Programa Ciências Sem Fronteiras: Inovação sob o argumento schumpteriano?

August 26, 2017 | Autor: D. Mateus de Paiva | Categoria: Creative Destruction, Joseph Schumpeter, Inovação Aberta
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Programa Ciências Sem Fronteiras: Inovação sob o argumento schumpteriano?

João Victor GUEDES NETO Mestrando em Gestão Pública e Sociedade Universidade Federal de Alfenas (Varginha, Brasil) [email protected] Dênis Mateus de PAIVA Mestrando em Economia Universidade Federal da Bahia (Salvador, Brasil) [email protected] Paulo Henrique Dias PEREIRA Mestrando em Economia Aplicada Universidade Federal de Viçosa (Viçosa, Brasil) [email protected]

Resumo A teoria schumpeteriana aponta para o fator inovação como essencial na criação do desequilíbrio pelo qual o desenvolvimento econômico ocorre. Este foi o diferencial entre o processo bem sucedido de desenvolvimento realizado pelos Tigres Asiáticos em detrimento das iniciativas substitutivas de importação na América Latina. O presente artigo objetiva verificar o enquadramento do Programa Ciência Sem Fronteiras, articulado pelo Governo Federal brasileiro, no escopo schumpeteriano de inovação. Para tal, são definidas categorias analíticas a partir da teoria de desenvolvimento econômico de Joseph Schumpeter pelas quais se observa as peculiaridades do programa. Percebe-se que ainda que o Estado tenha buscado maximizar a eficiência da academia nacional a partir da cooperação com instituições de renome internacional, este não se pautou pelo argumento schumpeteriano que garante destaque para o empresário e para a disponibilidade de crédito. Isto acontece pois o programa não contempla o campo das ciências sociais aplicadas, mesmo que por meio de cursos interdisciplinares, e não estimula uma ação empreendedora entre os beneficiários, além de não estar atrelado a outros programas de financiamento de iniciativas após o retorno ao país. Palavras-chave: Joseph Schumpeter; Destruição Criativa; Ciência Sem Fronteiras.

Abstract The schumpeterian theory points out to innovation as an essential factor in creating the needed disequilibrium to economic development. This factor was the difference between the well-succeeded development obtained by the Asian Tigers and the unsuccessful trials of import substitution held by Latin American countries. This paper aims to verify if the Science Without Borders program, managed by the Brazilian federal government, fits the Schumpeterian innovation scope. In order to that, analytical categories were created based on Joseph Schumpeter’s economic development theory and used to evaluate this public policy. It

is noted that whereas the government has been trying to maximize its research effeciency through the cooperation with internationally renowned institutions, it hasn’t followed the Schumpeterian argument that highlights the entrepreneur and the credit availability. It was found because the program does not include the fields of applied social sciences, not even through interdisciplinary courses, and does not estimulate entrepreneurship among its beneficiaries, besides not being attached to other credit alternatives. Key-Words: Joseph Schumpeter; Creative Destruction; Science Without Borders.

1. Introdução Os desafios impostos aos economistas nos últimos anos têm feito com que novos caminhos sejam buscados para se pensar o desenvolvimento. A inclusão do pensamento schumpeteriano tem se tornado cada vez mais comum no campo da economia. Ainda que não possua o ‘status’ de mainstream, paulatinamente é possível verificar o crescente apontamento da destruição criativa como fator relevante na literatura referente ao desenvolvimento econômico. O primeiro item deste trabalho trata exatamente da descrição destes fatores. Basicamente, a destruição criativa desencadeia um desequilíbrio sistêmico capaz de gerar lucro econômico e acaba por motivar agentes públicos e privados a direcionar seus esforços para iniciativas de inovação, como os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). A ótica se faz valer com grande importância em países periféricos dado a sua defasagem tecnológica e, por consequência, descompasso frente à economia global. Foi por meio do incentivo a inovação, como descrito no segundo item, que nações como os Tigres Asiáticos atingiram seu estágio atual de desenvolvimento. Algumas diferenças as separaram do processo de desenvolvimento realizado durante o mesmo período na América Latina. Ainda assim, é perceptível o esforço governamental recente em promover inovações também no continente latino. Tomando por foco o Programa Ciência Sem Fronteiras (CSF), recente política do Governo Federal brasileiro de incentivo ao intercâmbio acadêmico em universidades estrangeiras,

