Projetar a Felicidade na Escola - O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada

Share Embed


Descrição do Produto

Jorge Humberto Dias (ORG.)

PROJECTAR A FELICIDADE NA ESCOLA ---------------------O NOVO PARADIGMA DA FILOSOFIA APLICADA

Prefácio do Professor Doutor José Barrientos Rastrojo Universidade de Málaga

Bragança 1

www.cfaebn.com

Esta edição tem a Direcção Científica do Gabinete PROJECT@

http://gabineteproject.blogspot.com

PROJECTAR A FELICIDADE NA ESCOLA ---------------------O NOVO PARADIGMA DA FILOSOFIA APLICADA

Jorge Humberto Dias (ORG.)

Organizador: Jorge Humberto Dias Nota Prévia: Elisete Conde Afonso Prefácio: José Barrientos Rastrojo Tradução do Prefácio por: Antero de Freitas Design Gráfico: António Luís Ramos Capa: João Simões 1ª Edição: Setembro de 2010 Copyright: Centro de Formação de Professores da Associação de Escolas de Bragança Norte e Autores Depósito Legal: 315511/10

Para todos os professores que ainda não perderam o sentido da sua missão, nem a capacidade de se apaixonar e de sonhar…

Índice

Nota prévia Elisete Conde Afonso ……………………………………………………………………………………… Prefácio Projecto, Felicidade, Escola e Filosofía Aplicada José Barrientos Rastrojo …………………………………………………………………………………. Introdução Jorge Humberto Dias ………………………………………….............................................. 1. Do enquadramento da Consultoria Filosófica na história da filosofia à urgência de uma Filosofia Aplicada à vida Henrique Miguel da Costa …………………………………………………………………… 2. Consultoria Filosófica: Porque Não? Maria Otilia Afonso ……………………………………………………………………………. 3. Repensar a Filosofia na Escola a partir da “Filosofia Aplicada” Valdemar dos Santos Roca …………………………………………………………………… 4. A Felicidade – O novo Paradigma? Luís Filipe do Couto ……………………………………………………………………………. 5. A Prática Filosófica na senda da Felicidade Maria da Conceição Galhardo ……………………………………………………………….. 6. A Felicidade e a Filosofia Bárbara Fernandes ……………………………………………………………………………… 7. Filosofia sem Preconceitos António dos Santos Fernandes ……………………………………………………………… 8. Da importância da Consultoria Filosófica à questão dos métodos – Um lugar na Escola António Alberto Vaz ……………………………………………………………………………. 9. O Logos Maria Clarinda Pires ……………………………………………………………………………. 10. Época Helenística versus Consultadoria Filosófica, Maria de Fátima Luís ………………………………………………………………………….. 11. Aconselhamento filosófico – De onde vem? O que é? Para onde vai? Ana Pimentel ………………………………………………………................................. 12. Aconselhamento Filosófico Maria Filomena Costa …………………………………………………………………………. 13. Reflexão Crítica Maria Ângela Afonso ………………………………………………………………….. 14. Em prol da Filosofia na Contemporaneidade Raquel Diz de Sá ………………………………………………………………………………… 15. A Filosofia no Divã Franciso Sérgio de Barros …………………………………………………………………….

