Proibição de comercialização de bebidas alcoólicas às margens de rodovias: inocorrência de ofensa ao princípio da isonomia

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde Coletiva
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Nº CNJ RELATOR APELANTE APELADA ADVOGADOS REMETENTE

: 0000381-43.2008.4.02.5106 : JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO : UNIÃO FEDERAL : PAVELKA PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA. : ROBERTO DORIA JUNIOR E OUTRO : JUÍZO FEDERAL DA 28ª VARA-RJ (proc. orig. nº 200851060003816) RELATÓRIO

Cuida-se de Remessa Necessária e Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face de sentença proferida pelo MM Juiz Federal da 28ª Vara do Rio de Janeiro, que concedeu em parte a segurança requerida por PAVELKA PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA. para que a autoridade coatora se abstenha de praticar qualquer ato de fiscalização, repreensão ou autuação decorrente do descumprimento da MP nº 415/2008, convertida na Lei nº 11.705/2008, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em estabelecimentos localizados às margens de rodovia federal, bem como proceda ao cancelamento do auto de infração e notificação nº 000059/050000 (fl.20). Em razões recursais (fls.115/126), pugna a Apelante pela reforma do julgado, sustentando, em linhas gerais, a constitucionalidade da referida Medida Provisória, convertida na Lei nº 11.705/2008, com respaldo na Lei Estadual de São Paulo nº 4.855/85, cujo objeto é semelhante ao dos diplomas legais em referência, que foi submetida ao Supremo Tribunal Federal e declarada constitucional, por ocasião do julgamento do RE 148.260-5/SP (Plenário, Rel. p/ acórdão Min. CARLOS VELLOSO, DJ 14.11.96). Prossegue aduzindo, que dados estatísticos revelam que a atuação da fiscalização nas estradas não se mostra suficiente para reduzir o número de acidentes causados por motoristas embriagados e a penalização de tal conduta também não resolve o problema. Pontua, ainda, que a norma questionada não é medida isolada da União para reduzir o número de acidentes nas rodovias federais, fazendo parte de um conjunto de providências que inclui a organização de operações de fiscalização. Contrarrazoado o recurso (fl.129), subiram os autos a esta Eg. Corte. Parecer do Ministério Público Federal pela reforma do julgado (fls. 135/141). É o relatório. Peço dia para julgamento.

RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

VOTO EXMº SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Cuida-se de Remessa Necessária e Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL em face de sentença proferida pelo MM Juiz Federal da 28ª Vara do Rio de Janeiro, que concedeu em parte a segurança requerida por PAVELKA PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA. para que a autoridade coatora se abstenha de praticar qualquer ato de fiscalização, repreensão ou autuação decorrente do descumprimento da MP nº 415/2008, convertida na Lei nº 11.705/2008, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em estabelecimentos localizados às margens de rodovia federal, bem como proceda ao cancelamento do auto de infração e notificação nº 000059/050000 (fl.20). A questão sugere a existência de aparente conflito entre os princípios constitucionais da livre iniciativa e os relativos à saúde pública. A livre iniciativa, fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art.1º, IV), assegura a todos o exercício de qualquer atividade econômica, nos termos do art.170, parágrafo único: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. A saúde, a seu turno, é um direito social elevado pela Constituição Federal à categoria de direito fundamental (CF, art. 6º, caput). Nos termos do art. 196 da Constituição, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do

risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Disso resulta que a solução adequada para a presente controvérsia depende de um juízo de ponderação a respeito das limitações da Medida Provisória nº 415/2008, convertida na Lei nº 11.705/2008, à livre iniciativa, levando-se em conta seu objetivo de resguardar a saúde pública e, em última análise, reduzir o número de mortes em rodovias federais. Nesse contexto, considero adequada a restrição imposta pela aludida Medida Provisória, diante da relevância dos bens jurídicos tutelados pela medida, quais sejam, a vida e a integridade física. Nesse sentido: [...] 1. Em tese, a adoção de uma medida capaz de contar a escalada de violência em nosso trânsito justificaria o sacrifício parcial dos valores da liberdade e autonomia ínsitos no princípio da livre iniciativa. A restrição de vendas de bebidas alcoólicas em rodovias federais é adequada, necessária e proporcional ao objetivo que a norteia. De fato, dados estatísticos comprovam tratar-se de meio eficaz à realização do fim. 2. De um lado, protege-se a saúde pública; do outro, restringe-se a exploração de uma atividade econômica em local específico. Note-se que não é uma atividade sendo proibida, mas a respectiva exploração em local determinado. Evidentemente que a proteção à saúde justifica, nestes termos, a restrição à liberdade e à autonomia. [...] (TRF4, Quarta Turma, AG 200804000055632/RS, Rel. Des. Fed. MARGA INGE BARTH TESSLER, D.E. 23.6.2008) [...] Configurado na espécie sob exame o prevalecente interesse público, assim como o risco de grave lesão à ordem pública administrativa, à saúde e à segurança dos usuários das rodovias federais, tutelados mediante a confirmação da proibição legal, com incidência sobre bar estilo "pub" localizado em rodovia, cujo interesse particular não há de prevalecer sobre o primeiro. [...] (TRF4, Corte Especial, AGRSEL 200804000023941/RS, Rel. Des. Fed. JOÃO SURREAUX CHAGAS, D.E. 2.5.2008) A respeito, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a constitucionalidade da Lei Estadual de São Paulo nº 4.855/85, que, de forma semelhante, proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos situados em terrenos contínuos às faixas de domínio do Departamento de Estradas de Rodagem, quando do julgamento do RE 148.260-5/SP,

