantava canções americanas, se começou a cantar Negro Spirituals, era a grande novidade [...] e dessa turma que, então cantava, surgiu então um grupinho que começou a fazer serenatas. Alguns estavam no último ano do Pro em 61, outros já estavam na Faculdade de Teologia. Daí em 62 começamos a fazer um grupo sem nome, saíamos pra fazer serenatas, saíamos as vezes pra cantar nas comunidades e tal, em agosto de 62 eu fui pros EUA com uma bolsa de estudos e voltei em julho de 63, nesse tempo o grupo tinha se firmado e tinha recebido o nome de Coro da Faculdade de Teologia, 93 eram 9 ou 10 pessoas .

Em agosto de 63 o grupo realizara sua primeira excursão para o Espírito Santo e em dezembro de 63 gravou seu primeiro disco, sob regência de Nelson Kirst. Como anteriormente já mencionado, Os nove do sul.

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Disponível em: < http://institutopreteologico.wordpress.com/2009/07/09/fotografias-de-ingridmarxen-2/> Acessado em janeiro 2013. 92 Orquestra formada pela comunidade, professores e alunos do IPT. Ensaiavam todas as segundas no auditório do Colégio Sinodal. 93 Entrevista Dreher, p. 2.

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Dreher conta que, em agosto do ano anterior havia viajado para os EUA através de uma bolsa de estudos e voltado em julho de 1963. Era comum na época os estudantes do Pro realizarem algum tipo de intercâmbio ao final do curso. Lá, conta que tocou numa banda marcial, participou de um coral barroco com o qual gravou seu primeiro disco contendo motetos de Bach. Realizaram também uma ópera de Gilbert and Sulivan. Era o “despertar” de uma paixão que, mais tarde, viria a tornar-se uma de suas razões de vida: Eu voltei dos EUA bem entusiasmado com a música em si e entrei imediatamente no grupo que passou a se chamar “Os nove do sul”. Em outubro de 63 cantamos no 1º festival de Coros do Rio Grande do Sul, tiramos o primeiro lugar, ganhamos um harmônio Bohn, portátil, como prêmio e então em dezembro de 63 fomos a São Paulo e gravamos dois discos: Um disco só com canções folclóricas gaúchas, arranjos do Max Maschler, com canções folclóricas de outras partes do Brasil. A que fez mais furor e certa revolta entre os evangélicos foi “óia ma kumbebê, óia ma kumbaribá”: Estrela é lua nova, de Villa Lobos, e nós nove cantamos aquilo 94 ali e foi um espetáculo .

Dreher ressalta a importância do disco, tratando-o, de certa forma, como uma quebra de paradigmas dentro da cultura germânica conhecida e cultivada pelos luteranos: Isso nós também cantamos no Festival de Coros [referindo-se ao Villa Lobos], mas foi uma abertura também, pra entender que existem outras coisas além disso, não só o folclore que cultivamos no Morro do Espelho e a música eclesiástica. Também nesse disco teve duas ou três canções folclóricas alemãs, dois ou três negro spiritual. O outro disco que gravamos [Nós todos cremos num só Deus] foi de hinos do hinário em português da IECLB. Talvez duas canções mais importantes aí que estão bem gravadas foi o Credo de Lutero: Nós cremos todos num só Deus e o Castelo Forte de Martin Luther, cuja autoria da música e texto é dele. Lutero emprestou muitas melodias de outros compositores populares, mas ele mesmo compôs essa melodia. Esse foi o primeiro disco da IECLB em termos de música e o primeiro disco da EST. Cantigas de Sempre. E isso também estimulou de criar, mais tarde, a Fundação ISAEC de Comunicação, além da 95 necessidade de produzir programas de rádio, “a hora evangélica” .

A Fundação ISAEC de Comunicação merece especial destaque na história da produção musical da IECLB. O depoimento de Dreher ajuda-nos a compreender os motivos que levaram Hilmar Kannenberg, ele e outras pessoas, a um grandioso projeto, que contemplaria a construção de prédios, criação de rádios, estúdios e produção de discos. O Hilmar Kannenberg fez, durante alguns anos, na rádio de São Leopoldo ZYS25 – Rádio São Leopoldo, o programa de música alemã, então se 94 95

Entrevista Dreher, p. 2. Entrevista Dreher, p. 2.

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familiarizou com o rádio. Em 1968 eu fui pra minha primeira comunidade, em Três Passos. Logo, visitei primeiro o prefeito, o padre principal da Igreja católica e o diretor da rádio. Logo em seguida comecei a fazer um programa 96 de rádio .

Questiono como ocorria essa formação. Produzir um programa de rádio não era algo simples. Além do domínio de técnicas como oratória, roteiro, programação musical, era necessário lidar com recursos tecnológicos que, naquele tempo eram muito precários. Isso é vendo fazer, ouvindo, quer dizer, o meu pai e outros pastores faziam aqui de Porto Alegre o programa “A Hora Evangélica” já desde 1960 ou 61, então eu vivi isso, como eles faziam a hora evangélica. Lá tinha rádio, daqui a pouco eu comprei um gravador de um pastor americano que voltou pros EUA e gravava em casa já, também a fala do programa e o cara na rádio só botava a música e tocava a fita e, por ali, em 68 ou 69 o Hilmar ainda esteve em Três de Maio como pastor e fazia lá também os programas de rádio. E eu, como estagiário em Santa Rosa e Tupandi, fiz programa como estagiário na Rádio Difusora. [...] Mas então, eu acho que em 1970 ou 1971, o Hilmar foi chamado pela Igreja pra se dedicar a essas coisas.

Para a gravação dos programas de rádio, Dreher ainda conta como foi a aquisição do seu primeiro gravador: Lá tinha um pastor americano chamado Holter (em Cruz Alta próximo de onde fez estágio) e ele tinha um gravador igual aquele que eu usava nos EUA [quando viajou pros EUA, havia feito algumas gravações com o coral da escola], e ele me vendeu o gravador Wollensak. Com ele eu gravava em casa os programas pro dia que eu não podia ir ao vivo pra rádio. Esse pastor me vendeu porque voltou pros EUA, então dali eu tenho fitas de encontros de coros, tenho fitas guardadas desde 1969, o nosso coro, e por aí vai. Naquele tempo era só o microfone do próprio aparelho. Depois, logo que a gente teve acesso a gravadores AKAY, daí eles vinham inicialmente com microfone AKAY e era muito bom, gravava concertos de orquestra de câmara com dois microfones assim. Esse microfone tem uns 40 anos mais 97 ou menos [mostrando-me o aparelho].

Figura 9 Detalhe do Gravador Wollensak utilizado na época 96 97

Entrevista Dreher, p. 3. Entrevista Dreher, p. 9.

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3.6.1 A Fundação ISAEC de Comunicação e seus estúdios

Nas mesma época em que a IECLB inspirava projetos mais ousados, o cenário político era desfavorável. Em plena ditadura militar, encontros, mesmo que de caráter meramente religiosos, poderiam por em risco a integridade física dos celebrantes: 98

A Assembleia Geral da Fundação Luterana Mundial - FLM era pra ser em Porto Alegre, em 1970. Poucos meses antes de ter sido realizada, foi cancelada e transferida para a França, do outro lado do Lago de Genebra, bem pertinho onde é a sede da FLM em Genebra por conta da ditadura militar. Mesmo assim, o prédio da IECLB e da Comunidade Evangélica na Rua Senhor dos Passos foi inaugurado no 3º domingo de Julho de 1970, quando eu estava aqui em São Leopoldo fazendo meu 2º exame teológico. 99 Aí a Bárbara Friedburg já era a dirigente de música no Morro do Espelho, ela chegou depois que o Ludwig Seyer foi embora, em 1963, por aí. Fizemos muita música no Morro do Espelho com a Bárbara Friedburg, ela também dirigiu um Coro na Faculdade de Teologia, com os estudantes, professores e quem mais quisesse participar. Irmãs da Casa Matriz também cantaram junto. Foi esse coro principal que cantou na Inauguração da Igreja da Senhor dos Passos. E ali o pastor Bude e eu tocamos dois trompetes junto com o coro e órgão.[...] Mas no prédio da IECLB e da Comunidade Evangélica já foi previsto instalar o estúdio no terceiro andar. Foi provisoriamente instalado lá para, dali gravar os cultos e tudo o que aconteceria na igreja grande - pra 800 lugares - que foi construída já 100 pensando no encontro da FLM .

Importante lembrar que existia neste espaço uma igreja antiga, de arquitetura tradicional que foi derrubada para a construção do novo prédio. Abaixo podemos ver, ao final da rua, à direita, a antiga igreja e, ao lado, a nova construção:

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Federação Luterana Mundial. Barbara Friedburg foi diretora do Departamento de Música Sacra da IECLB de 1964 a 1971 e professora na ENE de 1966 a 1971. É formada em música na Alemanha, onde mora atualmente na cidade de Birkenfeld. 100 Entrevista Dreher, p. 10. 99

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Figura 10 Igreja Matriz e Praça Otávio Rocha em 1930 e 1970.

No estúdio construído nesta nova sede no terceiro andar, Kannenberg produzia programas de rádio e enviara às comunidades, de forma ainda muito tímida. Organizou também o primeiro curso de Radiodifusão em 1972. Chamava-se Curso Intensivo de Rádio, durava uma semana e era formado principalmente por pastores, mas também membros e professores da IECLB. Dreher conta que Hilmar gravou estes programas, depois copiou para uma fita de rolo e cada participante recebeu cópia. Dreher tem cópia dessas fitas, inclusiva do primeiro programa: data de 31 de maio de 72. No decorrer da década de 70, urgia a necessidade da Igreja adquirir um espaço de comunicação de rádio na região metropolitana. [...]o Departamento de Audiovisual da IECLB estava fazendo e, deste departamento nasceu definitivamente a Fundação ISAEC de Comunicação, quando se reconheceu que, finalmente, a Igreja precisava de um emissora de rádio, aqui pra região de Porto Alegre e RS afora. Então, uma outra família de uma das novas igrejas crentes que estavam surgindo [família Figueiró] tinha a rádio União AM de Esteio e então, com o apoio da FLM a IECLB criou a Fundação ISAEC de Comunicação, fundada em 1977. Lugar pra um estúdio já existia lá na Senhor dos Passos, algum equipamento 102 mínimo também, então eles fizeram um projeto e conseguiram a verba.

No início dos anos 80, sob direção do pastor Joca, instala-se na Faculdades EST o Centro de Elaboração de Materiais – CEM, no prédio onde hoje funciona as aulas da pós-graduação. O departamento era ligado à ISAEC, e servia de apoio para a produção e distribuição de uma série de materiais produzidos pela Igreja: cancioneiros, fitas cassetes, livros, conforme explica Dreher: 101

Disponível em: < http://www.gibanet.com/2013/01/15/memorias-de-porto-alegre/> Acessado em: janeiro 2013. 102 Entrevista Dreher, p 10.

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A ISAEC passou a ser parceira do CEM, a ISAEC gravava e multiplicava as fitas e o CEM distribuía os programas. Tudo que o CEM produzia era gravado na Senhor dos Passos. Não lembro a partir de quando a Fundação ISAEC fez um segundo estúdio na Carlos Gomes, 1500, uma casa grande que a IECLB comprou ou a CAPP – Caixa de Aposentadoria e Pensão dos Pastores, acho que comprou aquela casa que tinha um enorme subsolo, então ali foi instalado o estúdio de oito canais, porque lá no centro não tinha espaço pra um segundo estúdio. O equipamento de dezesseis canais funcionava lá [na Senhor dos Passos] e o de oito, na Carlos Gomes. Aquela Studer que está aqui veio de lá. [referindo-se ao equipamento de gravação de oito canais]. Eu sou um pequeno museu de coisas da ISAEC, o resto não sei onde anda. Daí o pastor Rodolfo Schneider - que era o secretário de Comunicação da IECLB, também foi presidente da Fund. ISAEC de Comunicação - ele instalou a Administração da ISAEC e inicialmente os estúdios da Rádio União AM na rua Carlos Gomes. Ela era Rádio União de Esteio, foi comprada pela ISAEC da família do missionário e os estúdios foram feitos na Carlos Gomes junto com a área de gravação. O sinal era transmitido aqui do morro de Petrópolis direto pra antena que está até hoje lá em Esteio. De lá era transmitido o AM, [isso em que ano?] Lá por 1978,1979. Em março de 1980 iniciou a rádio união FM de Novo Hamburgo. O Hilmar adquiriu muito know-how de como fazer e conseguir concessões de rádio e como conseguir as coisas em Brasília no Ministério das Comunicações. Nós tínhamos um evangélico em Brasília, Cláudio Vogel, que chegou a ser presidente da comunidade de Brasília e trabalhava num dos ministérios. Ele foi o “abridor” de portas pro Hilmar lá. Depois o Hilmar chegava em Brasília e ele nem marcava audiência, ele entrava direto né. E com isso, a ISAEC comprou uma rádio AM em Blumenau e denominou Rádio União AM e nas mesmas instalações botou a União FM no ar aqui. As rádios que a fundação ISAEC instalou: AM em Porto Alegre e FM em Novo Hamburgo e, logo em seguida, AM e FM em Blumenau. Essas rádios tinham programação ao vivo. Aos poucos se começou então, uma programação musical sendo produzida de forma adiantada, então o locutor ia gravando os anúncios das músicas em fita. O sr. Sérgio Schiller desde 1986 é o locutor oficial da rádio em NH, então ele vinha um ou dois dias e gravava todos os títulos pra uma semana inteira, gravava as propagandas...e tudo que precisava gravar. Só não era gravado por ele as notícias. A “hora certa” é dele também, tinha outros programas tipo, o meu programa, o do Sarlet. E lá em Blumenau a mesma coisa.

No ano de 1971 Carlos Dreher assume a Pastoral Universitária e Escolar em Curitiba-PR, onde realiza uma série de atividades musicais importantes. Logo nos primeiros anos, passa a produzir, paralelamente ao pastorado, programas para a ASSINTEC103. Em 1982 pede licença do pastorado para dedicar-se exclusivamente à associação, porém, poucos anos depois, em 1984, viria a ser chamado para atuar na ISAEC:

103

Associação Inter-religiosa de Educação.

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[...] aí eu pedi licença do pastorado [...] me liberar pra trabalhar na ASSINTEC, pra fazer os programas de rádio para as escolas e produzir cursos para professores Os programas foram gravados aqui nos estúdios da ISAEC. Estes programas eram veiculados pela Rádio Estadual do Paraná: nas segundas, para o primeiro ano primário, na terça para o segundo ano primário, e assim por diante, 20 minutos cada. Produzimos um caderno de trabalho com 120 mil cópias e distribuído por toda a rede. A Assintec distribuía aparelhos de rádio para suprir as turmas de primeiro ano, pois tinham mais quantidade de classes. Compramos os aparelhos com 104 105 uma doação da Adveniat , FLM e IAOAC , que entravam com o dinheiro pra manter a Assintec. Naquela época, eu era vice-presidente [...] mais tarde, eu fui presidente. Depois, outras partes do estado também adotaram o sistema e passou a aumentar a tiragem. Depois, professores também pediram cursos pra formação deles. Depois de alguns anos, em 76 ou 77, continuamos veiculando, mas daí cansou. As professoras não queriam mais buscar o aparelho de rádio e ficar sem fazer nada, ficar só ouvindo rádio e corrigindo os teminhas. Então começamos a fazer o livro do professor e tiramos os programas gradativamente do rádio. Em começo de 1982 eu entreguei a presidência e entrei como funcionário da Assintec. Eu iria trabalhar três anos ajudando a fazer cursos e produzindo programas para 106 os pais, mas fiquei só dois anos porque a ISAEC me chamou.

Em 1975 Dreher inicia trabalho como coralista na Camerata Antíqua de Curitiba, sob regência de Roberto de Regina, um dos maiores especialistas em música barroca do Brasil. No ano de 1976 funda o Coral Jovem de Curitiba. Em 1979 viaja para o sul e grava o primeiro disco do grupo nos estúdios da ISAEC durante excursão entre os feriados do dia 31 de outubro e finados. Gravaram, na ocasião, um compacto com quatro músicas. Neste mesmo ano, produz em parceria com o p. Sílvio Schneider, programas para a TV-Canal 6 pela CELC107.

3.6.2 A importância do surgimento de um estúdio no Rio Grande do Sul:

Não tinha estúdios, muitos concertos e discos que foram gravados em porto alegre foram gravados no Teatro São Pedro, inclusive nós, do Morro do Espelho gravamos lá, mas quem fez a Gravação foi o Engenheiro Simon da Rádio Gaúcha. Homero Simon e ele foi quem assessorou a ISAEC na criação do Estúdio da Senhor dos Passos, mas até aí eu não sei nome de 108 firma gravador em porto Alegre .

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Ação Adveniat, da Conferência Episcopal da Alemanha, tem sede em Essen, na Alemanha e atua a mais de 50 anos na ajuda solidária à igrejas na américa latina. 105 Association of Analytical Communities – Fundada em 1884 nos EUA. 106 Entrevista Dreher, p 14. 107 Centro Evangélico Lazer e Cultura de Curitiba. 108 Entrevista Dreher, p. 14.

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3.6.3 O Musical Befriad

Ao final de 1983, Dreher inicia os ensaios para a execução do Musical Befriad, um musical gospel de origem Sueca, que depois se tornaria um importante disco na história da IECLB: Befriad em sueco significa libertado ou Libertação. Isso combinava conosco um pouco mais por causa da música e por causa do nosso compromisso de Teologia da Libertação. Embora o musical não tenha nada a ver com isso, o Befriad é baseado nos textos do evangélico de João e o Peter Sandwall e o Lars Mörlid, ambos suecos, fizeram um bom trabalho com essa música. Ainda em 1979 conhecemos a obra por causa de um pastor norueguês Chiel Nurstoked, que já lecionou na EST. Ele foi pastor num dos bairros de Curitiba. Um dia veio um organizador de música da igreja da Noruega, veio visita-lo e ele convidou o coral jovem pra fazer uma noitada com ele. Ele ensinou duas músicas do Befriad e nos deu o disco, partituras. Nós adoramos e começamos a cantar parte do musical. Então, em fim de 1983, nós montamos todo o musical. Eu consegui apoio da Fundação Cultural de Curitiba pra montar a orquestra e, como essa obra era só de 30 minutos, nós ainda cantamos uma ou outra música, mas convidamos um amigo com o seu coro de São Paulo, já faleceu esse regente, não lembro o nome dele, em todo caso, fizemos em conjunto o concerto, duas noites no Teatro do Sesi em Curitiba e uma noite no Teatro Guaíra, com 2400 lugares totalmente lotados. Daí terminou o ano e eu fui convidado a vir pra 109 Fundação ISAEC de Comunicação, no começo de 1984.

A obra Befriad surgiu na Suécia em 1974 e foi lançada em outros idiomas em vários países. O grupo original dirigido por Sandwall e Mörlid chamava-se Choralerna. A obra fala sobre a libertação de qualquer tipo de escravidão ou opressão. Como cita Dreher: “é um dos motivos centrais do Evangelho de Jesus Cristo” (no encarte do disco Befriad). Conforme cita Dreher, Befriad foi montado por completo em 1983 com seu Coral Jovem da Comunidade Evangélica Luterana, com 25 vozes, dentre elas, batistas, católicos, presbiterianos, adventistas e luteranos. Montou também uma orquestra com trinta músicos locais, tudo isso com o apoio da ASSINTEC e do maestro Tibor Reisner. O Musical seria gravado anos mais tarde, entre novembro e dezembro de 1986 e lançado no ano seguinte como tema do ano da IECLB. Dreher conseguiu reunir seu coro jovem de Curitiba para a gravação nos estúdios da ISAEC. O disco teve a direção musical e adaptações de arranjos de Carlos A. Garofali, com tradução dos textos, produção e regência coral de Carlos Dreher.

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Entrevista Dreher, p. 15.

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Figura 11 Sério Souto e Carlos Garofali no Estúdio

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Capa do Disco Befriad

Befriad, assim como o trabalho dos Nove do Sul, é considerado por Dreher e por muitos luteranos, um dos discos mais importantes e bem produzidos da história da IECLB. (ver anexo 2, fxs 10 e 11) Foi constantemente citado nas entrevistas realizadas, pela grandiosidade da obra e qualidade musical. Como exemplo, algumas faixas: A segunda faixa do lado B do disco “A Paz de Jesus”, assim como outras do disco, é uma das poucas gravações produzidas pela IECLB capaz de causar arrepios cada vez que à escuto. Em março de 1984 Carlos Dreher assume a Coordenação de Programação da Rede União onde fica até janeiro de 1994. Fixa residência em Novo Hamburgo entre 1984 e 1987. Em 1986 organiza – o 1º Musisacra – Primeira Festa da Música Sacra – Igreja Evangélica Luterana no Brasil. A gravação do disco do festival ocorre logo depois, nos estúdios da ISAEC sob a produção e arranjos do maestro Alfred Hülsberg111. O evento ocorreu na Igreja Matriz, em Porto Alegre, com sonorização de Cláudio Kupka. Enquanto lembrava dos fatos, Dreher contou-me que havia feito o sepultamento de Alfred Hülsberg em 2001. Pouco tempo antes, o encontrara na rua e lembrou de como havia sido o cumprimento: 110

Imagens capturadas do encarte do disco pelo autor Nascido na Alemanha, Alfred Hülsberg (1927 – 2001) tornou-se um dos músicos eruditos mais identificados com o folclore do Rio Grande do Sul. O maestro e compositor, cujo nascimento completou ontem 85 anos, destacou-se pela combinação entre o universo sinfônico e a música popular. Texto de Luis Bissigo. Disponível em: http://wp.clicrbs.com.br/almanaquegaucho/2012/06/23/personagens-alfred-hulsberg-1927-2001/> Acessado em janeiro 2013.

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Como vai? - Já estava bem velhinho e cansado - : -Was macht die kunst? Expressão em alemão: “como vai a arte?” Na verdade a pergunta é: como tu estás? Ele respondeu: Die kunts geht t betteln, “A arte está indo pedir 112 esmola”.

Em 1987 acumula a Gerência da Rádio União de Novo Hamburgo. Em 1988 muda-se para Porto Alegre para assumir a Assessoria da Presidência da Fundação ISAEC de Comunicação. Em 1989 assume a Gerencia Geral da ISAEC. Na virada de 1987 para 1988 e em busca de mais espaço e recursos tecnológicos, os estúdios da ISAEC migraram da rua Senhor dos Passos para a Eduardo Chartier, em Porto Alegre, onde permaneceu em atividade até 1996, quando a gravadora ACIT loca o estúdio e passa a produzir seus trabalhos no local enquanto Dreher já começa a trabalhar em seu próprio estúdio. O novo espaço da Eduardo Chartier abrigaria dois estúdios, que antes abrigava uma quadra coberta de esportes. O projeto de Engenharia acústica do estúdio suspenso sobre molas é assinado por Walter Schlupp que, mais adiante em seu depoimento, nos explica os motivos. Em 1989 e 1990 Dreher organiza a oitava Assembleia da FLM. Em 1991, promove o processo de descentralização da Fundação ISAEC de Comunicação: Já tinha gente com pensamento empresarial mais forte dentro do Conselho da Fundação e achavam, como organização centralizadora dos empreendimentos, que essa centralização tornava tudo muito caro, administração, etc. As rádios, sendo administradas de longe, também não rendiam tanto como se fossem administradas individualmente. Isso eu ainda encaminhei entre 1991 e 1992. Então eu fui diversas vezes à Blumenau, fiz reunião com membros e empresários da paróquia. Daí o pastor distrital [...] ajudou muito e também o pessoal da diretoria da ISAEC que morava lá. Se vendeu a ideia de que a rádio União pertenceria a Blumenau e eles precisam constituir um conselho próprio e garantir que os nossos empresários anunciassem pra garantir a auto suficiência da rádio. Então, a partir de 1996, ela se tornou só Blumenau. A rádio de Florianópolis foi alugada, começou a render e até que mais tarde vendemos a rádio de Florianópolis. Aqui a ISAEC ficou valendo até fechar a gravadora. A Fundação existe ainda porque a concessão das rádios estão no nome dela. Agora se constituiu a Fundação Sinodal de Comunicação pra realmente separar as coisas, deve ter um acordo de arrendamento sem custos, cuja presidência está em Blumenau e aqui se criou a Sinodal. Isso tudo eu 113 acompanhei de longe.

112 113

Entrevista Dreher, p 16. Entrevista Dreher, p 16.

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Questiono Dreher: e nesses 15 a 20 anos, isso não representou uma perda para ia Igreja? Essa descentralização das rádios? Para as rádios, isso foi um bom negócio. A União aqui abriu uma filial em Pelotas. [...] Em termos de rádio se ganhou com tendência a crescer. Na minha opinião, o rádio continua sendo o melhor veículo de comunicação, superior ao jornal e a televisão, porque todo mundo ouve carregando na mão, no celular com fone, no carro. Mas perdeu-se a identidade do controle e a autonomia da identidade teológica. [...] Nós tínhamos nas rádios União, uma linha editorial definida, o que seria notícia. Não era pegar a Zero Hora e ler. Não, vamos procurar notícias de cunho social, religioso, sobre a política do país sempre que tenha a ver com nossa responsabilidade social, sempre como Igreja guardiã do correto exercício. A Igreja é uma atalaia né. Mas isso, na medida em que, muda gerente ou jornalista, isso aí se perdeu. Por outro lado, a descentralização da IECLB em 18 sínodos também faz com que as coisas não fluam como antigamente quando ela era mais centralizada. Hoje não temos uma Secretaria de Comunicação na IECLB, 114 pode isso?

Em janeiro de 1994 deixa a ISAEC para, em março do mesmo ano, assumir a Paróquia São Lucas de Porto Alegre. Paralelo à atividade de pastor, Dreher constrói seu próprio estúdio. Ainda nos tempos de ISAEC, seus filhos Thomas e Gustavo já operavam os equipamentos e hoje Thomas é responsável técnico pelas gravações no estúdio Dreher. Nestes últimos anos, produziram muitos trabalhos importantes: gravações de muitas bandas gaúchas, compositores de música popular, bandas de rock, além de trabalhos religiosos como as gravações do HPD 2 sob direção musical de Luis Marcelo Illenser, gravação do Coro Ars Vocalis, entre outras. Até 2003, quando reforma-se o Centro de Multimídia da Faculdades EST, foram responsáveis por praticamente toda a produção musical da IECLB na região da grande Porto Alegre.

114

Entrevista Dreher, p. 13.

