Professor Dançante: a nossa dança dentro e fora dos muros da escola

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Descrição do Produto

Modalidade: Mesa Redonda GT: Dança/Artes Visuais Eixo Temático: Iniciação à Docência

Título da Mesa: PIBID como espaço privilegiado para reflexões sobre os desafios e conquistas da Dança e das Artes Visuais

PROFESSOR DANÇANTE: NOSSA DANÇA DENTRO E FORA DOS MUROS DA ESCOLA

Juliana Amelia Paes Azoubel (UFMG, MG, Brasil) RESUMO: Esse trabalho relata e analisa a experiência de construção e transformação da identidade dos “professores dançantes”, no projeto PIBID/ARTES “Professor dançante: a dança contemporânea brasileira dentro e fora dos muros da escola” desenvolvido de maio de 2012 a Janeiro de 2014, como subprojeto do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência da Universidade Federal do Paraná. Os processos de formação dos “professores dançantes”, bolsistas do projeto matriculados no Curso de Licenciatura em Artes, a atuação desses bolsistas nas escolas públicas de Paranaguá, e a inserção dos mesmos como professores de Artes no estado do Paraná, comprovam que ao investir na formação do artista/professor/pesquisador de dança contribuímos para a inserção da Dança como área de conhecimento nas escolas públicas. A inter-relação entre a UFPR com as escolas da cidade de Paranaguá se apresenta como um contexto promissor e um cenário propício para a investigação artística, e para as abordagens da Arte/Educação com base na comunidade, do Multiculturalismo e para os encontros dessas abordagens com a Etnologia da Dança, com os princípios da técnica de Viewpoints e do coreógrafo Merce Cunningham na formação e atuação dos “professores dançantes”. O termo “professor dançante,” além de ser a denominação dos bolsistas do PIBID no referido projeto, passou a constituir um conceito para a formação e transformação da identidade do artista/professor/pesquisador de dança, e para a negociação do espaço para a Dança como área de conhecimento dentro e fora dos muros das escolas públicas brasileiras. Palavras-chave: PIBID; Dança-educação; Dança contemporânea; Dança brasileira.

THE DANCING TEACHER: OUR DANCE IN AND OUT OF THE SCHOOL WALLS ABSTRACT: This work describes and analyzes the experience of constructing and transforming the identity of the “dancing teachers,” in the project PIBID/ARTES “Professor dançante: a dança contemporânea brasileira dentro e fora dos muros da escola” (The dancing teacher: Brazilian contemporary dance inside and outside of the school walls). The project happened from May 2012 to January 2014 as a part of the Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Institutional Program of scholarships for teaching initiation) of the University Federal of Paraná, in Brazil. The process of creating the “dancing teachers,” scholarship holders seeking the Art/Education degree, the roll they

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played in the public schools of Paranaguá (PR) and their insertion as Art teachers in the state of Paraná, show that as we invest in the artist/teacher/researcher of Dance, we contribute to including Dance in the public of schools. The relationship of the University Federal of Paraná with the schools of Paranaguá was a promising environment and it was the scene for the artistic investigation, the approaches of community based art education and the multiculturalism to connect with concepts of Dance Ethnology, the principles of viewpoints and to the ideas of Merce Cunningham to create the “dancing teacher”. The term “dancing teacher,” is the title of the scholarship holders in the project, but also describes a concept to their formation, affirmation and transformation as artist/teacher/researcher of Dance. It also contributes to the negotiation of the Dance space inside and outside the Brazilian public school walls. Key words: PIBID; Dance/education; Contemporary dance; Brazilian dance.

Introdução Como um dos subprojetos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Federal do Paraná, o projeto “Professor Dançante: a dança contemporânea brasileira dentro e fora dos muros da escola” iniciou suas atividades em maio de 2012. A equipe contou com a participação de 15 bolsitas e 2 estudantes voluntários do Curso de Licenciatura em Artes da UFPR Litoral, 2 supervisores professores das escolas de Paranaguá, e a coordenadora do projeto, que em 2012 também atuava como professora de dança e coordenadora do curso. O projeto tinha como objetivo geral a inserção dos estudantes do Curso de Licenciatura em Artes em processos de ensino-aprendizagem em Dança no ensino básico através de práticas de investigação artística, da arte/educação baseada na comunidade (Community Based Art Education, em inglês), e do multiculturalismo, pressupondo a valorização da cultura local e dos recursos existentes na comunidade e na escola. Ao longo da concepção e desenvolvimento do projeto, as referidas práticas foram utilizadas como fundamentação, mas também como estratégias para a formação dos bolsistas, e para o ensino da dança contemporânea brasileira nas escolas do litoral paranaense. Partimos da compreensão de dança contemporânea brasileira como uma dança a ser investigada para poder ser transmitida, em uma proposta dialética constituída de investigação e transmissão de conhecimento de uma dança feita no Brasil, que engloba as manifestações culturais do Brasil, rompendo com as fronteiras estabeledicadas entre a cultura popular e a erudita. Pressupõe-se que essa investigação artística não pode partir de uma visão folclórica de dança, justificando-a pela necessidade de resgate ou como reconstrutora de uma identidade de nação, e sim deve partir do reconhecimento das suas características multiculturais e inclusivas, com potencial para construção de processos de ensino-aprendizagem que relacionem tempo e espaço, e principalmente, indivíduo e sociedade. Para isso, apontamos para a necessidade de práticas de ensinoaprendizagem em Dança que quebrem barreiras historicamente construídas e tão presentes em nossa sociedade. Como afirma Bastos, “Valorizar as ligações intrínsecas entre arte e a vida cotidiana constitui a base de uma arte/educação democrática, porque envolve o reconhecimento de várias práticas artísticas sem distinguir entre o erudito e o popular” (Bastos, 2008, p.228). No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96 e os PCNs apontam para a importância do ensino da Arte na educação básica. A Dança, como