deliberou pela consonância da referida norma com o ordenamento jurídico pátrio, conforme ilustra a ementa do julgado, verbis: CONSTITUCIONAL. TRÂNSITO. RODOVIAS ESTADUAIS: ACESSO DIRETO. LEI 4.855, DE 1985, DO ESTADO DE SÃO PAULO. I – A Lei 4.855, de 1985, do Estado de São Paulo, art. 1o, não dispõe sobre matéria de direito administrativo, já que disciplina a autorização para dispor de acesso direto à rodovia estadual. A lei estadual apenas estabelece que os estabelecimentos comerciais situados nos terrenos contíguos às faixas de domínio do DER somente poderão obter autorização de acesso direto às estradas estaduais se se comprometerem a não vender ou servir bebida alcoólica. II – Inocorrência de ofensa ao principio da irretroatividade das leis ou do respeito ao direito adquirido. III – Constitucionalidade do art. 1º da Lei paulista 4.855, de 1985, regulamentado pelo art. 1º do Decreto estadual 28.761, de 26.08.88. IV – R.E. não conhecido. (Plenário, Rel. p/ acórdão Min. CARLOS VELLOSO, DJ 14.11.96) Nessa linha, os Tribunais Pátrios têm se pronunciado pela compatibilidade com a ordem constitucional da restrição imposta pelo mencionado diploma legal, relativa à vedação da comercialização de bebidas alcoólicas em estabelecimentos situados na faixa de domínio de rodovia federal ou em terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia, pois a liberdade de atividade econômica não é irrestrita, devendo ser desempenhada nos termos da lei editada com o escopo de atender a outros princípios constitucionais, como o respeito à vida, à saúde e à segurança. Cabe assinalar, que a Lei nº 11.705, de 19.06.2008, resultante da conversão da referida Medida Provisória, delimitou a aplicabilidade da norma proibitiva de venda de bebidas alcoólicas às áreas rurais das rodovias federais, excluindo da vedação em debate as casas comerciais situadas no perímetro urbano (art.2º, §3º). Confira-se: Lei nº 11.705/2008: Art. 2º São vedados, na faixa de domínio de rodovia federal ou em terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia, a venda varejista ou o

oferecimento de bebidas alcoólicas para consumo no local. § 1º A violação do disposto no caput deste artigo implica multa de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais). § 2º Em caso de reincidência, dentro do prazo de 12 (doze) meses, a multa será aplicada em dobro, e suspensa a autorização de acesso à rodovia, pelo prazo de até 1 (um) ano. § 3º Não se aplica o disposto neste artigo em área urbana, de acordo com a delimitação dada pela legislação de cada município ou do Distrito Federal. (grifo nosso) Quanto a esse aspecto, vale mencionar que, como a conversão da Medida Provisória em Lei se deu no curso da lide, não haveria óbice à aplicação do novo preceito normativo ao pedido mandamental, a teor do art. 462 do CPC. Contudo, tal modificação não beneficia o Demandante, por se tratar de estabelecimento localizado na faixa de domínio da Rodovia Washington Luís. Sobre o tema, cito os seguintes precedentes das Cortes Regionais: TRF1, 5ª Turma, AMS 20083800008662-0, Rel. Des. Fed. SELENE MARIA DE ALMEIDA, e-DJF1 30.7.2010; TRF1, 6ª Turma, AMS 20083806001264-8, Rel. Des. Fed. CARLOS MOREIRA ALVES, e-DJF1 4.7.2011; TRF2, 6ª Turma Especializada, APELREEX 2008501003088-5, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GMA, E-DJ2FR 1 8 . 5 . 2 0 1 0 ; T R F 2 , 8 ª T u r m a E sp e c i a l i z a d a , A P E L R E E X 20085107000080-0, Rel. Des. Fed. POUL ERIK DYRLUND, DJU 6.10.2009; TRF4, 3ª Turma, APELREEX 20087002010013-0, Rel. Des. Fed. FERNANDO QUADROS DA SILVA, D.E. 23.11.2010; TRF4, 4ª Turma, AC 20097100008483-5, Rel. Des. Fed. SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB, D.E. 6.10.2010; TRF5, 4ª Turma, APELREEX 20088201000939-2, Rel. Des. Fed. EDÍLSON NOBRE, DJE 20.1.2011; TRF5, 4ª Turma, APELREEX 20088300009155-7, Rel. Des. Fed. FREDERICO PINTO DE AZEVEDO, DJE 15.7.2010. Por derradeiro, releva notar que o princípio da isonomia impõe tratamento igualitário entre as partes que se encontram na mesma situação. Desse modo, afigura-se razoável o tratamento diferenciado, conferido pelo legislador, aos estabelecimentos não localizados às margens das rodovias federais, afinal, embora não impeça o consumo de bebida alcoólica pelos motoristas que trafegam nessas rodovias, ao menos dificulta a compra de tais produtos, reduzindo o número de acidentes causados por embriaguez. Convém registrar que tais questões foram objeto de