NOTA PRÉVIA Elisete Conde Afonso Centro de Formação de Professores de Bragança Norte Directora O livro há-de ser do que vai escrito nele. Bernardim Ribeiro, Menina e Moça Questionada, pelo professor Jorge Humberto Dias, responsável pela Acção de Formação, subordinada ao tema “O Novo paradigma da felicidade……”, acerca da viabilidade de publicarmos os trabalhos produzidos pelos formandos, que a frequentaram, só podia anuir ao desafio com todo o gosto e prazer por dois motivos: por se tratar da primeira produção de carácter científico sob a égide do CFAE Bragança Norte, que conta apenas com 2 anos de existência e porque, só entendo o papel dos novos CFAE 1 como estruturas dinamizadoras da investigação-acção, em tempos críticos, quanto ao rumo da formação contínua. Segui com entusiasmo as várias etapas deste trabalho, firmando-me numa premissa académica: “O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário”.2 A primeira diligência foi encontrar parceiros patrocinadores, ei-los: a CGD e a Junta de Freguesia da Sé, entidades que acolheram a iniciativa, porquanto sensíveis aos problemas sócio-económicos e demográficos da região, apoiam incondicionalmente a cultura. Sem elas não seria possível a presente publicação, por isso, o nosso bem-haja! A segunda fase foi motivar os docentes, sempre condicionados com as inúmeras tarefas escolares a cumprir, para exercer funções de investigadores dentro de horizontes temporais estipulados. A terceira foi trabalhar em estreita cooperação com uma equipa de colaboradores, a quem é devido o meu agradecimento reconhecido: - ao professor José Barrientos pela apresentação do Prefácio, onde colhemos ensinamentos tão importantes na carreira docente; - ao professor Jorge Humberto Dias, em dupla gratidão: pelo trabalho de organização e revisão científica e por honrar a nossa Bolsa de Formadores com o seu mérito e profissionalismo; - Ao artista João, pela criatividade na concepção da capa; -ao Antero de Freitas pela disponibilidade de traduzir o prefácio; - ao meu Assessor António Luís, pelo empenho nos arranjos gráficos. Resta-me agradecer aos mentores dos artigos por terem acreditado neste projecto e felicitá-los pelo produto final, convidando os leitores a saboreá-lo e, sobretudo, a entendêlo como uma visão pró-activa da dinâmica do nosso CFAE, apostado em inovar as práticas formativas, centradas na reflexão e problematização de experiências pedagógico-didácticas em prol do sucesso educativo.

Bragança, 15 de Julho de 2010.

1

Centros de Formação de Associação de Escolas, reestruturados pelo Despacho N.º2609/2009, de 20 de Janeiro de 2009.

2

In José Geraldo Simões Jr., O Pensamento Vivo de Einstein.

PROJECTO, FELICIDADE, ESCOLA E FILOSOFIA APLICADA José Barrientos Rastrojo Universidade de Málaga Filosofia e Ciências da Saúde

A escola erige-se como âmbito privilegiado para nos referirmos à Antropologia orteguiana. Ali, passadas as carícias maternas, o sujeito descobre a sua natureza de “ser em construção” ou, em palavras orteguianas, desvela-se como um “faciendum”, um fazer-se através de projectos. Se concordarmos com Séneca que a finalidade da vida humana é a Felicidade, o maior projecto humano é a edificação de uma situação que a contenha. É aqui que começam os problemas: O que é ser feliz? Como alcançar um projecto que integre essa felicidade? Como pode converter-se a escola num instrumento útil para tais fins? Bem, sem pressa mas sem pausa. O projecto vital edifica-se sobre um plano racionalista que, como bem explica Jorge Dias, anuncia-se em diversas etapas: estudar o seu agente, analisar as circunstâncias em que se opera e as possibilidades para se desenvolver, operacionalizar o objectivo geral (ser feliz) com objectivos específicos, arbitrar os meios para levá-lo a cabo, pôr em prática as actividades precisas e avaliar o processo e o produto para retro alimentar e melhorar o sistema. Estas pautas são a técnica formal de alcançar um projecto vital. Contudo, definir materialmente as notas da felicidade pessoal ou estabelecer a linha do projecto vital próprio, pertence a níveis filosóficos complexos, visto que não são estandardizáveis. Pelo contrário, ler os caminhos de outros sujeitos que manifestam êxito pessoal não é suficiente para edificar o próprio. Ajudam a organizar os percursos dos nossos passos, embora, como dizia o poeta, caminhante não há caminho, faz-se o caminho a andar. Assim, o acto de avançar manifesta uma curiosa essência: o caminho vai-se fazendo ao mesmo tempo que se realiza. Estando assim as coisas, a seguinte questão seria: Como caminhar? Ou dito mais popularmente: “isto, como se come?”, ao que sucede a não menos castiça resposta de perogrullo (1) “comendo”. Não se pode determinar o itinerário a escolher, mas sim as condições que determinam que a via elegida seja, pelo menos, boa. Entre essas, sublinhamos, a caneta de pena, as seguintes: o compromisso com o próprio trajecto (transformando o deambular em autêntico projecto), aceitar a queda e usá-la como recurso em vez de ponto de não-retorno, assumir a própria debilidade e volubilidade mesmo quando estamos em estados elevados de conhecimento ou sabedoria e compreender que o final só acontece com a morte, portanto não tem que lamentar-se de não conseguir uma perfeição plena. Em linhas gerais, dispomos neste momento, de algumas notas para a construção do projecto. O projecto pessoal descrito ergue-se na escola através de um tipo de formação específica. Há dois tipos de instrução: a impositiva e a socrática. A primeira determina o que há-de pensar o sujeito, indica-lhe ideologicamente o “melhor dos percursos” e requer do estudante a sua adaptação irreflexiva. Na segunda, o professor ajuda a que o aluno descubra a sua própria essência e, uma vez aí, poliniza com ela toda a sua vida. O primeiro caso abrange a mentira e a falsidade da vida; o segundo liga a pessoa ao seu interior, gerando, por um lado, estímulo para continuar a caminhar e, por outro, uma espécie de bem-estar interior (não me atrevo a dizer felicidade) porque sente que ao preparar o seu projecto, está a construir-se a si mesmo. Esta forja é, ao mesmo tempo, reveladora do próprio e materializa este interior oculto no exterior. Concretizando: o menino que gostava de jogar à bola acaba por se converter em Cristiano Ronaldo, o que gostava de reflectir