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uma das áreas de conhecimento, foi incorporada como componente curricular obrigatório com fundamentos e conteúdos específicos. Morandi (2005, p.12) afirma que segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, a arte é “uma área curricular com conteúdos específicos e tem uma função tão importante quanto às outras áreas de conhecimento.” Além disso, o documento de arte dos PCNs indica que o ensino de artes deve englobar as 4 áreas do conhecimento. Para a mesma autora, “O papel da arte e da dança nas escolas seria justamente o de possibilitar a transformação contínua da existência, mudar referências, proporcionar novos e múltiplos olhares sobre o mundo” e a arte permite: “uma compreensão do mundo de forma mais sensível e mais significativa”(Morandi, 2005, p.77). Mas como levar esses conteúdos para a escola brasileira quando não investimos na formação dos professores de Dança, ou ainda, quando existente, a formação dos professores de Dança encontra-se comprometida por noções eurocêntricas e tecnicistas? As transformações na educação brasileira à partir da criação da referida lei nos traz um novo campo a ser conquistado e muitos desafios a serem enfrentados. O contexto do Curso de Licenciatura em Artes da UFPR Litoral, pela sua abordagem plural construída na inter-relação entre as quatro áreas de conhecimento, por um lado, aumentava esses desafios, mas por outro, proporciou uma forma dinâmica e democrática para a inserção da Dança nas escolas de Paranaguá. O Curso de Licenciatura em Artes da UFPR Litoral propõe a integração dos saberes artísticos ao contexto sócio-cultural local como estratégia de formação de um profissional comprometido com a realidade. O currículo do curso, a ser integralizada em quatro anos, propõe interfaces entre as quatro áreas do conhecimento: as Artes Visuais, a Dança, a Música e o Teatro, pressupondo uma axiomática comum a um grupo de conhecimentos conexos, mas enfatizando as especificidades de cada área. Esse desenho curricular facilita a integração entre as áreas proporcionando experiências diversificadas e muito enriquecedoras aos licenciandos mas, ao longo do curso, há pouco tempo para o desenvolvimento de questões específicas de qualquer uma das áreas. É nesse contexto, que surge o subprojeto PIBID/ARTES “Professor Dançante: a dança contemporânea brasileira dentro e fora dos muros da escola”, que além de prever a inserção da Dança como área de conhecimento nas escolas de Paranaguá, investe na formação de um grupo específico: os “professores dançantes.” Para os fins desse trabalho, usaremos a expressão “professor dançante” como uma forma resumida de nos referirmos ao subprojeto PIBID/ARTES. No contexto do Curso de Licenciatura em Artes, o grupo dos “professores dançantes” foi formado por integrantes de dois subgrupos, osartistasprofessores/pesquisadores de Dança que, matriculado no curso buscavam ampliar seus espaços dançantes, e os futuros professores de Artes que almejavam levar a Dança para a escola e buscavam o conhecimento das suas especificidades. Vale considerar que a Dança integra, mas não norteia a estrutura curricular do curso, e as práticas de ensino em Dança são aprofundadas apenas no quarto semestre nos módulos1: Apropriação e prática de ensino em dança, e Estágio Supervisionado III: Vivências em dança, que são momentos de imersão dos licenciandos nas práticas de ensino em Dança e de contato com a Dança como área de conhecimento. Considerando esses dados, para quem opta por trabalhar com a Dança nas escolas, o contato com esses módulos é apenas o início da exploração de um universo vasto e desafiador. Como professor de Dança ou professor de Artes, que dança ensinar nas escolas? 1

A palavra módulo é utilizada no Projeto Político da UFPR Litoral em substituição à palavra disciplina.

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Referencial teórico e metodologia: os passos dos “professores dançantes” Considerando o contexto encontrado, e na tentativa de responder essa pergunta, definiu-se iniciar o trabalho pela investigação artística , que pode ser um dos recursos pedagógicos no ensino da Arte na contemporaneidade. As práticas de dança contemporânea que nortearam a concepção e o desenvolvimento do “Professor Dançante” são analisados nesse trabalho a partir da elaboração, da construção e da afirmação do conceito “professor dançante,” criado e desenvolvido para esse projeto. A afirmação de identidade dos bolsistas constituiu um processo de formação, e o resultado de uma proposta que contemplou a união entre a cultura popular e a erudito, a teoria e a prática. A aplicação do projeto nas escolas de Paranaguá contribuiu para o reconhecimento da dança contemporânea brasileira como expressão artística da diversidade cultural encontrada dentro e fora dos muros da escola, ao mesmo tempo em que reconheceu as diversas danças presentes na trajetória de cada participante. Na análise apresentada, os bolsistas PIBID, professores de dança em formação, são vistos como transformadores, mas também como sujeitos transformados pelas vivências em dança que participaram ao longo do projeto. É na união entre concepção, método e resultado que o novo conceito se firma. Esses professores são formados, ao mesmo tempo em que formam, criam e propõem abordagens metodológicas, e se constituem como “professores dançantes”, como indivíduos que têm suas identidades transformadas. A metodologia utilizada nas práticas desses professores em formação tem como base a pesquisa sobre a dança brasileira na contemporaneidade, fundamentada em conceitos da Etnologia da Dança como um campo de conhecimento com ações que propiciam as interfaces entre a Dança e os outros saberes artísticos. Propõe-se que as vivências em Dança sejam as bases para a formação dos “professores dançantes” que por pertenceram a essa rede de conexões de saberes, integram e contribuem para cada etapa dessas vivências. Pesquisadores, artistas e professores de Dança encontram inúmeros desafios relacionados ao ensino da Dança nas escolas. A falta de “espaço apropriado para a prática de dança” e a falta de equipamentos e as diferenças regionais são comumente os empecilhos mencionados, junto ao fato de que o ensino de Arte nas escolas já ocupa um lugar desprevilegiado em relação a outras disciplinas do currículo. Como afirma Bastos ao se referir às diversas tentativas de estabelecimento de um “ensino ideal” de arte nas escolas brasileiras (Bastos, 2008, p.229): “De um lado, continuamos a categorizar e a delimitar diferentes tipos de arte. De outro as distinções entre a arte erudita e popular tem se esvanecido, principalmente porque esses rótulos não nos ajudam mais a compreender a arte produzida atualmente”. Para a autora, em uma tentativa conciliatória, a abordagem da arte/educação baseada na comunidade, bastante utilizada nos Estados Unidos, combina várias categorias do fazer artístico e propõe aulas ministradas em espaços alternativos, a quebra de fronteiras entre o popular e o erudito e ações desenvolvidas com base nos recursos locais e na cultura dos envolvidos (Bastos, 2008 p.229). Essa prática, quando aplicada de acordo com a realidade encontrada, pode valorizar a Dança enquanto Arte e nos aproximar de um ensino de Dança, que como nos diz Marques, “tem o potencial de trabalhar a capacidade de criação, imaginação, sensação e percepção, integrando o conhecimento corporal ao Intelectual”(Marques, 2005). Foi no sentido de encontrar e ensinar Dança no litoral do Paraná que esse projeto foi construído e aplicado

