Professor alerta sobre \'cidade subprime\'

Share Embed


Descrição do Produto

_>>> Jornal Valor Econômico - CAD D - EU - 1/3/2016 (16:38) - Página 3- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto

Terça-feira, 1 de março de 2016

|

Valor

|

D3

EU& | Cultura LIVROS

A maior ameaça ao crescimento dos EUA Energia criativa não atenua a tendência de desigualdade que marca o epicentro do capitalismo global. Por Ricardo Abramovay, para o Valor AP

“The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War” Robert J. Gordon. The Princeton Economic History of the Western World, 784 págs., US$ 27,72 O enigma que ronda a vertigem tecnológica com que a era digital, a internet, a robotização, as nuvens e a inteligência artificial marcam este início do século XXI é bem expresso na célebre tirada do Prêmio Nobel de Economia Robert Solow: “Podemos ver a era dos computadores em todo canto, menos nas estatísticas de produtividade”. De fato, a produtividade total dos fatores (que mede o crescimento do produto, relativamente ao crescimento do capital e do trabalho) aumenta, desde 1970, nos Estados Unidos, a uma taxa que não chega a um terço da alcançada entre 1920 e 1970. Mas essa constatação é uma espécie de ponta de iceberg de um problema muito maior e que se exprime nas três teses básicas do livro impressionante que coroa décadas de pesquisa sobre as fontes e os limites do crescimento econômico e da evolução dos padrões de vida americanos. A primeira tese é geral e refere-se à natureza do crescimento econômico. Ele não é um processo contínuo que deriva logicamente do esforço humano em criar bens e serviços novos. Nem sempre as descobertas, as invenções e o progresso tecnológico se exprimem em real aumento da riqueza e muito menos do bem-estar. Algumas invenções são mais impactantes que outras. Portanto, a inovação deve ser avaliada sob o ângulo de seu real efeito sobre as condições de vida, o que a principal medida da riqueza nas sociedades contemporâneas, o PIB, dificilmente consegue fazer. O período entre 1870 e 1970, o “século especial” (sobretudo sua segunda metade, entre 1920 e 1970) reúne inovações que revolucionaram a vida cotidiana dos Estados Unidos tornando, quando comparados com qualquer período anterior, irreconhecíveis a forma como as pessoas se alimentavam, se vestiam, se deslocavam, se comunicavam, bem como a carga do trabalho tanto para o mercado como dentro dos domicílios. Foi nesse período que se alcançou o acesso aos bens e serviços que permitiram que, entre 1870 e 1970 a expectativa de vida média americana passasse de 45 para 72 anos. Na raiz dessas transformações revolucionárias encontram-se as cinco

Sem-tetos no centro de Los Angeles: praticamente todos os benefícios do crescimento econômico concentram-se entre as camadas de altíssima renda nos EUA

grandes redes que romperam com o isolamento do domicílio tradicional: a eletricidade, a água encanada, o saneamento básico, o telefone, o rádio (e, posteriormente, a televisão). Além dessas, a generalização do acesso ao motor a explosão interna e a substituição do cavalo pela força mecânica não só permitem melhorar a higiene das cidades, como, sobretudo, ampliam de forma inédita a mobilidade das pessoas dando lugar à instalação da classe média na periferia das grandes aglomerações urbanas. Por fim, a descoberta dos antibióticos e dos mais importantes tratamentos contra o câncer completam um quadro social em que os ganhos de produtividade eram paralelos a conquistas massivas nas condições de vida e de trabalho. A segunda tese é uma espécie de confirmação empírica da primeira. Contrariamente ao que defendem os que Robert Gordon classifica como tecno-otimistas, os Estados Unidos não se encontram às vésperas de um crescimento sem precedentes, impulsionado pela revolução digital. Ao contrário, esta concentra-se nos setores de informação, comunicação e entretenimento e, nem de longe, tem o impacto transformador sobre a vida das pessoas

AP

Gordon: décadas de pesquisa sobre as fontes e os limites do crescimento econômico e da evolução dos padrões de vida nos EUA

das inovações que marcaram o período entre 1870 e 1970. Habitação, vestuário, transporte, saúde e condições de trabalho dentro e fora do domicílio, claro que tudo isso foi afetado pelos computadores e pela

internet e será ainda muito mais pelas nuvens e pela robotização. Mas os impactos dessas mudanças sobre o cotidiano dos indivíduos é pálido, quando comparados às transformações do século especial.

