Projeções e Corpos: Intermedialidade potente na Pedagogia do Teatro.pdf

May 23, 2017 | Autor: Fernanda Areias | Categoria: Arts Education, Applied Drama/Theatre, Art and technology
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P r o j e ç õ e s e C o r p o s : I n t e r m e d i a l i d a d e p o t e n t e n a Pe d a g o g i a d o Te at r o OLIVEIRA, Fernanda Areias de (UFMA)2; BIASUZ, Maria Cristina Villanova (UFRGS)3 e ISAACSSON, Marta (UFRGS)4

Resumo: Esta artigo pretende lançar um olhar sobre as possibilidades de inserção de jogos cênicos com vídeo, elemento constituinte da estética teatral contemporânea, no contexto do ensino do teatro. Partimos da premissa, segundo a qual é preciso formar docentes licenciados em teatro, capazes de gerar experiências estéticas em sintonia com o momento histórico em que vivemos. O pensamento articulador desta pesquisa está fundamentado em referências tanto do campo da educação/pedagogia das artes quanto do campo da tecnologia, procurando assim gerar uma investigação que provoque ecos no contexto da arte educação. Embasa esta pesquisa, quanto ao seu aspecto pedagógico, a proposta de Lee Schuman (1986), conhecida por Pedagogical Content Knowledge (PCK) ou Conhecimento Pedagógico do Conteúdo, e a extensão de suas pesquisas realizadas por KOEHLER, MATTHEW J, MISHRA, PUNYA E CAIN, WILLIAM,(2009). Na elaboração de um campo de análise, foi adotada a Metodologia de Pesquisa Ação, desenvolvida por meio da realização de um curso de extensão, no qual se procurou a exploração de efeitos intermediais gerados pela inserção do vídeo na cena teatral. Este artigo expõe o projeto piloto deste curso, ofertado para um grupo de licenciandos em teatro da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul. Desta experiência, espera-se identificar 1 Artigo recebido em 06/01/2015 e aceito em 07/06/2015. 2 Professora Assistente II e pesquisadora vinculada ao curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Maranhão, vinculada ao departamento de Arte. Coordena o grupo de pesquisa LabTecDrama, laboratório de pesquisa associado ao departamento de arte que desenvolve pesquisas acerca da formação de professores de teatro e novas metodologias para media art. Coordenadora pedagógica do polo Arte na Escola/UFMA. Bacharel em Artes Cênicas-Habilitação Direção Teatral pela UFRJ e licenciada em Educação Artística pela Universidade Candido Mendes (UCAM).Mestre em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie(UPM/SP). Sua área de pesquisa é voltada para questões de encenação , teledramaturgia , arte educação e media art. Atualmente cursa o doutorado em Informática na Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com ênfase em Interfaces Digitais em Educação, Arte, Linguagem e Cognição, e atua como pesquisadora visitante no Departamento de Arte Educação na Universidade de Concordia Canadá. ([email protected]).

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3 Professora da Associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vinculada ao Instituto de Artes, Departamento de Artes Visuais, atuando como docente nesta unidade e Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Informática na Educação - doutorado nível 6 / PGIE / CINTED / UFRGS. Desenvolve pesquisa na área das Tecnologias Digitais, coordena o N.E.S.T.A - Núcleo de Estudos em Subjetivação, Tecnologia e Arte, dentro da LP - Linha de Pesquisa: Interfaces Digitais em Educação, Arte, Linguagem e Cognição. Trabalha com as disciplinas: Laboratório de Informática no Ensino das Artes Visuais; Estética das Redes e do Ciberespaço, Laboratório de Arte e Telemática. É pesquisadora da Propesq onde desenvolve o Projeto AprenDi e o projeto Poiésis, que trabalham processos de mídia educação em ambientes virtuais de aprendizagem. Professora Visitante CAPES/Fulbright na The Ohio State University/2012