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pela equipe do PIBID no Colégio Estadual José Bonifácio e no Colégio Alberto Gomes Veiga, ambos no município de Paranaguá. No Brasil, atribui-se a ausência da Dança no contexto escolar à falta de preparação de professores e a falta de estrutura da escola. Com base nesses pressupostos, propomos a conexão entre diferente saberes, e entre a cultura popular e a cultura erudita como base para um processo sólido de ensino da Dança, pautado pela necessidade de conscientização do nosso pertencimento histórico e cultural como norte da reflexão crítica, dos processos de criação e da participação social dos envolvidos. O conhecimento de nossas danças, e manifestações artísticas e culturais torna-se essencial a esse processo, mas não com base na noção de folclore, alimentada pela nossa da visão de classes, mas sim, um conhecimento das técnicas que são apropriadas pelos nosso corpo nos contextos que estamos inseridos. É nessa perspectiva que o projeto “Professor dançante” aponta para práticas de ensino em Dança onde o contato com as manifestações culturais da nossa sociedade brasileira, o reconhecimento e exploração de espaços alternativos e a valorização do contexto local reforçam as relações entre indivíduo, Dança e sociedade. O projeto “Professor Dançante” teve como objetivos específicos: utilizar a dança contemporânea brasileira para a formação de mediadores de processos de ensino/aprendizagem em Dança nas escolas e a criação de suas identidades como “professores dançantes”; ressignificar o espaço escolar como “espaço dançante” e os espaços públicos como espaços pedagógicos para vivências em Dança; e propor interfaces entre a dança contemporânea brasileira e outros saberes artísticos. A busca pelos objetivos traçados precisou ser contextualizada e norteada por fatores relacionados à logística das ações e pelo engajamento dos participantes nas ações do projeto, em um movimento dialógico onde os problemas encontrados serviram como ponto de partida para a construção do conhecimento. Sendo assim, as ações do projeto foram divididas em fases que se entrelaçaram, à medida que a formação dos integrantes se consolidava e o projeto se desenvolvia. A formação ou a experiência prévia como professor de Dança não foi critério de seleção dos bolsistas, ao invés disso, valorizou-se o interesse dos candidatos pela vivência em Dança e o compromisso com a sua formação em Dança ao longo do curso. Dentre os 15 bolsistas selecionados, 8 diziam ter experienciado a Dança anteriormente, mas nem sempre de uma forma sólida e constante, e/ou, a noção de formação em dança era automaticamente atrelada ao ensino de Dança como a reprodução de habilidades técnicas, o que, para o ensino de Dança nas escolas, pode ser útil em alguns momentos, mas não pode constituir a base de um processo de ensino-aprendizagem engajado e transformador, como o que pretendíamos. De início, as ações do projjeto voltaram-se para a formação dos “professores dançantes” que atuariam como mediadores de processos de ensino-aprendizagem e no planejamento das vivências em Dança nas escolas e nos espaços alternativos. A formação dos “professores dançantes” e os planejamentos das aulas eram sempre permeadas por debates sobre processos de ensino-aprendizagem em Dança para que todos tivessem o suporte teórico necessário para as suas proposições. Tanto por parte de alguns “professores dançantes,” como por parte dos integrantes das escolas encontramos a ideia de que a Dança poderia ser ensinada sem um investimento teórico e preparo técnico. Inseridos no referencial teórico da Arte/educação com base na comunidade e suas três orientações básicas que ilustram o relacionamento entre escola e comunidade descritas por Marché (1998) como: “um relacionamento explorativo em que a comunidade

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tem uma função instrumental; investigativo, que envolve a pesquisa para conhecer a comunidade; e a interação, que vai além do contexto humano e inclui o ambiente, para que os alunos interajam com a comunidade” (Marché, 1998 apud Bastos 1998), foi possível trabalhar com o conceito do multiculturalismo e suas cinco abordagens pensadas por Sleeter and Grant em 1994. No projeto “Professor Dançante”, a combinação dessas abordagens embasou a compreensão da dança brasileira na contemporaneidade como o produto da cultura de um povo, com sua diversidade e múltiplos referenciais. De acordo com Bastos, as cinco orientações do multiculturalismo propostas por Sleeter and Grant consistem em: (a)excepcionalidade e diferença cultural, usadas por educadores que encaram sua bagagem cultural como norma e tentam lidar com culturas que eles consideraam diferentes: (b) relações humanas envolvem práticas que enfocam o desenvolvimento de interações positivas entre indivíduos e grupos;(c) estudos de grupos distintos preocupa-se com um grupo isolado, por exemplo, mulheres, descendentes de culturas africanas, membros da classe operária; (d) educação multicultural envolve políticas e práticas que negociam as diferenças e similaridades entre vários grupos humanos, examinando etnia, deficiência, gênero, classe social, etc.; (5) reconstrução social busca desvelar as estruturas injustas que mantêm a desigualdade social entre diferentes grupos (Bastos 1998, p.236).