Professor alerta sobre ‘cidade subprime’ Jorge Felix Para o Valor, de São Paulo A dinâmica do capitalismo do século XXI estaria condenando cada vez mais as pessoas a viverem em cidades mais precárias. Como definir essa cidade conformada em constituir-se para oferecer a seus habitantes um nível de bem-estar abaixo de seu potencial? Depois de o termo “cidade global”, criado pela socióloga Saskia Sassen, na década de 1990, o termo “cidade subprime” começa a avançar na discussão sobre as metrópoles contemporâneas. Seu criador é o geógrafo holandês Manuel B. Aalbers, de 37 anos, autor do livro “Subprime Cities - The Political Economy of Mortgage Markets” (Wiley-Blackwell, 360 págs., US$ 23,19) e professor da Universidade de Leuven, na Bélgica. Pela segunda vez no Brasil, Aalbers aponta a desigualdade social como um fator que empurra São Paulo para o nível subprime. Valor: O que são “cidades subprimes”? Manuel B. Aalbers: A ideia de subprime vem da questão dos

empréstimos nos EUA. Não estamos construindo “cidades primes” [cidades ideais], estamos construindo cidades abaixo do nível de excelência. A ideia veio da crise iniciada nos EUA e depois seu desdobramento, nos mesmos padrões, em outros lugares como Espanha e Irlanda. Nesses três países, houve clara ligação do setor financeiro e o setor imobiliário. Concede-se o empréstimo, a pessoa pega e vai morar onde? Muito longe do centro. Ainda pagam por décadas e o que a pessoa tem de volta? Nenhuma grande coisa. Assim as “cidades subprimes” são formadas e permanecem num estágio abaixo do que deveria ser uma cidade melhor. Valor: Na economia do século XXI, qual a tendência para as “cidades globais” como São Paulo e Nova York, se tornarem mais e mais “subprime”? Aalbers: De um lado, percebemos que se encaminha para essa direção. Você vê o Brasil mais conectado com o setor financeiro. Constatamos como o setor financeiro dirige o desenvolvimento urbano. Para uma reversão dessa tendência, precisaria uma mudança nas políticas pú-

blicas. Mas isso é muito difícil, como mostra o caso da Grécia. Valor: Os países ricos praticam há algum tempo uma política de juros baixos. Qual a influência disso para as cidades? Aalbers: Fica mais barato pegar dinheiro emprestado. Parece bom. As pessoas têm acesso a financiamento imobiliário. Mas amplia a crise imobiliária e alimenta a dinâmica para as construtoras. Quando aumentar os juros, estoura outra bolha. Não sou contra o crescimento. Numa cidade como São Paulo tem que ocorrer. As coisas precisam ser construídas. Porém, desse jeito, acaba levando à instabilidade crônica. A alta volatilidade dos juros vai ajudando a segregar ainda mais ricos e pobres, porque o investimento tende a buscar o maior retorno em áreas ricas da cidade. Nessa lógica, você não está construindo uma cidade ideal. Valor: Existe bolha na China? Aalbers: A bolha está estourando enquanto estamos aqui conversando. A escala do que ocorre na China, não vimos em nenhum outro lugar. Não apenas pelo tamanho da China, mas porque a rapidez com que se urbaniza não é

comparável a nenhum outro país. Há especulação com a terra, inclusive por governos locais e suas ligações com empreiteiras. Todo o modelo é baseado em investir em urbanização, auferir lucro e investir em mais urbanização. Valor: É o processo de financeirização comandado pelo setor imobiliário que descreve no livro. Aalbers: Isso ocorre no mundo todo. Não só nos EUA, mas também no Brasil. O Porto Maravilha, no Rio, por exemplo, é baseado em renda futura. Esse modelo está dentro do conceito de financeirização. É um instrumento financeiro legal de antecipação do fluxo de renda. Quando escrevi pela primeira vez sobre isso, as pessoas diziam que nos EUA era diferente. Claro, é diferente. O nível de pobreza não permite esse nível de financeirização nos outros países. Mas quando você vê projetos como o Porto Maravilha, a financeirização vai além do que se poderia imaginar. Quando ouvi falar desse projeto, comparei com a London Docklands e vi que era maior. É um processo de fazer projetos de desenvolvimento cada vez maiores. Isso aconteceu nos EUA, mas não dessa forma extrema.