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3.7 Walter Schupp Walter Schlupp foi uma pessoa importante no início da minha experiência profissional no estúdio da Faculdades EST. Nos anos de 2000 até 2003 realizei o curso técnico em piano na EST e, durante quase os três anos de curso, mantive uma certa curiosidade sobre o que havia por detrás de uma porta de ferro identificada como “centro de multimídia”. Certo dia, durante o segundo semestre de 2002, tomei coragem de visitar o espaço que, na época, estava sobre a gerência de Heitor Meurer e Daniel Richter. Deparei-me com um estúdio recém reformado: uma sala com isolamento acústico, uma painel para captação de imagens com fundo infinito (croma-key), aquário de vidro entre a técnica e a sala de gravação, câmeras e uma ilha de edição de vídeo digital. Durante meus últimos meses como aluno na Instituição, passei a visitar regularmente o estúdio e demonstrar meu interesse na área de áudio. Naqueles anos, a EST vivia um momento de transição no perfil do seu curso técnico em música. A turma que entrara no ano de 2000 era composta por muitos estudantes sem vínculo religioso com a IECB. Nos anos anteriores, após o término do curso de música sacra, a ênfase era em música erudita e estudos de regência, piano, canto, flauta doce, órgão e violão. Com mudanças no perfil docente, passou a contar com alunos de bateria, guitarra elétrica, teclado, saxofone e percussão. Os recitais que antes eram exclusivamente acústicos, passaram a exigir amplificação. Lembro-me que não existia nenhum microfone, nem mesmo uma caixa amplificada para ligar qualquer equipamento elétrico e como eu já tocava em bandas, emprestava meus equipamentos para os recitais da instituição. Ao final de 2002, resolvi propor um projeto de compras de equipamentos para sonorização dos eventos da instituição e para gravações de áudio no estúdio. O projeto foi encaminhado ao Daniel Richter, ao diretor André Lichtler ao então administrador, Lauri Ludwig. A proposta foi aceita e, em março de 2003 fui contratado como estagiário da instituição, tornando-me técnico em áudio no estúdio e sonorizando eventos. Sob orientação administrativa, recebi referências de que Walter Schlupp, “engenheiro acústico formado na Alemanha”, poderia contribuir numa espécie de assessoria na compra dos equipamentos para o estúdio, pois já havia trabalhado no mesmo nos anos 80. É claro, eu era quase um adolescente com vinte e dois anos de idade me aventurando numa experiência de trabalho em estúdio. Antes, havia me

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formado num curso técnico em eletrônica e tinha apenas dois anos de experiência sonorizando bandas e trabalhando em projetos de montagem de equipamentos de áudio. Lembro-me que liguei para o Walter e marcamos um encontro lá mesmo, para que conhecesse as reformas do estúdio. Walter trouxe equipamentos, fez medições de reverberação, observou os vazamentos entre os pisos inferior e superior e, após sua análise crítica, deu seu parecer: “A sala é boa, ficou bastante seca, mas não completamente por ter um pé-direito alto e não ter espuma no teto, tem uma ressonância de graves, mas tenho minhas técnicas para resolver o problema.” No dia seguinte, providenciou quatro garrafões de vinho vazios e alguns pedaços de algodão. Explicou-me que utilizaria os garrafões como atenuadores de frequência, para isso, precisaríamos descobrir como “calibrar” os garrafões. A Técnica era simples: íamos soprando no garrafão - semelhante à técnica de tirar som de uma flauta doce - e enchendo-o gradativamente com água. Na medida que o garrafão ia enchendo, a frequência do som produzido ia ficando mais agudo. Realizamos o procedimento até igualar a frequência de ressonância do estúdio com o som produzido com o garrafão. Em seguida, marcamos a medida com um giz e substituímos a água por areia e colocamos uma estopa de algodão na ponta. Repetimos as medidas para os quatro garrafões e colocamos um em cada canto da sala. Problema resolvido! No (anexo 2 - fx 9), podemos verificar uma gravação de violão realizada pelo próprio Schlupp em 1986 onde fica nítida a ressonância indesejada da sala. Cada vez que o violão toca a corda solta lá, percebe-se o som mais forte dos demais. A partir daquele fato, ficamos em contato durante muitas produções musicais realizadas no estúdio. Walter atestou-me que suas contribuições ficariam restringidas aos aspectos acústicos do estúdio, mas que estava por fora das novidades tecnológicas, como sistemas digitais de gravação e microfonação. Mesmo assim, lembro-me que trazia semanalmente folders contendo especificações técnicas sobre microfones e discutimos cada investimento antes de efetivarmos a compra. Tenho o registro da primeira gravação do estúdio após a reforma: um blues improvisado com Walter Schlupp ao violino e eu acompanhando-o no teclado. Durante os anos seguintes, Schlupp visitou muitas vezes o estúdio e acompanhou de perto as primeiras gravações. Contribuiu, não só com sua

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experiência de engenharia acústica devido aos estudos na Alemanha, mas também por suas vivências e gravações realizadas pelo Centro de Elaboração de Materiais – CEM durante os anos 80 na EST. Após alguns telefonemas e trocas de e-mail, marcamos um encontro em sua residência para falarmos de suas produções musicais ao longo de sua trajetória. Schlupp, natural de Teófilo Otoni – MG, contou-se que também havia estudado no IPT entre os anos de 1962 e 1967. Foi escolhido inclusive, o estudante de melhor desempenho num dos anos de estudo. Após o IPT, concluiu também a Faculdade de Teologia, entre 1968 e 1971. Minha relação com a música na IECLB começou no Instituto Pré-Teológico, onde também aprendi o violino e tocava na Orquestra de Câmara da escola, o Collegium Musicum. Em consequência, o professor Naumann me envolveu em apresentações de música sacra com corais, inclusive da IELB (a “outra” luterana), sob a regência de Hans Rottmann. Meu professor no IPT foi Ludwig Seyer. Eu antes de sair do IPT, fiz um ano nos EUA, morei com uma família. Lá 115 nos EUA tive contato com os primeiros “hippies ”. Por ter cabelos longos, diziam em alemão: “Schlupp, cadê suas orelhas?” As ondas dos Beatles eu peguei um pouco antes. Fui pra Califórnia - Los Angeles. Os Beatles entraram aqui nos anos 60 com muita força, Aí veio Renato e Seus Blue Caps, Rony Von, etc. Meu primeiro rádio - era proibido inicialmente no 1º ano que eu tava lá - foi em 63. Um colega meu tinha um rádio proibido lá que nós escutávamos. 116 Antes disso nós usávamos e fabricávamos rádio galena , que funcionava sem energia, só com fone ultra sensível. Nós escutávamos Rádio Universidade, era a rádio que dava música clássica e a radio Caiçara que então tocava essas músicas da jovem guarda. [como descobriam essas técnicas numa época sem internet, sem google?] Isso faz parte da cultura 117 “do it yourself ”. Isso em 62, quando eu visitei meus pais na Alemanha, um dos meus hobbys era mexer com eletrônica. Meu pai comprou um kit de peças eletrônicas básicas, acho que transistor nem tinha ainda, era condensadores, tinha revista e ensinava então a fazer. Mas eu sei que antes do nosso tempo tinha uns alunos que já faziam rádios galenas pra escutar clandestinamente dessa forma né: com fone de ouvido, de qualquer maneira, de tão fraquinho que é. Uma curiosidade é que, nós na falta de antena, identificávamos na tomada de luz, qual que era o “fio quente”, a fase, e utilizávamos como antena, porque o outro era terra, nós utilizávamos o fio quente, mas não botávamos o outro polo, identificava isso com a língua assim. Mas eu lembro que a fase dos Beatles foi tão marcante, que me inibiu. O padrão de qualidade foi colocado tão alto que eu me desanimava, aquilo inibiu o meu lado criativo. Eu sempre ia levando o violino a título de hobby. Lá na Bahia, nas férias, eu me dedicava à música e à línguas. Mas essa coisa de escutar gente com um nível muito espetacular isso pode te inibir. E na Teologia, eu ia levando isso só como hobby. Nessa época do IPT tinha serenatas: uma vez por semana a gente fazia a “ronda” no Morro do Espelho, onde tinha meninas dentro, era canto, violino 115

Uma espécie de movimento contra a cultura surgido nos EUA nos anos 60. Jovens com desapego ao materialismo e sob o lema “paz e amor”. 116 Rádio Galena: circuito eletrônico rudimentar, capaz de filtrar frequências de rádio sem o uso de energia elétrica. 117 Traduzindo: faça você mesmo.

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e violão. Tocávamos Nilo Amaro, Lagoa do Abaeté, Iemanjá, Yesterday, Charles del Monte. [Mas era encomenda dos pretendentes?] É, em parte, tinha um ou outro ali, e aí tinha caipira. Você convidava pra tocar, todo mundo tinha as suas preferidas ali. No intervalo no Sinodal as gurias ficavam ali embaixo e nós ali em cima onde hoje ficam os carros, os flertes aconteciam durante os dias pra ver quem era quem. As serenatas eram a noite. Tinha gente que ia junto só pra segurar o copo e ali também se formou um grupo parecido como os Nove do Sul, mas nós tínhamos violão junto. Tinha três violões, eu no violino e canto. Os “Nove” era a capela. Na verdade, assim como no colégio, a gente fazia excursão nas férias de inverno, porque naquela época a televisão não tinha a apresentação que tem hoje, nós chegávamos a lotar clubes com peças de teatro. Essa tradição foi continuada na teologia, mas com ênfase de levar peças cristã. Teve uma peça de uma excursão que eu fui ser sonoplasta, 1º ano depois do IPT. 70 por aí. O último semestre eu fui pros EUA. Na 3ª vez que eu fiz a sonoplastia eu fui convidado pra ser diretor cultural do centro acadêmico. E eu juntei o pessoal que estava meio em cogitação. Era uma peça de conteúdo social bastante forte, de um pastor que vai trabalhar na favela, bandidos que ameaçam o trabalho, como de praxe, não só se apresentava o teatro mas tinha música também e me pediram pra organizar a parte da música. A peça musical chamava-se Aleluia Billy, de Helmut Barber. Circulamos pelo interior do Rio Grande do Sul em 1968. Na mesma turnê, fui regente do coral. No ano seguinte fui convidado a assumir o Departamento Cultural do Centro Acadêmico. Em consequência, fui incumbido de organizar uma nova excursão artística. Dirigi a mesma peça teatral Aleluia Billy, de Helmut Barber, e também o grupo de canto masculino (mulheres quase não havia, na Teologia; as poucas que havia ficavam atrás da cortina do palco, fazendo torcida; naquele tempo as garotas eram bem mais discretas). O programa seria apresentado no oeste do Rio Grande do Sul, oeste de Santa Catarina, oeste e norte do Paraná, nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Previsto estava ir até o Espírito Santo, porém no Rio de Janeiro a censura da Polícia Federal fez questão de assistir a um ensaio nosso. “Olha, tem boi na linha, a polícia quer assistir de novo” fizemos a apresentação na parte da tarde, veio uma mulher assistiu e saiu caminhando. Era época de ditadura e já tínhamos feito uma apresentação para a censura no Rio Grande do Sul. Cf. me revelou pessoalmente a diaconisa que então trabalhava em Petrópolis, RJ, membros da comunidade de São Paulo não teriam gostado do viés social da nossa peça teatral. Teriam entrado em contato com uma juíza presidente da OASE em Petrópolis para que tomasse alguma providência. O resultado foi que a última apresentação foi mais uma vez para a Polícia Federal no Rio de Janeiro, com o resultado de que fomos proibidos de fazer mais apresentações e tivemos que cancelar as diversas noitadas previstas para o Espírito Santo. Então, o pessoal lá ofereceu pernoite pra iniciar a viagem de retorno. Como minha ideia era ir até a Bahia pra visitar meus pais, eu fiquei sozinho ali e a turma retornou. Isto deve ter sido em 1971, em plena ditadura militar. A histeria militar anti-subversiva da época era tamanha, que certa vez fui preso por um soldado raso, ao catar cogumelos com minha namorada no mato de eucalipto nas imediações do paiol de munições do 19° Regimento de Infantaria Militar (hoje cruzamento da Av. Unisinos com a Teodomiro Porto da Fonseca). O soldado chamou o cabo, que chamou o sargento, que chamou o tenente, que chamou o major – não lembro qual a graduação máxima a se abalar para a beira do mato naquele domingo à tarde. Domingo à tarde sem lenço e sem documento, me trancafiaram na cela até que minha namorada e irmãos buscassem minha identidade, que ficou retida até terça, prazo no qual verificariam se eu tinha atividades suspeitas

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anteriores. O resgate do meu documento teve lances bem pitorescos, que não cabem aqui. O grupo de canto masculino contava com oito integrantes, alguns dos quais hoje são nomes conhecidos na IECLB: Nelson Kilpp, Carlos A. Dreher, Helmar Rölke, Dorival Ristoff, Waldir Trebien, Ari Bencke, Werner Fuchs, Klaus Fuchs. A pedido deles, continuei ensaiando o grupo depois da excursão; o repertório incluía arranjos meus de músicas sacras e profanas. Em 1970 estava prevista uma Assembleia Geral da Federação Luterana Mundial em Porto Alegre. Em função disso, foi construído um estúdio ao lado da nova igreja que deveria receber a Assembleia, na Senhor dos Passos. Foi o início do estúdio ISAEC, sob a liderança de Hilmar Kannenberg. Este nos convidou a gravar lá algumas músicas para a Assembleia prevista, a qual acabou sendo transferida para Genebra, porque a Federação Luterana Mundial não quis, com sua Assembleia, dar a entender que estaria prestigiando a ditadura militar. Então, durante as gravações já na ISAEC é que eu tive pela 1ª vez contato com estúdio e aquela tecnologia toda me deixou fascinado, por duas coisas: por um lado a música e pro outro lado a física. Na Faculdade eu ia fazer aulas de física, mas não era no curso, a turma ia no Sinodal. Com Hermann Sporket. O estúdio de som junta essas coisas e ali surgiu a ideia de estudar engenharia de som. Ali eu chequei a substituir alguns professores na área de física pra me testar. Nesse estágio que eu fiz em são Paulo antes de terminar a teologia, eu já sabia que não ia seguir na área. Concluído o estudo de teologia, durante o qual eu tinha passado um total de doze meses trabalhando em comunidade como pastor substituto, tomei a decisão de desistir do pastorado. Os motivos para tanto não foram econômicos, mas teológicos (incompatibilidade com o pensamento do autodesignado apóstolo Paulo) e de índole pessoal: eu temia não conseguir dar conta da quantidade de contatos sociais que um pastor precisa cultivar o tempo todo. Não obstante, sempre senti a IECLB como minha raiz cultural e, por que não dizer, étnica, fundamental, razão pela qual mais tarde voltei a trabalhar em música para ela; e sempre que posso, toco violino nos cultos. Entretanto a incompatibilidade mental com aquilo que se profere nos cultos continua cada vez mais acentuada (Credo Niceno, pregações irrelevantes) Tive o privilégio de trabalhar como aprendiz no estúdio da ISAEC. Paralelamente, [no segundo semestre de 1974] fui contratado pela OSPA como violinista. O salário era até um pouco melhor que o salário de pastor, exceto que não tinha moradia e outras mordomias. Embora, ao que conta o Hilmar, eu não tenha sido bom aprendiz nos estúdios, enfiei na minha cabeça que a combinação de música com a eletrônica era perfeita, porque eu sempre já tinha gostado muito de física. Engenharia de som = música + física. Portanto o meu negócio deveria ser engenharia de som. Como no Brasil não existia curso nessa linha, o negócio era ir para a Europa. Assim que descobri, por mero acaso aos 26 anos, que eu tinha direito a um passaporte alemão, fui para Freiburg em 1974, onde já se encontrava minha noiva estudando fisioterapia. Lá estudei três semestres de violino na faculdade de música. É que o curso de engenharia de som exigia três estágios práticos prévios: estúdio, música e mecânica. Aproveitei o estudo de música ao máximo. Para ser admitido, precisava demonstrar alguma proficiência no piano. Entrei tocando Tico Tico no Fubá num piano cauda longa Steinway. (quis a ironia que, ao me formar em Düsseldorf, eu tocasse a mesma peça de novo. No piano, sempre foi a peça que mais agradou.) Quando minha esposa Cristiane se formou em fisioterapia em Freiburg, pudemos nos mudar para Düsseldorf, onde passei a estudar engenharia de som: 70% das aulas na escola de engenharia, 30% no conservatório Robert Schumann, ligado à faculdade de música de Colônia. Cabe mencionar aqui o preparo que me foi proporcionado pelo Instituto PréTeológico no segundo grau, além do fato de meu pai me ter ensinado o alemão em idade precoce: o idioma diferente, na Europa, em nada

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atrapalhou. Pelo contrário, a clareza e precisão de expressão que o idioma alemão instiga na cabeça da gente considero hoje um dos maiores bens que recebi. Mergulhei de cabeça e com toda a convicção na engenharia de som. Tive sérias dificuldades com as disciplinas matemática (cálculo diferencial e integral) e circuitos eletrônicos. Mas tudo que tinha a ver com ondas sonoras e a música eu absorvia com a maior empolgação. Lia tudo que aparecia pela frente nessas áreas. Por um erro de avaliação do professor, fui dispensado de alguns semestres de percepção musical e solfejo. O professor de violino, spalla da sinfônica de Düsseldorf, que foi colega de Helmut Zacharias enquanto aluno de Kulenkampff, que foi aluno de Leopold Auer, que foi professor de Jascha Haifetz, era uma pessoa com quem eu me dava muito bem. As aulas de violino para mim eram centrais. Diariamente eu estudava no mínimo 1h, senão não me sentia bem. Mais do que isto, física e mentalmente não rendia. Sou muito grato a ele por ter dito certa vez, quando eu já tinha 28 anos: Herr Schlupp, aus Ihnen wird noch was (você ainda vai se dar bem {como violinista}). Ao cabo de seis semestres, com a perspectiva de gêmeos por nascer, antecipei a conclusão do curso em um semestre. Para sustentar a família, fui trabalhar em 1979 como engenheiro de som no Institut für Rundfunktechnik (instituto de pesquisa em radiodifusão) em Munique, ligado ao Bayerischer Rundfunk. Ajudava na pesquisa sobre as características acústicas de materiais usados na construção de estúdios e teatros. Ao cabo de um ano, durante o qual percebi que me dei melhor fazendo recensões de livros sobre acústica do que montando ensaios físicos sobre materiais em câmara anecóica e reverberante, aceitei convite de Hilmar Kannenberg para integrar a equipe prevista para montar o complexo da Fundação ISAEC de Comunicações. Em meados de 1980 fui colocado como gerente de operações, que na época eram em rádio, principalmente. Não tinha a mínima experiência nisso, e fui demitido passados cinco meses, com toda a razão. O salário era incompatível com o desempenho em operações, concorrendo com semianalfabetos craques em manejar controles de mesa – tradição que era passada de pai para filho. Para sustentar a família, não tive o empreendedorismo de sair à busca de emprego novo em engenharia de som. Ainda em 1980 fiquei como tradutor da Ed. Sinodal e ocasional consultor acústico. Dei aulas de violão e violino no Morro do Espelho, pro Instituto Superior de Catequese e Estudos Teológicos - ISCET, que não existe mais. Aí quando saiu o ISCET, eu fui funcionário da EST. Já em 1982 o diretor do ISCET, Martin Droit, disse: - vai e faz! Eu fiz essa primeira gravação aqui: “As crianças dessas Terras”, isso foi remasterizado e saiu em CD, existia esse caderno. Eu queria provar e por em prática o que tinha aprendido na Alemanha. Ai eu consegui um gravador emprestado com o qual eu 118 conseguia fazer o “bounce back ”, que era gravar aqui, passar pra outra pista e sobrepor, isso pode ir e voltar, num gravador emprestado. Ai eu investi tudo que eu sabia, tecnicamente ele tá dentro do que a tecnologia permitia, foi gravado em varias salas, [...] mas também no outro prédio ali onde tem o restaurante da EST hoje. Aquilo se estendeu por alguns meses, esse trabalho foi um encaminhamento oficial da Igreja junto com o Departamento de Catequese, aí nós montamos um esquema de distribuição. A Editora Sinodal nunca se interessou em vender e distribuir discos. Aí nós contratamos um aluno de Teologia pra mandar correspondência pra todas comunidades e organizações da IECLB ao longo dos meses. Em dois anos, vendeu 2500 fitas. E ele tinha participação nisso.

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Termo técnico em inglês utilizado para designar um procedimento onde se grava algo e posteriormente se sobrepõe outra informação musical.

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Bom, aí depois, somando os CDs que eu fiz uns anos atrás, teve ter 119 vendido no total umas 3000 cópias.

Uma amostra das gravações deste material podem ser apreciado no anexo 2, faixas 06 e 06.

Figura 12 Capa do Livro: As crianças desta terra

Figura 13 Detalhe do índice da Fita - As Crianças desta terra

Eu assumo, eu fiz com todo carinho e todo empenho, mas é uma coisa assim decente. O CEM, quando viu esse resultado, eu já estava no Repartir Juntos, que eu montava acampamento uma vez por ano. O Dorival Ristof lançou esse caderno amarelo, nós já tínhamos feito uma gravação simples, 120 não lembro onde a gente gravou isso, acho que foi ali na EST.

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Entrevista Schlupp, p 88 a 92. Entrevista Schlupp, p 93.

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Figura 14 Detalhe da Capa do livro - Quero Cantar ao Senhor.

Aí nós lançamos o 2º caderno pra esse acampamento em 1984. O Dorival entregou esse material na editora, eles imprimiram...e Aí o CEM se interessou por esse material que é cantado até hoje ainda. Momento Novo, por exemplo, aí eu fui com uma amiga, que se casou aqui em casa, Suzi Kehl, e fazia música até na noite aqui. Aí eu convidei eles pro acampamento, cantamos também música profana lá, música suíça e alemã e a receptividade foi muito boa: uma voz, um violão bem tocado e um violino. E aí o Ristoff disse: Walter, começa a gravar. Aí surgiu esse cancioneiro aqui. [enquanto mostrava-me o cancioneiro amarelo]. Mas a Suzi não gostava muito desse repertório. Cantou metade das músicas que estão aqui, e a outra metade eu fiz por conta própria. O CEM não se interessou mais daí eu fiz por conta própria. As músicas restantes estão nesse cancioneiro. São essas duas fitas. Depois, teve uma terceira, sempre 121 motivado pelo pessoal do Repartir Juntos .

Figura 15 No detalhe, 2o e 3o Cancioneiro - Quero Cantar ao Senhor

As fitas cassetes eram reproduzidas na própria EST. Para os encartes, foi utilizada a técnica de xilogravura, conforme imagem das matrizes originais abaixo:

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Entrevista Schlupp, p 93.

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Figura 16 Detalhe da matriz em madeira para produçaõ de fitas k7.

Confirmando o depoimento de Schlupp, as fitas trazem registros do local das gravações. “Esta gravação foi realizada no Laboratório Musical, por estudantes de teologia e professores do Departamento de Música da Escola Superior de Teologia, IECLB, São Leopoldo – RS”122. Em 1986, quando fiz concurso público para a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, onde fui integrado no naipe dos primeiros violinos. Em paralelo, dei aulas de violino, violão e canto no ISCET, depois EST, até 1990, ao longo de dez anos. Nesse período fiz muitas gravações para a IECLB, algumas com investimento próprio. As gravações eu apresento pessoalmente em fitas e CDs.

Dentre os inúmeros trabalhos desenvolvidos por Schlupp no estúdio da Faculdades EST, talvez mereça destaque as gravações dos Hinos do HPD 1, realizadas durante os anos de 1986 até 1988. Abaixo, podemos visualizar a equipe envolvida durante as gravações:

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Transcrição de texto contido no encarte de uma das fitas.

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Figura 17 Detalhe da capa Canta IECLB - Hinos do Povo de Deus

O estúdio era bastante simples, comportando apenas um máximo de quatro canais simultâneos. O envolvimento da equipe docente e discente merece destaque especial nesta empreitada, pelo fato da união de forças na elaboração de materiais às comunidades da IECLB. Uma amostra destas gravações pode ser acompanhada na faixa 08 do anexo 2. Um compilado de cinco hinos em sequência demonstrando as diferentes instrumentações apresentadas no trabalho: Hino 42 onde a atual pastora da EST Iara Muller aparece cantando, hino 50 que apresenta um conjunto de flautas, hino 58 com formação de grupo de metais, hino 66 com um violão acompanhando flauta transversal e hino 79 com arranjo para trompete e violão.

3.8 Werner Ewald Enquanto estudante da Faculdades EST, mais especificamente no Curso Técnico em Música, sempre ouvia o nome de Werner Ewald pelos corredores do então “Instituto de Música”. Sabia que ele havia sido diretor nos anos anteriores e que estaria fazendo seu doutorado, em Chicago. Acabei conhecendo-o em 2004 através da gravação do disco Miriã 2 do professor Nelson Kirst. Enquanto eu atuava

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como técnico em áudio, Werner Ewald era o produtor musical. Mais tarde, fizemos mais alguns trabalhos juntos. Nossa entrevista ocorreu numa manhã de setembro de 2012, após um agendamento via e-mail. Após a exposição do projeto de pesquisa e meus interesses, começamos o diálogo que durou uma manhã, cerca de três horas. Werner relatou-me sua cronologia, iniciando por sua infância no Espírito Santo. Nascera em Domingos Martins, uma cidade que fica aproximadamente a quarenta quilômetros de Vitória: 123

A minha formação não foi na ADL , a minha formação musical foi relacionada à Igreja, mas muito relacionada ao coro, muito relacionada aos grupos corais, enfim, acompanhamento de hinos, esse tipo de coisa, um pouco de violão, flauta, harmônio, né. Pra ADL eu fui, mas eu só fiquei um ano lá daí eu já vim pra EST, mas eu tive a sorte de encontrar uma pessoa extremamente talentosa e capacitada que foi a Micaela Berger, que foi a minha grande professora de música, com ela eu estudei naquele ano e continuei estudando depois durante anos, então a minha formação mais sólida musical eu recebi dela, tanto da parte instrumental – estudei órgão com ela – quando da parte teórica, da parte harmônica, de harmonia, eu estudei de uma forma livre, mas com ela, então eu tive uma formação muito sólida, porque ela é uma pessoa relacionada à Igreja também, pelo menos 124 foi. Ela é violinista, mas é pianista e organista também .

Questionei-lhe se havia alguma influência musical na família: Diretamente não, os meus pais não tocam, a minha grande escola de música mesmo foi pela influência da Igreja, porque o pastor daquela época também era músico, ele tocava sax, que era coisa bastante inusitada né, mas ele sabia valorizar a música, e a esposa dele também regia o coro, dentro daquela ideia bastante tradicional assim da mulher do pastor fazer. Então tinha os grupos infantis, tinha o grupo de jovens, etc. Eu vim parar em São Leopoldo porque eu queria estudar teologia e o centro de formação no Brasil era aqui. Então eu vim pra cá por causa disso no ano de 1980. Quando eu cheguei aqui eu já entrei em contato com o Coral do Morro. Eu cantei muitos anos no Coral do Morro, já fiz aula de violino. [...], e eu participei da gravação, inclusive com arranjos, do disco “Arrozais Florescerão”, acho que 1982. Aqui que eu dei muita continuidade na minha formação musical, mais com uma pessoa que é uma referência nessa 125 história que é muito pouco lembrada, que é a Helena Coelho , porque ela vem de uma formação de educação musical e estava aqui quando eu cheguei ou entrou naquele ano também. Então, a gente formou, junto com a 123

Associação Diacônica Luterana. Fundada nos anos 50, é um importante centro de formação de lideranças diaconais, catequéticas e musicais junto às paróquias e comunidades, principalmente no Sínodo Espírito Santo até Belém. 124 Entrevista Werner, p. 80. 125 Helena de Souza Nunes Wöhl Coelho é bacharel em Canto pela UFRGS, mestre em Música pela mesma instituição, doutora em música pela Universidade de Dortmund – Alemanha. Foi professora de música na Faculdade de Teologia da EST entre 1979 e 1989. Em 1884 criou e dirigiu o Departamento de Música da EST. Em 1987, foi fundadora e diretora do Curso Técnico em Música até 1994. Publicou o livro Técnica Vocal para Coros e o material Cante e Dance com a Gente – Curupira.

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Helena e junto com outras pessoas interessadas, do qual o Claudio Kupka também fazia parte, a gente formou grupos de música latino americana, então tocávamos charango, tocava quena, esse tipo de troço assim [risos]. A gente formou muitos grupos de música, formou grupo de música barroca, tinha muita gente interessada aqui. O Ismair Tresmann também, então tinha um grupo aí e a gente se juntava por interesse e tinha uma visão muito prática da música, a gente fazia música e tocava tudo que é tipo de coisa, não era voltado só pra música sacra. A Teologia da Libertação estava muito em voga. A Helena, por exemplo, de base, era metodista. Eles têm uma tradição musical muito forte, não sei como ela veio parar aqui, mas ela foi uma figura bastante central na movimentação musical aqui. Teve uma movimentação bastante forte identificada com alguns alunos da teologia que gostavam disso e queriam dar uma continuidade de alguma forma. Isso se centrou ao redor de algumas figuras: o Rudomar Ranke, que é pastor hoje, A Ruth Kratochvil, a Iara (esposa) que estudou piano, etc. Eu estudei teologia aqui de 1980 até 1986. Nesse meio tempo, eu estudei 126 127 durante todo tempo com o Renato Koch , estudei com a Ane Schneider em Porto Alegre órgão. Nós tínhamos cadeiras de música na Teologia aqui, eu não me recordo o nome, eu acho que era simplesmente música, com a Helena, onde a gente estudava, teoria musical. Eu fui pra Argentina no ISEDET onde eu estudei um ano de Música Sacra, como eu tava interessado nisso, eu fui pra lá e estudei com grandes nomes como Omero Pereira que é um nome importante que é organista e compositor e com outros nomes também, mas eles tinham um curso específico de música sacra. Na licenciatura da UFRGS eu entrei em 1986, no mesmo ano que eu terminei a Teologia. E foi onde eu realmente me decidi. Durante esse tempo todo fazendo teologia e música, eu decidi fazer música e essa relação foi sempre muito intrínseca, de maneira mais informal desde criança e 128 adolescente até mais formal aqui.