procedimentos pedagógicos possíveis para a inserção deste conteúdo em um contexto de ensino de arte formal. Alguns resultados iniciais deste projeto piloto, já estão sendo apresentados neste artigo. Palavras-chave: Vídeo. Teatro contemporâneo. Ensino de teatro. Abstract: This article raises a look at the possibilities of integration of video, as constituent element of contemporary theater aesthetics, in a dialogical perspective on pedagogy of theater. We assume proposes that the need to train teachers licensed in theater, capable of generating aesthetic experiences that relate to the historical moment of their future students. Underlies this research, as its pedagogical aspect, the proposed Lee Schuman (1986) Pedagogical Content Knowledge known for (PCK) or Pedagogical Content Knowledge, and the extent of their searches made by KOEHLER, MATTHEW J, Mishra, Punya AND CAIN, WILLIAM (2009), which entered the appropriation of technology by these teachers to work on issues relating to their fields. To better preparing an analytical field, was proposed Action Research Methodology, which will be effective from an extension course on intermediality effects generated by the ratio of the video, when the theatrical scene. This article shows how the pilot of this course which was offered for a group of undergraduates in theater from the University Federal do Rio Grande do Sul. From this experience, expected observe possible proposals for the inclusion of this content in a formal art education context. Some initial results of this pilot project, are being presented in this article. The articulating thought of this research brings its theoretical framework, based on the field of education / pedagogy facing emerging flows in the arts, theater, and video in conjunction with the technologies seeking to create

no Depto de Arts Administration, Education and Policy. Professora convidada do Curso de Mestrado em Informática Educativa da Universidade Pedagógica de Maputo, em Moçambique. Graduação em Licenciatura Plena em Desenho e Plástica pela Universidade de Caxias do Sul; Especialização em História da Arte - UCS; Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Doutorado em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Informática na Educação, PPGIE - UFRGS. PALAVRAS-CHAVE - educação a distância, formação de professores, comunidade, complexidade, dialogia, subjetivação, criação estética, imagem, mediação tecnológica, interfaces digitais, recursos educacionais abertos, multimídia ([email protected]) 4 Professor Associado 4 da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atua no ensino da graduação e pós-graduação de Artes Cênicas, como tendo por domínio de estudo e pesquisa os processos de criação do ator e do encenador. Sócia fundadora da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação (ABRACE), tendo presidido a mesma instituição no período de 2011-2012. Possui experiência de gestão administrativa em cargos de Direção de Unidade, Chefia de Departamento e Coordenação de Programa. Integrou a Comissão Artes Cênicas SESU/MEC durante dois mandatos, tendo estado no segundo como coordenadora, liderando o processo de elaboração das diretrizes curriculares do ensino superior de Teatro e Dança e participando diretamente das avaliações

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an interdisciplinary research relevant to submersion in a contemporary authoring environment causing echoes in the context of art education. Keywords: Video. Contemporary theater. Theater education.

A materialidade da arte sempre esteve associada ao seu entorno, pensar nas máscaras das tragédias gregas, sem levar em consideração os suportes materiais em que foram construídas é uma análise superficial, pois os mesmos interferem em seus resultados cênicos. Logo, pensar uma pedagogia do teatro que não dialogue com a materialidade digital em que os escolares, nativos digitais estão submersos, também é negar um teatro potente de seu tempo. Um breve olhar sobre a história da cena apresenta a presença do vídeo nos palcos teatrais já nos primórdios da cinematografia. Faz-se menção a um efeito intermedial que não é exclusivo do teatro contemporâneo, mas que ganhou popularidade com a democratização dos aparatos técnicos, juntamente com sua facilidade de manipulação e transporte. Um estudo mais atento das experimentações de alguns encenadores permite encontrar propostas acerca do vídeo em cena, mesmo quando ele não era considerado um campo possível de criação significativa. Meyerhold, reconhecido encenador russo e pesquisador da biomecânica do ator, em suas montagens de caráter extremamente investigativo, explorava já a potencialidade das projeções cinematográficas. Seu espetáculo La Terre Cabrée (1923) é considerado uma referência das primeiras experiências de inserção do vídeo na cena teatral (Vallin, 2006). Entre as criações do encenador russo até aquelas do contemporâneo franco-canadense Robert Lepage, o recurso do vídeo foi explorado de diferentes formas pela cena teatral. Philip Auslander, em seu livro Liveness; Performance in a Mediatized Culture (2008), levanta dados do Survey of Public Participation in the Arts no ano de 2004 e conclui que sessenta