pretende-se

verificar

o

enquadramento

desta

iniciativa

nos

moldes

schumpeterianos de desenvolvimento econômico. Para responder a esta pergunta, categorias analíticas foram criadas a partir da revisão da teoria schumpeteriana. Com base nestas, os pilares do Programa Ciência Sem Fronteiras foram avaliados, identificando seu enquadramento ou não. Percebe-se que ainda que o Estado tenha buscado maximizar a eficiência da academia nacional a partir da cooperação com instituições de renome internacional, este não se pautou

pelo argumento schumpeteriano que garante destaque para o empresário e para a disponibilidade de crédito.

2. O empresário no desenvolvimento econômico Um dos primeiros e mais destacados a desafiar com eficiência a lógica marginalista do fluxo econômico circular, Schumpeter (1961a, p. 75-76) apontou para a inovação como “uma mudança espontânea e descontínua nos canais de fluxo, perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente”. De tal maneira, descreveu seu entendimento de desenvolvimento econômico não pela ótica do crescimento da demanda, mas “pela realização de novas combinações” por parte do produtor, tais como “1) introdução de um novo bem (...); 2) um novo método de produção (...); 3) um novo mercado (...); 4) uma nova oferta de matérias primas (...); 5) uma nova organização de qualquer indústria”. A introdução destes fatores seria possível por meio do empresário, agente capaz de empreender realizando combinações novas - assumindo uma nova definição apontada “não apenas aos homens de negócios ‘independentes’ em uma economia de trocas” e deixando “de incluir todos os dirigentes de empresas, gerentes ou industriais que simplesmente podem operar um negócio estabelecido” (SCHUMPETER, 1961a, p. 83). Atentando-se para o fato de que Schumpeter (1961a, p. 92 e 95) cria o agente capitalista como financiador das inovações propostas pelo empresário, percebe-se que o caráter deste estaria não na possibilidade de realocar o uso de seus próprios fatores produtivos, mas na liderança econômica onde se utiliza de uma ideia inovadora - criada ou não por si mesmo - para obter o financiamento do capitalista e, que por meio “da capacidade de ver as coisas de um modo que depois prove ser correto”, gera um desequilíbrio no fluxo circular capaz de promover o desenvolvimento econômico. Ainda que discordante de Schumpeter, é válido citar o posicionamento de Israel Kirzner cuja obra Competição e Atividade Empresarial representou um contraponto à ideia de quebra do fluxo circular. Para o autor, como viera a clarificar mais tarde, a ação do empresário estaria vinculada a percepção de um desequilíbrio pré-existente e do uso deste, em condições incertas, para a obtenção de lucro (KIRZNER, 1999). Desta forma, o empresário faria uso de uma falha presente no mercado para se destacar, preenchendo uma brecha deixada pelos seus concorrentes. Corroborando com a lógica schumpeteriana, Hayek (1958, p. 77) explicaria tais falhas “pelo fato de que o conhecimento sobre as circunstâncias das quais devemos fazer uso nunca existem de forma concentrada (...), mas apenas nas dispersas partes de conhecimento incompleto (...) que todos os indivíduos possuem separadamente”. Não