Tecendo uma rede de conexões teórico-práticas, a etnologia da dança como campo de análise e produção da área de Dança no século XXI fomenta uma integração entre a dança e outros saberes artísticos, assim como um tecer de fios que se conectam e tornam-se interdependentes à medida que as reflexões são desenvolvidas. A investigação desses conceitos e o entrelace deles com as abordagens do multiculturalismo teve início com a formação do grupo de “professores dançantes” e suas práticas e discussões sobre a dança contemporânea brasileira. Para isso, foram planejadas leituras de textos, diagnósticos das turmas e a transformação do espaço escolar. Além da atuação direta na concepção e constituição do grupo, os “professores dançantes,” participaram de cursos de formação, elaboração e aplicação de estratégias educacionais, oficinas, aulaespetáculo2, composições coreográficas, entre outras atividades de formação profissional. O trabalho dos bolsistas acontecia em doze horas semanais, divididas em 4 horas para as práticas e reflexões da equipe na universidade em Matinhos e 8 horas de atuação dos bolsistas nas escolas de Paranaguá. Com esse cronograma, buscou-se uma relação dialógica entre os “professores dançantes”, a coordenação do projeto, a direção das escolas e os professores supervisores das escolas de Paranaguá. Tal processo foi caracterizado por diversos desafios, incluindo visões restritas e preconceituosas das práticas artísticas nas escolas do litoral paranaense, e a formação dos professores de Arte das escolas, além do entendimento sobre as práticas de Dança, tanto nas escolas como para os bolsistas. Mas com o tempo, as abordagens utilizadas nos fizeram enxergar os desafios como alicerces para o cumprimento dos nossos objetivos. Por vezes, debatíamos os processos contraditórios que vivenciávamos na formação e nas ações do grupo, pois ao mesmo tempo que enfrentáva-mos desafios que nos desestimulavam, conseguíamos exergá-los como impulsos criadores das ações do projeto.

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termo aula-espetáculo é inspirado nas aulas interativas americanas denominadas “lecture- demonstrations” e define um espetáculo interativo, com participação dos presentes e explicações sobre o material apresentado.

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Entre o PIBID e o Curso de Licenciatura em Artes da UFPR Litoral De acordo com seu projeto político pedagógico, “O Curso de Licenciatura em Artes da UFPR visa formar sujeitos preparados para intervir, produzir, apreciar, investigar e articular os diferentes saberes artísticos, o contexto sócio-cultural e a educação. Acreditase que o reconhecimento do contexto educacional, social, cultural e artístico, amplificará o espaço e as possibilidades de valorização dos profissionais que irão atuar na educação formal e não formal, transformando e transmitindo as experiências que acumularão ao longo do curso” (Azoubel, 2010). O projeto, em sua concepção, reflete o que diz a LDB 9.394/96 e os PCNs que prevêem o ensino de Arte na educação básica. Como um curso novo no cenário nacional, sediado no litoral do Paraná, a sua criação faz parte do grande projeto de descentralização do ensino e propõe a integração dos saberes artísticos com o contexto social e a cultura local como parte das estratégias para a formação de um profissional comprometido com a sua realidade. Ao partir de uma concepção integradora e superando uma compreensão de Arte como a responsável apenas pelo desenvolvimento da sensibilidade e criatividade, o currículo do curso foi alicerçado na ampliação da formação profissional dos estudantes e traz um compromisso com o desenvolvimento cognitivo. Por isso, enfatiza a investigação artística, o desenvolvimento dos sentidos e dos processos de criação como eixos estruturantes. Fazer arte refletindo acerca do desenvolvimento dos sentidos e dos processos de criação artística, e enriquecendo este processo com conhecimentos da Estética, da História, da Comunicação, da Sociologia, da Antropologia, entre outros, é essencial para a formação do professor de Arte. Na formação dos estudantes em Licenciatura em Artes, esses conhecimentos plurais e imbricados entre si, devem estar articulados com o ensino das quatro áreas para a formação de um professor de Arte capaz de atender às necessidades da comunidade, especialmente as do litoral paranaense e do Vale do Ribeira. Investe-se na formação de um profissional que atenda às solicitações do momento atual e as demandas da contemporaneidade.O licenciando é solicitado nos 8 períodos do curso a produzir reflexivamente Arte e a experimentar a prática pedagógica não só em instituições de ensino formal, mas em todos os espaços que requeiram um profissional com vivência artística, assim como a reconhecer a escola, como espaço ideal ao aporte do diálogo entre os saberes artísticos e pedagógicos. O futuro profissional não deverá restringir sua ação na prática em sala de aula, mas deverá envolver-se com todas as questões que compõem o universo escolar e a comunidade externa Uma vez que os bolsistas encontravam-se inseridos nessa proposta, voltada para um contexto específico, fez-se necessário considerar também as suas heranças culturais e construções culturais, bagagens corporais, e, muitas vezes, seus próprios preconceitos. O reconhecimento desse cenário, complexo, e muitas vezes perturbador, foi o ponto de partida para a investigação artística e para o desenvolvimento do conceito “professor dançante”. No PIBID/ARTES “Professor Dançante,” foi essencial contextualizar para poder investigar. Para a compreensão do cenário mais amplo onde se inseriram as práticas de dança do projeto “Professor dançante”, propomos aqui uma análise das diretrizes que fomentaram o desenvolvimento do projeto no âmbito do curso. Quando a investigação artística cria o “professor dançante”