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de inúmeros cursos de graduação do país. É bolsista produtividade de pesquisa CNPq desde 2008, atualmente com o projeto Cena e Intermedialiade, PQ 1B. Sua formação de pós-graduação se fez inteiramente na Université de Paris III, com ênfase em Estudos Teatrais (1987-1991, bolsa CAPES), com tese de doutorado “Le Processus Créateaur de l’Acteur: Stanislavski et Grotowski, étude d’une filiation. Em 2006, contemplada com bolsa de pesquisa do Ministério de Relações Exteriores do Canadá, realizou coleta de documentos e entrevistas junto a importantes criadores cênicos/ multimídia daquele país. Coordenou vários projetos de pesquisa com apoio FAPERGS e CNPq e também de realização de eventos, por meio dos quais possibilitou a vinda ao Brasil de renomados pesquisadores estrangeiros e a publicação de suas comunicações. Faz parte da Comissão Editorial de seis dos mais importantes periódicos nacionais da área de Artes Cênicas. Integrou a comissão organizadora das obras “Ensaios em Cena” (edição ABRACE, 2010), “ Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade” (ed. Pão e Rosas, 2012). Atualmente, coordena a organização da publicação “Tempos de Memória: vestígios, ressonâncias e mutações” (ed. ABRAE, 2013). Contribui continuamente com periódicos nacionais e internacionais, tendo recentemente publicado “L’assenza per infinite presenze”, in Culture Teatrali de Università degli Studi di Bologna. ([email protected])

por cento dos americanos adultos vão ao cinema, vinte e dois por cento ao teatro e apenas quatro por cento ao ballet ou a ópera. Destaca ainda que cada vez mais tem-se telas em shows, grandes produções de rock e espetáculos com comediantes. Nestes espaços os espectadores contam com a presença do ao vivo, mas muitos optam por assistir o espetáculo nos telões de transmissão no mesmo ambiente. Diante de novas formas de produzir e apreender a cena, como negar este aspecto a formação de docentes de teatro? Isto posto, é importante destacar que os cursos voltados para o tema do vídeo ao vivo muitas vezes direcionam seus conteúdos para Vjs5. Esses profissionais, voltados para a manipulação de imagem ao vivo, e que, segundo Mello (2008), em seu eventos valorizam a interação do público com a imagem ao vivo, algo pertinente a ideia de festa. O vídeo como obra acabada e fixa perderia espaço neste contexto. Neste sentido, pouco foi o direcionamento para o teatro, com suas especificidades de precisão, atores, luz e cenografia, para enumerar apenas alguns elementos da linguagem teatral. A associação destas experiência práticas, vinculada ao levantamento bibliográfico, alimentaram o interesse em pensar um curso onde o professor de teatro fosse estimulado a refletir autonomamente sobre a inserção do vídeo na cena do teatro. Inserindo no escopo desta formação não somente os aspectos técnicos, como o uso de softwares, mas principalmente um pensamento crítico sobre as potencialidades dos efeitos intermediais do vídeo no teatro. Foi levado em consideração também no momento do planejamento deste curso, o contexto escolar em que os docentes iriam atuar, logo os materiais disponíveis em escolas públicas foram considerados como possibilidade para esse investigação. O campo para experimentação do curso deveria ter características possíveis de serem reunidas: o ambiente universitário, associado ao contexto da realidade da escola pública, com suas demandas cotidianas. Também estava no escopo central desta pesquisa a formação inicial de professores. O Programa Institucional de Iniciação a Docência (PIBID) criado pelo Ministério da Educação e administrado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pareceu o ambiente oportuno para o desenvolvimento desta pesquisa. Segundo o site da CAPES, um dos objetivos principais do programa PIBID é inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas,

5 Abreviação em inglês para Vídeo Jockey, inicialmente designada ao profissionais que manipulavam vídeos ao vivo em festas noturnas. Atualmente também se estende a profissionais das artes visuais que trabalham com projeções mapeadas .