Daí vem a terceira ideia central dessa análise histórica tão rica das mudanças da sociedade americana desde a Guerra Civil. Após dedicar a primeira parte do livro às mudanças técnicas e nos modos de vida de 1870 a 1940 e

Biblioteca

“Made in Macaíba - A História da Criação de uma Utopia Científico-Social no Império dos Tapuias” Miguel Nicolelis. Planeta, 302 páginas., R$ 41,90 Desde 1994, Miguel Nicolelis é um médico e pesquisador na Duke University, onde realiza pesquisa com interfaces cérebro-máquina, tecnologia que permite a uma pessoa usar apenas a sua atividade elétrica cerebral para controlar os movimentos de braços e pernas robóticos e virtuais. Foi assim que Juliano Pinto, paraplégico, deu um chute na abertura da Copa do Mundo. Neste livro, Nicolelis fala da experiência de desenvolver o Campus do Cérebro, polo de ensino, pesquisa e extensão em neurociência em Macaíba, no Rio Grande do Norte.

a segunda ao período que vai da Segunda Guerra aos dias de hoje, Robert Gordon aborda, na parte três da obra, um dos temas que mais preocupa a sociedade americana: o impressionante avanço das desigualdades. Aqui a originalidade de sua análise está em mostrar a desigualdade não como uma espécie de efeito socialmente indesejável de um processo economicamente virtuoso e edificante, mas como a principal adversidade capaz de bloquear o próprio crescimento da economia americana. O 1% no topo da pirâmide social americana, que detinha 8% da renda em 1974, quase triplica sua participação em 2014. O 0,01% do cume, que controlava 1% da renda passa a dispor de 5% do total, nesse período. Essa concentração é paralela à degradação do sistema educacional americano, hoje entre os piores, quando comparado a outros países desenvolvidos. A desigualdade, neste caso, vem desde a infância, uma vez que as escolas públicas de ensino fundamental têm seu orçamento determinado pelos impostos que pagam os moradores do distrito que ocupam: escolas em bairros habitados por pessoas ricas têm chances de alcançar qualidade inatingível pelos estabelecimentos situados onde se concentram os pobres. Além disso, a criminalização das drogas fez dos Estados Unidos o país com o maior contingente global de presidiários, comprometendo de forma quase irreversível a integração dos que passaram pelo sistema prisional ao mercado de trabalho. Como houve, após 1970 a quebra do movimento sindical e a redução tanto do valor real do salário mínimo, quanto dos impostos cobrados dos mais ricos, o resultado é que praticamente todos os benefícios do crescimento econômico concentram-se entre as camadas de altíssima renda. O que o livro de Robert Gordon coloca em questão não é o talento ou o ímpeto criativo dos inovadores e das conquistas tecnológicas atuais. O que ele mostra é que toda essa energia criativa sequer atenua as tendências socialmente destrutivas que marcam hoje o epicentro do capitalismo global e que comprometem seriamente seu próprio desempenho. Ricardo Abramovay , professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP, é autor de “Beyond the Green Economy”. www.ricardoabramovay.com Twitter: @abramovay

Mais vendidos* Livros de economia e negócios

1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º

"O Poder do Hábito" Charles Duhigg, Objetiva, R$ 39,90 “O Monge e o Executivo” James C. Hunter, Sextante, R$ 24,90 "O Poder da Ação" Paulo Vieira, Gente, R$ 23,90 “A Arte da Guerra " Sun Tzu, Jardim dos Livros, R$ 34,90 “Os Segredos da Mente Milionária” T. Harv Eker, Sextante, R$ 24,90 "Sonho Grande" Cristiane Correa, Primeira Pessoa, R$ 39,90 "Geraçao De Valor" Flavio Augusto Da Silva, Sextante, R$ 39,90 "Geração de Valor 2" Flavio Augusto Da Silva, Sextante, R$ 39,90 "O Jeito Disney de Encantar Os Clientes" Disney Institute, Saraiva, R$ 29,90 "Negocie Qualquer Coisa Com Qualquer Pessoa" Eduardo Ferraz, Gente, R$ 29,90

Fonte: Livraria Cultura, Saraiva e Submarino. Elaboração: Valor Data * Entre 15/02/2016 a 21/02/2016 Obs: Preços sugeridos pelas editoras.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.