3.8.1 O instituto de música da EST: Nesse período, o primeiro curso de música formal com linhas e disciplinas distintas e tal, esse curso foi estabelecido pela Helena, por mim e pela Ruth como discípulos, e nós fomos os professores também. O curso Técnico foi legalmente formalizado eu acho, em 1987. Ele existiu em várias versões domésticas, internas, oferecendo cursos, especialmente levando esses cursos para as comunidades, porque nós fizemos muito isso: finais de semanas intensos, onde nós nos preparávamos aqui e fazíamos os chamados “Projetos Pilotos”. Íamos pras comunidades por aí afora, se montava um projeto e quem viabilizava esses cursos éramos nós, esse grupo de músicos que transitava ou pseudo-músicos que estavam interessados em buscar formação, então esse curso de música nasceu muito dessa relação dos projetos piloto com as comunidades, aí as comunidades começaram a pedir gente mais preparada, foi dessa relação que nasceu o curso de música. [...] no momento que a gente começou a estabelecer contato a gente percebeu o interesse, então uma coisa foi levando à outra, de formar mercado de trabalho também [...] Todo esse espaço foi construído durante esse período, quer dizer, tanto da compra dos 126

É diretor da Capela São José em Porto Alegre, organista, pianista, cravista e construtor e restaurador de órgãos. 127 Anne Schneider é filha de Leo Schneider, foi aluna de Renato Koch, professora de órgão e organista oficial da Igreja Martin Luther. Integra o conselho de música da IECLB e é também conselheira da OSPA. 128 Entrevista Werner, p. 81

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instrumentos, a modificação dos espaços físicos pra poder alocar os cursos de música, dos instrumentos, de materiais pra biblioteca, de partituras, livros, de contratação de pessoas, de trazer pessoas pra tocar aqui, do órgão da capela, tudo isso foi feito durante esse período. [...] eu fiquei até 1992 na Licenciatura da UFRGS. Durante esse período eu continuei trabalhando aqui, dei aulas aqui, fui coordenador, enfim, um monte de coisas. Quando a Helena saiu pra fazer o doutorado (1995 a 1998) a coordenação passou pra mim, então, durante esse tempo todo eu trabalhava basicamente em tempo integral. Eu tinha feito trilhões de cursos, mas eu não tinha um estudo formalizado né, o tempo de fazer o estudo formal da UFRGS levou muito tempo, porque eu tava metido em muita coisa musical. Eu diria que eu aprendi muito mais em tudo isso do que no meu estudo formal. Meu estudo formal me deu uma sequencia, me sistematizou algumas coisas, me deu um diploma ao final, mas eu aprendi muito mesmo botando a mão na massa, no contato com a aula, tocando. Eu fui muito tempo organista de comunidade por aí. [E de que ano até que ano tu foste diretor aqui?] Eu acho que foi até 1998, quando eu fui embora. Foi do começo dos anos 90 [1993] até 1998, quando eu saí pra fazer mestrado. [...] Na verdade eu já fui pra fazer tudo, mestrado e doutorado. O meu foco mudou lá e as possiblidades que se apresentaram lá. Eu voltei em 2004. Toda essa história do estúdio tá de certa forma implicada nesse movimento todo da construção mais formal de educar musicalmente, de formar músicos mesmo né aqui dentro da EST. Eu me lembro que o estúdio tava implicado nisso e a gente usava muito o estúdio pra fazer produções. A gente gravou aquelas fitas k7 com as melodias do HPD [anexo 2, faixa 8], então, essas coisas estavam muito intrincadas uma com a outra, porque muita coisa aconteceu paralela, e essas pessoas que estiveram aqui na época souberam - com alguns arranca rabos pra cá e pra lá - souberam relacionar as coisas. [...] Essa história toda que existe hoje ela [Helena] começou. Mas em termos de formalização de curso, de pensar em educar musicalmente e oferecer um curso estruturado numa rede estruturada, que envolve pessoas, materiais, etc, era eu, o Domark, era a Ruth, o Cláudio Kupka, o Tresman. O grupo de 80 e de outras pessoas que não continuaram mais na música. Se formou um grupo de pessoas interessadas né, eu localizo isso em 80, que deu uma constelação favorável de pessoas e se criou essa 129 estrutura musical.

Após realizar seu doutorado, Werner relata seus últimos anos como professor da EST: Eu fui pro doutorado com a intensão de trabalhar na IECLB, não necessariamente dentro da EST. Mas quando voltei, o campo de trabalho que se apresentava era esse. Então eu voltei pra cá. Nesse meio tempo que eu fiquei fora, seis anos, essa coisa mudou muito. Os cursos mudaram, o direcionamento dos cursos mudou. Tinha um bacharelado em musicoterapia pro qual eu fui, tinha um técnico onde a Ana Altoff era coordenadora ao qual eu fui depois e o pós, eu fiz algumas orientações pra quem estava interessado em trabalhar com música e teologia. Bom, esse tempo que eu fiquei na EST eu fiz isso aí, e por conta das circunstâncias eu fui trabalhar 130 na Universidade Federal de Pelotas, prestei concurso.

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Entrevista Werner, p. 83 Entrevista Werner, p, 84

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Werner Ewald voltou de seu doutorado em Chicago em 2004. Nos anos seguintes foi produtor musical do disco Miriã 2, gravado na EST, professor de História da Música nos cursos Técnico em Música e Bacharelado em Musicoterapia na mesma instituição. Em 2007, assinou a produção musical do primeiro disco do grupo Anima, coordenado pelo professor Rodolfo Gaede Neto. Neste mesmo ano encerra seu vínculo com a instituição. Em 2009 volta a atuar como orientador de pesquisas na pós-graduação da EST. Em 2010 inicia como professor da Universidade Federal de Pelotas na área de história da música, onde permanece até hoje.

3.9 Cláudio Kupka Kupka reside hoje em Porto Alegre junto à CEPA, na rua Senhor dos Passos. Foi neste mesmo cenário que realizamos a entrevista numa manhã de outubro de 2012. Após a explicação do projeto via email, marcamos o encontro. Nos conhecíamos através de projetos e eventos realizados em parceria entre EST e IECLB: lembro-me que trabalhei na elaboração do vídeo institucional da IECLB no ano de 2004. Depois disso, houve alguns encontros de trabalho no Dia da Igreja da IECLB. A introdução da fala, assim como todas as outras, vem através da pergunta: qual a sua relação com a música da IECLB? Contou-me que sua relação com a música começou na adolescência. Por volta dos 14 anos começou a tocar violão na juventude evangélica, na cidade de São Leopoldo. Lá convivia com estudantes de Teologia e estudantes que vinham de outras cidades e até mesmo estados pra estudar na EST. A gente formou um grupo de canto, e eu descobri então essa vocação pra cantar em grupo e quase que simultaneamente pra compor também. Era a comunidade do centro [bairro], mas a gente tinha um movimento meio paralelo, que era um culto jovem domingo à noite, que reunia os estudantes de teologia e esses líderes jovens da região. Tinha estudantes que moravam em são Leopoldo, que não participavam da comunidade mas participavam desse culto jovem. Era um grupo muito ligado ao “Movimento 131 Encontrão ” porque os estudantes de Teologia eram. Isso foi em 1976,

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Movimento teológico que surge no norte do Paraná e Oeste de São Paulo, baseado nas perspectivas de missionários evangélicos vindos do EUA a partir de 1965. O discurso falava de um Deus próximo, com a

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77,78. Meu pai era líder da comunidade, e ele que formou esse culto jovem tentando dar essa atividade prática pra esses estudantes. Então ele conquistou esse espaço nas comunidades. Ele já tinha contato com os estudantes porque tinha um estudo bíblico naquela época na casa dele, então ele sempre tinha um desses estudantes fazendo esses estudos bíblicos. Daí surgiu a ideia de fazer um culto jovem né, uma coisa simples assim: cantava, lia um texto bíblico, oração, pregação, e com isso ia dando espaço pra esses estudantes praticarem. Ao redor desses cultos surgiram algumas dinâmicas interessantes, grupos de canto vinham se apresentar, de Novo Hamburgo, de tudo que é canto. Surgiu a ideia de fazer um encontro de grupos, um coralão. A gente chegou a fazer um retiro desse coralão e o resultado sempre era fazer uma apresentação ali naquele culto. Isso criou uma dinâmica bonita, era uma época de valorização dos grupos de canto, mas só que era tudo improvisado: um violão, uma percussãozinha leve e tal e, nesse sentido, eu comecei a compor, comecei a fazer arranjos, e daí eu já tava na EST e eu comecei à aprender um pouco mais seriamente como arranjar, como escrever partitura, como fazer arranjo vocal. [...] O 1º grau foi no instituto Rio Branco e no 2º Grau curso de Tradutor Intérprete no colégio Sinodal, daí eu fui direto pra EST. Lá era inglês e alemão, com ênfase em literatura e filosofia. Com isso eu tava bloqueado pra outra área que eu sempre gostei que era engenharia eletrônica. Eu tinha o sonho de ser engenheiro eletrônico, mas aí quando eu vi que o curso me fechou as portas porque não tinha física, química, matemática, direito e tal, ali eu já vi que eu não tinha futuro, mas eu sempre gostei de tecnologia, só não tive muita oportunidade até então. Com o grupo de canto era só um violãozinho no seco porque a tecnologia era muito incipiente ainda, não tinha muita opção, de caixas de som, guitarra, etc., até que em 79 me caiu um contrabaixo na mão e daí eu comecei a brincar e tocar num grupo que fez excursões pelo sul do país aí, eu cheguei a tocar contrabaixo mas tava aprendendo, mas meu esquema era violão e naquele tempo comecei a fazer violão clássico. Com essa história de grupos de canto eu tive contato com o Grupo Louvor aqui de Canoas, que já tinha uma trajetória bonita. Tinha gente que compunha, participavam a Alione, o Elton Bender, a Marta Arnold, um cara que compunha muito bem era o Daniel Schmitt, que era um compositor de altíssimo nível, hoje eu diria assim um dos primeiros compositores decentes que a IECLB tinha. Na época do 1o Musisacra, que foi o Primeiro Festival Nacional que a IECLB criou. [...] Foi aqui na Igreja Matriz e ele me pegou pra fazer o som, eu também tinha um equipamento de som que também era do Encontrão, um equipamento da Cotempo antigo, à válvula e duas colunas enormes que eu carregava pra lá e pra cá. [...] Foi aqui na Igreja mesmo, daí eu embestei de fazer o som daquele negócio. Terrível, tinha quatro ou cinco microfones e tentava fazer soar aquilo ali, e eu não tinha experiência nenhuma, era 132 autodidata total. Depois o Berhard , pelo conselho de música, resolveu gravar aquilo. Daí nós fomos pro Estúdio 2 da ISAEC que ficava ali na Carlos Gomes, e naquele estudiozinho lá então a gente gravou aquilo, era o maestro Alfred Hülsberg, acho que o Carlos Dreher indicou, ele produziu então a gravação. Ali então foi a 1ª vez que eu entrei no estúdio e logo na proposta de evangelizar e quebrar os paradigmas tradicionais da igreja luterana. Em 1985 aconteceu o primeiro Encontrão Nacional, que passou a se repetir a cada quatro anos. No final da década 1980, insatisfeitos com os rumos da educação teológica convencional na IECLB, resolveu-se investir em um centro de formação. No início dos anos 90 foi fundado o Centro de Pastoral e Missão - CPM em Curitiba-PR, atual sede do Movimento Encontrão. Abriga também a Faculdade de Teologia Evangélica em Curitiba - FATEV, a secretaria da Missão Zero, a Encontro Publicações, a Educação Teológica Contínua e o Ministério Jovem. 132 Bernhard Sydow: É organista litúrgico em São Leopoldo, Hamburgo Velho e Porto Alegre. Lecionou História da Música na EST; foi o criador do MUSISACRA quando Coordenador do Departamento de Música Sacra da IECLB, em 1985 a 86. Estudou com Eberhard Sydow (pai), Bárbara Friedburg, Marieta Heuser, Leo Schneider, Isolde Frank, entre outros.

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mesma época o Grupo Louvor me convidou pra produzir uma gravação deles. Eles não queriam gravar disco, era fita K7. Então nós viemos pro estúdio. Convidaram mais um ou dois músicos de fora, um baterista, um outro que fazia contrabaixo - acho que o Daniel era de outra igreja - e nós fomos pro estúdio A e entramos as noites gravando. Eu fiz os arranjos vocais, todo mundo colaborou um pouco com a questão instrumental, depois eu masterizei essa fita, então eu tenho em CD essa produção. Foi uma das primeiras coisas então que eu fiz. Entrei e senti que era aquilo que eu gostava. Primeira vez que eu vi um teclado DX7, aqueles teclados que era o bum da época, fazia-se de tudo com ele....a gente usou muito A ISAEC tinha uma beteria TR 707, que era a primeira na mesma época que fez muito sucesso, até o Carlos Dreher depois gravou o Befriad com ela, o Befriad foi todo programado com aquele esquema. [anexo 2, fx 10 e 11]

3.9.1 A música no Morro do Espelho Nós tínhamos uma cadeira de música sacra e quem dava era a Helena, e era a mesma época do Werner Ewald, da Rutinha. A gente era da mesma turma, e ela lançou o desafio, era muito inquieta, muito articulada, e botou na cabeça e fez a gente sonhar com a ideia de ter uma faculdade, ou um curso de música na EST. Ela jogou pra nós a tarefa e nós ficamos nos quebrando lál em reuniões, bolando um possível currículo de um pequeno curso de música. [...] Isso foi em 1981. Tinha lá também um laboratório, tinha alguém que fazia gravações, e incentivava os estudantes a gravar pensando em programas radiofônicos. Tinha um gravadorzinho, microfones. Eu também ajudei lá, mas não pensava muito em programa radiofônico, não tinha essa vontade na época então não me envolvi muito. Quem iniciou o projeto foi o Kirst, depois foi o Schlupp que pegou. [...] Então, fiz o 1º disco do Musicacra, eu tava formando uma banda nova que depois foi base pra outros projetos, a Banda chamada Toque, que meu parceiro principal era o João Walter Dier, que é parceiro daquela música que eu fiz “Quando o povo se reúne”, que é uma das músicas mais conhecidas minhas, e o João cantava muito bem. A gente montou então uma banda, umas das primeiras aqui, com bateria e baixo. Eu tocava contrabaixo, a gente tinha um equipamento simples e a gente tinha ainda um espaço no Encontrão, mas se articulava, a essas alturas, mais com o Encontrão Jovem, onde a gente tinha mais espaço pra inventar umas coisas diferentes. [...] Eu entrei na EST em 81, terminei lá por 86 ou 87 eu comecei na metade do ano aqui na Paróquia dos Estudantes de Porto Alegre - PEPA. Uma paróquia pequeninha, sem muito recurso. Só que ficava aqui no terceiro andar, e funcionava do lado do estúdio, e esse foi o pulo do gato! Eu, de repente, tava convivendo com os técnicos, os músicos daqui, e eu conhecia todo mundo. Era a época do Silvio Schneider como Secretário de Comunicação, e esse foi o cara que me jogou os projetos no colo. Ele viu: bom, o cara tá ali, tem tempo, precisa de grana, a IECLB pagava pra PEPA e eu garantia melhor meu salário com projetos de música que eu fazia. Esse então foi o triângulo que me jogou dentro do estúdio e me deu essas 133 oportunidades.

3.9.2 Musisacra O projeto da gravação do Louvor foi em 86, porque a partir de 87 começaram a aparecer outros projetos, que era o projeto do 2º Musisacra e as gravações de temas do Ano que começaram a aparecer. O 2º Musisacra daí eu já assumi o projeto sozinho.[anexo 2, faixas 14 e 15]. Reuni os

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Entrevista Kupka, p. 23.

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grupos todos E já era no estúdio novo, na Eduardo Chartier. E tinha um 134 pessoal da EST envolvido. Nós começamos a articular cursos, a ideia de estruturar um curso de formação musical, eu tinha muita curiosidade. Aliás, todos da Teologia tínhamos. Uns já faziam flauta, aulas de canto, a Helena já dava aula de canto e agitava todos nós. Ela era professora do currículo. Começou num determinado momento um curso, eu não me lembro exatamente que status 135 tinha, ela foi pra cima do Altmann e batalhou pela possiblidade de ter um curso, daí achou espaço. Não era ainda toda aquela área que nós depois nós conquistamos ali embaixo. O auditório ali, não era pra música ainda. Era o antigo refeitório talvez e nós começamos em qualquer sala ali do antigo IPT. Eu me lembro que nós tínhamos aula de canto numa sala bem grande ao lado da biblioteca ali no segundo andar. Logo depois nós conseguimos verba pra reformular todo aquele andar debaixo e aquilo virou então espaço do curso de música. Eu continuei fazendo, só não completei. Fiz regência, técnica vocal, teoria e percepção, vários cursos [E ele surgiu naquela época como nome de instituto de música?] Sim. Era o Instituto de Música e ali eu então estruturei o primeiro projeto do laboratório de Música e Informática. Por ter contato com essa tecnologia toda, eu comecei a ler muito, essas revistas importadas de música e tecnologia, eu comprava todas. O que eu não comprava eu pegava do Instituto de Música que tinha assinatura. Eu devorava aquilo e como eu sabia inglês, pegava os manuais dos teclados e devorava tudo. Então, pra ganhar dinheiro, eu vendia a minha hora de conhecedor desse campo. Tinha um pessoal da banda de baile, que tinha dinheiro, viviam disso. Compravam uns teclados modernos e não sabiam mexer. Eu pegava o manual e debulhava pra eles. Quem comprou aquele 136 U20 que está até hoje no estúdio?] Fui eu que comprei. Nós compramos 137 um computador, uma placa de som com interface MIDI e o U20. Depois veio uma impressora a lazer da HP pra imprimir as partituras. A gente comprou o Encore, eu não lembro, depois surgiu o estúdio e se usou aquilo 138 pra produções. Tinha uma mesa Cotempo . Essa mesa já tava rolando por lá no estúdio de gravação, acho que o Kirst ou o Schlupp comprou. Era uma coisa “estrombólica” que se usava. O laboratório projetos de instalação. Então a Helena foi diretora e ela foi embora fazer doutorado e o Werner assumiu. Paralelo a isso eu tava no Conselho de Música e, simultaneamente, produzia o Cantate Domino. Eu sempre dei ideia e estruturava o Musisacra, do 1º pro 2º eu participei. Tinha a visão de que o festival deveria produzir musica pra canto em comunidade. Então esse era o critério do Musisacra. A música não era pra enfatizar a performance, mas a qualidade da música em si pra que ela possa ser cantada depois. [Chegou a cantar no Coral do Morro?] Eu não participei do Coral do Morro. Era uma questão também teológica, eu era ainda muito afinado com o Encontrão. A linha das músicas do coral eram mais de esquerda, ele pegou o repertório todo que vinha da teologia da libertação e gravaram tudo: “A ceia do Senhor”. Esses hinos todos viraram arranjos e o pessoal cantava. Então não era um repertório que me chamava muito a atenção. Eu achava meio “deprê” aquilo,

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Entrevista Kupka, p. 24. Walter Altmann era o então Presidente da IECLB. 136 Sintetizador da Roland, um teclado de cinco oitavas que está até hoje no estúdio da Faculdades EST. Fabricado em 1989. 137 A sigla significa: Musical Instrument Digital Interface. Consiste num sistema de comunicação entre o teclado musical com o computador. Permite gravar partituras a partir da execução no instrumento. 138 Mesa de som, capaz de misturar o sinal de vários microfones e instrumentos para gravação de aúdio. 135

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Então, na EST eu fiz o laboratório de Música e Informática. Com a Laura 140 e com a Helena eu fiz a participação no Cante e Dance com a Gente , que foi gravado já com esse equipamento, o U20 era o teclado que a gente tava explorando na época, todos aqueles efeitos, aqueles barulhos que tinha agente tentava tirar dali. A gente fez a pré-produção lá na EST e gravou na ISAEC. Ensaiava e testava os arranjos lá, eu gravava no sequencer, e depois ia pro estúdio. Elas levavam a criançada lá, a gente fez...foi divertido, foi bom trabalhar com elas. Eu entrei na UFRGS logo que eu vim pra cá em Porto Alegre, em 1987. Mas a igreja não queria que eu fizesse música. Eu prestei vestibular pra história e depois, sem fazer alarde, fui fazendo processo de transferência interna. Por um ano me preparei pra violão, fiz a prova específica e entrei no curso de música. [E porque não te deixaram?] A Igreja não queria que um pastor dividisse o tempo e pudesse trabalhar meio turno numa coisa e em outra, eles achavam que eu não ia fazer bem feito nem um, nem outro e isso foi sempre uma questão pra mim, até 1996 era projetos de música, sempre envolvido. Eu me perguntava: até que ponto a música vai me absorver e que espaço eu tenho na igreja pra fazer isso? E sempre foi difícil essa resposta. O tempo que o Carlos Dreher assumiu a administração do estúdio novo até era uma oportunidade assim muito grande, mas nós não conseguíamos vender os discos, a Editora Sinodal não comprava nossos estoques e não bancava a venda deles, e nos dizia: nós vendemos livros! Nós tínhamos sempre esse dilema: de que adianta a gente sonhar com música se a gente não consegue vender, se a gente não tem mercado pra isso? Então o 2º Musisacra eu consegui fazer assim: se cada grupo conseguisse vender, tipo, dez discos, ganhava o seu disco. No total cotizou isso e conseguimos vender tudo, ou assim, boa parte pra pagar a produção. A gente organizou bem isso. No 3º Musisacra [gravado de dezembro de 1993 a maio de 1995] já não deu muito certo essa venda, encalhou muito. Já tava no limite da grande dúvida: fazia disco em vinil ou CD, sabe? A tecnologia tava em transição e, de fato, veio um LP muito mal prensado, cheio de ruído. A tecnologia tava assim, tão desvalorizava que eu acho que eles moíam disco velho e reaproveitavam aquele plástico. Aquilo vinha muito pipocado o som. Tinha discos que você ouvia, da metade em diante começava a chiar, dava problema. Bah, fiquei chateado, irritado com aquilo, então nós tínhamos problemas de colocação desse material nas comunidades e eu acho que, de fato, ele encalhou. Não tenho os números assim, de cabeça, mas ele não vendeu tanto. No 3º Musisacra eu fui gravar no Espírito Santo, porque tinha pelo menos três grupos que ganharam prêmios. [O festival ocorria meses ou no ano anterior ao disco.] Então nós alugamos um estúdio lá e eu me lembro que, acho que eles tinham o mesmo tipo de fita e a gente usou a fita e gravou lá. Achamos um estúdio em Vila Velha, fizemos a gravação numa tacada, em dois dias fizemos isso. O de São Paulo, que tinha o grupo de Santo Amaro, grupo coral de lá, nós mandamos a fita, eles acharam um estúdio que tinha o mesmo gravador, a gente encaixotou a fita multipista, que depois voltou e eu mixei ela em casa. Na ISAEC tinha uns problemas, vasou o metrônomo, 141 essas coisas desse tipo. [anexo 2, faixas 16 e 17].

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Laura Franch Schmitt Silva – Hoje coordenadora da Licenciatura em Música da Faculdades EST. Foi, por muitos anos, professora no curso técnico em Música da EST e também coordenadora do Bacharelado em Musicoterapia. Compõe músicas infantis. 140 Projeto voltado à música infantil. Foram gravados dois discos e produzidos livros e cancioneiros. O grupo viajou para a Alemanha com o espetáculo “O Curupira”. 141 Entrevista Kupka, p 26.

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3.9.3 Entre a música e o Pastorado Eu fiquei pastor da PEPA de 87 a 96. Funcionava aqui o estúdio, primeiro no terceiro andar. Depois houve uma redistribuição do espaço, a ISAEC 142 saiu. Em 1991 eu fui pra Alemanha , daí eu trouxe um Atari pra mim e um 143 software Logic , Era o que eu tinha dinheiro pra pagar, então eu tinha um 144 145 sequenciador MC50 , um modulozinho Sound Canvas e com isso eu andava pra lá e pra cá e fazia algumas coisinhas. Com a banda Toque eu consegui gravar alguns projetos já no Estúdio novo da ISAEC na Eduardo Chartier. Eles queriam que a gente testasse o estúdio, então eu pegava a banda e botava eles lá pra gravar nossas músicas. Lá pudemos fazer os projetos da secretaria de comunicação. No estúdio B do novo, eles botaram o B pra funcionar depois. Tinha uma Tascam, era um estúdio com menos acabamento, depois botaram o Croma. Então, ali naquele estúdio a gente gravou o material do “Pão nosso, Pai nosso”. Essa foi uma produção que a gente fez. Depois, “Comunidades a Serviço da vida” já não era com a banda. Eu já tinha o equipamento e programava a bateria. Tinha uma bateria eletrônica R8- da Roland e um teclado D50. Então eu fiz com isso, sem sequenciar. Eu sequenciava a bateria e fazia o resto todo ao vivo, daí era violão e a voz do João. Entrementes, eu levei gente pra cantar junto. Na mesma época eu tentei produzir a gravação do Terceiro disco do Coral do Morro, que não ficou bom. Era o André Lichtler, se não me engano, que era o regente. Era uma turminha nova, o Delmar cantava junto, e isso virou disco depois. Eles regravaram isso de novo, porque eles tinham um problema de afinação. Caía a afinação e eles não conseguiram fazer aquilo ficar bom. Gastamos horas de estúdio, mas aquelas gravações não vingaram. Um pouco era de como fazer aquele coral cantar. Depois foi feito o disco, chamado “Passos”, em comemoração aos 25 anos do Coral, mas esse foi bem depois, eu teria que ver se eu fiquei com alguma demo disso, mas depois a continuação eu não participei. [Então, na verdade a ISAEC sempre teve o lado comercial, técnicos fixos e produções paralelas à Igreja?] Sim, que tinham um valor subsidiado né, tudo isso era negociado. Mas eu não participava desse custo, eu não entrava na discussão. Isso tudo era com o Sílvio, ou com o Carlos Dreher. Tinha a Tânia, que era diretora do estúdio. Eu era só contratado e ajudava a estruturar o projeto, envolver e ver custos. [A ISAEC produzia os discos e a distribuição se tentava na Editora Sinodal?] É, mas eles geralmente não embarcavam nessa, e era tudo alternativas que 146 a Secretaria Geral tinha que resolver. Bom, Tema do Ano era uma coisa né? O Musisacra é que foi difícil, porque daí não se usava a estrutura aqui da casa. Talvez até se usou alguma coisa de mandar pacotes, mas depois, era ali que “enroscava” o negócio. Eu cogitei então de fazer um projeto já em 1994 ou 1995. Pensando que eu poderia me dedicar exclusivamente, eu queria fazer um estágio no exterior em algum centro de produção de material. No fim, eu não fui. Fiz o projeto, escrevi, justifiquei, botei minhas fitinhas, CDs, tudo, e eles não sabiam o que fazer com isso porque eles não acharam no exterior nenhum lugar que eu pudesse fazer. Quando eu fui em 91 e comprei o atari, foi por conta do trabalho da PEPA, visitar comunidades universitárias, eu e o João, parceiro da música e bom, daí eu desisti né. Enfim, todos os projetos, não deram em nada. Ninguém me deu sinal verde e a solução? Vou ser pastor, vou pra paróquia. Ganhei convite e fui pra São 142

Computador antigo desenvolvido a partir de 1990. Programa de computador capaz de gravar e editar pistas de áudio. 144 Equipamento capaz de gravar e arranjar músicas em sistema MIDI. 145 Uma espécie de memória que armazena timbres de instrumentos, como pianos, violinos, bateria, etc. 146 Anualmente a IECLB trabalha com uma campanha nacional chamada “Tema do Ano”. Desta forma, alinha seu discurso teológico e dá direção ao seu trabalho pastoral, missionário e catequético. 143

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Paulo. Em são Paulo atuei como pastor, na zona sul, lá eu larguei essa parte de produção musica totalmente, cantei em coral só e montei uma bandinha pra cantar com as crianças numas atividades que a gente tinha. Tecnologicamente eu estacionei, foi quando começaram os sequenciadores que tinham gravação de áudio direto. Eu mexi um pouquinho, não muito e parei de comprar e ler aquelas coisas e me aproximei mais da editoração eletrônica e à informática. Foi o bichinho que me mordeu, eu aprendi a fazer e hoje é uma área que eu gosto bastante. Fiquei de 97 a 2002 em são Paulo, compus uma ou outra coisa. Então tem um período longo, entre 1992 a 1997 fiquei na PEPA produzindo coisas. Eu fazia de tudo pra complementar meu salário. Fui pastor distrital, tinha um esquema na paróquia da Paz que eles me contratavam pra fazer o jornalzinho deles, de reger o coral, eu regi um coral dois ou três anos a fio lá. Aqui na Matriz me convidaram pra substituir um regente que saiu. Na UFRGS eu fiz um ano só. teoria e percepção. Tinha três aulas de manhã por semana. Eu não tinha condições e horário, aí eu tive que desistir. Eu pensava assim: Licenciatura? O que é que eu vou fazer com isso? Ah, vou me especializar em produção meio autodidata. [...] Eu que fiquei com a Igreja e fazia só o que sobrava de tempo, produzia pro Conselho de Música. Bom, fui pra São Paulo, voltei em 2003 pra cá e de produção musical, a rigor, não fiz mais nenhuma, só continuei compondo. Voltei pra ser Pastor aqui, na igreja Matriz, [...]Tu tem que te dedicar bastante, então desde o início foi bem puxado, mas eu nunca deixei de contribuir no sínodo e ali que eu me engajei no conselho de música e no conselho de liturgia pra ajudar nos projetos do sínodo. Como o Musisacra tinha acabado, eu disse não, a gente tem que retomar esse projeto de composição, então nós criamos um festival sinodal aberto, pra reativar esse movimento que parou por causa do custo, de reunir pessoal do Brasil inteiro. Já que não da pra fazer, mas não vamos deixar de fazer em nível regional. Tem tanto grupo aqui perto. Então fizemos o primeiro como uma versão isolada, lá no Colégio Farroupilha. Conseguimos patrocínio, fizemos show de abertura com a Orquestra Eintrach. Foi em 2005, eu acho. O Quarto Festival foi em 2012. 2010 foi o terceiro e 2008, foi o segundo. E sempre foi Sinodal, aberto. Foi bom assim, porque daí começou a criar esse movimento, e a partir do 2º Festival a gente se ligou ao Dia da Igreja, sempre na véspera. A primeira vez no mesmo local, depois a gente foi pro auditório do Colégio Sinodal. O 2º Feestival já foi no Morro do Espelho, no palco do Dia da Igreja. Na Véspera, teve aquela banda de rock que tocou. No 3º Festival, foi com os MCCoys no auditório do Colégio Sinodal e o 4º Festival então, foi o Grupo Anima que encerrou. [E tem algum festival em nível nacional da IECLB?] Não, mas tá se cogitando em retomar, porque tá começando a surgir festivais de novo. Descobrimos agora que na Amazônia já tá na quarta edição. No Espírito Santo tem outro. O Sínodo Nordeste Gaúcho já tá fazendo outro e já deu o 147 recado aí. Eu falei pro Cleonir . Já estamos pensando em fazer e, de repente, eles vão pegar o nosso nome: Festival Luterano de Música. O Cleonir é o coordenador nacional de música, foi eleito no final do ano passado. O Schlupp pegou no rastro do Movimento Repartir Juntos, ele fez as gravações daquelas séries de hinários, tu tem sempre que pensar nos movimentos que vinham e alguma coisa surgia então musicalmente ali 147

Cleonir Zimmermann é mestre em liturgia, ministro de música na União Paroquial de São Paulo, professor de música e ensino religioso no Instituto Educacional Luterano. Integra os conselhos de música e de liturgia da IECLB. Estudou música sacra na EST e durante intercâmbio em Munique, na Alemanha.