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tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem.”6 Logo, os princípios do programa contempla expectativas desta pesquisa. O deste curso de extensão tinha em sua centralidade O vídeo no teatro contemporâneo – Apropriações para uma estética digital na formação de docentes em teatro. A experiência apresentada neste artigo ocorreu na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O PIBID Teatro UFRGS, atualmente coordenado pela Profa. Dra. Vera Lúcia Bertoni dos Santos, pesquisadora lotada no Departamento de Arte Dramática, teve início no ano de 2010, no Instituto de Educação General Flores da Cunha, estabelecimento de ensino pertencente à rede pública estadual do Rio Grande do Sul. Atualmente a universidade conta com dois grupos de pibidianos, parte atuando no Instituto de Educação e outra parte no Colégio Estadual Marechal Floriano Peixoto. No momento presente conta com quinze estagiários PIBIDS e dois professores supervisores, um em cada escola pública de educação básica em que o projeto esta alocado.

Imagem 1: Sala de Teatro no Instituto de Educação. Cartaz de divulgação do curso na escola e hall de entrada com os bolsistas PIBID.

O curso de extensão foi estruturado nos seguintes conteúdos: Panorama histórico, Tele presença, Corpo Expandido e Vídeo Cenografia. Sua organização e carga horária foram equivalentes a 30 horas. Como aparato técnico, era nossa intenção não se distanciar da realidade escolar, assim contamos com os equipamentos disponibilizados pelo Instituto de Educação, deste modo utilizamos: dois projetores de transparências, um projetor de slides, um projetor de opacos e três projetores digitais. Dispusemos ainda de dois softwares de manipulação de vídeos ao vivo: o

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6 Fundação Capes – MEC. Disponível em http://www.capes.gov.br/educacao-basica/capespibid. Acesso em 04/07/2015.

QuaseCinena, desenvolvido pelo artista multimídia Alexandre Rangel (trata-se de um software livre de download gratuito na internet) e o software profissional de Vjs e Vídeo Artistas, Resolume Arena, em uma versão gratuita.

Imagem 2: Projetor de Opacos, “pibidianos” experimentando os softwares, Investigação com projetor de Slides e Máscaras físicas com o projetor de transparências

O espaço da experiência do docente em formação foi considerado como aspecto importante da estruturação do curso. O olhar científico sobre a formação de professores propõe este experimento, no entanto, este mesmo olhar é conduzido pela necessidade de promover a experiência desses docentes em formação, a construção de suas professoralidades. Para melhor entendimento deste enfoque, é preciso diferenciar experimento e experiência, como propõe Larrosa: A primeira precaução consiste em separar claramente experiência de experimento, em descontaminar experiência de suas conotações empíricas e experimentais. Trata-se de não fazer da experiência uma coisa, de não objetiva-la, não coisificá-la, não homogeneizá-la, não calculá-la, não torná-la previsível, não fabricá-la, não pretender pensá-la cientificamente ou produzi-la tecnicamente. (LARROSA, 2014, p.41) Logo, o enfoque era propor um curso (experimento) que deixasse espaços aos docentes em formação, de maneira a desenvolverem suas experiências individuais, seus processos criativos como artistas docentes e as possíveis reverberações advindas do contexto de suas aulas. Neste lugar, não caberia impor qualquer atividade a ser realizada pelos participantes do experimento em suas salas de aula, no entanto interessava acompanhar aqueles que tivessem interesse em experiênciar a proposta com seus alunos. Desta forma foi criado um grupo com os participantes do curso de extensão na rede social Facebook.

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A pesquisa tem por propósito acompanhar o trabalho desenvolvido pelos pibidianos após a oferta do curso, como também fomentar o diálogo entre experiências com a entrada de participantes de variadas ofertas do curso. Após a finalização do curso, o grupo de bolsistas do PIBID teriam uma apresentação acadêmica no evento V Seminário Institucional PIBID – UFRGS. O grupo que participou do curso de formação, juntamente com os demais colegas bolsistas, planejaram então uma intervenção artística no evento, onde recriaram uma palestra fictícia sobre o tema da interdisciplinaridade. Usaram para isso um ator, associando a performance do mesmo a vídeos editados e produzidos por eles próprios, juntamente com as intervenções dos demais bolsistas que estavam na platéia e se comportavam como espectadores inquietos. Dentro desta experiência artística, foi possível verificar a apropriação do grupo em relação aos conceitos estudados de vídeo e corporeidade, onde claramente buscaram uma cena em que ator e projeção trabalhassem juntos para gerar potencia. Optaram por inserir as falas de seus alunos, estudantes da rede pública estadual, propondo um diálogo entre academia e ensino fundamental, constituído pela performance ali apresentada. Ao fim, os pibidianos projetaram um trecho do texto de Villem Flusser, no qual o mesmo destaca a importância da dúvida nos processos de construção de pensamento. Esse texto havia sido utilizado durante o curso de extensão, com o objetivo de problematizar as mudanças no pensamento teatral fomentadas pela inserção da tecnologia na cena. Esta experiência de caráter acadêmico e artístico foi balizadora para a pesquisa, pois foi possível observar a autonomia criativa destes professores em formação com relação ao uso das tecnologias em seus processos criativos.