consta como objetivo deste trabalho discutir a dicotomia entre as teorias de Schumpeter e Kirzner, mas incluir um novo item na descrição schumpeteriana de empresário, sendo este a percepção de uma oportunidade pré-existente. Percebe-se que o incentivo para inovar reside exatamente no desequilíbrio (como origem ou fim), permitindo a obtenção de lucro no período em que, na ausência de competidores diretos, o empreendimento se destaca entre os consumidores utilizando-se de um preço superior ao custo marginal de sua produção. Nelson (2006, p. 57) afirma que “se todas as empresas estivessem plenamente informadas e tivessem completo acesso às novas tecnologias criadas por uma das firmas de seu ramo, aquela empresa teria muito menos incentivos para desenvolver e introduzir novos produtos ou processos”. Assim sendo, por considerar que aquele mercado já tenha “players” pré-definidos, a firma provavelmente optaria por não entrar naquele mesmo segmento, buscando um novo mercado onde possa desenvolver sua atuação de modo mais rentável e eficaz. Quatro aspectos geralmente omitidos na construção de modelos econômicos são mencionados pelo autor, tais quais: 1) o considerável grau de incerteza envolvido; 2) o fato de existirem normalmente múltiplos empreendedores de Pesquisa e Desenvolvimento; 3) quando a pesquisa e o desenvolvimento são feitos em moldes competitivos, o regime dos direitos de propriedade e tecnologia influencia e envolve significativamente incentivos à P&D; e 4) em muitas tecnologias, o ‘aprender fazendo’ constitui um importante complemento ou sucedâneo da P&D (NELSON, 2006, p. 59-63).

Para os fins deste trabalho, alguns pontos merecem atenção mais detalhada. Entre eles, um dos fatores de causa da incerteza (primeiro aspecto), sendo este “sobre quais serão os melhores dentro de um conjunto de projetos (...) ou soluções potenciais” (corroborando com o argumento hayekiano); no segundo aspecto, a existência de diversos agentes empenhados no desenvolvimento de inovações, incluindo “empresas do ramo em questão, outras empresas que lhe fornecem materiais ou bens de equipamento, usuários de seus produtos, inventores independentes, potenciais entrantes no ramo, às vezes laboratórios do governo e universidades”; no terceiro, o papel de uma regulamentação de patentes como incentivo tanto à corrida tecnológica, para desenvolver primeiro certa inovação e, logo então, um movimento no sentido de elaborar “uma tecnologia substitutiva, mesmo que esta seja pior do que a melhor, contanto que seja melhor do que a anterior e supondo que a melhor de todas esteja bloqueada por patentes”; e quarto, o intercâmbio de mão de obra promovido entre as empresas a fim de obter conhecimento por conta da experiência produtiva dos profissionais (NELSON, 2006, p. 59-63).

Em Capitalismo, Socialismo e Democracia, Schumpeter (1961b, p. 108-203) dedicouse a escrever sobre o ‘desmoronamento’ do capitalismo, ao observar o cenário de destruição criadora a partir da tendência ao monopolismo. Como resumiram Nelson e Winter (2005, p. 403), a hipótese schumpeteriana trataria da “assertiva de que uma estrutura de mercado onde estejam envolvidas firmas grandes com um grau razoável de poder de mercado é o preço que a sociedade precisa pagar pelo avanço tecnológico rápido”. A justificativa residiria no fato de que “o laboratório de pesquisas industriais [cujo dispêndio demandado seria possível apenas para monopolistas e oligopolistas] constitui o fator central no processo de inovação”. A lógica faz sentido, uma vez que os lucros auferidos em períodos de desequilíbrio acabam por ser reinvestidos no desenvolvimento do empreendimento, resultando em uma estrutura maior e potencialmente mais eficaz na produção constante de inovações. Estas, por sua vez, permitiriam ao empresário auferir lucros ao mesmo tempo em que proporcionaria a sociedade, de forma geral, um nível mais elevado de bem estar. O modelo, no entanto, acaba por desconsiderar dois fatores: os capitalistas, mencionados previamente como aqueles capazes de fornecer aportes financeiros para proporcionar a ascensão de novos empreendimentos; e os agentes externos de produção de inovações, atuando de forma independente aos oligopolistas e permitindo o uso de novas tecnologias por agentes até então não predominantes no mercado. A interpretação realizada para fins desta obra leva em conta o processo de destruição criativa como aquele que, em uma economia de mercado, a lógica marginalista do crescimento econômico é quebrada pela entrada de uma novidade, geradora de uma demanda até então inexistente, com o poder de alterar o fluxo circular da economia. Esta novidade, financiada por recursos próprios ou por um capitalista, permitiria ao empresário um lucro econômico que duraria até que os demais players conseguissem se adequar à nova lógica do mercado. A destruição criativa seria o processo dinâmico onde novidades são inseridas a todo o momento em determinada economia.