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Entrelaçando as diretrizes do PIBID e com o Curso de Licenciatura em Artes da UFPR, os subprojetos PIBID deveriam investir no ensino de uma das áreas (Artes Visuais, Música, Dança ou Teatro), ou na inter-relação das mesmas, e deveriam sere coordenados por um dos professores do curso. Caberia ao coordenador dos subprojeto PIBID dos cursos de licenciatura: (1) orientar bolsistas e os professores colaboradores (da escola); (2) orientar o processo de construção do conhecimento do estudante acerca do meio físico e social, de si mesmo e dos outros; (3) definir opções didáticas que permitam a elaboração de estratégias que propiciassem uma prática pedagógica capaz de promover a “cultura do pensar”; (4) fomentar ações que relacionassem teoria e prática, comprometendo-se com a qualidade de formação dos estudantes envolvidos; (5) apresentar relatórios à coordenação geral do PIBID, à escola/campo de atuação do projeto e à câmara do Curso de Licenciatura em Artes; e (6) participar e incentivar a participação dos estudantes em eventos relacionados ao PIBID. Poderiam participar do PIBID estudantes matriculados no Curso de Licenciatura em Artes, com presença e aprovação satisfatória, selecionados em edital específico. Caberia aos estudantes: vivenciar os processos artísticos com o objetivo de integrá-los à sua prática docente; superar a condição de repetidor de técnicas, e elaborar material artístico/científico sobre as suas vivências no projeto. Com base nas especificidades da área de concentração do projeto, a Dança, e na falta de formação específica dos estudantes do curso, concebemos e desenvolvemos o projeto e o conceito-base para nossas práticas: o “professor dançante”. Para fins desse trabalho, acredita-se que a aproximação do leitor à trajetória dos envolvidos no projeto, composta da investigação artística, da prática e do ensino da dança, poderá auxiliar na compreensão desse conceito. A nomenclatura “professor dançante”, que também compõe o título do projeto, passou a ser a denominação dos bolsistas, e também funcionou como um dos alicerces para um processo de formação e afirmação de identidade e reconhecimento do professor/artista/pesquisador que contextualiza e cria, dentro da diversidade encontrada, a sua forma de ensinar Dança. Acreditou-se no “professor dançante” como aquele capaz de propor processos de ensino-aprendizagem que integrem o erudito e o popular, indivíduo, espaço e sociedade. O termo “professor dançante” foi inspirado na forma como os artistas populares se auto denominam ao participarem de uma manifestação cultural. Nas comunidades populares, “brincantes”são aqueles que “brincam,” e aqui, o termo “dançante” denomina o professor que dança, e que é ao mesmo tempo, o artista que ensina. São as ações de um sujeito, com base em suas vivências e experiências que formam a sua identidade. Os “professores dançantes” vivenciaram processos de formação e afirmação de identidade desde os primeiros momentos do projeto, no processo de seleção, composto por uma roda de conversa e por atividades onde cada um falava do seu “background” e de suas expectativas na união de suas vivências anteriores às propostas do projeto. A afirmação dessas identidades constituíram processos de formação e também de transformação daqueles sujeitos. Para formação e afirmação da identidade dos “professores dançantes,” foram utilizados processos coreográficos como recursos pedagógicos, aplicados conhecimentos adquiridos nos cursos e vivências, o espaço escolar foi ressignificado para o ensino e prática da dança nas escolas, e espaços alternativos como praças, praias, ruas, museus, etc foram utilizado. para um ensino de Dança contextualizado. Além disso foram incentivadas práticas de apreciação em Dança com o planejamento de apresentações e mostras de vídeos, foram reconhecidas as

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concepções estéticas de uma dança contemporânea brasileira com sua diversidade cultural, e principalmente foram considerados o contexto sociocultural dos envolvidos. Essas ações possibilitaram que o ensino da Dança fosse compreendido como fruto das relações entre a formação do professor, a participação dos estudantes, e as práticas artísticas e pedagógicas, constituindo assim processos de ensino-aprendizagem dinâmicos e dialéticos, e investindo na formação de “professores dançantes” que compreendem a dança dentro e fora dos muros da escola. Aprender e praticar a dança era o sonho de muitos dos estudantes do curso de Licenciatura em Artes. Por fatores geográficos, econômicos, sociais ou culturais, a maioria possuía pouca ou nenhuma aproximação com a dança como expressão artística em suas trajetórias. Mas, ao ingressarem no curso, esses estudantes tinham que cumprir um currículo vasto com vivências nas quatro áreas de atuação do professor de Arte. Nesse sentido, o projeto PIBID funcionou como espaço de aproximação desses estudantes com a área de Dança. Ser bolsista, foi para alguns, a única forma de se aproximar da Dança na universidade. Portanto, foi essencial a construção desse projeto que funcionou como locus para práticas e reflexões teóricas sobre e para a Dança. Tanto os estudantes inscritos para a seleção, como a proponente do projeto, desde o início, desejavam a a inserção da Dança de forma mais efetivas nas práticas cotidianas do Curso de Licenciatura em Artes da UFPR. O processo de seleção dos bolsistas, composto de entrevista e preenchimento da ficha de inscrição, foi fundamental para que os “primeiros passos” para a construção de uma dança emancipatória fossem definidos. Para efeitos desse estudo, elegemos as duas perguntas que mais impactaram o início do processo de construção das atividades do projeto:1-Qual a sua experiência com dança? 2- Como você poderá contribuir para o projeto “Professor Dançante”? Ao tentar responder à primeira pergunta, mais de 50 % dos candidatos listou experiências com a Dança em academias ou escolas de dança, e geralmente, quando essas experiências não existiam, afirmava-se que existia “muito amor” pela dança, mesmo “sem experiência”. Para eles, a falta de experiência com a dança poderia lhes impedir de participar do projeto. Vê-se nesse exemplo, a noção de experiência com dança exclusivamente atrelada ao ensino da dança em academias e escolas e ao mesmo tempo, a falta de experiência compensada pelo “amor à Dança”. Para responder à segunda pergunta, relacionada à contribuição individual, a grande maioria, que não tinha experiência com a dança em academias, companhias e escolas especializadas, afirmava ter ministrado aulas de outras disciplinas em escolas públicas. Nenhum dos candidatos relatou habilidades desenvolvidas em outras expressões ou manifestações artísticas da cultura popular, o que envidencia uma noção de segregação e hierarquização. Para eles, jogar capoeira, participar de grupos de fandango, ou dominar a dança dos orixás, eram habilidades menos importantes do que ter sido professor de matemática, português, química ou qualquer outra disciplina. Dos 23 candidatos presentes, apenas 3 apresentaram suas vivências em manifestações culturais populares como uma possível contribuição para o projeto. É interessante observar que a coordenadora do projeto conhecia as experiências dos entrevistados nas práticas de capoeira, de fandango e em escolas de samba no litoral paranaense, mas para eles, aquelas vivências não eram importantes para um projeto universitário de iniciação á docência sobre a Dança nas escolas. Para eles, (e isso foi afirmado em reuniões subsequentes), a prática da capoeira, do fandango e do samba, não eram práticas a serem ensinadas nas escolas, pelo menos não como dança.