Imagem 3: “Pibidianos” apresentam sua intervenção artística no V Seminário Institucional PIBID – UFRGS

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7 Those Who Understand: Knowledge Growth in teaching

Na segunda etapa optamos por acompanhar os professores em formação que se interessaram em continuar com a proposta em seus processos docentes nas atividades PIBIDS, estágios curriculares ou ainda em cursos livres que em que atuassem como docentes autonomamente. Conhecimento Pedagógico de Conteúdo e Conhecimento Tecnológico de Conteúdo, conceitos direcionadores Lee Shulman, apresenta apropriados por atuarem com atenção sobre o aspecto da associação entre apreensão quando em seu processo formativo e a apresentação pedagógica do mesmo quando em seu contexto de sala de aula. Durante a década de oitenta nos Estados Unidos, Lee Shulman e sua equipe foram responsáveis por orientar muitas discussões entorno da formação de professores e políticas que estimulassem essa formação. Seu artigo Aqueles que compreendem: o crescimento do conhecimento no ensino7 de 1986 irá apresentar questões acerca do entendimento do conteúdo e a adequação do mesmo no processo de ensino aprendizagem. Longe de estimular uma formação conteúdista de professores, Shulman inicia seu artigo à partir da famosa frase de Bernard Shaw “Quem sabe faz, quem não sabe ensina”. Ele questiona o olhar dado ao profissional docente, muitas vezes sobre a sombra deste subtexto, levantando o argumento que o professor deve compreender o conteúdo, mas principalmente, saber como tratá-lo no contexto de suas salas de aula. Logo, não se trata de fomentar a antiga prática de sobrecarga de conteúdos, pelo contrário, o enfoque dado está na formação de um profissional reflexivo, capaz de lidar com os conhecimentos específicos de sua disciplina, olhando para os mesmos criticamente, e fazendo análises pertinentes sobre o que e como esses devem ser tratados no ambiente escolar. Neste direcionamento, Shulman (1986), questionava os modos de avaliar professores focados apenas no conhecimento de conteúdo dos mesmo: Ninguém perguntou o modo como a matéria foi transformada a partir do conhecimento do professor para o conteúdo da instrução8. Além de embutir em seu discurso a valorização deste profissional, desvinculando o valor da frase de Shaw, Shulman dedica sua atenção em boa parte do artigo ao que ele denomina o paradigma perdido, que seria o enfoque dado a forma em que os docentes levam os conteúdos específicos de suas disciplinas para os contextos escolares. Argumenta sobre a pesquisa realizada pela sua equipe que acompanhou na Califórnia por dois anos, professores do ensino fundamental nas disciplinas de inglês, biologia, matemática e estudos sociais verificando como os mesmos seus processos docentes.