3. Inovação em nações subdesenvolvidas Nem Schumpeter, nem Kirzner fizeram clara especificação sobre a evolução das economias subdesenvolvidas. Ainda assim, a literatura sobre o papel do empreendedorismo nas mesmas é vasta, incluindo o estudo de Pack (2005) que apontou para uma clara distinção no uso da inovação na América Latina e nos Tigres Asiáticos. Ao passo que os primeiros optaram por uma industrialização de cunho nacionalista, com foco na substituição de importações, os segundos exploraram a integração internacional, obtendo sucesso a partir de

três aspectos principais: “(1) sua abertura ao conhecimento estrangeiro (...); (2) as pressões exercidas sobre as empresas para que elevassem sua produtividade (...) criando (...) uma demanda por tecnologia estrangeira; e (3) o incremento da alta produtividade da tecnologia estrangeira, através de sua disseminação e de seu uso bem-sucedido por uma força de trabalho local devidamente educada”. Além da ineficiência das iniciativas substitutivas de importações, a tese de que a pura abertura comercial não garante o desenvolvimento é reforçada pelas críticas à migração de empresas transnacionais em busca de mão de obra barata e legislação trabalhista flexível, ao passo que os centros de P&D permanecem nos países desenvolvidos, dificultando a promoção de inovações tecnológicas em nações periféricas. Michalet (1984, p. 162) afirma que: a empresa multinacional pode tirar partido das disparidades (...) das taxas de salário, na medida em que a homogeneização das técnicas de produção e de organização do trabalho tende a tornar iguais as produtividades dos trabalhadores, independentemente da sua localização geográfica. (...) Em lugares como Formosa, Coréia do Sul, Cingapura, Hong-kong, Haiti e Magref, é possível recrutar uma mão de obra abundante, barata e bastante hábil para a realização dos trabalhos relativamente sofisticados.

Arocena e Senker (2003) complementam demonstrando que na década de 1990 uma margem de 91-95% das novas patentes estava concentrada nos países do norte e, ainda que parte destas fosse direcionada para economias em desenvolvimento, as mesmas se destinavam a abrir novos mercados e não a atender demandas particulares de sua população carente. Indiretamente, o fenômeno acaba por recriar a deterioração dos termos de troca, identificada por Prebisch ainda na década de 1950 (COUTO, 2007). Mesmo que produtos manufaturados sejam produzidos nos países periféricos, o processo é inteiramente dependente da tecnologia desenvolvida nos países centrais, utilizando-se apenas do baixo custo dos fatores produtivos e do amplo mercado consumidor ainda refém da economia externa. Ao centrar-se apenas na abertura econômica, fica relegado aos países periféricos um papel de coadjuvante no comércio internacional. Indo além, o foco na substituição de importações não gera um processo de destruição criativa já que é centrado na reprodução de uma oferta pré-existente, e não na geração de uma nova oferta com potencial de renovar a demanda. Retomando a discussão de Pack (2005, p. 106-107), percebe-se um claro sentimento anti-internacionalista por parte dos países latino americanos como justificativa para implementar o programa de substituição de importações em. O exemplo argentino é claro, onde: considerava-se que todo contato com a tecnologia originária do ‘centro’ era empobrecedor, quer sob a forma de equipamentos ou de conhecimento desincorporado possível através de acordos de

licenciamento. (...) Enquanto os países do Leste Asiático empreenderam uma diversidade de esforços para promover o afluxo de conhecimento internacional, os países dedicados à industrialização substitutiva de importações muitas vezes dificultavam esse afluxo de maneira semelhante às suas tentativas de limitar a importação de bens (PACK, 2005, p. 106-107).