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junto, ou pessoas que tinham essa visão e as vezes as coisas eram subproduto de processos, por exemplo, tinham coisas que davam certo: Coral do Morro foi uma coisa que deu certo com o tempo do Kirst. O Kirst era um empreendedor. O Schlupp era engenheiro de áudio, caiu perto do grupo do “Repartir Juntos”. Alguém teve a ideia de cantar e fazer o hinário e gravar uma fita. e saiu um projeto ali. As produções do Tema do Ano era o Silvio Schneider o cara que tinha visão nessa área: “vamos fazer uma fita e mandar pras comunidades”. Era toda uma visão de comunicação da Igreja numa certa época, de ter as rádios e os estúdios. Com essa máquina, era possível de se usar, mas não se usou bem. Tinha algumas hipóteses de aquilo gerar dinheiro pra igreja fazer outra coisa. Não se tinha um projeto missionário através da música, nunca foi visto assim. O Dreher tem uma frase: “a gente sabia fazer, mas não sabia vender.” Então eles eram postos em cheque e não conseguiam manter a coisa. Eram visionários assim, mas não eram muito de fazer a conta. Enquanto vinha dinheiro do exterior, tudo bem, subsidiado, mas tinha que se manter aqui, porque uma hora esse dinheiro ia parar, então esse era o ponto fraco deles. E eu tava ali no meio de vários desses movimentos que surgiram, por exemplo, os grupos de canto, o grupo de Canoas quando gravou, foi um grupo que deu certo, então vamos registrar e gravar uma fita, quem vamos pegar, o cara que 148 mais sabia e já tinha pisado em estúdio: pegaram eu! Na PPL, quem mais mexeu nessa área foi o Louis Marcelo Illenser, ele que fez o hinário o Povo Canta, ele tava ali no nascedouro desse projeto. Eles tinham uma banda que tocava, o Dorival Ristoff é um dos caras chave, a Gerda Jung de Novo Hamburgo, cantou vocal nessa banda. A gente tinha toda uma articulação do Encontrão. Eu fiz uma transição do Encontrão, fui saindo, saindo e me articulando mais na EST, num nível menos alinhado. Naquela época eles cogitaram que eu fosse diretor do Instituto de Música, mas eu ainda era muito ligado a minha imagem ao Encontrão, então meu nome foi vetado, talvez pela formação também, mas eu fui me afastando do Encontrão e ficando só no Encontrão Jovem, que era uma ala mais aberta e ficou nisso. Depois eu larguei totalmente quando os carismáticos começaram a tomar conta, aí eu me afastei total. Pra manter os projetos de música, fui me alinhando ao Conselho de Música, Conselho de Liturgia, e fui me articulando com todo mundo. Não interessa se eu era do Encontrão ou não era. Eu vi essa experiência, mas pra que eu preciso de um “movimento” se dá pra trabalhar com todo mundo? A gente dialoga. Os caras de esquerda vinham falar contigo [...] Foi legal, pra gente que elaborou um novo movimento na IECLB. Essa polarização não era mais interessante e nós tínhamos mesmo era fazer missão e achar um jeito de fazer missão dentro da IECLB, daí surgiu o PAME e um ambiente mais desarmado de produção teológica e de trabalho em conjunto. PAMI é o Plano de Missão da Igreja. Tem um livro do PAMI. A teologia que tá ali é uma teologia fruto de várias influências, Tá o Enos ali junto que é um cara que tem um pé no Encontrão mas é da Igreja, o Omero Severo Pinto que tem uma história também mas era uma liderança da igreja. Já pessoas como o Altmann não, sempre tiveram uma linha de esquerda e foram colocados como líderes, tiveram que articular, bem ou mal, tiveram que lidar com carismáticos. Já a linha do Enos e do Omero, são um pessoal que trabalhou aqui no Vale dos Sinos e nunca radicalizaram, sempre trabalharam com integrando todos, e essa linha de trabalho eu sempre defendi. Pra mim, foi muito bom tirar essa 148

Transcrição Entrevistas, p. 27.

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polarização. Os festivais não tinham essa polarização. O Roberto Swetch tem um trabalho onde ele fez, com os estudantes, uma análise. Até o Quando o Povo se Reúne, ele fez uma interpretação toda teológica porque que essa música surgiu, então tem umas leituras teológicas, sacadas interessantes que eles fizeram lendo posterior, interpretando a música desse tempo de descobertas e linhas teológicas que a Igreja foi seguindo. Eu tenho um bom estoque de músicas que a maioria das pessoas não conhece. [Enquanto ligava o computador para me mostrar, perguntei-lhe quantas são?] Não sei, mas é que as primeiras 30 ou 40 vão tudo pro lixo né? [risos] Tem as litúrgicas que, numa conta por alto, deve ter uma 40 que vale a pena. [E tu tens registro dessas músicas?] Tenho tudo organizado em pastas aqui no computador. [ E direito autoral, ECAD, biblioteca nacional?] Nunca fiz nada, nem sei, até se tu puder me ajudar, eu nunca me 150 mexi .

Cláudio Kupka é autor dos seguintes Hinos do HPD 2: Quando o povo se reúne (336 e faixa 15 do anexo 2), Letra: Claudio Kupka, Melodia de João W. Dürr. É Autor de Letra e Melodia dos seguintes hinos: Igreja que serve, serve (417), Estás tomado de tristeza (458), O´ Pai, nós te pedimos (459) e Tão longe se pode seguir (461).

3.10 Rodolfo Gaede Netto Nascido no Ituênia, Minas Gerais, bem próximo à fronteira com o Espírito Santo, teve sua formação de base na ADL, localizada no município de Afonso Cláudio entre 1967 e 1970. Frequentou o ensino médio já em Ivoti/RS na Escola Normal Evangélica de 1971 até 1973. Logo no ano seguinte ingressou no bacharelado em Teologia da Faculdades EST entre 1974 e 1979. Lá graduou-se, fez mestrado(1999) e doutorado (2002). Exerceu o Ministério Pastoral, de 1979 até 1985 na Paróquia de Alto Jatibocas, município de Itarana/ES. De 1985 a 1987 atuou na Paróquia de São João de Garrafão, município de Santa Maria de Jetibá/ES. De 1987 até 1996 serviu na ADL, sendo diretor geral desta instituição entre 1993 e 1996. Desde 2003 ocupa o cargo de Professor de Teologia Prática na EST. Desde 2007 é coordenador do Bacharelado em Teologia da EST e coordenador do grupo vocal Anima.

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É professor de Teologia na Faculdades EST. Entrevista Kupka, p. 28.

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Enquanto estudante de teologia em instituições da IECLB eu tive contato com a música. Primeiro estudei ainda adolescente num internato, ainda no Espírito Santo, na ADL. Essa casa se caracterizou pelo incentivo à música. Lá eu tive as minhas primeiras aulas de música e também de instrumento. Tinha o sonho de aprender o harmônio. Bom, mas não aprendi direito, só tive noções. Depois eu fui fazer meu ensino médio em Ivoti, lá também, uma escola da IECLB que dá muita ênfase à música, também continuei tendo aulas de música na sala de aula: teoria e instrumentos, depois me desafiaram enormemente a aprender violoncelo. Eu comecei e tive umas aulas com o Naumann. É, ele que incentivava. Mas não gostei de tocar violoncelo porque eu não tinha a noção da importância desse instrumento. Eu não me via tocando, por exemplo, numa orquestra e tinha uma visão muito utilitarista da música. Eu só queria aprender aquilo que fosse útil pro meu trabalho na Igreja. Depois eu fiz Teologia na EST e como formado eu fui trabalhar nas comunidades no Espírito Santo. Lá as comunidades são muito exigentes, quer dizer, gostam muito de música, e querem que a gente cante muito nas celebrações e que a gente ensine música para os jovens. Então, nessas comunidades, tinham os cultos com muitos cantos e tinha coral de trombone. A gente tava sempre incentivando esse pessoal, eu dei algumas aulas básicas de violão pra jovens das comunidades. Eu formava grupos que aprendiam a tocar essas coisas básicas, pra que pudessem animar os grupos de jovens e confirmandos. O violão eu aprendi por conta própria, mas não aprendi direito, então eu sempre fui um meio autodidata. Essa é minha relação musical com a música da IECLB. Com a música, era praticamente o hinário tradicional né, naquele tempo ainda só tinha o primeiro hinário. Era esse que é hoje o HPD 1, ele é uma reedição do anterior que também tinha esse tipo de música, a maioria das músicas traduzidas do alemão, quer dizer, as músicas importadas da Alemanha. Então essa é minha influência por conta da minha história pessoal e do meu trabalho musical na IECLB. Então, lá pelos anos 70 e 80 entraram as canções novas, que eram canções mais brasileiras, mais abrasileiradas, então, a gente tinha também um trabalho com jovens e nesses grupos os jovens queriam cantar coisas mais modernas. [Pós Teologia da Libertação?] É, aí tem um outro capítulo que tem a ver com música também. No meu trabalho ministerial eu fiz parte de uma equipe de pastores que fazia um trabalho baseado na Teologia da Libertação. Eu fazia parte da metodologia de trabalho, trabalhos em grupo e nesses grupos a gente sempre cantava, cantávamos as músicas da Teologia da Libertação, sempre com violão, esse tipo de música era na maioria das vezes música brasileira mesmo [E isso entrava nos cultos?] Sim, bom lá nos grupos a gente fazia reunião de grupos menores, em famílias. A gente sempre começava a reunião cantando, terminava cantando também e quando uma música dessas pegava ela ia pro culto e se ensinava pra comunidade toda. Tinha essas, tipo: “Cantai ao Senhor”, “Eu me viro pra todos os lados”. Muitas vezes, hinos baseados em salmos, mas também hinos de denúncia das injustiças e descrição da realidade, dos problemas sociais. Bom, essa é minha relação. Ah sim, a minha família toda gostava de música. Ninguém é músico de fato, mas meu pai gostava de cantar, minha mãe gostava de cantar, mas como leigo, meus irmãos todos cantam. Tem até um ou outro que toca algum instrumento, mas ninguém teve uma formação musical. A gente cantava em casa, em coral ou em família. Na ADL eu participava sempre do coral da Escola, e no mês de julho se fazia um evento que se chama até hoje “Semana de canto”, onde se reunia 70 a 80 pessoas durante uma semana pra cantar. Se formava um coral e a gente era convidado a cantar num “coralão”. Depois de ter trabalhado vários anos em comunidades eu voltei pra ADL pra trabalhar como professor e depois eu me tornei diretor da instituição. Nessa ocasião, surgiram os “Musisacra” e como a gente na escola trabalhava com música, então nós formamos um grupo musical chamado “Espaço” e

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concorremos nos festivais de música regionais e nos nacionais. Classificamos algumas músicas naquela vez: “Resistência” [está no 3º Musisacra] é dali. É, tem várias músicas que depois foram então gravadas em CD. Tinham as eliminatórias regionais e as classificadas iam pra nacional. O Cláudio Kupka era quem reunia essas músicas e gravava em estúdio. Dali saíam coisas boas, algumas delas estão aí até hoje e passaram a integrar o hinário da IECLB. E enquanto estudante de teologia, já era época da Teologia da Libertação. A gente ouvia essas músicas e de repente também se animava a compor alguma coisa nesse estilo. [Tua primeira composição foi em que ano?] Deve ter sido lá pelos anos que eu entrei na EST em 1974. Uns dois ou três anos depois eu devo ter composto a primeira que se chama “Zé povo”. [risos]. Era uma canção de brincadeira mas ao mesmo tempo falava da realidade das pessoas, principalmente de membros da IECLB que são pobres e que precisam pagar a contribuição, tem dívidas na farmácia, na venda, fala dessas coisa né...é isso foi nos anos 70 então. [E essa música tá registrada em algum cancioneiro?] Cancioneiro sim, não cancioneiros oficiais, mas surgiu muitos cadernos de música na época. Mas eu não tenho isso organizado, nem sei quantas são, mas acho que em torno de 30 composições. Algumas se tornaram mais conhecidas, mais usadas, outras foram sendo esquecidas, mas deveria fazer isso. [...] Várias delas agora 151 estão nos CDs do Anima, estão registradas dessa forma.

3.10.1 O Grupo Anima. Em 2007 eu já era docente na casa. Aí apareceu um grupo de estudantes que tinha interesse em formar um grupo, e me procuraram. Então eu incentivei e foi dessa forma que surgiu o grupo Anima. Eu acho que me procuraram também porque eu já tinha criado o grupo Espaço na ADL. Esse grupo teve continuidade depois que eu saí de lá. Tem três CDs gravados. Quem gravou, por exemplo, esse primeiro CD foi o Cláudio Kupka.[ver anexo 2, faixa 17]. Ele foi em Vitória pra gravar as nossas músicas as quais nó tínhamos concorrido no festival. Então, voltando ao ÂNIMA. Esse grupo me procurou porque a maioria são capixaba, me conheciam como criador do grupo Espaço e sabiam também das minhas composições e achavam que eu podia dar um incentivo institucional e queriam que eu fizesse a ponte com a instituição, porque a gente precisava de um espaço pra ensaiar, precisava de instrumentos. Começamos com uma caixa de som antiga, bem velha e pequena, cada um com seus violões. Aí depois, com o passar do tempo a gente foi adquirindo mais coisas, ensaiávamos na Capela da EST. Aí começaram os convites das comunidades pra gente ir participar de algum culto, fazer apresentação e a coisa começou a ficar séria e o grupo cresceu, aumentou até o ponto da gente poder dar conta desses desafios e convites. Então acabamos sendo convidados pra cantar na abertura de um Concílio da IECLB em Estrela. E essa ideia foi bem acolhida, de um grupo de estudantes de teologia, estudantes da EST fazerem esse tipo de coisa, participar de um concílio e cantar na celebração inicial. A gente foi parar lá, justamente a convite da equipe encarregada de fazer a celebração Lá recebemos muito apoio, assim dizendo: poxa, isso é tão bom, estudantes de teologia se envolverem, participarem, visitarem as comunidades. Aí, como esse Concílio foi filmado e transmitido depois, muita gente conheceu o grupo Anima: Ah, o grupo da EST que participou do Concílio e cantou lá. 152 Aí começaram os convites e não pararam de chegar até hoje. .

151 152

Entrevista Rodolfo, p 42. Entrevista Rodolfo, p. 43.

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Isso significa que um grupo musical tem o seu lugar na Igreja. Não um grupo, a Igreja deveria ter muitos grupos, cada Sínodo, pelo menos, deveria ter um grupo que pudesse fazer esse trabalho de animar as comunidades, de fazer a visita, fazer contato, participar da celebração, coisa e tal. O pessoal adora isso. [E ao teu ver, porque achas que não existam outros grupos?] É justamente, quanto mais a gente saía pra se apresentar o pessoal perguntava: - vocês não tem CD pra vender? Quer dizer, o pessoal queria ficar com as nossas músicas que a gente tinha apresentado. Aí surgiu a ideia: - será que a gente tem condições de gravar alguma coisa? E arriscamos aquela vez, tivemos apoio da instituição de gravar primeiro disco 153 em 2007.

O grupo Anima gravou seu primeiro disco com produção de Werner Ewald na Faculdades EST (ver anexo 2, faixa 20) chamado A Fonte. A captação, mixagem e masterização foi realizada por mim. Depois surgiu o segundo disco no ano de 2010 com título Nas asas do vento (ver anexo 2, faixa 21 e 22). Realizei toda produção musical, captação, mixagem e masterização. Ao final de 2012 um terceiro disco foi encaminhado. Chama-se Além do Azul do Céu. Rodolfo é autor (letras e melodia) dos seguintes hinos do HPD II: 318: Vem, Espírito de Deus, vem nos consolar e 443: Eu quero caminhar com os pés firmes neste chão. Outros hinos de sua autoria podem ser encontrados na coleção Miriã 1 e nos discos do grupo Anima.

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Entrevista Rodolfo, p. 44.

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3.11 Louis Marcelo Illenser Louis Marcelo é regente, compositor e arranjador. É membro do Conselho de Música da IECLB e nos últimos anos, teve participação ativa na música da Igreja, através de regências e gravações de discos em parceria com Carlos Dreher. É maestro e arranjador da Comunidade Evangélica de Porto Alegre e na FACCAT – Faculdades Integradas de Taquara e regente da Orquestra da Feevale em Novo Hamburgo. Tem sido o responsável pela equipe de música no encontros do Dia da Igreja do Sínodo Rio dos Sinos. Eu nasci em Curitiba, mas eu me criei em Foz do Iguaçu, eu fui pra lá com sete anos e lá a nossa comunidade tinha uma característica be eclética, uma igreja luterana pequena, mas com gente do Brasil inteiro em função da construção de Itaipu e em função do turismo. Meu pai foi trabalhar lá em função do turismo. Aí eu comecei a estudar música com a regente do coral da Igreja, ela me deu as primeiras dicas de teclado e aí aconteceu uma coisa assim: Um militar, o Lino, ele era um negro casado com uma luterana em Santa Catarina e foi transferido pra Foz. Ele tocava sax e clarinete e foi transferido pelo exército. Aí eles se envolveram na comunidade e meus pais ficaram muito amigos deles. Eles iam jogar carta lá em casa. Nessa época eu ganhei o piano dos meus pais, eu tinha uns 13 ou 14 anos e ele começou a trazer o sax e o clarinete e começou a me ensinar. Ele e a regente do coral – Dona Gisela. Aí, por causa do Lino e da Marlene a gente começou a tocar e ele me desafiou a começar a tocar na igreja. Eu disse vamos, já tocava alguns acordes de violão. Na igreja tinha o harmônio, então eu com 14, 15, 16 anos, praticamente todos os cultos ia tocar com eles. Tinha um vizinho da igreja que tocava violino, então algumas vezes nós tínhamos um trio. Eu tocava harmônio, tinha clarinete e violino. Curioso que ele nunca levou o sax pra igreja, não sei se tinha alguma questão de preconceito, ou coisa do gênero. Depois ele foi transferido, largou a carreira militar e acho que toca até hoje na famosa Banda Cavalinho Branco, que toca nas Oktoberfest de Blumenau. Ele voltou pra Santa Catarina. Então eu comecei ali e eu fui influenciado por um estagiário da nossa paróquia quando eu tinha 17 anos a conhecer a EST e vir estudar Teologia. Eu nasci em 1973. Aí em 1991, eu tinha 18 anos e vim estudar na EST. Obviamente então eu entrei na época no Coral do Morro e consegui um trabalho já no 1º ano em Canela. Eu ia a cada quinze dias à Canela fazer um trabalho com jovens assim numa juventude evangélica. A Ruth já estava terminando seu bacharelado e fazia a preparação do Coral do Morro, e daí muitas coisas interessantes aconteceram naquela época: Em 1992, eu me inscrevi pra fazer vestibular na UFRGS e naquela época tinha eu, o Edson Ponic e o Delmar Dickel, nós éramos amigos na EST e fizemos esse vestibular e passamos. A nossa turma até foi notícia de jornal na época porque a UFRGS tinha um teste de seleção muito rígido e nós três passamos porque a gente já tinha um curso de música Sacra na EST, que

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era encabeçado pela Helena e tinha o professor Werner Ewald. A gente fazia, não era o técnico, era um curso de música Sacra da EST. Então a gente aprendeu aquele método de musicalização através da voz. Ali eu aprendi intervalos e escalas usando a voz. Aí comecei a me destacar nessa área de canto coral. Em 1993 eu ingressei na regência, mas demorei muito tempo pra me formar porque eu já trabalhava em Sapiranga naquela época na comunidade aqui, fiz acessórias para o antigo departamento de Catequese, eu visitei a Rondônia quatro vezes, Espírito Santo, São Paulo, pra gente fazer oficinas pra jovens. Eu sempre coordenava essa parte de música. Tem um outro detalhe dessa época, tinha os acampamentos ligados à área da esquerda da Igreja que era o chamado “Repartir Juntos” e nesses acampamentos a gente tinha uma banda de vários músicos da cidade, a gente tocava e animava. O mentor era o Schlupp, que tocava também, eu conheci ele lá. Na verdade tinha vários pontos, no oeste do Paraná, em Cascavel e tinha todo um envolvimento político com o Movimento dos Sem-Terra. Era uma época complicada, foi quando começou a coisa da democracia, eleições diretas. Fiquei na EST de 1991 até 1995. Fiquei cursando a UFRGS em paralelo e depois eu acabei desistindo da Teologia porque tava pesado trabalhar, fazer Teologia e fazer Música. Eu acabei, depois, fazendo a complementação do meu curso na área de Catequese e eu virei Catequista da IECLB. O meu recital de formatura na UFRGS foi em 1999, mas eu conclui todas as cadeiras em 2003, levei 10 anos. [risos] me formei em regência. Depois disso eu também me envolvi com o Conselho de Música da Igreja, até nessa última gestão do Sínodo eu fui coordenador, aí a Gerda assumiu a coordenação da parte musical no Sínodo Rio dos Sinos. Eu saí, mas continuo dando apoio pra ela. No dia da igreja eu ajudei a reger e fazer os 154 arranjos.

3.11.1 Conselho Mundial de Igrejas Um “boom” que aconteceu na minha vida musical pra igreja foi em 2006, quando teve o Conselho Mundial de Igrejas. Ali a IECLB foi quem puxou a frente para a organização do evento, e tava se escolhendo nomes para alguém coordenar a música. Aí entre alguns nomes, eu assumi e tive contato com a música ecumênica e com um tipo que se chama de Global Music, e você acaba tendo contato com músicas da África, Oceania, da Europa, EUA. Isso foi muito bacana. A partir daí eu fui convidado pra ir pra outros países mostrar como se faz música sacra aqui. Eu já fui pra Noruega (2009), Dinamarca (2009), Cuba (2008), este ano no México (2012) e também em SEUL (2012). Eu participei do grupo que está organizando e compondo músicas para a próxima assembleia do Conselho Mundial de Igrejas, a décima, em Busan, na Coreia do Sul. Essa assembleia acontece a cada sete anos. Então eu tô feliz com essa caminhada, embora eu faça um trabalho até mais fora da Igreja do que na Igreja, mas eu tô sempre ali no 155 meio das coisas.

3.11.2 Produções de discos Em 1997 eu saí de São Leopoldo e fui pra Porto Alegre trabalhar na Paróquia Salvador. Naquele tempo então eu já conhecia o Gustavo Dreher, 154 155

Entrevista Louis, p. 60. Entrevista Louis, p. 62.