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Após a seleção, o projeto teve início com práticas para o conhecimento dos movimentos dos novos bolsistas. Ávidos para atuarem como professores de dança, novamente, nas práticas iniciais, os bolsistas buscavam passos específicos ou diziam “não saber dançar”. Seniu-se então a necessidade de iniciar um processo de desconstrução de conceitos pre-concebidos. Foi preciso desconstruir para poder construir e para isso utilizou-se a investigação artística como um recurso pedagógico para a transformação do sujeito que se afirma e se transforma a partir das suas próprias ações. De acordo com Christine Zurbach, “A investigação artística modifica a relação com a teoria que não sustenta necessariamente a prática nos termos em que uma investigação dita científica o faz, antes a subverte, integrando-a na própria pesquisa enquanto pesquisa da arte” (Zurbach,2009). Foi com base na subversão da investigação que foram propostas práticas que desconstruíam os conceitos pré-estabelecidos e que buscavam o ensino de uma dança contemporânea brasileira formada por corpos brasileiros com identidades distintas. As práticas propostas foram construídas com base na investigação da dança de cada um, que muitos até então desconheciam. Deu-se início um processo de investigação da dança presente nas práticas do cotidiano de cada bolsista, nas trajetórias de suas vidas. Para os bolsistas, a quebra de noções pré-concebidas e a utilização de recursos pedagógicos provenientes da investigação artística impulsionaram pesquisas e um processo de imersão prática na dança. Esse processo de descoberta foi permeado por diálogos e práticas sobre manifestações da cultura popular e da cultura erudita, e das possibilidades de encontro entre o artista e o público, o professor e o aluno. E a cada encontro, os “professores dançantes” se aproximavam mais de um espaço integrado pelas diversas danças pertencentes aos inúmeros brasileiros que estão dentro e fora dos muros da escola. Reconhecendo o espaço e as possibilidades para uma dança emancipatória A formação dos bolsistas foi um, entre muito dos desafios enfrentados pelos “professores dançantes.” Junto a ela estava a necessidade de reconhecer transformar a escola em espaço dançante. O conceito de reconhecimento já se fazia presente no cotidiano dos estudantes da UFPR Litoral. No Curso de Licenciatura em Artes, o primeiro contato com esse conceito dava-se no ingresso, no módulo “Reconhecimento dos Sentidos, da Arte e da Cultura no Litoral”. Parte integrante de um currículo diferenciado, esse módulo introduzia o licenciando as especificidades culturais, sociais e artísticas do litoral paranaense na 1ª fase de sua formação, denominada “Conhecer e Compreender”, umas das três fases vivenciadas no curso (as outras duas eram “Compreender e Propor” e “Propor e Agir”). O reconhecimento dos espaços escolares foi então o ponto de partida dos “professores dançantes”. No primeiro mês do projeto, os bolsistas foram às escolas com câmeras fotográficas para registro da escola como “campo de trabalho”. Pretendia-se buscar nas escolas possibilidades para práticas em Dança. Subdivididos em duplas, os bolsistas exploraram e registraram os espaços eleitos como espaços possíveis para as suas proposições em dança. Como resultado dessa visita, a empolgação de uns foi confrontada com a frustração de outros. Para 50% do grupo, espaços como os pátios, as entradas, e as quadras esportivas eram espaços dançantes. Para os outros, a visita à escola foi reportada com imagens aleatórias dos espaços, e a tarefa funcionou como mais

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uma atividade do projeto, pois, de acordo com eles: “as escolas de Paranaguá não teriam salas e espaços propícios às práticas de dança”. A visita às escolas serviu como um diagnóstico e mais um impulso para a continuação do projeto: transformar os espaços das escolas de Paranaguá em espaços dançantes virou meta dos “professores dançantes”. Logo, constatamos à transformação do espaço não era exclusiva aos ajustes ao chão das salas, às roupas e aos calçados, ou a arrumação e remoção de móveis e objetos.Tranformar espaços escolares em espaços dançantes requereria também a mudança na forma de pensar as práticas artísticas dentro dos muros da escola. Uma mudança de paradigma. Inserir a dança na escola: uma questão de ponto de vista A necessidade de transformar os espaços e inserir a Dança no contexto escolar funcionaram como motivações para o desencadeamento das ações dos bolsistas. Alguns, já haviam vivenciado no módulo “Apropriação e prática de ensino em dança” as práticas de viewpoints (pontos de vista) da americana Anne Bogart. As práticas de viewpoints nascem do encontro de Anne Bogart com Mary Overlie e Tina Landau que juntas sistematizaram princípios da improvisação a partir da relação entre tempo e espaço. De acordo com Silva, “Para Bogart um novo contexto nasce pela justaposição de acontecimentos significativos num mesmo tempo e espaço revelando, desse modo, as tensões existentes dentro de um complexo panorama social, político, econômico, etc. Assim, adquirir consciência sobre um determinado ambiente influencia diretamente a seleção dos temas e questões que uma obra artística concentra...” (Silva, 2012, p.86) Considerando o ambiente encontrado, definiu-se que cada dupla dedicaria os primeiros dois meses ao reconhecimento do espaço escolar, dos estudantes e da dança de cada turma. As vivências com o viewpoints pela equipe do projeto, e a intimidade de alguns com a área do Teatro (alguns dos bolsistas também eram atores profissionais) criaram as possibilidades de práticas corporais para a ressignificação do espaço. Como já havía sido realizado o diagnóstico do espaço e o planejamento das ações, definiu-se os espaços a serem utilizados nos primeiros dois meses de acordo com os objetivos das duplas, considerando a afinidade e a disponibilidade de horário de cada bolsista. A definição das turmas para atuação de cada dupla dependeu da disponibilidade dos supervisores já que cada supervisor acompanhava os bolsistas em uma das escolas do projeto. Propositalmente, não foram eleito critérios de escolha das turmas pelos bolsistas. Inspirados nas práticas de Merce Cunningham para a composição coreográfica onde “cabe aos espectadores reagirem, cada um a sua maneira, preenchendo o quadro que lhes é oferecido em todas as dimensões,” (Bourcier, 2001, p. 284), utilizou-se o “acaso” para definir que dupla atuaria em cada turma. Cada dupla trabalhou com a turma que estava disponível naquele horário. Essa casualidade proporcionou um panorama plural onde as turmas foram compostas por estudantes de vários níveis da educação básica e até da EJA (educação de jovens e adultos). Essa multiculturalidade desafiou o planejamento e trouxe diferentes reações aos “professores dançantes”. O acaso também estimulou a construção das práticas, já que as turmas apontaram múltiplas questões sobre diferentes corpos, suas danças, e as possibilidades de trabalho que até então eram desconhecidas pelo grupo. As práticas de viewpoints e o uso do acaso possibilitaram a inserção do movimento para as diversas turmas de forma democrática e plural. Todas as segundas feiras, os