A simples interação da economia periférica com o conhecimento do centro de fato não é suficiente para promover o desenvolvimento. Aspectos essenciais são a “rápida aquisição de conhecimento tecnológico externo (...); sua capacidade substancial de bem utilizar o conhecimento transferido e de melhorá-lo; e a competitividade dos mercados em que os produtos eram vendidos” (PACK, 2005, p. 109) exigindo exatamente uma base educacional prévia no país receptor tanto para a composição básica da mão de obra como para o aprendizado e desenvolvimento da tecnologia recebida (PACK, 2005, p. 104). Para Dodgson (2005, p. 314), “ciência e tecnologia são (...) ferramentas do desenvolvimento industrial; (...) meios pelos quais os países mais pobres podem minorar as pobrezas e se diversificar (...), e pelos quais os países ricos podem estabelecer vantagens competitivas em mercados globais”. Por tal motivo, justificam-se esforços governamentais no sentido de estruturá-las e garantir, em parceria com os agentes econômicos, sua expansão. No caso do leste asiático, corroborando com a tese de Pack (2005), segue o exemplo por meio da Tabela 1.

Tabela 1 - Políticas de ciência, tecnologia e inovação no leste asiático. Políticas Características principais Tendências recentes Educação científica; Maior número de Política científica Pesquisa em universidades e universidades; laboratórios governamentais; Alguma desregulamentação Pesquisa básica. das universidades e dos laboratórios governamentais; Melhoria na assessoria política. Apoio para a criação de Políticas muito direcionadas Política tecnológica tecnologias estratégicas ou (...); genéricas (...); Busca pela diversidade Desenvolvimento de tecnológica; infraestrutura de tecnologia Preocupação com assuntos (...). relacionados à tecnologia ambiental. Foco empresarial dirigido à Desenvolvimento Política de inovação construção de aptidões intermediário; tecnológicas; Foco nas aptidões tanto de Subsídios à pesquisa e criação como de difusão desenvolvimento. tecnológica.

Fonte: DODGSON (2005, p. 317).

Ainda que “a receita política perseguida (...) [dependa] do nível de desenvolvimento econômico e industrial de cada país e das características de cada sistema nacional de inovação”, segue-se a regra geral de que “as políticas de ciência, tecnologia e inovação são finalmente transformadas em desenvolvimento industrial através de melhorias das aptidões tecnológicas das empresas”. Em suma, como é possível perceber pela Tabela 1, o investimento estatal no desenvolvimento científico e tecnológico apenas se faz valer quando atrelado a uma política de inovação com "foco empresarial dirigido à construção de aptidões tecnológicas" (DODGSON, p. 317).

4. Categorias Analíticas A revisão bibliográfica permite realizar um exercício duplo, primeiramente entendendo a visão de Joseph Schumpeter sobre o desenvolvimento econômico e, em segundo lugar, atualizando seu pensamento a partir dos pesquisadores que se destinaram a estudar a inovação e a destruição criativa nos tempos modernos. A partir de ambos é possível construir um modelo unificado de categorias analíticas que permitirá verificar o enquadramento do Programa Ciências Sem Fronteiras no argumento schumpeteriano. Estas categorias e suas respectivas fontes teóricas ficam explicitas a partir da Tabela 2.

Tabela 2. Categorias analíticas schumpeterianas. Categoria Analítica Fonte Teórica Introdução de novas combinações Schumpeter (1961a); Arocena e Senker (2003) e Michalet (1984) Senso crítico para oportunidades Kirzner (1999); e Hayek (1958) Financiamento para inovações Schumpeter (1961a) Diversificação de agentes inovadores Nelson (2006) Regulamentação de patentes Schumpeter (19611); e Nelson (2006) Internacionalização da mão de obra Nelson (2006); e Pack (2005) Base educacional prévia Pack (2005) Fonte: Elaboração própria.