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conhecia o Carlos Dreher e, antes disso, eu tinha feito um trabalho de organização do cancioneiro da PPL, nós tínhamos uma equipe: o Romeu Martini, o Zeca Gaede - irmão do Rodolfo, Cristof Kayser. E aí eu fiz a gravação de algumas músicas daquele cancioneiro e a organização do cancioneiro. Eu tinha referência das músicas, ouvia e escrevia a partitura, só que tu não sabe se ela tá correta ou não e, no momento que tu registra, acaba valendo aquela. Mas na época eu nem dei bola, fui fazendo, o cancioneiro saiu e a gente produziu de forma muito elementar, eu toquei teclado e voz, gravando separado, quando o Estúdio Dreher era ainda na avenida Iguaçú em Porto Alegre. Esse foi o 1º trabalho que fiz com ele em 1996 ou 1997. Aí eu também fui convidado para a comissão do hinário do 2º HPD. O Dreher queria gravar os hinos do HPD, então logo a gente fez, ele me convidou para o trabalho de produção, eu nunca tinha produzido um disco. Então, começamos a fazer e a gente faz até hoje da mesma forma: O Thomas [filho de Carlos Dreher] é músico, toca violão muito bem, percussão, bateria, então nós dois fazíamos uma base instrumental e então convidávamos outros músicos e cantores que iam, na maioria das vezes sem cachê. Depois, a partir da venda do disco, o Dreher pagava algum cachê com o dinheiro dessa gravação. A gente gravou dois discos de hinos do HPD 2 na sequência: do 308 até o 334, depois em diante [ver anexo 2, faixa 23]. Aí quando chegou em 2006 nós gravamos o tema do ano – Deus em tua Graça Transforma o Mundo, que eu acabei compondo uma música sem querer, teve um evento preparatório e tinha um culto, aí nesse evento tinha uma liturgia e o pessoal escolheu as músicas e eu organizei a banda. Tinha o coral jovem da CEPA, músicos que eu conhecia. Aí eu reparei que na liturgia tinha todo um repertório e no recolhimento das ofertas não tinha nenhuma música, daí eu resolvi fazer uma música em torno do tema Deus em tua graça transforma o mundo, muito simples, três acordes, uma melodia simples. A gente ficou tocando e cantando essa música e ela virou tema da Assembleia no ano seguinte e foi tocada no mundo inteiro. Aí então, antes da assembleia, nós gravamos um disco com músicas do tema, essa música também foi veiculada na rádio Guaíba pra propagandear o evento. Foram doze músicas de vários compositores da IECLB, três músicas minhas. Foi produzido no Dreher, ele é o produtor do disco e eu o produtor artístico - musical. Então a gente sempre fez assim. Eu e o Thomas juntos, o Gustavo logo se mudou pra Brasília. Eu tenho que falar mais uma coisa que talvez seja interessante. Teve uma época que o pastor Guiherme Lieven – Pastor Sinodal de São Paulo sínodo sudeste - trabalhava na região de Foz do Iguaçu como pastor da juventude e eu tô me lembrando que ali foram minhas primeiras gravações. A gente botou um gravador com microfone, não tinha pedestal de microfone, amarramos o microfone numa cadeira e em cima de uma mesa e gravamos algumas músicas que já eram do Repartir Juntos, isso deve ter sido 1988 ou 1989, em Foz do Iguaçu. Teve também um trabalho da Editora Sinodal, um livro de meditações, e eles queriam fazer um disco pra pessoas cegas. Então eu fiz toda base instrumental de umas 60 músicas. O Thomas e eu produzimos isso, o Dreher fez as locuções. Depois a Editora fez um livro de Natal e era pra ter encartado um CD. Ai agente produziu as músicas tradicionais de natal, os chavões: Noite Feliz, etc. Não é vendido como CD. Aí eu fiz o meu CD, depois de produzir tantos outros trabalhos. Eu gravei em 2010, chama-se Ao fim do dia. [ver anexo 2, faixa 24]. São minhas composições. Contratamos uma orquestra. Eu consegui um apoio pra esse

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trabalho. O pessoal da Gerdau são membros da Paróquia e eles estavam lá e tinha um batismo do neto deles. Aí o Klaus chegou e disse que a gente tinha que gravar. Aí conseguimos um apoio pra pagar horas de estúdio, cachê de músicos. E tem uma orquestra misturada: trompete, violino, sax. As vozes são de Porto Alegre. Aí logo em seguida o Klaus também apoiou o trabalho que eu tinha com o Ars Vocalis, um trabalho de música sacra, mas 156 não era um trabalho de música da Igreja [ver anexo 2, faixa 25] .

3.12 Soraya Heinrich Eberle Soraya é a atual coordenadora do Conselho de Música da IECLB, sediada hoje junto ao prédio da Obra Gustavo Adolfo - OGA, na subida da entrada da Faculdades EST em São Leopoldo. Natural de Panambi – RS, teve sua formação musical baseada na igreja Congregacional pela Missão Evangélica União Cristã – MEUC. Estudou violão, piano e acompanhou diversos grupos de jovens. Cursou um ano de bacharelado em Teologia pelo Seminário Teológico de Gramado. Formou-se no Curso Técnico em Música da Faculdades EST entre 1995 e 2000. Entre 1997 e 2005 estudou na UFRGS, bacharelado em canto. Entre 2007 e 2012 fez mestrado e Doutorado em Teologia pela Faculdades EST. Soraya atuou de 1997 até 2004 como Coordenadora de Música na Paróquia São Mateus, em Porto Alegre-RS. Desde 2001 é professora de música no Centro de Ensino Médio Pastor Dohms, em Porto Alegre. Entre 2000 e 2005 atuou como professora de música na Faculdades EST para estudantes do Bacharelado em Teologia.

Quando eu cheguei na EST fui ter aula com o Werner, ele me ensinou o simples e o composto. Fiz entrevista com a Ruth e com o André. Mas uma das experiências mais marcantes foi o Coral do Morro com o André Lichtler. Teve um semestre que o André foi pra Suíça, aí quem assumiu foi a Ruth. Tive aula com a Laura, mas logo depois assumi a Coordenadoria do Coral. A Helena tava na Alemanha, ela veio em 1999. Eu fui pra Alemanha e foi um intercambio mal aproveitando. Fomos pra uma comunidade e não pra uma escola de música. Nesse meio tempo a Helena tava fazendo doutorado lá e voltou. Na época era o Curso Supletivo de Formação em Música Sacra. Tinha essa complementação que na verdade era um arremedo. Porque na verdade a gente fazia uma disciplina com o pessoal da teologia, mas não tinha uma conexão entre música e teologia. A sorte é que eu tive aula com Martin Dreher, que era excelente. Aí fiz introdução ao antigo e novo 156

Entrevista Louis, p. 61.

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testamento, mas isso não ajudou muito porque já tinha visto em gramado, só mudava a visão. Lá era mais evangelical. Eu estudei canto, aí eu troquei pra regência. Fiz piano com a Maria Luisa Coelho. Meu negócio era canto e Regência. Em 96 eu fiz vestibular e em 97 eu entrei na UFRGS e logo depois fui pra Alemanha. Fiz aulas de regência e canto, e acabei mudando porque na UFRGS o canto não era bom. Mas eu gostava mesmo é de regência. Lá na Alemanha eu regi um coro e o pessoal jovem pegava a partitura e saia cantando, pegava melismas, tudo, era maravilhoso. Lá toda hora tinha seminários de aperfeiçoamento. E eles tinham uma divisão que era Música Nova, era música erudita nova e tinha uma outra divisão para música popular. Lá se chamava Pop Music, um pastor coordenava essa parte, mas na música nova era todos músicos eruditos. A Música popular era feita pelos leigos em música e coordenada pelo pastor. Lá tem um catálogo de grupos musicais e uma pequena resenha pra ti poder convidar nas comunidades. Um catálogo grosso, bem legal. Eu fui em outubro de 98 e voltei em julho de 99. Aí faltava só mais um semestre aqui e na UFRGS eu terminei só em 2004. E quando saí de lá entrei como aluna especial no mestrado em Liturgia, daí não consegui pois não abriu turma. Quem coordenava era o Nelson Kirst. Como tudo que ele bota a mão, saia muito perfeito. Mas eu queria o mestrado acadêmico. Nesse período também trabalhei com a comunidade São Mateus em Porto Alegre. Depois eu fui pra Canoas e disse, não quero mais. Mas antes de chegar lá o pastor já tinha dito que eu ia coordenar lá. É na chácara Barreto, mas é no centro. Quando nós chegamos tinha saído um grupo de 25 a 30 pessoas, que foram pra Matias Velho e depois saíram da IECLB. Por incrível que pareça e uma das primeiras atitudes do meu marido foi acabar com a banda porque tinha muitos vícios que não era legal praquela comunidade, era difícil trabalhar com eles, eram mal vistos. Passou um ano, depois montamos. Tinha umas coisas do tipo: ah, tu não pode entrar na banda porque nós não temos certeza se tu já aceitou Jesus, se tu já é santificado o suficiente pra entrar na banda. Esse tipo de coisa legalista, eu não queria saber nunca mais, porque gramado era assim, até o comprimento da tua saia era medido, daí eu não queria passar por isso. A outra coisa era assim de vaidade, de ter os donos do grupo e ter que se adaptar. Aí os jovens começaram a pedir, eu passei um ano segurando. Então , disse, nós vamos testar um grupo aberto, todos podem participar. Aí eu comecei a resgatar e os jovens. Esqueci de falar de Porto Alegre, Lá na São Mateus a gente montou uma escola de musica comunitária, tinha uns 30 alunos, o Tiago Moreira deu aula lá, o Ricardo Beskof – violão, o O Elias Frenzel, - bateria, tinha uma parceria com a banda Castelo Forte. Eu dei aula de canto. Aí se formou um octeto vocal masculino e começamos uma série de concertos. Uma sexta feira do mês. Esse projeto o pessoal da comunidade dava dinheiro pra pagar os professores e a gente montou um estúdio lá. Esse estúdio saiu um CD. O Estúdio é completo, bem legal. O Nome do CD é Querer e Realizar. 157 É bem legal, acho que terminou minha trajetória. [risos].

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Entrevista Soraya, p. 69 e 70.

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3.13 Daniel Richter Daniel Richter é coordenador da programação musical religiosa da Rádio União de Novo Hamburgo. Embora não seja músico, tem relação direta com produções musicais e audiovisuais no âmbito da IECLB. “Luterano de berço” como mesmo se intitula, sua relação com produções musicais começa ainda na juventude evangélica da Ascenção em Novo Hamburgo, por volta de 1997 até 2000. Em seu ensino médio, havia estudado eletrônica e se especializado em informática. Em 2001, a convite de Heitor Meurer158, participa do projeto de reativação do Centro de Multimídia da Faculdades EST. Lá atuou como técnico responsável pela produção de vídeos. No mesmo período, ingressou no Bacharelado em Comunicação, pela Unisinos, mas em 2004 resolve migrar para a graduação em Teologia pela Faculdades EST. Trabalhou na produção de vídeo e no auxílio à diversas produções de áudio do Centro de Multimidia até 2007. [...] Eu decidi cair fora da informática e comecei a Comunicação na Unisinos. O Heitor me convidou pra um projeto de reativação do estúdio na Est. Isso foi em 2001 e 2002. Eu já tava abalado com a informática e tinha um sonho de fazer alguma coisa com a Igreja. Então juntei a fome com a vontade de comer, daí conheci a EST. Tinha um projeto que contou com verba da ELCA - Evangelical Lutheran Church in América. Foi um projeto pequeno, em torno de 20 mil dólares, só pro vídeo, mas já tinha a reflexão que , pela história na IECLB e, pela realidade mais palpável, era fazer algo no áudio também. O estúdio já existia. A sala no início quem montou foi o Nelson Kirst, ele conseguiu rolos depois de ter voltado de fora, ele fez projeto e tinha a disciplina de Teoria da Comunicação, uma optativa de rádio. A área dele era liturgia e tinha curso de rádio em Londres. Como ele era professor de homilética e liturgia, começou a produzir lá. As vezes encontro pastores que dizem: eu aprendi a fazer rádio lá na Faculdade de 159 Teologia com o Kirst.

Daniel Richter ficou na EST de 2001 até 2009. Assumiu a produção de programas religiosos na União FM no início de 2005. A programação já existia desde a década de 80, quando Carlos Dreher era o responsável. Daniel adquiriu a experiência destas produções através da sua formação teológica e do seu contato com o estúdio,, onde também foi ministrado um Curso de Produção Radiofônica em parceria entre SENAC e EST, curso este, reconhecido pela Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão – AGERT. 158

Heitor é Pastor da IECLB em Lomba Grande, distrito de Novo Hamburgo – RS. Foi Secretário de Comunicação da IECLB no início dos anos 2000 e trabalhou na produção de vídeos: Cadeira Optativa de Vídeo – EST, Vídeo Institucional da IECLB (2004), cobertura do encontro da FLM no Canadá, etc. 159 Entrevista Richter, p. 18.

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Segundo Richter, a programação atual da União FM contem os seguintes programas sob sua responsabilidade: - Um olhar para o Vale: de segunda a sábado – Duração: de 3 a 4 minutos, horário: 6h50. - Conversando com você: segunda a sexta – Duração: de 3 a 4 minutos, horário: 11h30. - Mensagens de reflexão: segunda a domingo. Inserções de dez segundos a cada 45 minutos. - Comunidades em União: todos os domingos. Duração de 1 hora. Horário: 7h30. Daniel conta que não produz os textos e não trabalha na locução dos programas. Seu trabalho restringe-se à escolha de temáticas, da programação e músicas. Com base nos temas, faz o contato com pastores e membros da Igreja para a produção dos programas. Eu não tenho a função de escrever, mas coordenar. E quando falta algo, tem que correr atrás. Às vezes os textos vêm um tijolo, a gente tem que 160 adequar pro rádio.

O programa Conversando com você é produzido pela OASE (Ordem das Senhoras Auxiliadoras Evangélicas), um espaço exclusivamente produzido por mulheres com temáticas específicas. O programa de domingo Comunidades em União tem uma característica diferenciada dos demais pela duração e por incluir uma programação musical religiosa. Richter conta que muitos regentes e coordenadores de grupos pedem pra tocar suas músicas no programa.

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Entrevista Richter, p. 19.

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4 - ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

É utópico tentarmos definir um padrão estético ou um mapeamento de gêneros musicais existentes, seja no âmbito religioso ou profano. Num terceiro capítulo, este projeto de mestrado pretende mapear alguns grupos musicais e artistas de expressão na IECLB, a fim de entrevista-los e conhecer sua história de formação e suas experiências durante o processo de produção de suas músicas. A análise destes dados servirá de base para o entendimento do panorama atual e para o apontamento de perspectivas propositivas. Em complemento, o autor fará uma análise da hinologia atual, da produção de discos catalogados e observação de alguns eventos musicais promovidos pela IECLB. Ao entender a história, buscamos os significados para a maneira como fazemos música na atualidade. A inserção de novas tecnologias transforma, dia a dia, os paradigmas sociais e a rotina de vida das famílias e de seu entorno social. Na medida em que as possibilidades tecnológicas avançam, aumenta-se a exigência sobre a qualidade estética final da música que fazemos. Tal fenômeno pode ser observado ao analisarmos a produção discográfica da IECLB e os eventos organizados: Dia da Igreja, movimentos Encontrão, Festivais Luteranos, etc. Neste âmbito, há uma real falta de preparo para lidar com novas tecnologias, seja na contratação de serviços de sonorização, iluminação, mas também no cuidado na escolha e na manutenção dos instrumentos musicais, que tem influência direta na sonoridade e no timbre. Pois onde buscamos esta formação? O problema não está na falta de produção de livros, feiras de tecnologias ou revistas, mas sim na consciência de cada músico, de cada membro que resolve investir na música e contribuir em sua comunidade. Há, nestes casos, dois grupos distintos: os que estudam música investindo em formação acadêmica aprofundada e aqueles que, informalmente aprendem noções básicas sobre um instrumento e passam a integrar grupos musicais em suas comunidades. É saudável termos o incentivo à participação e à continuidade do trabalho realizado em cada canto do estado e do

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país, mas é preciso investir em formação. Eis o papel dos líderes comunitários: incentivar seus membros ao estudo de música, subsidiar cursos de formação e, acima de tudo, estar atento às novas tecnologias e ao desenvolvimento da produção musical. Trata-se de um processo político-social, que envolve desde as lideranças eclesiais até os líderes comunitários. Um despertar de consciência para a importância da valorização do estudo musical. Eventos como os Festivais de Música Luterana não deveriam simplesmente julgar quem é o melhor grupo, mas promover cursos de formação, debates, seminários de qualificação desses grupos. Quais os principais aspectos no processo de produção musical da IECLB? Que linguagem musical estética é utilizada e sobre que influências? Como é difundida a produção musical da IECLB? Como dialoga o tradicional e o novo? Há diálogo inter-religioso? Existe fortalecimento da unidade religiosa?

4.1 A formação musical na família e na escola Um dos objetos de pesquisa foi a origem da formação musical de cada entrevistado. A pergunta investigou também se houve algum aprendizado sobre tecnologias aplicadas à produção musical. Apesar da singularidade dos depoimentos, algumas respostas sintetizam um pensamento coletivo de uma geração e traduz aspectos da germanidade luterana ao longo dos anos. No início do século XX ainda havia uma leva de imigrantes alemães chegando ao Brasil. Junto deles, vinham os costumes, as crenças, o repertório praticado na igreja e o apreço pela música erudita europeia, onde a Alemanha foi cenário importante nessa história. Naumann relata que aprendera música com a família. Além disso, era uma tradição luterana praticar flauta doce em casa e transmitir os conhecimentos para os filhos: Meu pai tocava piano, mas não muito bem e deixou de tocar quando era jovem [...] Na família da minha mãe, o meu avô era regente oficial de um coral masculino na Alemanha. E a geração que veio pro Brasil foi dos meus pais, que se conheceram no Rio. Vieram independentes e se casaram lá. Agora, minha esposa sim, também é família de músicos, o pai dela foi um excelente pianista, mas tudo autodidata. Meu filho também, nós sempre incentivamos, depois dos primeiros anos que ele fez flauta doce, depois ele foi pro piano com a mãe, depois ele teve aulas com aquela organista alemã que trabalhou uns 10 anos como diretora do departamento de música que nós criamos aqui da Igreja, ela tinha uma cargo como diretora de Música

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Sacra, isso em são Leopoldo, e era professora também da Faculdade. Essa era a Bárbara Fritburg. Acho que ela foi professora dos Nove do Sul, mas 161 eu acho que ela não impressionou muito aquela gente, era muito alemã.

Até a segunda guerra mundial, grande parte dos hinos eram cantados em alemão. A hinologia, assim como o hábito de praticar música, era cultivado em casa através de grupos corais, ou seja, a primeira formação teológica era de responsabilidade da família. Isto pode ser visto como uma importante característica da tradição luterana. Segundo Dreher: A relação com a música da IECLB já começa muito cedo, ainda quando criança. A família fazia música. [...] Eu entrei no Pro em 56. Até ali eu tava aprendendo a tocar piano, tocava flauta, e no Pro comecei a tocar trompete, continuei tocando piano, mas o meu forte nunca foi o instrumental, meu forte foi o canto, eu já desde 56 cantei soprano no coro que o Ludwig Seyer começou a montar. Eu cantava soprano com as gurias, depois passei a cantar contralto, tenor e cheguei no baixo. Só minha mãe não tocava nem um instrumento, mas ela cantava contralto, meu pai tocava violino, violoncelo e também trompete. Todos tocavam flauta. A família em conjunto tocava flauta. Meu pai estudou Teologia na Alemanha de 37 a 41 e um tempo prolongado ele esteve em Erlanger e lá ele foi aluno do professor Kemfp, irmão do Grande pianista Wilhhem Kempf. Mas lá tinha o coro e ele tocava instrumentos também e isso veio a fazer 162 parte da família .

Dreher ainda lembra da tradição das escolas evangélicas no ensino da música: No segundo ano do Pro em 57, eu comecei a tocar trompete. Eu toquei até o fim do Pro em 61 no Coro de Trombones. Depois na Faculdade de Teologia a gente continuou tocando. O Naumann se dedicou intensivamente à música na Escola Normal Evangélica, sempre tinha uma orquestra de cordas na escola e ensinava todos os outros instrumentos, quase todos os alunos tinham que aprender a tocar flauta. E não podia haver professor de Escola Evangélica Normal né, no primário, que não soubesse música. E no Pro tinha mais ou menos a mesma cultura, de que todo mundo tinha que aprender um pouco de música, então, quem não tinha muita vocação tinha 163 que aprender um pouco de flauta doce e harmônio .

Outros entrevistados da mesma geração depõe de forma semelhante. Nelson Kirst buscou inspirações em seu pai, que era regente de coro e arranjador em Marcelino Ramos. Escreveu alguns arranjos para as primeiras gravações do Coral da Faculdade de Teologia, em 1963. Contou-me também que teve algumas tentativas frustradas de aprender piano ainda jovem. Para a regência, aprendeu na

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Entrevista Naumann, p. 55. Entrevista Dreher, p. 2. 163 Entrevista Dreher, p. 2. 162

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prática e como estudante observador nas aulas do IPT. Para as produções radiofônicas, Kirst aperfeiçoou-se em Londres num curso promovido pela rádio BBC. Schlupp teve suas primeiras lições de violino durante sua adolescência no IPT. Mais tarde obteve uma formação mais aprofundada na Alemanha, quando fora com o objetivo de estudar engenharia acústica. [...] Enfiei na minha cabeça que a combinação de música com a eletrônica era perfeita, porque eu sempre já tinha gostado muito de física. Engenharia de som = música + física. Portanto o meu negócio deveria ser engenharia de som. Como no Brasil não existia curso nessa linha, o negócio era ir para a Europa. Assim que descobri, por mero acaso aos 26 anos, que eu tinha direito a um passaporte alemão, fui para Freiburg, onde já se encontrava minha noiva estudando fisioterapia. Lá estudei três semestres de violino na faculdade de música. É que o curso de engenharia de som exigia três estágios práticos prévios: estúdio, música e mecânica. Aproveitei o estudo de música ao máximo. Para ser admitido, precisava demonstrar alguma proficiência no piano. Entrei tocando Tico Tico no Fubá num piano cauda longa Steinway.. . (quis a ironia que, ao me formar em Düsseldorf, eu tocasse a mesma peça de novo... No piano, sempre foi a peça que mais agradou.) Quando minha esposa Cristiane se formou em fisioterapia em Freiburg, pudemos nos mudar para Düsseldorf, onde passei a estudar engenharia de som: 70% das aulas na escola de engenharia, 30% no conservatório Robert Schumann, ligado à faculdade de música de Colônia. (Cabe mencionar aqui o preparo que me foi proporcionado pelo Instituto Pré-Teológico no segundo grau, além do fato de meu pai me ter ensinado o alemão em idade precoce: o idioma diferente, na Europa, em nada atrapalhou. Pelo contrário, a clareza e precisão de expressão que o idioma alemão instiga na cabeça da gente considero hoje um dos maiores bens que recebi.) Mergulhei de cabeça e com toda a convicção na engenharia de som. Tive sérias dificuldades com as disciplinas matemática (cálculo diferencial e integral) e circuitos eletrônicos. Mas tudo que tinha a ver com ondas sonoras e a música eu absorvia com a maior empolgação. Lia tudo que aparecia pela frente nessas áreas. Por um erro de avaliação do professor, fui dispensado de alguns semestres de percepção musical e solfejo. O professor de violino, spalla da sinfônica de Düsseldorf, que foi colega de Helmut Zacharias enquanto aluno de Kulenkampff, que foi aluno de Leopold Auer, que foi professor de Jascha Haifetz, era uma pessoa com quem eu me dava muito bem. As aulas de violino para mim eram centrais. Diariamente eu estudava no mínimo 1h, senão não me sentia bem. Mais do que isto, física e mentalmente não rendia. Sou muito grato a ele por ter dito certa vez, quando eu já tinha 28 anos: Herr Schlupp, aus Ihnen wird noch was (você ainda vai se dar bem {como violinista}). Ao cabo de seis semestres, com a perspectiva de gêmeos por nascer, antecipei a conclusão do curso em um semestre. Para sustentar a família, fui trabalhar em 1979 como engenheiro de som no Institut für Rundfunktechnik (instituto de pesquisa em radiodifusão) em Munique, ligado ao Bayerischer Rundfunk. Ajudava na pesquisa sobre as características acústicas de materiais usados na construção de estúdios e teatros. Ao cabo de um ano, durante o qual percebi que me dei melhor fazendo recensões de

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livros sobre acústica do que montando ensaios físicos sobre materiais em câmara anecóica e reverberante, aceitei convite de Hilmar Kannenberg para integrar a equipe prevista para montar o complexo da Fundação ISAEC de 164 Comunicações.

Rodolfo Gaede lembra do ambiente de casa, e das influências do rádio: O contexto me deu essa bagagem, então quando vinha alguma proposta de mim, então ela vinha influenciada por este contexto todo. A música sertaneja que é característica do Espírito Santo é influência das rádios lá da segunda metade do século XX. Essa geração tinha muita influencia do rádio, não tinha um colono que não tivesse um rádio, aquele rádio antigo, com o é que se chama? Válvula! Que chiava muito, então o colono levantava de manhã e ligava o rádio e ficava escutando os programas de música sertaneja, então os pomeranos tiveram a influência da música sertaneja através do rádio, uma tendência natural por serem trabalhadores do interior, da roça. Então eu , por exemplo, fazia os trabalhos domésticos em casa, com meu irmão cantando música sertaneja, a gente ouvia, de tanto ouvir, decorava, e aí repetia, fazendo os trabalhos em casa como criança. A gente cantava, quer dizer, não tem nada a ver com a cultura pomerana em si, era o ambiente. A gente escutava o Luiz Gonzaga muito, escutava o Teixerinha, imagina, o Teixerinha de Passo Fundo aqui, e a gente escutava ele na rádio todo dia lá. Então, depois só que eu saí de casa, que fui pra um outro ambiente [Ivoti] é que mudou um pouco da 165 música sertaneja pra música popular.

Assim como o IPT, o Colégio Sinodal e a Escola Normal de Ivoti já mencionados na pesquisa, cada cidade colonizada por luteranos tinha sua escola evangélica. Cidades como Santa Cruz do Sul, Cachoeira do Sul, Sapiranga, Dois irmãos, Montenegro, Novo Hamburgo, são só alguns exemplos da presença da presença luterana na educação básica. Exemplo vivo é a Rede Sinodal de Educação, que conta com uma enorme quantidade de escolas filiadas. Para a formação do trabalho na Produção Musical, há de se atestar que o Brasil sempre careceu de escolas qualificadas. Conforme já vimos acima, Kirst e Schlupp se viram obrigados a buscar formação de radialismo e acústica no exterior. Com Kupka, que produziu dois discos do Musisacra e outros trabalhos autorais, a tentativa de aperfeiçoamento na área de produção e distribuição de materiais foi um tanto frustrante: Eu cogitei então de fazer um projeto já em 1994 ou 1995...eu resolvi, pensando que eu poderia me dedicar exclusivamente, de fazer um estágio no exterior em algum centro de produção de material. Mas eu não fui. Eu fiz projeto, escrevi, justifiquei, botei minhas fitinhas, CDs, tudo, e eles [IECLB] não sabiam o que fazer com isso porque eles não acharam no exterior nenhum um lugar que eu pudesse fazer, em 1991 eu até tinha conhecido um centro de produção litúrgica em Nunemberg, que um cara que estudou aqui dirigia, mas era umas coisas sem nexo assim, mais coral, música litúrgica, não era trabalho em estúdio, eles nem tinham estúdio e, não era o 164 165

Entrevista Schlupp, p. 97. Entrevista Rodolfo, p. 45.

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que eu queria, EUA também, EUA nunca abriu muito as portas pra nós e pelo que eu descobri lá era tudo terceirizado. Pôh, daí não dava, daí eu fiquei com o pincel na mão, tiraram a escada e eu fiquei pendurado. Bom, daí eu desisti né, todos os projetos não deram em nada, ninguém me deu sinal verde e a solução foi ser pastor, fui pra paróquia. Ganhei convite e fui pra São Paulo. [...], lá eu larguei essa parte de produção musical totalmente, cantei em coral só e montei uma bandinha pra cantar com as crianças numas atividades que a gente tinha pras crianças. Tecnologicamente eu estacionei, foi quando começaram os sequenciadores que tinham gravação de áudio direto, eu mexi um pouquinho, não muito e parei de comprar e ler aquelas coisas, e me aproximei mais da editoração eletrônica, e a informática, foi o bichinho que me mordeu e eu aprendi a fazer e hoje é uma área que eu gosto bastante.

Rodolfo Gaede teve suas primeiras experiências em estúdio graças às gravações do Musisacra, onde Cláudio Kupka era o produtor. Werner Ewald conta que aprendeu alguma coisa de estúdio durante as gravações do disco do Coral do Morro. Durante seu doutorado em Chicago (1998 até 2004), teve algumas aulas de notação musical num laboratório da faculdade assistido por monitores. Louis Marcelo ganhou seu primeiro piano dos pais quando tinha apenas quatorze anos. Hoje atua como produtor musical em parceria com Dreher e relata alguma memória de aprendizados sobre ferramentas de editoração: 166

Eu tive uma época que instalei Cubase e comecei a lidar com instrumentos virtuais, só que meu computador pifou e eu não segui. Bom, meu aprendizado de estúdio foi na prática, mas eu não posso dizer que sei mexer em programas, o que eu faço é gravar o básico no Audacity, daí eu 167 preciso de ajuda profissional pra fazer isso .