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bolsistas participavam de práticas de percepçaõ corporal lideradas pela coordenadora do projeto e essas práticas inspiravam as ações nas escolas de Paranaguá. Em um movimento dialógico entre as práticas da universidade e as proposições dos bolsistas nas escolas, criou-se uma rede de movimentos que aos poucos inseria noções de espaço, de ritmo, de tempo, de fluência, mas principalmente investigava as possibilidades de movimentos presentes em corpos plurais. Permeava essas práticas uma investigação artística contínua e planejada sobre o que viria a ser uma dança contemporânea brasileira. Como em um laboratório de movimento, as práticas propostas pelos bolsistas nas escolas também tinham a função de diagnosticar e mapear os movimentos dos estudantes que delas participavam. Para continuidade das ações, cada dupla de bolsista decidiu, de acordo com a intimidade que tinha com a Dança, com o planejamento do supervisor (que serviu como elo entre a turma e os bolsistas), e com os movimentos dos estudantes de suas turmas, qual rumo dar ao seu trabalho como “professor dançante”. Uns escolheram uma investigação em forma de conversa sobre o movimento individual, propondo práticas de movimentos, e outros diagnosticaram o desinteresse das turmas para o assunto “Dança,” e, por isso, optaram por utilizar a apreciação artística de uma imagem, a contação de história, ou o trecho de um vídeo para despertar o interesse do grupo. Independente do ponto de partida, todos buscavam conhecer os movimentos dos corpos e transformar o espaço escolar em espaço dançante. Como as aulas de dança foram inseridas nas aulas de Arte ministradas pelos supervisores das escolas, formados em Artes Visuais, ajustar o planejamento fez-se necessário para melhor aproveitamento do tempo e do espaço. Esses ajustes integraram as ideias dos bolsistas ao planejamento do supervisor, em muitos casos aumentando os desafios já que os supervisores não tinham formação em Dança e nem sempre compreendiam as necessidades do processo, mas em outros, essa integração fomentou processos de muita aprendizagem, pois os bolsistas precisaram afinar seus objetivos e criar práticas que se adequassem ao planejamento proposto pelo supervisor, no tempo disponibilizado naquele novo contexto. Duas escolas: múltiplos contextos As diferenças entre as escolas causaram mais reflexões e aprendizado para a equipe. No Colégio José Bonifácio, os bolsistas dispunham de mais estudantes nas aulas de dança, já que as aulas regulares aconteciam nos turnos matutino, vespertino e noturno, mas em contrapartida, contavam com menor participação da equipe da escola. No Colégio Estadual Alberto Gomes Veiga, as aulas de dança aconteciam no contraturno, e contou-se com a disponibilidade da direção e dos professores em ajustar o currículo para que as o conteúdo das aulas de dança do contraturno preenchessem os conteúdos de Arte do ensino básico. Essa flexibilidade na segunda escola muito contribuiu para o desenvolvimento do projeto, uma vez que os bolsistas PIBID não poderiam ministrar aulas de dança no turno matutino, quando frequentavam as aulas do Curso de Licenciatura em Artes. Para a equipe PIBID, lidar com as diferenças das duas escolas reforçava que o ensino da Dança precisava ser um ensino contextualizado, respeitando as diferenças encontradas. Aos poucos, a compreensão das diferenças entre os contextos amadurecia as práticas de dança de cada dupla. Os bolsistas que antes se preocupavam com que dança levar para a escola, se transformavam em “professores dançantes,” afirmando suas

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identidades e lutando pelo lugar da Dança como área de conhecimento nas escolas de Paranaguá. O envolvimento com a escola e com outras instâncias do PIBID levou bolsistas que nunca antes ensinaram dança as descobertas dos movimentos dos corpos dos envolvidos através de processos que foram muito além da transformação do espaço físico escolar em um espaço dançante, e se consolidaram como processos de afirmação de identidade e de investigação artística com base na comunidade. Mais do que transformar espaços físicos e motivar as práticas de dança, encontrar o apoio da escola foi mais um movimento para a entrada da Dança como área de conhecimento nos muros das escolas de Paranaguá. A dança contemporânea brasileira dentro e fora dos muros da escola E fora das escolas de Paranaguá? Qual foi o contexto encontrado? Apesar de alguns bolsistas morarem em Paranaguá e todos conhecerem a cidade por morarem no litoral, a prática de dança nas escolas apresentava à equipe PIBID textos desconhecidos de um contexto já conhecido. A dança presente nos corpos dos estudantes das escolas retratava o mundo contemporâneo em que vivemos. No século XXI, salvo os raros casos das crianças e jovens de escolas públicas que frequentam escolas de dança, a maioria das crianças e jovens entendem por dança apenas os movimentos que lhe são apresentados pela televisão e pela internet. Poucas se relacionam com as manifestações culturais de suas comunidades, e a maioria têm pouca ou nenhuma intimidade com a nossa capacidade de criação de movimentos. Ao constatarmos esses fatores, decidimos investigar nas escolas, os movimentos que as crianças e jovens conheciam e as relações desses movimentos com suas culturas e tradições. Com a decisão, o grupo sentiu a necessidade de conhecer questões relativas à criação, afirmação e transformação de identidade, e conhecer mais as tradições populares brasileiras. Definimos que além da exploração do movimento individual, investigaríamos as várias formas de se dançar no Brasil e no litoral paranaense incluindo danças originária de outros paíse que integram a cultura brasileira, já que elas constituem a formação cultural e corporal dos estudantes das escolas. Para essa investigação, a cada segundafeira, uma manifestação cultural foi investigada. No intuito de aproximar a equipe dos processos de construção de identidade de um determinado grupo social, não nos restringíamos às danças populares brasileiras, que seria o caminho mais previsível desse estudo. Ao invés disso, focou-se na afirmação de identidade de qualquer povo que habita o território brasileiro, para assim poder conhecer a nossa cultura dançante, composta de várias culturas. Como exemplo, a dança do ventre foi investigada e ensinada por uma das bolsistas que encontrou referências dessa dança nos corpos dos estudantes da escola que atuava.3 Ao longo do projeto, cada bolsista elegeu uma “cultura dançante” a ser investigada. Tanto a exploração teórica, como as propostas práticas, proporcionaram à equipe uma nova forma de se fazer dança. Foi inevitável que as investigações reverberassem nos espaços das escolas, nos corpos dos estudantes e dos “professores dançantes”. E assim, o que era familiar para uns, era trasmitido para os outros, em processos caracterizados pelo estranhamento inicial, mas pela apreciação e pela