debate, por força de impugnação ao auto de infração ofertado pelo Demandante (fls. 21/26), revelando a instauração do devido p r o cesso l eg al n a esf er a ad m i n i st r at i v a, o b ser v ad o s o s princípios do contraditório e da ampla defesa, inexistindo vício a ser sanado pelo Poder Judiciário. Assim, estando a sentença impugnada em descompasso com a orientação jurisprudencial merece ser reformada. Ante o exposto, DOU PROVIME NT O À APE L AÇÃO E À RE ME SSA NE CE SSÁRIA para, reformando o julgado, denegar a segurança. Custas ex lege. Sem honorários advocatícios (súmulas 512/ST F e 105/ST J). É como voto. RICARDO PE RL INGE IRO Juiz Federal Convocado E ME N T A CONS T I T UCI ONAL . COME RCI AL I Z AÇÃO DE BE BI DAS AL COÓL ICAS ÀS MARGE NS DE RODOVIAS FE DE RAIS. Z ONA RURAL . VE DAÇÃO. MP Nº 415/2008 CONVE RT IDA NA L E I Nº 11. 705/2008. PROT E ÇÃO À SAÚDE PÚBL ICA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. OBSE RVÂNCIA. 1. A MP nº 415/2008, convertida na L ei nº 11. 705/2008, proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em estabelecimentos situados na faixa de domínio de rodovia federal ou em terrenos contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia. 2. Cabe assi nal ar , que a L ei nº 11. 705, de 19. 06. 2008, r esu l t an t e d a co n v er são d a r ef er i d a Med i d a P r o v i só r i a, delimitou a aplicabilidade da norma proibitiva de venda de bebidas alcoólicas às ár eas r ur ais das r odovias f eder ais, excluindo da vedação em debate as casas comerciais situadas no perímetro urbano (art. 2º, §3º). Quanto a esse aspecto, vale mencionar que, como a conversão da Medida Provisória em L ei se deu no curso da lide, não haveria óbice à aplicação do novo preceito normativo ao pedido mandamental, a teor do art. 462 do CPC. Contudo, tal modificação não beneficia o Demandante, por se tratar de estabelecimento localizado na faixa de domínio da Rodovia Washington L uís. 3. O Supremo T ribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 148. 260-5/SP (Plenário, Rel. p/ acórdão Min. CARL OS VE L L OSO, DJ 14. 11. 96), ao examinar a constitucionalidade da L ei E stadual de São Paulo nº 4. 855/85, que, de f or ma

se m e l h a n t e , p r o í b e a v e n d a d e b e b i d a s a l c o ó l i c a s n o s estabelecimentos situados em terrenos contínuos às faixas de domínio do Departamento de E stradas de Rodagem, deliberou pela consonância da referida norma com o ordenamento jurídico pátrio. 4. O princípio da isonomia impõe tratamento igualitário entre as partes que se encontram na mesma situação. Desse modo, afigura-se razoável o tratamento diferenciado, conferido pelo legislador, aos estabelecimentos não localizados às margens das rodovias federais, afinal, embora não impeça o consumo de bebida alcoólica pelos motoristas que trafegam nessas rodovias, ao menos dificulta a compra de tais produtos, reduzindo o número de acidentes causados por embriaguez. 5. Adequada a restrição imposta à livre iniciativa pela norma em referência, levando-se em conta seu objetivo de resguardar a saúde pública e, em última análise, reduzir o número de mortes em rodovias federais. 6 . T ai s q u est õ es f o r am o b j et o d e d eb at e, p o r f o r ça d e impugnação ao auto de infração ofertado pelo Demandante, revelando a instauração do devido processo legal na esfera administrativa, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, inexistindo vício a ser sanado pelo Poder Judiciário. 7. Apelação e remessa necessária providas. Segurança denegada. A C Ó R D Ã O Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta T urma E specializada do T ribunal Re g i o n a l F e d e r a l d a 2 ª Re g i ã o , p o r u n a n i m i d a d e , d a r provimento à Apelação e à Remessa Necessária, nos termos do Relatório e Voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Rio de Janeiro, 17 de julho de 2012 (data do julgamento).

RICARDO PE RL INGE IRO Juiz Federal Convocado

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