Importante salientar o pioneirismo de Schlupp e Kirst que foram para a Europa em busca de formação e contribuíram na construção de espaços de produção musical. Schlupp realizou o projeto acústico dos estúdios da ISAEC na rua Eduardo Chartier, no estúdio Dreher e também na reforma dos estúdios da Faculdades EST. Nelson Kirst trouxe a ideia do primeiro estúdio para o Morro do Espelho e auxiliou uma série de pastores na produção de programas radiofônicos. Atuam ou atuaram como regentes: Naumann, Carlos Dreher, Kirst, Louis Marcelo, Rodolfo Gaede e Soraya Eberle. Como produtores musicais: Nelson Kirst, 166

Programa de computador capaz de gravar e editar faixas de áudio e MIDI, o que permite a manipulação de instrumentos virtuais como baterias, sopros, cordas, etc. 167 Entrevista Dreher, p.63.

123

Carlos Dreher, Schlupp, Louis Marcelo, Werner Ewald, Kupka. Ou seja, de certa forma, todos os entrevistados têm ou tiveram uma responsabilidade direta na formação musical. Daniel Richter, embora não tenha atuação direta como músico, teve papel importante na pesquisa por trazer o ponto de vista de um dos poucos veículos de comunicação da IECLB. O único no estado do RS.

4.2 As produções musicais mais relevantes da IECLB

O questionário utilizado nas entrevistas trouxe uma pergunta bastante objetiva: Que disco você destacaria como importante na história da IECLB, em que aspectos? O objetivo da pergunta era a obtenção de respostas contextualizadas, abrindo espaço para críticas e defesa de obras realizadas. Para Naumann e Dreher, os discos do Coral da Faculdade de Teologia gravados no ano de 1963 formam elencados como os trabalhos mais importantes na história da Igreja (anexo 2, faixas 1 a 3). Primeiro, pelo pioneirismo das ações do grupo tornando-se o primeiro trabalho de música religiosa gravada no Brasil. Segundo, pela qualidade musical apresentada, a afinação do grupo, reconhecimento tal que rendeu-lhes o primeiro lugar no Primeiro Festival de Coros do RS. Bom, um dos melhores que eu conheço até hoje [...] na minha opinião, é aquele Os Nove do sul, que tá bastante afinado, e também quanto a dinâmica, tá boa. Outros eu não conheço, aliás, quem tenta produzir alguma 168 coisa é o Carlos Dreher, que tem estúdio próprio [...] Mas acho que foi o trabalho mais importante em termos de se criar uma coisa, de estimular o crescimento de outras coisas, de divulgar uma coisa 169 boa naquela época.

Outro disco que recebeu bastante destaque entre os entrevistados foi o Musical Befriad: A coisa mais bonita que eu fiz acontecer foi a gravação do musical Befriad, que significa Libertação. A música nórdica tem uma coisa que soa bem ao nossos ouvidos luteranos, que nos cativa, a gente escuta e daqui a pouco sai assoviando a música. Esse foi o projeto que eu fiz com o Coral jovem de Curitiba e foi depois que eu já tinha vindo trabalhar na Fundação ISAEC em 170 84. [ver anexo 2, faixa 10 e 11] Mas o que me chamou a atenção quando eu era criança foi o Befriad, que é uma tradução de um Sueco. E ao mesmo tempo eu ganhei o disco Gente 168

Entrevista Nauman, p. 56. Entrevista Dreher , p. 12. 170 Entrevista Dreher , p. 12. 169

124

de Casa, que era uma produção Anglicana. Tem o Flávio Irana. Ele virou 171 bispo, da Igreja Anglicana. Acho que outro disco importante é esse que tu falou, o Befriad, Porque ele traz uma outra linguagem musical pro Brasil, conecta digamos a gente com o que tá acontecendo no mundo e pra mim o Befriad é especialmente importante porque eu conheci ele na minha adolescência. Uma coisa que me impactou muito, pra mim eu acho ele musicalmente bom, aquela 172 gravação é boa, na minha opinião.

Não menos importante, os trabalhos do Coral do Morro marcaram uma transição no fazer musical da IECLB. Principalmente sobre a transformação na visão de liturgia: Mas pra mim, a questão do tipo de música que a gente gravou nos dois do Coral do Morro tinha a ver com teologia, contextualização da teologia, da Igreja e com a sensibilidade musical, quer dizer, não ia pegar qualquer coisinha. Eu acho que a nossa exigência de qualidade foi bem correspondida, por sorte, tinha bons compositores surgindo naquela época 173 ainda.[ver anexo 2, faixas 4, 7 e 18]. Acho que são bem importantes os três do Coral do Morro que, além de destacar três importantes momentos teológicos da IECLB, na verdade era o único centro de referência teológica. Eu acho que nos discos tá marcada 174 essa referência teológica, então por isso eu acho eles bem importantes.

Werner, além de reforçar a importância dos discos do Coral do Morro lembra outro importante trabalho de Nelson Kirst, do qual fez parte. O projeto Miriã 2, principalmente pelo fato de ambos terem um “conceito”: Eu acho que tem algumas produções de registro fonográfico, eu diria que os dois discos do Coral do Morro [primeiro e segundo], eu acho que são básicos, mas de novo, porque eles fazem parte de um jeito de pensar liturgia, teologia e música na américa latina. Eu escrevo um pouco sobre isso dentro do meu livro Música e Igreja. [...] Aqueles discos não são necessariamente de música litúrgica, eles não são pensados necessariamente dentro do conceito de música litúrgica. Eu diria que o Miriã 2, dentro da minha perspectiva e dentro do que eu posso abarcar eu diria esses três materiais, eu acho que eles são um registro importante em termos de algumas mudanças que podem ser vistos e ouvidos pra quem 175 tem ouvidos pra perceber.

Protagonista do projeto, Kupka lança olhar sobre suas principais produções que, assim como o disco do Coral do Morro, sintetizam um momento teológico vivido pela IECLB nos anos 90 e ajuda a divulgar o trabalho de novos compositores, como Rodolfo Gaede, ele próprio, Oziel Campos de Oliveira, Edson Ponik, entre tantos outros: 171

Entrevista Louis, p 48. Entrevista Soraya, p 74. 173 Entrevista Kirst, p. 39. 174 Entrevista Soraya, p 74. 175 Entrevista Werner, p. 84. 172

125

Na série do Musisacra todas as gravações foram incomuns porque a gente não fazia disco assim atoa né, as músicas deles representaram e serviram pra alavancar a música nova da IECLB, o que é interessante, não tanto pela qualidade deles, mas o 1º. Musicacra [...] deu evidencia a uma nova música que era feita na IECLB, o HPD 1 por exemplo, preserva algumas músicas que era do Oziel, mas é no 1º disco do Musisacra que o Oziel se tornou conhecido como um dos primeiros compositores da IECLB a fazer uma música diferente. Todos que estão ali depois continuaram fazendo música e as músicas do 1º 2º e 3º Musisacra foram parar no HPD 2 graças ao Conselho de Música que organizou o hinário. As coisas estavam casadas, a gente foi vendo que as coisas somavam-se. Tinha o festival, a gravação do disco, o hinário, claro, depois tem outro processo que é o processo litúrgico, o livro de culto, porque somou nesse processo, mas a parte musical foi um somatório, uma sinergia de várias ações que deram evidências pra certas pessoas, certos compositores, certos grupos e o conhecimento dessas músicas na comunidade, só que tudo é lento. Oração da Igreja é uma música que eu gravei, [...] na década de 80, agora ela é conhecida e agora as pessoas dizem: essa música tem que ficar no novo hinário! Imagina, vinte anos pra uma música ser conhecida! Tá no hinário, gravada, não foi muito conhecida é claro, até tava no 1º Musisacra, mas não se tornou conhecida, são processos lentos que vão indo [E tu acha que não tem a ver com o arranjo que foi gravado?] Não sei, talvez. Eu acho que samba na Igreja, a gente era num certo sentido pioneiro, ao fazer samba e achar que aquilo ia soar normal. Imagina, eu fiz uma música que é um axé, A Igreja que serve, serve. É um axé que eu fiz pras Irmãs, na Comunhão Diaconal. Aí inventaram aquele tema Igreja que serve, serve, eu achei que aquilo tinha cara de axé, fiz um axé pra elas. Agora imagina as Irmãs Diaconisas cantando um axé né, é umas coisas assim que até hoje o pessoal não sabe tocar ainda, mas acho que a letra tem tudo a ver e a música é bem construída e tal, mas como alguns processos não se completaram de comunicação as coisas ficaram no caminho e ainda tão descobrindo aquelas coisas, cantando e dizendo: Óh, isso é coisa do nosso tempo e 176 ainda é atual. [ver anexo 2, faixas 13 a 14].

Schlupp, assim como Kupka, tem um discurso pontual sobre a série de produções aqui comentadas. Seu engajamento esteve focado numa série de importantes

trabalhos

realizados

a

partir

dos

anos

80.

Generosamente

disponibilizou-me todas as fitas e cancioneiros que produziu inicialmente com o apoio da Igreja e, por motivos abaixo descritos, de forma independente: A fita As Crianças desta Terra, que em termos musicais realmente mereceu a receptividade que teve na IECLB (cerca de 3000 fitas vendidas 25 anos atrás). Essa venda naturalmente só foi possível porque o estudante de teologia Jair Kievel fez do marketing via carta e da venda via correio o seu ganha-pão. O Departamento de Catequese também vendia bem em suas viagens. A Editora Sinodal nunca abraçou efetivamente a divulgação de música gravada na IECLB. “As Crianças desta Terra” foi relançado como CD há uns três anos, mas não procurei quem assumisse o marketing. Considero este meu melhor trabalho de gravação, execução instrumental, arranjos etc. A cantora era uma aluna minha, muito afinada e com grande sensibilidade, que na época tinha 18 anos. Seu registro vocal ia do soprano ao tenor. Percebe-se na gravação que ela estava forçando a voz, por falta de orientação e 176

Entrevista Kupka, p 30.

126

treinamento adequado. O “produtor” (eu, no caso), insistiu que cantasse num registro em que crianças conseguissem cantar junto. Os textos eram de um cancioneiro infantil. O projeto me foi incumbido pelo então diretor Martin Reusch, do Instituto Superior de Catequese e Educação Teológica, onde eu era professor. No projeto, fui autor dos arranjos e da execução instrumental (violão e violino), além de técnico de gravação. Estúdios foram diversas salas da hoje F.EST [...] O CD está à disposição. A Secretaria de Comunicação da IECLB apreciou a receptividade que teve a fita e, via Centro de Elaboração de Materiais (CEM), encomendou outro trabalho, que resultou na fita Momento Novo. Embora o projeto e os pagamentos dos músicos e engenheiro de som tivessem sido feitos sobre a venda de 1000 exemplares, quando vendidos 500 exemplares o CEM simplesmente resolveu não lançar mais 500 exemplares, e os músicos ficaram sem receber 50% do que lhes fora prometido. Foi minha última cooperação com órgãos da IECLB. Dali para a frente, só produções particulares minhas, por conta e risco próprios. Isto naturalmente levou a que o investimento em “produção” fosse diminuindo, feito apenas para atender solicitações ad hoc do movimento Repartir Juntos, que na época congregava a esquerda da 177 IECLB. [anexo 2, faixas 5 e 6]

Foram muitos trabalhos: além de “As crianças desta terra” (1981), uma série de quatro fitas k7 contendo hinos do HPD 1 chamadas “Canta IECLB” (1986 a 1988), as fitas “Momento Novo” e “Estender a Mão” reúnem as canções do segundo Livro do Cantarei ao Senhor. “Semente do Amor” trata do terceiro livro do Cantarei ao Senhor (1987). Daniel Richter não destaca discos, mas compositores importantes que aparecem com mais frequência no programa Comunidades em União: A princípio, todos funcionam , mas as duas pessoas que eu acho que mais trabalharam [...] Não dá pra elencar um disco, mas sim o Rodolfo e o Carlos Dreher , são os trabalhos mais usados na IECLB. Dreher tem Coleção Diversidade, o tema do ano Deus em Tua graça Transforma o Mundo. 178 Rodolfo tem o Anima e o teve o grupo Espaço. São as duas frentes.

177 178

Entrevista Schlupp, p. 92. Entrevista Richter, p. 21.

127

4.3 O Aspecto “qualidade” na produção musical da IECLB

Outra pergunta do questionário indagou os entrevistados sobre o que cada um julgava relevante num bom disco dentro do contexto IECLB. As respostas revelaram pontos comuns, como afinação das vozes e instrumentos, alinhamento do discurso teológico com a teologia luterana, importância dos arranjos, etc. Alguns depoimentos destacaram pontos bastante relevantes, por isso foram selecionados. Werner faz uma análise crítica, com certo distanciamento do objeto produzido, não tratando apenas de um disco, mas de um trabalho musical: Bom eu acho que a coisa mais importante do disco é o conceito. Tem que ter um conceito na base. Com que cara o grupo quer se apresentar ao público, à mídia. Eu diria que essa é a coisa mais fundamental. Eu vejo isso acontecer. Eu acho que isso aconteceu muito nas produções do Coral do Morro, ainda que de maneira talvez, inconsciente, mas aconteceu, porque eu acho que eles têm uma definição, mas isso tem a ver com a história da música sacra na época, a teologia, enfim, etc. Eu acho que tem um conceito por trás dos discos, acho que isso é uma parte fundamental, isso direciona o resto. Ele vai dar a unidade do resto, acho que uma obra tem que ter uma unidade conceitual e se ela tiver esse pensamento, isso vai perpassar os arranjos, a seleção de repertório, o tipo de instrumentação, a qualidade musical, os instrumentos, a qualidade dos instrumentos, eu acho que a 179 questão conceitual determina o resto.

Citado por Louis, Werner Ewald, junto com outras pessoas, carregou a bandeira da importância do estudo da música sacra no papel de fundamentar e conhecer a música que se faz dentro da Igreja, levando em conta a liturgia, a história, a tradição, os símbolos, os aspectos sócio culturais: O Werner Ewald fala uma coisa que eu penso que é verdade. Quando a Est tinha o curso de Música Sacra, uma boa parcela desse pessoal que saiu, querendo ou não, tem uma ideia da parte litúrgica, da parte musical, como produzir as músicas, que tipo de repertório é apropriado, o Delmar é um deles, aqui em Parobé tem a Olga, então ele fala assim que, quando acabou esse curso, acabou a formação de músicos da Igreja. Algumas igrejas contratam músicos profissionais pra tralhar, eles melhoram a produção musical da Igreja, mas não tem a formação teológica que o curso da Est propiciava. Na verdade nós estamos no vácuo porque o curso acabou em 1996 ou 97 depois entrou só o Técnico em Instrumento. [...] Mas a gente não olha pra Curitiba e Santa Catarina. Eles tão investindo nisso

179

Werner, p. 84.

128

forte e pra nós aqui no Sul não aparece. Mas tá havendo uma formação 180 musical, tem muita gente interessante trabalhando.

Soraya compartilha o pensamento de Louis e Werner: E tem outro caso, que eu acho que é uma carência, é a gente ter uma formação em música sacra de verdade. Eu conheci os cursos lá na Alemanha, eu não estudei lá, mas conheci gente que estudava em instituições e em curso que tinha lá. Bah Daniel, tem gente boa com bom potencia e a gente podia estar em outro nível. A gente vai aprendendo assim, sabe. A gente teve aqui, mas fazia só algumas disciplinas junto com a Teologia, mas não é só isso que tu precisa saber e ali a gente não tinha. Mas a gente foi aprendendo assim, seja o Werner ou o Louis, ou até o Cleonir, a gente foi aprendendo quebrando a cara. O Cleonir teve que fazer todo um curso de teologia junto. Muita coisa fui aprendendo fazendo. Hoje eu sei, precisa saber fazer isso, por exemplo, uma coisa que não se aprende é a condução do canto comunitário. Isso não é regência, é diferente. Como é que se conduz o canto comunitário? Como tu rege a comunidade? No domingo eu fiz isso no culto, mas quase não tem gente que saiba fazer isso. Eu aprendi isso com gente de outras igrejas, vendo e fazendo cursos na Igreja Batista, como eles fazem a condução do canto. São conhecimentos muito específicos que tu não usa em outro lugar a não 181 ser na Igreja, e não aprende em outro lugar.

No discurso de Rodolfo e Louis, evidencia-se uma preocupação com a contextualização, não só do discurso teológico, mas com o tipo de música que se houve onde a comunidade está inserida. No texto, Rodolfo usa a palavra “melodia” pra caracterizar o arranjo ou estilo musical: Bom, a preocupação nesses casos assim onde eu participei eram geralmente em torno da letra, quer dizer, na letra a gente tinha o compromisso de cantar músicas com que fossem teologicamente coerentes com a nossa identidade religiosa e confessional, então sempre havia uma seleção em torno desse aspecto, músicas digamos, com boas letras, com uma mensagem boa pras pessoas. Quanto a melodia também havia essa mesma preocupação, quer dizer, não vamos cantar por cantar qualquer coisa, vamos escolher músicas de bom gosto musical, e aí provavelmente contou as minhas influências com as comunidades, quer dizer, a gente 182 sente o que a comunidade gosta e o que não gosta de cantar.

Louis ressalta o aspecto ecumênico e tem atuado em eventos da Federação Luterana Mundial: Mas agora a parte de texto tá difícil. Eu acho que daqui uns vinte anos não vai dar pra falar mais luterano, daqui a vinte anos a gente vai falar uma linguagem mais ecumênica, como já tem acontecido. O que seria uma linguagem ecumênica? Você vai ter respeito à diversidade, tem que aparecer isso. Você não pode dizer que o jeito luterano é um jeito melhor de 180

Entrevista Louis, p. 64. Entrevista Soraya, p. 76 e 77. 182 Entrevista Rodolfo, p. 45. 181

129

ser, esse conceito já tá fora de cogitação pelo próprio envolvimento ecumênico da IECLB. O respeito à diversidade, o respeito à tradição bíblica nesse caso vai permanecer, daí eu acho que existe uma tendência a cairmos mais pro Gospel. O pessoal da Global Music que eu participo nesses eventos internacionais, tem essa preocupação de trazer a música tradicional do local deles pra dentro da Igreja. Agora na Coréia do Sul a gente fez música tradicional coreana, que a própria juventude de lá nem valoriza mais, mas é a própria música sacra, dentro do espírito de resgatar o que a cultura daquele povo fez. Mas eu mesmo, nessa linha de músicas culturais eu trabalhei muito música do nordeste, com o baião, tenho um 183 chamamé. “Vem espírito santo” é um chamamé . Então essa é uma preocupação nos encontros ecumênicos, da identidade, acho que isso tem a ver, você valorizar o aspecto local e ao mesmo tempo estar unido com eles. Os noruegueses cantam música africana e cantam super 184 empolgados.

Dreher e Naumann ressaltaram um aspecto importantíssimo, mas que muitas vezes passa despercebido aos olhos de quem contrata e do próprio músico. Quanto tempo de envolvimento na atividade será necessário: Eu penso é que falta uma mão firme que empurra as coisas. Pra fazer um bom projeto tem que ter um “burro madrinha”, é o que anda na frente e puxa a tropa toda. Geralmente o cara que deu a ideia pra produção vai escolher e fazer surgir o material e fazer coisa na Igreja, porque na maioria das vezes é um pessoal voluntariado, ele vai ser pago pela produção? Sim, mas por uma pequena parte de todo o processo de produção. Todas as horas que ele refletiu, pesquisou, que ele leu, telefonemas, gastos, viagens, muitas horas ele não vai recebe pago, então ele tem que ser um idealista. Nas 185 artes e na comunicação sempre é assim. Afinação, dinamismo, dinâmica, muita coisa né. [E Produção Musical e produção de espetáculos?] Pois é, eu era o regente e fazia tudo nessa Orquestra de Câmara Jovem de Ivoti. Ela tinha um bom nome inclusive da crítica musical, recebíamos apoio da Funarte e da Secretaria de Cultura aqui que financiava concertos, turnês também, nas férias de julho principalmente, mas quem organizava tudo isso, era eu. Eu era o mais barato da turma, não ganhava nada né. Depois da minha aposentadoria como diretor professor do IFPLA na Unisinos, daí eu tinha tempo e me dediquei a uma porção de coisas que depois morreram, eu tentei 186 institucionalizar isso, mas isso tem motivos específicos.

Soraya faz críticas a um hábito bastante comum na IECLB: a produção de materiais didáticos. Quando indagada sobre o que julgava importante num bom disco, respondeu: Que eu consiga ouvi-los. A qualidade. Eu não aguento mais essa mania da IECLB de fazer CDs didáticos. Bah, um dia a coisa tem que ser boa, um dia tem que parar de fazer só caseiro pro pessoal só aprender a canção. Mas 183

Ritmo musical característico da região dos pampas. É caracterizado pelo compasso binário composto, ou seja, dois grupos com três tempos cada por compasso. 184 Entrevista Louis, p. 64. 185 Entrevista Dreher, p 12. 186 Entrevista Naumann, p. 56.

130

mesmo que seja só aprender, tem que ter qualidade, a gente tem musicistas que tem qualidade então tem que parar com essa coisa tão didática, essa é uma opinião minha, não é que a gente não se possa fazer, mas sempre se 187 usa isso como álibi pra fazer a coisa mais ou menos.

Em complemento à resposta de Soraya, Dreher com toda sua experiência, aponta a importância de cada elemento na produção de um disco: Muito importante é a seleção das músicas. Acho que em primeiro lugar, tem que pensar no comprador do disco, ou se for distribuído gratuitamente, o público que vai receber o disco. Se for de graça, as musicas escolhidas, chegam lá? De acordo com isso, fazer a seleção das músicas. Dentro disso pode escolher uma música especial pra preservar. Por exemplo, tem um dos discos do HPD 2 que tem uma música do Dietrich Bon Häffer, [...] devido a mensagem luterana cristã desse texto, nós demos muita atenção à qualidade dessa música. O arranjo foi muito bem pensado. Muito difícil é fazer disco pra uma diversidade maior de púbico. Você não consegue adivinhar porque alguém vai comprar esse disco e talvez, mas importante do que tudo, é a distribuição. Tornar conhecido e distribui-lo realmente. Esse é um outro setor que nós não dominamos. Sabemos fazer muito bem, mas não sabemos vender discos. Já a gravadora ISAEC tinha esse problema: entre o comerciante que tem tino comercial, com que sabe fazer chegar lá e convencer o público de comprar esse disco. Tivemos produtores musicais importantes: Garofali, Geraldo Flash, já falecidos. Hoje eu buscaria o Louis Marcelo. Ele já tem bastante experiência de estúdio. É um excelente arranjador e compõe umas coisas interessantes na área de liturgia. Outra questão importante: O áudio do disco! Tomando por base o grupo que já está fixo, aí tem que definir primeiro se ele vai gravar no estúdio como ao vivo ou em concerto e aí tu vai definir a microfonação. Geralmente, nesse 188 é o caso o que vale é um excelente par estéreo de microfones. O U87 que manda, mas também tem AKG, Bayer, Sennheiser, RCA. Depois de definido se vão gravar ao vivo ou por canais, aí se define a microfonação e 189 daí se grava basicamente em 0db graves médios e agudos, pra depois regular. Grupos corais têm que ser definida na hora a distancia dos microfones. Em geral a base da equidistância de todos do microfone, mas as vezes os baixos precisam ser aproximados um metro ou mais, ou as contraltos também dão um passo a frente. Na microfonação de coro da pra colocar quatro microfones, um pra cada naipe, com canal próprio. Mesmo ao vivo, tu vai ter mais presença de sopranos, ou baixo num canal e pode 190 dosar na hora da mixagem . Quando é grupo instrumental, em geral não 191 se faz a gravação com só dois microfones. Aí tem que ter “over” , dois over U87 estarão lá, até porque, se falhar o microfone do solista ou do teclado, tu sempre tem os dois over salvando a pátria numa gravação ao vivo. Gravação por canal, daí cada tipo de instrumento requer um microfone específico, de acordo com o acervo que o estúdio tem. Ao vivo, em lugar de show, se pode aproveitar os microfones que a equipe de som oferece. Aí tudo é mais complicado pra gravar porque tu tem que gravar o resultado que a equipe de som está fornecendo pro publico, inclusive a representação do auditório. [...] Como já falamos antes, o acompanhamento do produtor 187

Entrevista Soraya , p 71. Um dos melhores microfones do mundo, fabricado pela empresa Neuman. 189 O termo técnico 0db é utilizado para caracterizar um nível de gravação neutro, ou seja, sem realçar ou cortar frequências de áudio. 190 Processo de junção das vozes. Observa-se uma série de aspectos como a intensidade de cada voz, se está ao centro, na esquerda ou direita, reverberação, etc. 191 Microfone sensível capaz de ficar distante do foco a ser captado. 188

131

musical é importante durante a gravação também. Acontece que, se por algum problema técnico se perdeu o início da primeira música, ou faltou energia,[...] pode acontecer da gente pedir pro maestro dar por reprise a música tal. Isso é bom combinar antes, porque ele vai querer repetir aquela que ele mais gostou, mas as vezes, por efeito do registro, tem que se a que deu problema. No estúdio tem a parte de mixagem. A mix a gente tá reunindo todos os canais que foram gravados e fazendo o equilíbrio entre eles. Ai é o diretor musical e os operadores que vão tomar a decisão, depois 192 o produtor fonográfico vai verificar se isso convence.

Daniel Richter demonstra suas expectativas e problemas enfrentados na montagem do Programa Comunidades em União: Pra mim um disco tem que ter a estética, que tem um papel fundamental na questão musical. Tu tens que ouvir e ter a impressão, sem prestar atenção na letra: o arranjo, o ritmo, dentro de vários gostos musicais, mas é fazer a coisa casar. A gente vê aí músicas foras de ritmo, fora do metrônomo e não é proposital. Dá pra ver que é limitação mesmo. A questão dos timbres dos instrumentos também, isso pra mim é 50%. Mas pra mim! Pra um público geral é as vezes 80 a 90% eu acho. A letra mesmo, é 10% para o publico de massa. Pra um crítico não, ele vai querer ter conteúdo teológico. No programa a gente escolhe mais em função de letra, mas tem muita música que o pessoal reclama, porque tu não toca essa? Eu repondo que é por não ter uma versão bem gravada, com qualidade. Se tu for comparar com uma produção da Igreja Pentecostal, com uma Aline Barros ou o Padre Fábio de Melo, não dá pra botar no mesmo patamar em nem chegar perto. A gente sente isso quando usa as músicas no programa de manhã, por exemplo, o Fábio de Melo tem músicas interessantes que dá pra usar no programa luterano, só que eu tenho que cuidar se eu boto uma música dele e depois uma produção da IECLB porque a diferença sonora é muito grande. Então, nesse sentido, no tá faltando músicos, mas tá faltando gente profissional pra 193 produção e gravação de discos.

4.4 A organização e o catálogo musical da IECLB: No decorrer das falas, a grande maioria dos entrevistados revelou desconhecimento sobre a produção musical da IECLB como um todo: Nos últimos anos se produz A, B ou C. Quantos anos precisamos juntar a essa pesquisa para se ter dez bons CDs produzidos? Cinco anos? Geralmente produções independentes, né. Talvez more aí o nosso desconhecimento. No site da IECLB deveria ter um canto ou um lugar onde as pessoas vão anunciando seus discos né? Graças a Deus existe o site, terceirizado, obviamente, por ali da pra entrar e daria pra fazer um auê. A pergunta é: como vamos nos agilizar? Como é que tu vai buscar informação sobre o que acontece nos outros sínodos fora do estado do RS? Digamos, só pra fazer uma relação artístico musical dos últimos 10 anos: Será que não dá pra criar uma rede? . Então tem pouca produção de qualidade pra

192 193

Entrevista Dreher, p. 15. Entrevista Richter, p. 19.