Em congruência do que fora exposto neste trabalho até o momento, cada categoria se alinha à argumentação de um autor. À introdução de novas combinações se refere à lista de cinco itens descrita por Schumpeter (1961a, p. 75-76) ao falar, por exemplo, a introdução de um novo bem ou um novo modelo de produção. Isto se soma à argumentação de Arocena e Senker (2003) e Michalet (1984) ao apontar as falhas do processo de substituição de

importações que se restringiu a reproduzir o que já ocorria no mundo desenvolvido. Verificase sua presença a partir de mecanismos que garantam conhecimentos ou facilidades para que isto aconteça. O segundo aspecto, “senso crítico para oportunidades”, é pautado pela visão kirzneriana da atividade empresarial, havendo um agente empreendedor com a capacidade de perceber oportunidades que levem ao lucro econômico a partir de um processo de destruição criativa. O mesmo se encontra em uma política pública quando a mesma proporciona algum estímulo ao afloramento deste senso. O financiamento para inovações encontra eco no argumento schumpeteriano que divide o empreendedorismo entre empresários e capitalistas, havendo aqueles responsáveis pela inovação e os outros pelo financiamento deste processo de recombinação de fatores. Desta forma, o processo de destruição criativa não fica restrito aos que já detém amplas reservas financeiras, permitindo um fluxo contínuo de inovações e reconstruções da pirâmide social. A presença do mesmo se verifica em uma política pública que atenta não apenas para a inovação, em si, mas também para o seu financiamento. A diversificação dos agentes inovadores aparece em Nelson (2006) quando o mesmo coloca que vários players devem estar presentes no processo de destruição criativa. Isto inclui empresas que extraem e fornecem matérias primas, indústrias, comércio, universidades, institutos de pesquisa, pesquisadores independentes, etc. Pluralizar a inovação garante um processo mais completo e intenso de destruição criativa. Há indícios deste fator em uma política pública quando ela não se restringe a determinadas áreas da cadeia produtiva. O quesito de regulamentação de patentes faz parte de um debate que não é o foco deste artigo. Deriva tanto de Schumpeter (1961) como Nelson (2006) e é apresentado como um fator de estímulo para que inovações sejam inseridas no mercado. A defesa das mesmas se dá pelo objetivo de garantir um ganho, com lucro econômico, enquanto os demais players ainda não possuem os direitos para adotar as tecnologias adotadas pelo inovador. Isto funcionaria como mais um mecanismo de estímulo ao investimento em inovação. Este fator será identificado em uma política pública caso a mesma inclua regulamentações específicas para o tema, sendo elas restritivas ou não. Mais uma vez a partir de Nelson (2006), a categoria referente à internacionalização da mão-de-obra ataca o sentimento nacionalista descrito por Pack (2005). Sua característica principal é se utilizar da globalização para obter conhecimentos que permitam não somente reproduzir práticas, mas a partir delas, gerar inovações aplicadas a um novo contexto sócio-

econômico. A mesma ocorre quando uma política pública se destina a utilizar o conhecimento estrangeiro de forma contributiva para a geração de inovação no país. Por fim, seguindo a lógica de Pack (2005), o processo de destruição criativa se torna mais efetivo quando pré-existem trabalhadores prontos para absorvê-la, sendo capazes de se enquadrar na nova combinação de fatores realizada pelo empresário. Portanto, uma política pública efetiva deve priorizar também a composição da mão-de-obra que estará adequada às tecnologias incorporadas.