8 No one asked how subject matter was transformed from the knowledge of the teacher into the content of instruction.

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Nós os acompanhamos de perto durante este ano a formação de professores, com a realização de entrevistas regulares, pedindo-lhes para ler e comentar sobre os materiais relacionados aos temas que ensinam, e observando sua aula após terem sido engajados em uma entrevista de planejamento. Nós também reunimos dados sobre o programa de formação de professores em que foram preparados e o impacto de ambas as experiências formais e informais de preparação na sua pedagogia. A maior parte destas referências surgem naturalmente no decurso de conversas frequentes. (SHULMAN, 1986, p.8) A escolha de Shulman representa a opção por verificar na experiência diária desses professores, onde o saber adquirido em sala de aula é posto à prova quando o cotidiano escolar se impõe, diferenciando sua abordagem dos contextos de avaliação de docentes que priorizam o conhecimento conteúdista, verificando os mesmos à partir de testes objetivos. O perfil da forma escolhida por Shulman na avaliação de sua pesquisa vai ao encontro do que o mesmo prioriza verificar, o modo como o docente se apropria do conteúdo específico, e o apresenta em um contexto pedagógico em sua sala de aula, para isso denomina em sua pesquisa de Conhecimento Pedagógico de Conteúdo9. Neste contexto é relevante verificar se esses docentes eram capazes de entender que modo de ensinar determinados conteúdos tornavam este fáceis ou difíceis para estudantes de faixas etárias específicas e levando em consideração as concepções e preconcepções que chegam com os mesmos em sala de aula. Logo, o contexto do ensino é relevante para o desenvolvimento do conhecimento pedagógico de conteúdo do docente. Sua criticidade em relação ao ambiente e aos sujeitos em que se direciona é essencial para atender a este perfil de professor reflexivo desenhando por Shulman. Associado a este conceito apresentado no parágrafo anterior, o autor também defende que este docente deve estar nutrido do conhecimento de currículo, do conhecimento pedagógico e do conhecimento de conteúdo. No primeiro, destaca a necessidade do docente ter autonomia sobre escolhas possíveis em suas disciplinas através do que lhe é proposto pelo currículo. O segundo item se refere à especificidade pedagógica, modos de gerar interesse sobre o recorte a ser estudado pelas turmas, recursos pedagógicos e adequações possíveis. Já o terceiro item abarca a disciplina a ser trabalhado pelo docente, não fixando em seus conteúdos apenas, mas a própria

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9 Pedagogical Content Knowledge

estrutura da mesma e sua formação como conhecimento deve ser levada em consideração. Esses três eixos são essenciais para o entendimento do gráfico abaixo:

Conhecimento de Conteúdo

Conhecimento de Currículo

Conhecimento Pedagógico

Conhecimento Pedagógico de Conteúdo

Fonte: SHULMAN, 1986, p.9

Toda a estrutura de pensamento sobre a prática docente apresentada por Shulman nos expressa uma constante busca de tornar o professor um profissional reflexivo sobre sua prática e por isso atento às suas experiências, aos seus atravessamentos formativos e ao cotidiano do ambiente escolar. Partindo da perspectiva de Schulman, esta pesquisa valoriza o pensamento o encontro do pensamento sobre práticas de professores em formação que levem em conta uma constante reflexão sobre seu lugar docente. Interessa pensar como formar professores de teatro capazes de lidar de forma autônoma com os conteúdos do teatro contemporâneo, gerando experiências estéticas relevantes em suas salas de aula. A cada dia de curso uma avaliação era realizada e aberto aos alunos o espaço para manifestarem suas propostas de aulas para seus contextos escolares. Nos grupos focais algumas questões emergiram com frequência como, por exemplo, que possibilidades haviam determinados conteúdos para, faixas etárias e públicos específicos, como a reflexão do grupo transcrita abaixo10: G: Bom , é que estávamos falando da escola e eu achei tri bom para os menorzinhos. Aqueles que a gente usou ontem, os analógicos11. Acho que dá uma brincadeira muito legal. E fica mais nesta história da brincadeira, do que criar um teatro. Com esse9 rola uma interdisciplinaridade tri louca, tu pode pensar. O que ele pode potencializar para trabalhar com outros conteúdos. 10 Para o entendimento das entrevistas, iremos manter os nomes dos entrevistados em sigilo, usando apenas letras para sua identificação. 11 Na aula anterior havíamos trabalhado com os projetor de transparências. 12 Software QuaseCinema