132

gente gravar e botar no ventilador né, não sei porque, apesar de ter mais 194 gente capaz tá diminuindo, tá diminuído a participação. Eu acho que é importante dizer que a Produção Musical da IECLB, bom, eu não tenho condições de falar da produção musical em termos de Brasil, porque são muitas coisas que são gravadas por aí afora, coisas mais locais, mas que são parte dessa produção toda, por exemplo, se eu penso na ADL....eles produziram e continuam produzindo um monte de coisa lá, assim como sínodos por aí afora também produzem coisas, então eu acho que é bem importante que eu diga que eu não to falando, pretendendo falar de tudo isso porque é uma produção que eu não conheço e acho que ninguém conhece [a produção musical da IECLB] porque ela não está 195 organizada, de nenhuma forma. . [...] O conselho de música quer voltar a ter o seu site. Mas a gente não tem autorização porque a IECLB quer centralizar tudo no portal, agora por enquanto quem é do conselho, uma coisa mais interna, vai ter o site antigo. Eu montei um blog e levei o maior xingamento, não da direção da Igreja, mas de quem cuida do portal, de que tudo que conste de Igreja tem que passar por eles, então o que eu fiz agora foi criar um grupo de musicistas [no Facebook], que não diz ali que é da IECLB e ali a gente fica sabendo 196 das coisas porque o pessoal vai postando os eventos assim. RICHTER Ná área de produção eu já tentei diversas vezes, falei em Sínodos, estimular um domingo ou fazer um programa específico só pra divulgar as produções musicais de grupos da IECLB e isso nunca teve muito retorno. Eu acho que quem geralmente faz o CD tem que fazer tudo: cobrar o escanteio, correr pra área e fazer o gol. Então o pessoal chega ao final do processo desgastado e se contenta só por ter ficado pronto o disco e não mantem a ideia de engatar o próximo. Outra questão é a repetição das letras e temáticas. Isso eu converso com quem eu tenho acesso, digo, quer dicas? Tem temáticas que precisamos pra rádio e não encontro músicas: falar sobre dia dos pais, mães, datas civis. Fazem falta e podiam agregar e músicas do hinário que são regravadas e outras que nunca foram. Se existe um hinário da IECLB, porque não se faz um projeto de gravar todo ele, de cabo a rabo? O Dreher gravou só algumas músicas. Penso que é fazer um projeto de pegar o HPD 1 e 2, que não vão sair do histórico da igreja porque é a identidade. Se a gente tivesse essas músicas gravadas 197 pra programas radiofônicos, ganharíamos em qualidade pros programas.

4.5 Os conceitos e aprendizados de Produção Musical

Os aprendizados sobre produção musical foram adquiridos na prática por todos os entrevistados. Embora o envolvimento e as habilidades de cada entrevistado sejam distintas, todos, de alguma forma ou de outra, tiveram 194

Entrevista Dreher, p .2. Entrevista Werner, p.84. 196 Entrevista Soraya, p 78. 197 Entrevista Richter, p. 21. 195

133

experiências na criação de discos ou projetos musicais em seu âmbito de atuação. O próprio termo Produção Musical recebeu interpretações e enfoques diferenciados, hora na produção de discos, hora na realização de excursões e apresentações musicais. Aprendi fazendo e na gravação dos EUA começou a motivação básica, depois experiências aqui entrando no negócio...no estúdio. Aprendi fazendo sempre com grandes profissionais que a gente vai copiando. Um excelente profissional com o qual trabalhei foi o Carlos Garofali , com o qual aprendi a fazer gravações, profissionais do próprio estúdio da ISAEC, o Francisco Aneli, Geraldo Schuller e técnicos operadores interessantes, no fundo eu não opero, mas eu sou um excelente produtor fonográfico, é assim que eu me chamo. Posso ser produtor musical, pois tenho ouvido e percepção musical excelente, noto na hora se está havendo desafinação, descompasso no ritmo, quando a gente está produtor musical ou fonográfico tem que dar atenção a estas coisas pra ganhar tempo, porque se o solista só tem tempo livre daqui a 10 dias, aí você marcar 3 horas de gravação. Se ele errou, e é possível errar qq profissional e se tu não corrige na hora, manda ele embora e depois vai tralhar no material aí tem que chamar o solista de volta, quando é que vai ser? daí é só daqui 2 semanas. Então, tem que estar junto. O produtor fonográfico é o último garantidor da qualidade. Uma pessoa dentro da área administrativa da empresa num patamar superior que não está toda hora dentro do estúdio, mas ele tá supervisionando o projeto. Se sair um produto de dentro da empresa e o disco não foi bom a culpa é dele. Porque ele não contratou os profissionais certos, ou os músicos ficaram contando piadas enquanto rolava a 198 gravação.

Dreher ilustra a figura do produtor no seu contexto de estúdio. Naumann cita seus inúmeros projetos e viagens ao longo de sua carreira como regente. Werner Ewald, Louis Marcelo, Schlupp, Kirst, cada um à sua maneira, teve o olhar crítico para desenvolver projetos conscientes e qualificados.

4.6 Apontamentos e perspectivas Naumann defende a ideia de manutenção e resgate dos hinos contidos no HPD1 como forma de preservação da identidade luterana: [...] Mas esse hinário HPD 1 infelizmente não está mais sendo cantados. Um tesouro que se jogou fora em muitas comunidades. Aqui,[em Ivoti]por exemplo, não se canta mais. Em São Leopoldo ainda se canta. É uma questão muito complicada, porque a Igreja se tornou uma igreja multicultural também, e isso é positivo, mas tem suas consequências e com isso se perde muita coisa valiosa. Eu não sei qual é a sua opinião, mas eu continuo

198

Entrevista Dreher, p. 18.

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achando que o HPD 1 – claro que tem muita coisa antiquada lá – mas também tem muita coisa muito boa, valiosa, e o HPD 2 também.

Comento com Naumann sobre as carências apontadas por estudantes, obreiros e musicistas na formação de profissionais capacitados e habilitados ao ensino da música sacra. Naumann argumenta: Mas se a igreja não faz isso, a Faculdade poderia fazer, compete à Faculdade isso. Aqui, quando nós montamos nossos currículos nós nunca perguntamos à Igreja o que fazer, era o que nós achávamos que 199 deveríamos fazer, e lá vocês tem bons professores pra isso.

Comento que há problemas de recursos financeiros. Os investimentos precisam vir de algum lugar. A grande maioria dos entrevistados reconhece uma falta de apoio e incentivo da igreja, mas ele vai mais além: Mas sempre foi assim, já no início aqui. Não foi a Igreja que colocou a música no pré-teológico e depois na Faculdade de Teologia. A diretoria já tinha um bom coral, na época o Kirst fazia parte dele, Carlos Dreher, o Frank Graf [...] mas a iniciativa foi sempre de alguns. Se espera assim a iniciativa da cúpula, não! Nós somos a Igreja aqui. Eu não perguntei a ninguém se eu devia fazer música aqui ou não. Eu fiz, organizei e se desenvolveu. Hoje tem uma camerata aqui que faz viagens pra Alemanha. Eu acho que isso não é o ideal, acho que eles tinham que fazer viagens aqui, desenvolver a música no nosso país, mas eles podem ir pra fora também, não só pra Alemanha, mas pra outros países. E aqui tem mais de 100 alunos estudando violino, violoncelo, metais, tem até oboé, flauta. a minha opinião, a educação musical não começa com mil coisas, mas sim, começa com a prática do canto. Isso nós sempre valorizamos aqui também e eu aprendi lá no pré-teológico. Cantar como atividade social, grupal, como atividade que aspira em tudo e em primeiro lugar, a educação. Música como parte da educação geral, que não se isola de outras atividades, disciplinas escolares e que, de preferencia, seja levada a música também para o ensino de línguas, história, sociologia, a tudo. Então tudo começa com o canto. Nós tínhamos, e isso é uma tradição alemã também, e não só vem de Lutero, a Igreja Católica é a mesma coisa. Aqui tem livros de colegas da Unisinos, sobre a Escola paroquial católica, que se aprofundara muito nessa matéria. Então, todos eles falam da educação musical na escola, não é só na tradição luterana. Em todas as classes e séries e também nas escolas alemãs que eu passei, no IPT e em São Paulo tinha música como atividade essencial do início ao fim do curso, pelo menos uma ou duas vezes por semana, dadas por professores habilitados que, antes de tudo, cantavam com a gente. Por isso esses cancioneiros, Max Maschler foi um desses, outro professor que nem foi músico, foi editor do primeiro cancioneiro que foi impresso aqui pelo que eu sei - Ressoam os Cânticos - isso agora caiu aqui, eles fazem coral para alguns alunos interessados mas não fazem mais música para todos. Mesma coisa na Faculdade EST, Eu não sei se se valoriza a atividade litúrgica para os estudantes. Na minha época e na do Kirst se fazia culto para os estudantes, aí era importante cantar. Nós como estudantes organizávamos nossas devoções diárias, aí se aprende a cantar. Se na Faculdade acontecesse isso, aí se pode cantar e se aprende. Aí o estudante começa a conhecer. Então isso é o básico, não é a arte dos 199

Entrevista Naumann, p. 57.

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sons o essencial e sim é o canto. [...] Então, o professor que nos dava aula era esperado que ele ensinasse o canto. Ele tinha que saber cantar e se ele não sabe cantar por nota, no instrumento ele pode reproduzir e aprender uma melodia. Como tal é importante. Eles continuam valorizando aqui na Escola a música, inclusive dando condições financeiras para pagar professores. Na minha época a gente fazia quase de graça e como eu era um dos incentivadores, eu não queria transformar a música que se fazia na escola uma atividade financiada pela Escola. Mas depois, mais e mais, eu financiava também, não a mim, mas as pessoas que dão aula de música. E isso ficou. O atual diretor não entende nada de música, mas ele valoriza, ele paga, tem a visão de que é importante. E o governo Lula também teve essa visão. Mas o Ministro Adad foi quem introduziu aquela lei da obrigatoriedade da música na escola. Só que esqueceram de cuidar da formação de 200 professores também.

Quando questionado sobre a evolução da música, Naumann fez a seguinte leitura: Se houvesse evolução isso seria muito bom. Começando com os cultos: eu não me sinto atraído pelos cultos porque eu vou pelos cultos aqui e sou recebido aí por essas canções muito baratas em conteúdo teológico, em conteúdo musical. Dizem que os hinos que eu valorizo com os quais eu cresci são muito difíceis. São difíceis para quem não canta! [começa a cantarolar alguns exemplos] é difícil para quem nunca cantou, mas então pode se começar com essas canções infantis. Cantar o cai cai balão...é muito difícil né? [risos] Mas a música estava evoluindo até o momento em que, bom eu acho que ela está evoluindo se você fala que tem um encontro 201 de musicistas.

Schlupp compartilha ideias sob o ponto de vista teológico e aponta para um vazio espiritual que nos ocupa. Assim como Naumann, considera importante o resgate de melodias esquecidas no HPD 1: A essas alturas, não considero relevantes esses aspectos estéticos e tecnológicos, em termos de igreja. Falta-me a percepção de relevância da música de Igreja. Geralmente a percebo como correndo atrás do gosto do momento. Traduzo isto como falta de legitimidade da música feita no contexto da igreja. Não por acaso meu colega de tradução simultânea no recente I Congresso da F.EST comentou: “Eu trouxe a Bíblia para usar todos os dias durante a tradução no evento, mas não precisei dela uma única vez.” Digo eu: Que bom que não precisou! Significa que a atenção de pelo menos 202 a ala teológica da IECLB ligada à F.EST percebe que o que interessa é “amar o próximo”, isto é, o contexto em que vivemos, e não as escrituras de 2000 anos atrás e os bolorentos escritos de Lutero, cujos 500 anos os luteranos daqui e de além-mar, esdruxulamente, fazem questão de festejar com seis anos de antecedência. Resumindo: Infelizmente Daniel, a sofisticação tecnológica, o bom gosto musical e o apelo mercadológico do que se “produz” na IECLB não faz diferença alguma face ao aparente vazio espiritual que nos ocupa. Não

200

Entrevista Naumann, p 55. Entrevista Naumann p. 55. 202 à distinção das ligadas às instituições de formação da IECLB em Curitiba e S.Bento do Sul, “evangelicais”, mais chegadas ao carismatismo pentecostal, bastante biblicistas. 201

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adianta atrelar cavalos árabes com tecnologia 24 bits e 96kHz, ornados com o melhor bom gosto, na frente de uma carroça que pouco carrega e oferece. Esses dias, Hilmar perguntou: por que não temos a coragem de nos apresentar na mídia como as outras igrejas que estão aí? Com cerca de quinze destinatários da pergunta, não houve resposta. [Na sua opinião, a música da IECLB está evoluindo? Em que aspectos?] Não sei. O volume sonoro insuportável na apresentação de certa banda no último Festival Luterano de Música no Colégio Sinodal pareceu-me uma evolução estranha. Uma evolução que observo e lamento é o esquecimento em que está caindo a prática de hinos antigos, alguns até antiquíssimos (de mil anos atrás). Merecem atenção já por isso, e mesmo que sua letra seja arcaica, as melodias continuam fascinantes. O repertório das comunidades 203 limita-se a um número ínfimo de hinos tradicionais no meio luterano.

Soraya contrapõe as opiniões acima e traz em seu depoimento o argumento de uma geração de jovens, desinteressada do repertório do HPD 1 por trazer uma teologia descontextualizada: Eu acho que tem algumas coisas que a IECLB acerta, uma delas é de não confundir altar com palco, porque tem uma diferença né? O nosso culto ainda é um culto diferente onde não se tem esse destaque da pessoa que tá fazendo a música, isso eu acho que deveria ser mantido, litúrgica e teologicamente eu acho super correto e condizente com o luteranismo. Agora, eu também acho que tem espaços alternativos de músicas e nesses a IECLB não consegue se desenvolver [...] Hoje o pessoal faz festival de bandas dentro da IECLB. A gente faz todo ano dentro da comunidade, mas musicalmente são muito ruins, porque não se fomenta. Então, na verdade a IECLB não investe nesse tipo de música e não sei se vai investir porque já vem esse medo de que as pessoas possam querer brilhar muito. [...] E aí a gente se queixa que os jovens vão pra outras igrejas, porque a música pra eles é a identidade. Eu vou falar bem a verdade, os jovens lá da minha comunidade, se eu trouxer o repertório do HPD 1, eles até fazem, eles são muito dóceis e queridos, mas eles dão uma risadinha, acham muito ruim, fora de contexto, porque eles são urbanos. [...] Um saiu agora por causa da música. Ele montou uma banda com músicos de outras igrejas e tá tocando na igreja do Paulo Figueiró. Aí a teologia fica em último plano e o que tá contando mesmo é o estilo musical. Então, a gente fica preservando tanto uma teologia e, em nome dela, não se coloca dentro do que tem de mais legal pros jovens, porque quer preservar essa teologia. A gurizada nem ouve a teologia que a gente tá falando, eles tão mais ligados é na música mesmo. Tem algumas pessoas que falam: Não gostam do HPD 1 porque o pessoal não tem conhecimento de música sacra. Tudo tem, eu tenho conhecimento, mas eu vou falar de coração, eu não prefiro cantar o HPD 1, eu prefiro cantar o 2, mesmo com todas as falhas que ele tenham. Mesmo com todo conhecimento histórico, é óbvio que eu gosto de ouvir um coral de Bach, uma cantata, mas isso também pra mim tem o seu momento. Eu acho que no culto deveria de ter uma linguagem mais contemporânea, não vou nem dizer nem brasileira, porque essas coisas não existem mais. O que é brasileiro hoje? Tudo, porque os imigrantes trouxeram a música mais erudita, porque veio dos EUA uma outra veia, tudo isso é Brasil. Aí eu sou

203

Entrevista Schlupp, p 92.

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mais Caetano, vamos tomar tudo e fazer de tudo nosso. Assim que eu 204 penso.

Inevitavelmente, fica evidente nos depoimentos acima o choque entre as gerações. Mas será que é possível fazer um elo entre elas? Como pensarão os jovens de hoje daqui a vinte ou trinta anos? Como preservar uma hinologia sem significados à juventude de hoje? Se resgatarmos os primeiros depoimentos do capítulo de entrevistas, nos recordaremos da presença da família nos relatos, da transmissão oral dos costumes, dos hábitos de praticar música dentro de casa e na escola. Hoje vivemos num mundo cronometrado e frenético: compramos o tempo: minutos de telefone, minutos de navegação na internet: minutos a menos no trânsito. Adquirimos preciosos minutos com a aquisição de tecnologias ultra-rápidas. E fazemos o que com estes minutos adquiridos? Almoços em família são cada vez mais raros. A responsabilidade da educação e criação de valores transferiu-se de forma quase totalitária para a escola. Com meses de vida uma criança já passa boa parte do dia na escolinha de educação infantil. Que maravilha este mundo moderno onde podemos comprar o tempo, mas para que mesmo? Hoje se tem mais recursos e se faz menos, antigamente tinha menos e se fazia coisas melhores. E isso é um grande paradoxo hoje. Claro, tem muitas frentes que estão se animando, estão querendo fazer da área da música uma área produtiva dentro da IECLB, mas aí a gente emperra na questão 205 dos investimentos.

Um verdadeiro paradoxo. Estranho o primeiro disco da IECLB ser elencado como um dos mais importantes de sua história. Estranho também não termos nenhuma produção sendo apontada como significativa nos últimos dez anos. Será que a evolução tecnológica é uma grandeza inversamente proporcional à evolução musical teológica? Schlupp generosamente encaminhou meu questionário ao seu colega Waldir Trebien que esteve presente na excursão abortada pela ditadura da peça “Aleluia Billy”, Trebien, que cantou e regeu corais ressalta a importância da simplicidade na produção musical litúrgica: Aprendi que Igreja sem música e bom canto é morta. Vi muitas comunidades e pastores praticando música e canto pior do que miado de 204 205

Entrevista Soraya, p 75. Entrevista Richter, p. 19.

138

gato. Neste caso a música não é missionária e evangelizadora - pelo contrário. Temos que aprender com os pentecostais a descobrir o poder evangelizador da música. Não é por coincidência que a Igreja Católica esteja investindo muito pesado na produção e lançamento de padres cantores no mercado. E que tipo de música pega? Aquela com linha melódica e arranjos simples, boa poesia e facilidade de aprender. Na nossa igreja tem-se a mania de "criar" linhas melódicas e arranjos muito bons tecnicamente, mas difíceis e péssimos para serem cantados e assimilados pelo povo. - Assisti um vídeo do último Dia da Igreja na Alemanha (Dresden) - boa poesia e oração nos hinos, mas de arranjos tão ricos em "novidade criativa" que o povo teve sérias dificuldades de cantar. Participei em diversos corais, desde estudante até hoje, e até criei e dirigi corais. Aprendi 206 que as comunidades querem ouvir cantos e partituras simples.

Nelson Kirst, assim como Nauman, demostra certo distanciamento das discussões atuais sobre a música na Igreja, durante nosso diálogo, entramos na discussão sobre a predominância de trabalhos em grupo e surgiu a pergunta. Por que será que a IECLB tem tão poucos trabalhos solos como Guilherme Lieven e Ernani Luis. Kirst disse desconhecer as produções atuais: Olha, eu nunca me liguei muito nisso, aí eu sou muito conservador mesmo, muito luterano, eu acho que uma música luterana tem quer ser uma música que a comunidade pegue e cante junto, que diga algo pra ela né. Eu não consigo acompanhar muito isso, não tá na minha filosofia. Eu tô completamente por fora, nem saberia te dizer o que está acontecendo, nem na IECLB nem em outro lugar. Esses festivais de música da IECLB surgiram numa época que eu tava fora e quando eu voltei eu nunca consegui engatar aí, não participei disso. [ Quando questionado sobre o apoio da Igreja nas produções de seus discos, respondeu:] Não houve. Isso sempre foi muito limitado, não tinha gente com tempo integral pra lidar com isso, tudo feito na base do amor assim né, acho que o principal que a igreja fez, além dos hinários foi aquele Cantate Domino, que era uma coisa feita por gente que tava no batente em outro lugar, como pastores ou coisa assim, e era impresso na Editora Sinodal, mas não tinha nada de estrutura profissional atrás disso pra tocar, e eu acho que jamais tenha me ocorrido de buscar uma ajuda. Os discos a gente se entendeu como sendo produzido na EST [...] então a gente se entendia como um grupo da Faculdade de Teologia que tinha uma missão, um compromisso com o todo do trabalho da Igreja e tava prestando esse serviço assim, não 207 era uma coisa isolada da igreja.

Dreher já enfatiza os problemas com a preservação da unidade através dos meios de comunicação. Quando questionado se havia algumas diretrizes na escolha da programação musical e textual das rádios:

206 207

Waldir Trebien respondeu meu questionário por mail à convite de Walter Schlupp. Entrevista Kirst, p. 39.

139

Isso sempre foi uma briga muito grande. Porque nós nunca conseguimos 208 montar uma rádio tipo Rádio Clube , quando eu cheguei em 1984 já estava instalada a radio comercial porque a Igreja não tinha dinheiro pra manter a Rádio, nem a Fundação ISAEC. Se pensava que o negócio de discos ia render lucro e com isso se podia dar menos característica de rádio comercial, mas isso não funcionou. Nós sabemos produzir mas não sabemos fazer negócio, vender discos. Os discos ficaram nas prateleiras muito tempo até que foram vendidos a troco de banana. Foram produzidos muito bons discos, Tivemos produtores de música muito bons: Geraldo Flash, foi o primeiro diretor artístico da gravadora, depois saiu e criou a sua própria empresa. Todos os gaúchos que queriam gravar música tinham que ir pra São Paulo ou Rio. E aí, você tocou no assunto mais importante da história da Fundação ISAEC de Comunicação: A criação da Fundação ISAEC de Comunicação e de seus estúdios trouxe um fluxo crescente imenso da música no RS, tanto da Música Nativista e folclórica, quanto à música de baile, de bandas e os coros eclesiais, como o coro da Comunidade de Pelotas, discos da música popular gaúcha. Isso fez também que surgisse, aos poucos, mais um outro estúdio aqui, outro ali, e hoje nós temos centenas de estúdios de fundo de quintal. Agora, um estúdio profissional, como A ISAEC construiu, e o estúdio Dreher, são únicos. Na Igreja é assim, não se investe em arte, em música, não existe uma secretaria de comunicação, não existe secretaria de arte e coisas correlatas. A Igreja tem que diminuir despesas, aí corta desse lado mais fraco, esse lado que se poderia dizer que é importante, mas não é absolutamente necessário, assim diziam os administradores. Nós, os artistas, temos outra ideia, senão nós não nos dedicaríamos a isso. Eu poderia ser professor na universidade, mas nunca quis me habilitar a isso. 209 Lá eu ganharia mais!

Talvez precisemos de distanciamento pra entender a história, talvez esta política tenha consequências graves e drásticas. O que acontece quando se exclui a arte de dentro de uma instituição? Deixa-se a palavra, e somente ela chegar, nua e crua até nós? Quando Bach foi obrigado a aceitar o cargo de músico da corte, durante ove ou dez anos ele abandonou a música sacra. Sofreu o tempo todo por isso mas fez belíssimos concertos de Brandenburgo: Suítes, sonatas, por que? Porque o rei era da reforma calvinista e essa reforma retirou qualquer símbolo visual das igrejas, inclusive a música. Aí quando Bach voltou para Liepzid ele reviveu porque tinha um órgão, ele ia pra outro mundo quando tinha um órgão, e se dizia que as igrejas evangélicas que mais se desenvolveram foram as que onde se produzia muita música. A nossa Igreja está em compasso de espera. No último senso ela teve um crescimento bem pequeno (2010), mas em geral, nas Américas, norte e sul, as igrejas luteranas estão diminuindo de membros, isso diminui os recursos e se faz com que e se investe cada vez menos em comunicação e artes. Isso, ao invés de ajudar as igrejas, vai ajudar a diminuir a arrecadação, quando deveria ser o contrário, investir em arte, comunicação, fazer auê. A produção oficial da IECLB e dos Sínodos é pobre, pouco ou quase nada em termos quantitativos. Imagino que há uma diversidade muito grande de produções independentes e tínhamos que fazer uma rede pra concentrar 208

Projeto de rádio proposto por Dreher para angariar patrocinadores luteranos na manutenção da Rádio União. Desta forma, poderia vender cotas e preencher o espaço da programação com serviços prestados exclusivamente ao clube. 209 Entrevista Dreher, p 13.

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isso, pelo bem dos músicos, pelo bem do evangelho e pelo bem da própria igreja. A distribuição e comercialização é fraca, se não temos ninguém nas poucas editoras e livrarias que nós temos que abrace esta causa, não tem quem incentiva isso, a Igreja não está incentivando, daí entra a questão do Conselho de Música da IECLB, nós precisamos dar um pontapé na bunda, tira a bunda da cadeira. Conversei com nossa amiga Soraya, e pode se dedicar mais às coisas. Vão elaborar um novo hinário da IECLB e isso é muito importante, porque tem lixo dentro dos nossos hinários e riquezas que não podem ser tiradas. A produção oficial da IECLB tem que ser preservado. Novas criações do século XX e XXI tem que ser estimuladas e tem algumas coisas que não vale mais a pena segurar. Em cima desse novo hinário, hinário completo, grande, precisamos projetar produção. Quer dizer, temos o passado, temos o presente e temos que olhar pro futuro. A edição de um hinário não tem que ser nivelado por baixo, botar só corinhos e música brega porque outras coisas melhores o pessoal não vai saber tocar no violão em casa, não é por aí! Aí vem outra coisa, a formação musical dos nossos pastores, a cadeira de hinologia. Os pastores chegam nas comunidades e não sabem cantar os hinos, porque pastores tem que puxar os cantos em muitas comunidades, ou então tem uma ideia muito vaga sobre o valor de hinos, aí tão sempre cantando: Momento novo, Graças, senhor eu rendo muitas graças, Deus sempre me ama, O amor me chama, Damos graças ao senhor, quer dizer, o simples do simples. Alguns ainda estão na fase de priorizar canções do Povo Canta, mas sempre as mesmas, esquecem do hinário oficial da IECLB. A Igreja é um mercado muito grande e mal trabalhado. Só por comparação. A igreja Adventista criou uma central própria de distribuição. A Discpress. E lá eles gravam algumas coisas, ou mandam gravar aqui, encaminham a prensagem e montaram. São firma de distribuição por todo o Brasil, basicamente na Igreja Adventista. A cantora principal deles já tem dois 210 discos de ouro.

Quando questionado se a música na IECLB estava evoluindo, respondeu: Tá evoluindo, mas pro lado de música popular né, predominante pros meios de comunicação, se distancia do formato coral. Diria mais, a música na Igreja se distancia significativamente da erudição, quanto na área da criação quanto na execução. Não temos mais organistas. Os que fazem música nas paróquias são poucos tecladistas estudados, realmente. As comunidades têm dificuldades de ter um acompanhante nos cultos. Os pastores como eu, Dorival Ristoff, que pegavam o violão e puxavam os cantos são poucos hoje. O pastorado está se especializando como algo profissional e não mais como um ministério de entrega à vida total da comunidade. O pastor não quer assumir a música na paróquia, não quer ser o guardião da paróquia, o guarda chaves depois do culto, não vai lá fechar a igreja depois do culto. Se tem alguma coisa estragada, cuidar para ser consertada. Não, o presidente da paróquia tem que resolver isso. Então as coisas ficam assim 211 especializadas e o senso voluntário vai se perdendo.

Já Rodolfo, enxerga a evolução de forma um tanto otimista, graças aos esforços individualizados de pessoas persistentes:

210 211

Entrevista Dreher, p. 17. Entrevista Dreher, p.18.

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Eu acho que, evoluindo muito lentamente, muito timidamente, ainda, mas evoluindo no sentido de que já temos hoje algumas pessoas engajadas na música como surge o Ernani Luiz e tá insistindo em dar a sua contribuição pra igreja. É um teimoso que, apoio não tem, é sozinho né e teima em 212 continuar o trabalho dele.

Rodolfo ainda opina sobre o papel da Igreja diante da produção musical: O que acontece é que esse trabalho não é coordenado. Não existe na Igreja uma instância que diga: vamos reunir esse pessoal, vamos dar incentivos, vamos dar recursos pra eles poderem gravar. Acho que isso que as instâncias podiam passar mais a articular. Quer dizer, chamar a responsabilidade pra si e dizer: olha, esse trabalho é importante e a gente precisa dar mais incentivo, mais apoio. Existe aí um Conselho que discute e tem uma agenda própria. Existe uma agenda mas eu acho que falta uma iniciativa no sentido de coordenar a questão musical na Igreja toda. A gente aqui mal fica sabendo que surge um grupo lá no espírito Santo, se chamava Utopia, mas soube entrementes esse grupo desapareceu. Que pena né? Poderiam dar uma contribuição se tivessem recebido algum tipo de apoio da Igreja como tal. Então eu acho que o investimento é mínimo, o investimento da Igreja e dos órgãos da Igreja é mínimo, muito insignificante, mas isso porque não se reconhece. Existe uma expectativa de que a música também possa tornar-se um ministério ordenado na Igreja, o Cleonir, por exemplo, é um que sempre lutou por isso, assim como tem o ministério da música, também teria o ministério pastoral, catequético, diaconal. Então não chegamos nesse ponto ainda e há um sinal de que o reconhecimento não chegou.