5. Programa Ciência Sem Fronteiras Existem diferentes formas de se entender o funcionamento do Programa Ciência Sem Fronteiras. Seria possível coletar os discursos realizados por autoridades públicas ao apresentá-lo, verificar a legislação vigente, entrevistas de técnicos do governo brasileiro ou beneficiários, etc. Para este trabalho, decidiu-se levar em consideração o website institucional do programa, mantido e atualizado pelo Governo Federal a partir do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CSF, 2014). A decisão foi tomada por considerar que o conteúdo explicativo disponibilizado pelo governo não se restringe aos aspectos técnicos do programa, explorando também suas motivações e questões práticas. Segundo CSF (2014), o programa “busca promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional”. Percebe-se que, em linhas gerais, o programa busca um objetivo schumpeteriano que é promover o desenvolvimento econômico brasileiro a partir de um processo de destruição criativa que se constrói com base no incentivo à inovação e à competitividade. Em outras palavras, percebe-se a busca por profissionais que possam investigar novas combinações de fatores econômicos. Indo além, afirma-se que serão disponibilizadas até 101 mil bolsas estudos “de forma que alunos de graduação e pós-graduação façam estágio no exterior com a finalidade de manter contato com sistemas educacionais competitivos em relação à tecnologia e inovação” (CSF, 2014). Nota-se claramente que o sentimento nacionalista deu lugar ao incentivo à globalização como mecanismo de qualificar e internacionalizar a mão de obra. Ao tratar de graduação e pós-graduação, o programa contempla estudantes matriculados em cursos de graduação (tecnólogos inclusos), pesquisadores em doutorado sanduíche e pleno, pós-doutorado, mestrado profissional e, também, aqueles interessados em

estágios ou treinamentos direcionados para o desenvolvimento tecnológico. Desta forma, se utiliza de pessoas com uma base educacional prévia e alto potencial futuro, aproveitando a formação propiciada por instituições brasileiras para a maximização do conhecimento no exterior. É interessante notar que o programa não se restringe ao financiamento de estudantes brasileiros no exterior, incluindo também o financiamento de pesquisadores estrangeiros no Brasil, fomentando o estabelecimento de parcerias e a atração de talentos para o país. O incentivo se divide em dois perfis: Pesquisador Visitante Especial, que se trata de um “pesquisador com liderança internacional que se disponha a vir ao Brasil por pelo menos um mês a cada ano por no mínimo três anos” (CSF, 2014); e Atração de Jovens Talentos, sendo aquele que demonstra atuação relevante nas áreas prioritárias do programa, tem por compromisso desenvolver pesquisas ou tecnologias no Brasil e possui uma proposta com duração máxima de três anos (CSF, 2014). Algumas lacunas schumpeterianas ficam explícitas ao se analisar as peculiaridades do programa. Em primeiro lugar, o incentivo se restringe a algumas áreas prioritárias cuja escolha não é explicada no website. Ainda que isto possa garantir maior eficiência para a obtenção de pesquisadores em determinadas áreas consideradas estratégicas pelo Governo Federal, a restrição impede que o processo de destruição criativa ocorra naturalmente. É verdade que o planejamento científico pode ser eficiente, mas a falta de informações dos planejadores sobre todas as pesquisas que são ou podem ser desenvolvidas no Brasil e no mundo impede que o planejamento garanta rendimento total ao programa. Ainda que possa ser argumentado que a decisão é acertada dentro das restrições orçamentárias do programa, ela não se enquadra na lógica schumpeteriana de destruição criativa. Em segundo lugar, não há qualquer preocupação em formar profissionais das ciências sociais ou ciências sociais aplicadas. Isto significa buscar a geração de novas combinações mas deixar de lado a formação daqueles que serão responsáveis por introduzi-las no mercado. Nota-se pelo argumento schumpeteriano que o processo de destruição criativa só ocorre quando um empresário é capaz de perceber uma oportunidade e se utilizar de uma nova combinação de fatores para obter lucro. Por fim, ainda que pesquisadores estrangeiros sejam financiados no Brasil e que isto possa ser buscado em outras fontes governamentais, não há qualquer especificação do Programa Ciência Sem Fronteiras que permita apontar para um claro financiamento para a introdução de inovações no mercado, bem como crédito para start-ups ou spin-offs.