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Mas tem que ter uma sala própria para brincar com isso, como tem aqui. (…) Imagina uma feira daquelas que tem na escola S: Feira de Interdisciplinar L: Feira de Ciências G: Imagina tu cria um esquema todo, tu mostra tudo. Projeta toda a feira, sei lá na praça de alimentação. L: Super interativo. Imagina uma câmera em cada sala. ((G,S,L. Seção de Grupo Focal II. [setembro 2014]. Entrevistador: Fernanda Areias de Oliveira Porto Alegre, 2014) O trecho em destaque contém no discurso dos docentes em formação, uma preocupação em adequar o conteúdo apreendido ao público. Há uma atenção em atender as demandas da disciplina de teatro associada ao conhecimento tecnológico recém adquirido e a realidade escolar. Na primeira fala de G é possível verificar a busca em atender a faixa etária do ensino fundamental 1, onde a pedagogia do teatro indica a orientação pelo jogo lúdico e não pela prática de montagem teatral. Uma atitude reflexiva perante o conteúdo apreendido, já atento a sua prática docente. Este trecho salienta o conceito abordado por Shulman em relação ao Conhecimento Pedagógico de Conteúdo. Esta pesquisa está interessada, também, no entendimento do uso da tecnologia que este professor pode agregar quando no ensino do teatro, com recorte sobre os efeitos intermediais do vídeo na cena. Esta orientação foi buscada durante a oficina, e para auxiliar neste entendimento, foi apresentado o artigo de Koehler, Matthew J, Mishra, Punya e Cain, William What Is Technological Pedagogical Content Knowledge (TPACK)?13, publicado em 2009 na revista Technology and Teacher Education foi agregador. O Conhecimento Tecnológico Pedagógico de Conteúdo é uma extensão do pensamento de Shulman, que associa o mesmo ao uso da tecnologia pelo professor, no entanto em seu bojo está o discurso da utilização da mesma como potencializador da prática docente. Conhecimento Tecnológico de Conteúdo (CTC), então, é uma compreensão da maneira pela qual a tecnologia e conteúdo influenciam um ao outro sem restringir. Os professores

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13 O que é conhecimento tecnológico pedagógico de conteúdo?

precisam dominar mais do que a disciplina que ensinam; eles também devem ter uma profunda compreensão da maneira pela qual o assunto (ou os tipos de representações que podem ser construídos) pode ser alterada pela aplicação de determinadas tecnologias. Os professores precisam entender que tecnologias específicas são os mais adequados para lidar com a aprendizagem assunto em seus domínios e como os ditames conteúdo ou talvez até mesmo muda a tecnologia, ou vice-versa. (KOEHLER, MATTHEW J, MISHRA, PUNYA E CAIN, WILLIAM, 2009, p.16) Trata-se novamente de uma demanda reflexiva sobre a prática do professor. Interessa aproximar os docentes em formação do uso da tecnologia em seus procedimentos estéticos nas aulas de teatro. Isto é, tanto a exploração da tecnologia em processos de montagem quanto os conceitos envolvidos no teatro contemporâneo, os efeitos intermediais produzidos. Até o presente momento, foi possível acompanhar, após o curso de extensão, o trabalho desenvolvido por um dos professores em formação. O aluno E durante o curso já estava desenvolvendo um trabalho com projeções de vídeo na cena, e segundo o mesmo, foi uma demanda dos próprios estudantes. Sua atuação era no Colégio de Aplicação da UFRGS, com uma turma de 2ª ano do Ensino Médio, com um total de treze alunos, e constituía seu estágio curricular obrigatório. Durante o curso, o professor em formação mencionou ao grupo focal o processo que estava desenvolvendo: E: Eu agora por exemplo estou trabalhando com filmes dadaístas projetados em cima das cenas de experimentação dos alunos, que é uma experimentação bastante livre. Agente agora esta levantando material, esta no começo do processo. Então é o movimento daqueles filmes, das luzes e tal. Formas e o movimento dos alunos, então fazem um diálogo. Só que é isso que eu falo, eu acho que para gente trabalhar isso na escola agente precisa se associar com outros professores, por exemplo. Agente precisa de um apoio maior. (E, Seção de Grupo Focal II. [setembro 2014]. Entrevistador:

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Fernanda Areias de Oliveira Porto Alegre, 2014) A prática do estágio permitiu a este professor a verificação da necessidade de apoios para a realização de experimentos, os quais havia determinado desenvolver em conjunto com sua turma. No Colégio de Aplicação o mesmo teve a orientação da Professora de teatro efetiva na instituição, juntamente com o aparato técnico que a escola contava, como uma sala adequada e ainda um mini projetor de uso exclusivo para as aulas de teatro. Além do aspecto associado à realidade prática da escola, sua fala contém um discurso atento à potencialidade da tecnologia no ensino do teatro. Quando o mesmo menciona: “Então é o movimento daqueles filmes, das luzes e tal. Formas e o movimento dos alunos, então fazem um diálogo”. Ele trata, neste trecho, da potencialidade criativa que as projeções podem gerar nos corpos dos alunos. Ao projetar imagens e figuras dadaístas sobre os corpos de seus discentes, E propõe o uso criativo da tecnologia em sua aula, associando o conteúdo à tecnologia do vídeo, para o vislumbramento da pesquisa focada no espetáculo que está desenvolvendo juntamente com sua turma. A experiência de E com o turma foi acompanhada mais de perto, com etapas de aproximação desta pesquisa. Com acesso ao grupo de debates que E possuía no Facebook com seus alunos do ensino médio, foi possível acompanhar o andamento do processo e posteriormente acompanhar a etapa final de sua montagem teatral com seus alunos onde, realizou-se uma breve apresentação sobre corpo e tecnologia em cena. Observou-se, logo na primeira visita, que uma de suas alunas manipulava o projetor de transparências, gerando efeitos de luz e imagens sobre a encenação executada pelos demais colegas.

Imagem 5: Aluna P, estudante do CAP UFRGS, manipula o Projetor de Transparências em ensaio.

Em breve entrevista com a aluna P pode-se verificar que a mesma possuía entendimento

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sobre os efeitos que estava trabalhando na cena e como aquelas imagens em movimento geradas por ela poderiam contribuir para a dramaturgia construída pela coletivo de alunos sobre a supervisão do professor estagiário E. Pesquisadora: Como você escolhe as cores que você usa na cena? P: Assim, quando X bate na mão de Y, para punir ela, eu boto uma cor vermelha, como eu posso dizer...meio de brava, uma coisa ruim. E daí o professor pediu para eu colocar uma cor clara quando eles estão respirando por exemplo. Aí eu pensei no verde, porque verde é tipo natureza, acalma. Daí quando eles estão respirando eu faço assim com o papel( faz movimentos para baixo e para cima com as mãos) daí da a impressão que estou respirando junto com eles. No final eu tento pegar várias cores que aparecessem, quando é uma situação ruim eu foco mais nas cores , vermelho verde. Porque são umas cores mais fáceis de assim, de manipular. (P. Entrevista I. [outubro 2014]. Entrevistador: Fernanda Areias de Oliveira Porto Alegre, 2014) P em seu trabalho de manipulação de efeitos apresenta entendimento sobre como suas escolhas irão afetar a percepção do espectador, e de como elas devem estar de acordo com a cena apresentada por seus colegas. Quando no momento do curso oferecido aos pibidianos foi dado muito destaque sobre como o efeito intermedial só ocorre quando contribui para o potencializar a encenação, algo oposto ao uso da tecnologia como elemento acessório. A precisão na manipulação e as escolhas estéticas foram muito destacadas na ocasião. Tais elementos aparecem no discurso da aluna P, contribuindo para o entendimento de que seu professor E levou tais conceitos para sua turma de estágio. Esta observação permitiu reconhecer como o professor em formação E se utilizou dos aparatos técnicos e conceitos estudados em sua turma de estágio. Levando em consideração o entendimento de Conhecimento Tecnológico Pedagógico de Conteúdo (CTPC), pode-se concluir que o mesmo empreendeu uma experiência significativa, onde os efeitos intermediais do vídeo no teatro, associados a estética pós dramática, alicerçaram a poética desenvolvida e apresentada com exercício cênico final em sua turma. Este primeiro curso, associado ao acompanhamento posterior do professor em formação,

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permitiu vislumbrar alguns encaminhamentos desejados na formação de professores de teatro, pois acredita-se que os resultados assistidos em sua turma de estágio corroboram para a afirmativa de uma possibilidade de inserção de conteúdos associados ao efeitos do vídeo na formação de professores, algo viável. O retorno e interesse visualizado nas aulas, e claramente demostrado pelos alunos de ensino médio que estavam em cena, como os que estavam na plateia assistindo ao colegas, reforçaram a ideia de que o interesse e a demanda pela inserção da tecnologia nas aulas de teatro seja pensado de maneira efetiva em nossas formações de professores.

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