Rodolfo explica como funcionam os ministérios: É nós temos quatro ministérios conhecidos, ou que a gente fala, ordenados: o catequético, o pastoral, missionário e diaconal. Então a pessoa recebe uma formação naquela área e é ordenada pra ser um profissional da Igreja. Há expectativa de que nossos músicos pudessem ser ordenados pra trabalhar de tempo integral a música na Igreja, nós temos gente trabalhando por teimosia ou lutaram, então é uma área que carece de atenção e investimento. [E já foram feitas propostas?] Já, já faz tempo que eles insistem em propor isso pra Igreja, mas não é dada a devida atenção. Esse 213 é um processo que tem que passar pelo Concílio . A preocupação sempre é: será que a comunidade vai contratar um músico, vai pagar um músico, assim como já acontece com outros ministérios? Quer dizer, a comunidade contrata um pastor na expectativa de que ele saiba de tudo um pouco, inclusive, arranhar um violão. Então ficamos só com o pastor que ele faz tudo, então não precisa contratar um diácono, um catequista músico...exige mais infraestrutura e mais gasto. Existe essa dificuldade sim, de como manter um trabalho desses, mas se a gente não começa também, nunca vai chegar lá. (Rodolfo, p 49)

Entre os dias 2 e 4 de novembro de 2012, ocorreu em Porto Alegre, na Igreja Matriz, o Primeiro Encontro de Musicistas da IECLB. O evento contou com a 212

Entrevista Rodolfo, p 49. Concílio da IECLB – Órgão máximo da IECLB que se reúne através de fórum a cada dois anos. É formado por representantes sinodais e de setores que envolvem questões em torno da Igreja. O conselho apresenta uma série de atribuições, dentre elas, avaliar investimentos e decidir os rumos da Igreja no Brasil. 213

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presença de aproximadamente 60 representantes de todo o Brasil e discutiu questões em torno do Ministério da Música e da Educação Musical Comunitária. Cleonir Zimmermann realizou a palestra de abertura com o tema Ministério da Música – as implicações teológicas214. O discurso de Cleonir apresentou análise sobre a formação do ministério de música e apontou as seguintes teses: Primeiro - A música forma comunidade, ou seja, ela é capaz de unir pessoas; Segundo - A comunidade é quem tem poder de chamar para o ministério. É dela que virá o chamado, ou a necessidade de contar com a presença de um ministro de música; Terceiro – A importância do entendimento da palavra função – A música pode ser um recurso ou um elemento do culto cristão. Quando se entende sua função, podemos explicar muitos outros questionamentos; Quarto - O ministro de música como um Liturgo – Não basta ser apenas músico ou apenas teólogo. É preciso estar envolvido no fazer liturgia. Durante o evento, houve reações ao tema e muitos depoimentos das dificuldades encontradas pelos ministros de música. O fórum contou ainda com celebrações, práticas musicais coletivas, mais debates e um relatório final do evento apontando os seguintes resultados: Um documento com orientações e sugestões para o trabalho musical em contexto comunitário; O sonho de um novo fórum, onde possam ser aprofundados aspectos mais específicos, em 2014; A escolha de um grupo para elaboração de um simpósio, no qual se possibilite troca de experiências; A

formação

da

Rede

de

Musicistas

na

IECLB,

com

seis

articuladores/articuladoras, escolhidos e oriundos de diferentes regiões do país.215

Illenser aponta para a falta de articulação entre aqueles que fazem música na IECLB e revela a falta de políticas de controle de direito autoral. Enfim, eu acho que tá muito atrasado. Acho que a gente podia ter muito mais eventos. Os sínodos fazem em termos de estrutura, o Espírito Santo faz. Aqui no Sul tem o Dia da Igreja e eu quase fico desesperado porque 214

Palestra gravada no dia 02 de novembro de 2012, durante encontro de Musicistas da IECLB, na Igreja Matriz, em Porto Alegre. 215 Disponível em < http://www.luteranos.com.br/conteudo.php?idConteudo=17824> Acessado em: dezembro 2012.

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não tem ensaio. Fica legal, mas não tem envolvimento. Eu acho que falta política na música, na igreja. Te muitas iniciativas individuais. Tá na hora de se segurar um aspecto teológico de que a gente pode fazer música luterana ou global com conteúdo musical e teológico apropriado. Mas eu ainda tô achando que a coisa vai ser a música se “gospealizar”. O HPD 2 quis ser uma conciliação das correntes, e não deu certo, eu participei e confesso, tanto que agora já tem a equipe do 3º hinário e nem me convidaram. A gente não tem uma estrutura de divulgação do nosso trabalho, eu tenho umas quatro caixas do meu CD ainda. Eles [ed. Sinodal] têm outros pontos de distribuição no Brasil, mas são coisas muito pequenas e não tem repercussão. Nós não temos esta estrutura. E eu acho que a Igreja não quer, não sei se quer. A Rádio União, por exemplo, é segmentada. É comercial e não pensa como um todo. E é a União que divulga nossas músicas. E pergunta se nós recebemos alguma coisa de direito autoral? Eu não sei como é o sistema, mas sei que eles pagam alguma coisa. E a gente não tem uma politica de direitos autorais. Por exemplo, ontem eu recebi um cheque dos EUA com direito autoral. É a segunda vez que acontece. Já recebi da Noruega também. Se a música da IECLB está evoluindo? É uma evolução lenta, mas há. Tem uma secretaria remunerada. É uma tentativa de juntar as pontas de quem faz música na IECLB. Acho que tem uma involução quanto à falta de comprometimento dos músicos das comunidades que tem dificuldade de se 216 juntar.

Opinião de Soraya: Bom, em primeiro lugar eu acho que tem que dar uma valorizada no canto comunitário dentro do culto, é aquilo que eu falei antes, tem que ter as duas visões: tem o canto comunitário e tem a música de performance e cada uma delas tem que ter o seu lugar. Acontece que com toda essa evolução tecnológica o canto comunitário parece sempre essa coisa meio “tosca”, porque aparece a desafinação, aparece o atraso, a entrada fora de hora, mas é isso que faz o canto comunitário, é ele não estar acabado e acho que isso a gente precisa preservar. [...] Eu gostaria que a gente pudesse cantar mais dentro do culto como comunidade sabe, cantar e assim até meu sonho era ter toda a comunidade com movimento. Por outro lado eu também acho que tem muita coisa de tecnologia disponível, mas a gente não usa, ou usa muito mal porque não tem quem diga como usar. Essa coisa de volume, eu sempre digo que nas bandas as duas pessoas mais importantes são o baterista e o técnico de som que fica na mesa, porque eles podem destruir tudo ou construir, de acordo com o jeito que eles executam e regulam seu instrumento. No festival, por 217 exemplo, eu vi um senhor que ficou fechando os dois ouvidos [risos].

Por último, na IECLB, a música está evoluindo? Sempre teve muita coisa evoluindo na IECLB, a diferença agora é que nós estamos conectando um pouco mais as coisas. Por exemplo, Festival na Amazônia, ninguém sabia que tinha um Festival na Amazônia, daí veio um representante falar, olha, manda um representante pro conselho de música! - Mas é muito caro, é muito tempo de deslocamento! Daí eu pedi um relatório, mas eles acharam mais fácil mandar uma pessoa do que um

216 217

Entrevista Louis, p. 66. Entrevista Soraya, p 77.

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relatório. E aí ele veio até Curitiba - o pastor Jéferson - e nos contou um 218 monte de coisas que eles fazem lá. .

Ewald finaliza a série de depoimentos com uma opinião bastante clara do papel da música na Igreja. Explica, entre outras coisas, a ausência de artistas com trabalhos individualizados e acredita que Igreja luterana tem um propósito essencial de fazer música em comunidade: Bom, certamente que esta questão de não trabalhar com artistas individualizados, com a questão solo, isso tá relacionado obviamente com a teologia da música que se tentou construir. A Música dentro da Igreja Luterana é um elemento de participação comunitária, ela não serve pra tornar o grupo passivo, ela pode tá sendo erroneamente usada pra isso, mas aí a gente não tá mais falando de luteranismo, mas aí a gente tá falando de outras visões que concorrem junto, mas o elemento de participação na música luterana, na ideia de Lutero, de participação das pessoas, esse é um ponto focal que distingue o luteranismo do resto, que eu acho que nós já perdemos em muitos casos, então, eu nem vejo que a produção, pelo menos pensando em IECLB, pensando em Igreja ,não em produções individualizadas cantando textos cristãos, digamos assim, ela precisa primar por isso, e em alguns trabalhos ela prima por isso, mais ou menos consciente, mas prima, esse é um fator de diferenciação, e obviamente isso tem a ver com as heranças da reforma, pra quem tem conhecimento sobre isso. Pra quem vê a música como produto de consumo, porque tá produzindo pra um grupo religioso específico, segue as leis do mercado, o que eu não condeno, eu não acho que está errado, não é uma questão de estar certo ou errado, mas é uma questão de saber o que que eu estou produzindo, baseado em que, quer dizer, eu não posso produzir coisas baseado pras comunidades usando a lei do mercado sem me dar 219 conta disso, eu acho que tem uma diferença clara pra isso aí.

Diante da respostas, questionei Werner se ele não percebia uma crise de identidade entre os jovens que fazem música na Igreja e até mesmo dos próprios musicistas que estão atuando em paróquias na regência de grupos e no ensino de música. A estética da identidade musical luterana tem uma linguagem muito distante da realidade dos jovens. Basta olhar o censo de 2010, as igrejas de tradição estão despencando, no rádio tocam músicas que confundem o popular e o sacro. De que forma a Igreja Luterana poderá encontrar seu lugar daqui a 50 anos, por exemplo. Como vai estar nossa música? Essa é uma questão bastante ampla, porque não é uma questão musical. Essa é uma questão de eclesiologia. É uma questão de teologia. O que eu vejo e ouvi muito sempre é que a música é muito pouco discutida dentro da igreja e ela caminha por caminhos muito outros do que a própria noção de Igreja, do que a própria noção de luteranismo, de teologia luterana. Eu não sei onde a gente vai estar até porque eu parei de me dedicar e botar o foco 218 219

Entrevista Soraya, p 77. Entrevista Werner, p. 85.

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da minha atenção pra tudo isso, mas, eu não me preocupo com isso, sabe? Eu me preocupo mais com a questão de que existe um abismo na IECLB muito grande entre a discussão teológica e o mundo da música. É como se fossem coisas distintas. E não são! Porque a música é usada sempre, é usada de domingo a domingo, né? Eu me preocupo muito mais com isso, muito, muito mais. E a música determina muita coisa, só que você tem que entender do universo musical pra saber que ela determina o jeito como as pessoas fazem escolhas pro culto, o tipo de coisa que se canta Ela determina muito, a teologia. Mas eu não vejo muita discussão sobre isso. [E a luta por um ministério ordenado de música?] Mas isso é uma história longuíssima, né Hunger. Eu não acho que tem que ser o pastor, eu acho que tem que ser uma pessoa bem formada, tecnicamente inclusive, musicalmente falando. Então, eu acho que precisaria sim, esse é um discurso que continua, mas eu não vejo ele tomando dimensões práticas, as pessoas continuam fazendo música na sua grande maioria como uma parte muito periférica das coisas, e não é, não é. E aí eu acho que é importante que se diga que, se você não tem o modelo dentro da sua própria casa, dentro do seu próprio contexto, você adota um outro modelo, e a gente tá cheio de modelos por aí, muito fortes, muito determinantes em termos de produção musical, em termos de como usar a música e a partir de que pontos de vista teológicos essa música é utilizada. Tem um milhão de modelos no mercado. Eles servem pra gente? Talvez sim, talvez não. O modelo luterano tem que ser revisto sim, não é uma questão de determinar esse ou aquele modelo, é uma questão de considerar que esse é um ponto de vista a ser discutido, estudado, a ser pesquisado, como se pesquisa outras coisas dentro da vida da Igreja e da Teologia. Ele não pode ir se apresentando por si e sendo engolido e as pessoas acharem que não estão seguindo modelo nenhum. Elas estão seguindo um modelo e adotando determinadas práticas que estão por aí e são muito fortes. O problema que eu vejo é que não há uma consciência de que estas coisas precisam ser tratadas do ponto de vista metodológico, do ponto de vista científico, mas do ponto de vista do estudo desse fenômeno. Ele precisa ser estudado como tal, aí você precisa ter gente preparada pra estudar, pra trabalhar isso aí, e eu acho que a Igreja não sabe aproveitar as pessoas que tem, não sabe aproveitar as pessoas que forma, muito antes pelo contrário, bota as pessoas pra andar, e obviamente as pessoas procuram outros lugares, e acho que esse é um grande problema, um problema central, não se enxerga a questão da produção musical né, como um fenômeno a ser estudado e que tem implicações diretas pra vida comunitária, pra vida de quem fica ou quem sai, pro conceito e modelo de igreja que se quer, tanto historicamente quanto contemporaneamente, é um fenômeno, um fenômeno teológico, musical, eclesiológico, que se manifesta através da música, através de certos conceitos, e é isso que eu não vejo. Eu não vejo que isso está no centro de qualquer decisão política importante, tanto que as pessoas muito importantes que a Igreja já teve, saem dela: a Micaela Berger, o Walter Schlupp, acho que eu mesmo posso me botar dentro disso aí, outras pessoas importantes que fizeram parte, que são excelentes, acabam desistindo de tanto bater com a cabeça na parede, a própria Helena e outras pessoas, que eu acho que procuraram levar mais pela questão de entender esses fenômenos, de estuda-los, ou de debatê-los e escrever sobre eles, porque essas coisas tem implicações fundamentais sobre o que é produzido, se você não faz isso internamente você adota modelos de fora, acho que esse é o grande problema, consciente ou inconscientemente, você adota modelos. Que modelos estão sendo adotados? Com base no que? Pra mim, esse é um grande problema. Saem discos, saem CDs e você escuta aquilo. Pra quem tá antenado que o modelo seguido é x, y ou z, ou uma grande misturança, Ok. Pra mim o grande nó da questão tá aí, o resto é consequência. Tem muitos restos, mas os demais, pra não usar a palavra resto, é consequência de uma coisa que falta, que é utilizar as pessoas que tem conhecimento de causa, porque a música não é vista como ciência.

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Esse é o grande problema dentro da IECLB, ela é enxergada muito como um dom prático e ela é isso também, mas ela já deixou de ser isso há muito tempo. Por isso a gente anda atrás da carroça. Mas eu acho que o grande nó tá ali, tá em saber enxergar, em ver que a questão musical é uma questão absolutamente fundamental na igreja moderna, na igreja contemporânea ela não pode ser discutida por qualquer um, ela precisa ser discutida com conhecimento de causa litúrgica, musical, teológica. Porque ela é uma ciência e tem gente com formação pra isso, só que essas pessoas não são aproveitadas porque não são chamadas. Tentam muito por iniciativas individualizadas próprias, são pessoas com muita boa vontade e você é um desses também agora. Mas não são chamadas, então , acabam enjoando disso e acabam batendo asas - e eu acho isso uma pena - pra outros campos. (entrevista Werner p.85)

Na sua opinião, a música na IECLB está evoluindo? Eu acho que ela não está evoluindo, eu acho que ela está estagnada por que de novo, é importante entender que música não é o resultado sonoro musical, música é um processo muito mais amplo, que vai desde a produção, desde o entendimento. Se você entende música como um resultado que é tocar, gravar e cantar, bom, esse é um entendimento muito estreito de música e muito comum. Muito bem, pro leigo, acho que tudo bem, mas pra quem se dedica à questão musical não, precisa aprender a pensar muito mais amplo do que o resultado musical prático. Então acho que a música na IECLB, em termos de concepção, acho que piorou muito, porque se eu penso em pessoas que trabalharam na década de 60, na década de 70, acho que existia uma concepção incipiente, inconsciente, mas existia uma concepção, onde o mercado também era muito menos competitivo e os modelos praticamente não existiam. A gente tava numa outra época e toda essa época não tá sendo considerada pra dentro da discussão, quer dizer, não tá havendo discussão. Então, o problema muito central pra mim é esse, é um problema básico. A música está evoluindo? Não, eu acho que ela não tá evoluindo porque ela não tá considerando, em termos de IECLB, talvez ela esteja considerando - eu posso pensar em pessoas específicas que estão fazendo isso né - É um processo, é isso que eu tô falando se prende muito no resultado final, é como ver um pianista tocando e ele faz as coisas mais inacreditáveis, mas de uma maneira tão tranquila. Mas você perguntou quantas horas ele trabalhou? Não, porque se foca no resultado, porque se enxerga música apenas como resultado final. Esse é o grande problema de quem trabalha ou de quem não trabalha com música, mas gera as políticas, porque acha que música é uma questão de dom, eu sento e saio fazendo. Por isso que eu tô falando que o resultado final, ele não é tão importante assim. Aí uma hora dessas a gente se enche. Ou você muda, e uma hora dessas tem que se encher mesmo, eu acho que absolutamente uma hora você tem que se encher e dizer, me consegue um trabalho mais, porque cansa, todo mundo que leva a música a serio precisa trabalhar com um mínimo de qualidade, senão, não chega a lugar nenhum. [Comento sobre o papel de um disco, que ele vai eternizar e registrar um momento, como uma fotografia] Obviamente, ele é um registro de um determinado trabalho, de uma determinada época, [Tu diria que a IECLB no seu todo, na sua história, tem discos pouco importantes?] Eu Não digo que são só os discos, é uma pecinha de um mosaico maior que não tem grande importância, porque ele é visto só como o resultado de uma coisa, ele não é visto como um termômetro de que está mostrando alguma coisa, ele não é visto como um material de pesquisa, ele só é visto como um resultado sonoro daquele grupo especificamente e ponto. É como se ele não fizesse parte de um contexto, só visto como produto final, quase individualizado, como se não tivesse nada a ver com o contexto, eu vejo como parte de um mosaico a produção fonográfica. Werner, p. 86.

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CONCLUSÃO

Ao longo de minha experiência profissional como músico, produtor e docente da educação musical, tenho presenciado fatos e ouvido muitos relatos de quem faz, de quem aprecia e de quem coordena a música na igreja luterana. Esta experiência já dura um pouco mais de 10 anos e permite-me afirmar que existe uma inércia na produção musical na IECLB. Inércia sobre o domínio de ferramentas tecnológicas e sobre a necessidade de acordar para “o novo”. Basta observar os festivais de música produzidos durante o Dia da Igreja do Sínodo do Rio dos Sinos (IECLB) e observar o desamparo dos grupos diante dos microfones e cabos. Isso também ocorre no cuidado com os instrumentos utilizados: afinação e manutenção de violões, guitarras, baterias e contrabaixos. São detalhes que fazem diferença no resultado estético e não estão relacionados com falta de recursos financeiros, mas sim, com a falta de orientação na escolha do instrumento a ser comprado, na manutenção e limpeza das cordas, dos cabos utilizados, na utilização de microfones, etc.. Sob

outra

perspectiva,

tenho

observado

conflitos

entre

tradição

e

modernidade musical. Caracterizo a tradição através da hinologia tradicional do canto coral acompanhado pelo órgão ou piano. A modernidade são os grupos de jovens trazendo a guitarra elétrica e a bateria para dentro da igreja. As discussões giram principalmente em torno do volume sonoro e o conteúdo das letras das músicas que surgem. Outro aspecto relevante nesta análise trata da estética musical sobre a influência histórica do século XX. O Brasil da MPB e da pluralidade rítmica e tímbrica influenciou novos compositores e intérpretes. Apesar da década de 70 ter influenciado um novo jeito de fazer música, a geração luterana atual tenta, mas não

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contempla na sua música a diversidade cultural brasileira. Esta afirmação se revela na carência de domínio técnico para a execução da diversidade rítmica herdada da cultura africana, espanhola e portuguesa. Há muitas tentativas frustradas do uso da percussão em cultos. Não basta simplesmente comprar um bongô, entregar nas mãos de alguém com vontade de tocar e dizer: “bate aí!”. Assim como a voz, o violino ou o piano, pra tocar bongô, é preciso estudar música! Sim! Não há consciência da importância do estudo da música por parte de muitos jovens que integram grupos musicais em comunidades espalhadas pelo Rio Grande afora. Os Festivais de Música Luterana promovidos pelo Sínodo Rio dos Sinos atestam o fato. Enquanto observador na edição de 2010 e jurado na edição de 2012, pude perceber o despreparo dos grupos diante do desafio de enfrentar microfones e cabos de áudio. O depoimento dos entrevistados levantou inúmeros fatos significativos à compreensão

da

história

das

produções

musicais

da

IECLB

e

apontou

comportamentos a ações necessárias para um melhor desenvolvimento da música na Igreja. O primeiro aspecto que elenco compartilha com as ideias de Ewald. O ponto mais importante a ser discutido e observado num trabalho musical é o seu conceito. Nele, surgirão perguntas existenciais como: para que serve tal música, performance ou disco? É música para culto? Para poder ouvir no carro? Para animar um encontro de jovens? Para definir conceitos, é preciso conhecer liturgia, é preciso conhecer a história da IECLB mas não ficar presa à ela. Estamos à quase quinhentos anos de uma proposta teológica e é preciso adaptar-se ao nosso tempo. A leitura de mundo que se faz hoje exige a abertura de espaço para novos compositores e uma reinvenção da identidade luterana. A pesquisa revelou também um evidente descontentamento da geração de novos compositores no que diz respeito à falta de liderança da Igreja no apoio e organização das produções musicais realizadas. Não existe controle, não existe registros. Mais ainda, destacou a importância da legitimação de um ministério de música da Igreja, afim de promover o aperfeiçoamento da música feita em comunidades por obreiros habilitados. A nova geração de compositores, produtores e coordenadores musicais da IECLB buscou aperfeiçoamento de sua formação musical em centros específicos de música. Por outro lado, alguns dos entrevistados estudaram formalmente somente

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teologia. Nos anos 80 funcionou por algum tempo no campus da EST um curso de formação em música sacra a fim de fazer a conexão entre música e teologia. Mesmo buscando formação nas duas áreas, há uma lacuna entre elas que precisa ser preenchida. Música e teologia são estudos diferentes. Música sacra é um estudo específico, capaz de promover entendimentos que nenhuma das outras áreas isoladamente pode propiciar. A complexidade deste universo pode ser percebida nos depoimentos. Os discursos de grande parte dos entrevistados revelam sempre um posicionamento que tende para um dos lados: hora se valoriza expressivamente o lado musical das obras, hora o discurso tende para o discurso teológico. Tais atitudes têm implicações: quando a teologia é posta em primeiro plano, observamos trabalhos mal acabados musicalmente. Soraya depõe sobre seu descontentamento sobre os materiais didáticos produzidos. Por ser didático, acaba sendo gravado de forma simples, sem arranjos, sem cuidados de afinação, sem a mínima qualidade técnica necessária para que obtenha uma sonoridade equivalente ao que ouvimos no rádio, por exemplo. Por outro lado, deparamo-nos com uma série de produções tecnicamente perfeitas, mas com um discurso teológico raso, letras individualistas e distantes da identidade evangélica luterana. O Festival Luterano de Música do Sínodo Rio dos Sinos atesta tal afirmação. Compartilho abaixo o documento que sugeri criarmos e lermos antes da divulgação dos resultados do último Festival de Música ocorrido em 2012 em São Leopoldo: Houve um grande esforço por parte das bandas e grupos em compartilhar suas canções e suas ideias, não temendo expor suas letras e interpreta-las com a diversidade de ritmos e estilos musicais. Jovens talentos, munidos de toda a coragem, encararam o palco, o microfone e muitos olhos e ouvidos. Mas um festival de música também é aprendizado. O festival luterano visa qualificar e não só diagnosticar. A comissão organizadora, no uso de suas atribuições observou e sugere que: As letras devam ser consultadas, em primeiro lugar, a um professor de português que auxilie na poesia e na concordância verbal. Também sugere que consultem um pastor para conferir o conteúdo teológico e observa que, para algumas apresentações, o texto ficou em segundo plano, dando lugar à performance exagerada de alguns instrumentistas, o que prejudica o coletivo, que é a essência de música da IECLB. Por último, estudem, estudem música, procurem aconselhamento, qualifiquem-se para elevar, 220 cada vez mais, a qualidade dos festivais, não desista!

220

Texto elaborado pela comissão Julgadora do 4º Festival de Música Luterana do Sínodo Rio dos Sinos em 2012. Jurados: Daniel Hunger, Oziel Campos de Oliveira, Louis Marcelo Illenser, Gerda Junge e Werner Ewald.

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Outro aspecto não menos importante revelado na pesquisa demonstra o despreparo dos compositores e musicistas no âmbito das tecnologias aplicadas à produção musical. Muito do que se produz em termos de música na IECLB fica refém do acaso ao contar ou não com a sorte de trabalhar com bons produtores musicais. Para a grande maioria dos entrevistados não existe a consciência do papel do produtor. É uma figura ainda pouco presente no histórico de gravações realizadas, mas que passa a ocupar lugar de destaque na medida em que novos trabalhos surgem dentro da Igreja. Mais do que perceber a importância do produtor, é preciso despertar o interesse de regentes, músicos e professores de música sobre a necessidade de qualificação na área de tecnologias aplicadas à música feita na Igreja. Atitudes simples como escolha e manutenção de seu instrumento, preocupação com qualidade dos timbres, trabalhar arranjos para que não se tenha, por exemplo, um grupo de três violões tocando exatamente a mesma coisa num culto. Podemos, com atitudes simples, inverter acordes, trabalhar um dedilhado, para que cada um conquiste seu espaço dentro do grupo. Parece que tais comportamentos passam por uma ideologia teológica de que música luterana é só o canto comunitário e precisa ser simples e raso. Não, podemos criar uma unidade musical com elementos significativos e expressivos, para que a voz do baixo não seja um simples pilar de acordes e para que tenor e contralto não se tornem meros reféns da melodia. A pesquisa revela esta leitura de que, para ser luterano, não se pode ter luz própria, como um argumento que justifica a carência de produções musicais singulares de artistas. Será que a palavra timidez, que tantas vezes surgiu nos depoimentos é a real responsável por este hiato na história da produção musical dos últimos dez ou vinte anos? Os fatos nos mostram que a história da produção musical da IECLB foi construída por iniciativas próprias e independentes. Em muitas delas, houve apoio e incentivo de lideranças sim, mas caracterizados como consequência de atitudes encorajadas de algum líder, de alguém que acreditasse no seu propósito maior identificado com a identidade luterana. Espero, sinceramente, que esta pesquisa possa causar algum tipo de desequilíbrio às pessoas entrevistas e leitores, a fim de despertar iniciativas saudáveis à música da IECLB.

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ANEXOS

Escola Superior de Teologia – Programa de Pós-Graduação em Teologia Linha de Pesquisa: Religião e Educação A produção Musical ao longo da história da IECLB. Questionário para projeto de pesquisa. Discente Daniel Hunger

1) Qual a sua relação musical com a música da IECLB? Que tipo de atividades musicais realizou ao longo de sua trajetória? 2) Seus estudos musicais ocorreram de que forma? Houve algum aprendizado sobre tecnologias aplicadas à produção musical? 3) O que você julga importante num “bom disco” de música? 4) O que você entende por Produção Musical? Já trabalhou como ou com algum profissional da área? 5) Há algum disco que você destacaria, por sua importância histórica e relevância? Tendo como critérios o conteúdo musical, qualidade dos arranjos e de gravação. 6) Como você analisa a Produção Musical da IECLB hoje, frente à evolução tecnológica, à modernização de timbres, evolução dos arranjos e o apelo mercadológico, comparando com outras denominações religiosas? 7) Que tipo de habilidades você julga relevante para os coordenadores de grupo da IECLB? 8) Há alguma carência a ser apontada, no que diz respeito à sua formação musical? 9) Na sua opinião, a música da IECLB está evoluindo? Em que aspectos?

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ANEXO 2

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