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De acordo com informações da Secretaria do Estado do Turismo do Paraná, “O primeiro lugar que os árabes se instalaram foi Paranaguá.” (http://www.cidadao.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=77).

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apropriação de saberes que constituem a cultura brasileira e, consequentemente, nossos corpos e nossa Dança. Considerações finais A exploração das diversas culturas dançantes do nosso país, não restrita as danças populares brasileiras, mas compreendida como as manifestações culturais desenvolvidas e presentes em solo brasileiro, aproximou a equipe de situações dançantes ainda não vivenciadas por alguns integrantes. Ao mesmo tempo, as práticas e a exposição da equipe aos novos conceitos criaram mais possibilidades para o ensino da Dança nas escolas de Paranaguá. Com o tempo, concluiu-se que as diferenças corporais, espaciais e culturais (incluindo limites corporais, orientações sexuais, e educacionais) criam desafios, mas multiplicam as possibilidades para a inserção da Dança como área de conhecimento na escola, na universidade e na comunidade. Por esse prisma, o ensino de qualquer técnica de dança na escola tem que estar alicerçado por uma concepção mais ampla da função da Dança nesse espaço, que também é social, cultural e político. Cunha e Silva (1999) afirmam: “O corpo que dança tem uma “identidade movimentante” fundada na polissemia do material estético, isto é, o corpo, ao mover-se “arrasta” consigo o lugar, o transforma noutros lugares e, dessa forma, “o corpo que dança, nesse contexto, pode funcionar como um mediador de particular eficácia na construção de uma corpluralidade activa (...), (isto é), na perspectiva de uma assumpção identitária fundada na variabilidade”. (Cunha e Silva, 1999, p.23 apud Matos, 2012, p. 27).

As culturas encontradas dentro dos muros da escola resultam das vivências fora desses muros, e para que esse muros sejam quebrados é necessário encontrar, e muitas vezes estranhar para poder afirmar a Dança que fazemos. As ações do projeto impulsionaram a utilização de processos coreográficos como recursos pedagógicos, e a integração dos conhecimentos adquiridos nas práticas de dança da universidade para as escolas de Paranaguá. Investiu-se na ressignificação do espaço escolar para o ensino da dança, na utilização dos espaços da cidade e da universidade para uma dança/educação contextualizada, incentivou-se a apreciação em dança com apresentações e mostras de vídeos, e a compreensão das concepções estéticas da dança contemporânea brasileira com sua diversidade cultural e tendência à quebra de paradigmas, mas principalmente, estimulou-se a compreensão do contexto sócio-cultural dos estudantes e dos professores como eixos norteadores das práticas de dança nas escolas. O projeto contribuiu para que o ensino da dança nas escolas de Paranaguá fosse entendido como fruto das relações entre a formação do bolsista PIBID, a participação dos estudantes das escolas, a formação do professor de Artes e supervisor do PIBID, a coordenação do projeto, e as relações entre escola, universidade, e comunidade, pautadas em práticas artísticas e processos de ensino-aprendizagem dinâmicos e dialéticos, mas principalmente que quebram noções historicamente construídas para que a Dança possa, de fato, adentrar os muros da escola.

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REFERÊNCIAS

BASTOS, Flávia. O perturbamento do familiar: uma proposta teórica para Arte/Educação baseada na comunidade. In: BARBOSA, Ana Mae (Coord). Arte/Educação Contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo. Cortez, 2008. P. 227-244. BOURCIER, Paul. História da dança no ocidente. Tradução Marina Appenzeller. 2ª ed. São Paulo. Martins Fontes. 2001. MARQUES, Isabel. Projeto Dança-escola: dialogando com o corpo, arte e a educação. 1995. http://portal.unesco.org/culture/fr/files/9597/10904014563DANCA-ESCOLA.pdf/DANCAESCOLA.pdf, acessado em 19/08/2014 as 15:50. MATOS, Lúcia. Dança e diferença: cartografia de múltiplos corpos. Salvador. EDUFBA, 2012.

MORANDI, Carla. Passos, compassos e descompassos no ensino de dança nas escolas. 2005. 93 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. SILVA, Laís. Elementos da nova dança e as raízes originárias dos Viewpoints. Revista aSPAs, vol2, n1, dez 2012, p84-93. ZURBACH, Christine. Investigação artística e interdisciplinaridade no âmbito universitário: modos de usar. I Congresso Internacional Investigação Artística em Arte. Fundação Calouste Gulbenkian. 18/19 de maio de 2009.

Juliana Amelia Paes Azoubel Artista da Dança, professora da EBA da UFMG. Colaboradora no Center for World Arts da University of Florida, EUA. Mestrado e Graduação em Dança pela University of Florida. Autora do livro “Frevo and the contemporary dance scene in Pernambuco, Brazil: staging 100 Years of Tradition.” Foi professora de Dança e coordenadora do Curso de Licenciatura em Artes da UFPR de 2009 a 2013. Endereço para acessar CV: http://lattes.cnpq.br/2137642932491951

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