Tabela 3. Adequação do Programa Ciência Sem Fronteiras ao argumento schumpeteriano. Categoria Analítica Introdução de novas combinações

Senso crítico para oportunidades Financiamento para inovações

Diversificação de agentes inovadores Regulamentação de patentes

Internacionalização da mão de obra Base educacional prévia

Enquadramento Parcialmente, pois promove inovações tecnológicas mas não incentiva a formação do empresário responsável por sua introdução no mercado. Não há qualquer preocupação com a formação de empresários e empreendedores. Parcialmente, pois atrai estrangeiros para desenvolver pesquisas no Brasil mas não há qualquer financiamento para start-ups, spin-offs ou outras iniciativas pós-pesquisa. Sim, financiando estudantes e pesquisadores no exterior e a atração de talentos para o Brasil. Parcialmente, já que atrai pesquisadores estrangeiros para desenvolver tecnologias no Brasil e incentiva o treinamento de cientistas brasileiros mas não especifica o regime de patentes. Sim, a partir de 101 bolsas de estudos no exterior e da atração de pesquisadores estrangeiros para o Brasil. Sim, uma vez que o intercâmbio é destinado àqueles que foram educados pelo menos parcialmente no Brasil.

Fonte: Elaboração própria.

Como fica claro pela Tabela 3, o Programa Ciência Sem Fronteiras é capaz de seguir diversos aspectos do argumento schumpeteriano, mas falha ao fazer a ligação entre a ciência e o empreendedorismo. Isto acontece pois as áreas estratégicas do programa não incluem as ciências sociais e ciências sociais aplicadas, não há crédito para inserção de novas combinações no mercado e ainda que inovações sejam incentivadas, não há uma regulamentação clara sobre as patentes.

6. Considerações Finais Neste trabalhou buscou-se verificar se o Programa Ciência Sem Fronteiras se enquadra no argumento schumpeteriano de promoção à destruição criativa. Percebeu-se que, apesar de ser compatível em diversos aspectos, o programa falha ao não incentivar o comportamento empreendedor do empresário, ponto central da teoria de desenvolvimento econômico de Schumpeter (1961). No entanto, isto não invalida os pontos positivos da iniciativa. Recomenda-se que reformas sejam realizadas para estimular a inserção mercadológica das novas tecnologias desenvolvidas, seja por meio da formação de empresários e/ou pela disponibilização de crédito para iniciativas empreendedoras. Isto pode se dar tanto dentro do

escopo do Programa Ciências Sem Fronteiras como por mecanismos auxiliares - desde que claramente apresentados ao público alvo. A fim de confirmar os resultados desta pesquisa, sugere-se um estudo direcionado para o comportamento dos beneficiários do programa após seu retorno ao Brasil. Será relevante verificar se o investimento realizado resultou de alguma forma em um processo de destruição criativa.

7. Referências AROCENA, R.; SENKER, P. Technology, Inequality, and Underdevelopment: The Case of Latin America. Science, Technology, & Human Values, v. 28, n. 1, p. 15–33, 2003. COUTO, J. M. O pensamento desenvolvimentista de Raúl Prebisch. Economia e Sociedade, v. 16, n. 1, p. 45–64, 2007. CSF.

Ciência

Sem

Fronteiras



O

Programa.

Disponível

em

. Acesso em: 15 jul. 2014. DODGSON, M. As políticas para ciência, tecnologia e inovação nas economias asiáticas de industrialização recente. In: KIM, L.; NELSON, R. (Eds.). Tecnologia, aprendizado e inovação: as experiências das economias de industrialização recente. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. HAYEK, F. The use of knowledge in society. In: Individualism and Economic Order. Chicago: The University of Chicago Press, 1958. KIRZNER, I. Creativity and/or Alertness: A Reconsideration of the Schumpeterian Entrepreneur. Review of Austrian Economics, v. 11, p. 5–17, 1999. MICHALET, C. O capitalismo mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. NELSON, R. As Fontes do Crescimento Econômico. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. NELSON, R.; WINTER, S. Uma teoria evolucionária da mudança econômica. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. PACK, H. A pesquisa e o desenvolvimento no processo de desenvolvimento industrial. In: KIM, L.; NELSON, R. (Eds.). Tecnologia, aprendizado e inovação: as experiências das economias de industrialização recente. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. SCHUMPETER, J. A Teoria do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961a. ___. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961b.

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