converte-se em Agostinho da Silva e o que manejava os versos, rimas, palavras e sentimentos converte-se em Fernando Pessoa. Jorge Dias entendeu este processo que une escola, projecto e felicidade através da Filosofia Aplicada, área em que o conheci já faz algum tempo. Claro que o bom de Dias foi facilmente alcançável (permita-me a amizade esta licença). Quando um filósofo vive o seu projecto de um modo tão intenso como o que aqui descrevemos, quando sente a felicidade que lhe provoca estar em contacto com a sua vocação, quando dirigiu aos seus alunos uma educação do segundo tipo, torna-se fácil conseguir uma Teoria de Filosofia Aplicada com os ingredientes que aqui descrevemos. Por exemplo, não será suficiente ver a sua própria história para descobrir como o seu projecto de Filosofia Aplicada foi fonte da sua própria felicidade? Referir-nos a Dias é ir de encontro aos conceitos deste artigo; olhar para a sua obra devolve-nos ecos unidos de María Zambrano e Ortega y Gasset: sendo a filosofia aprender a viver, decifrar o próprio sentir é o caminho mais autêntico para o conseguir. Málaga, 8 de Junho de 2010

INTRODUÇÃO Jorge Humberto Dias Gabinete PROJECT@ - Consultoria Filosófica Consultor, Formador e Professor

Esta obra é constituida por um conjunto de artigos, escritos por vários professores, no âmbito de um Curso de Formação Contínua realizado em Bragança, em Abril de 2010. A ideia era fornecer aos formandos um conjunto de novas ferramentas para o seu desempenho na Escola. O pano de fundo eram as competências filosóficas, aliadas às competências de consulta e às técnicas/métodos de fazer pensar e investigar. O objectivo era a sensibilização dos docentes para a importância da questão da Felicidade em contexto escolar, sobretudo quando pensamos no essencial do trabalho educativo: as relações entre as pessoas, os seus valores e os seus projectos de vida. Se aplicarmos a teoria da complexidade sistémica à compreensão da questão da Felicidade num aluno, por exemplo, seremos transportados, gradativamente, para a felicidade do seu Encarregado de Educação, dos seus Professores, da sua Escola, do seu Concelho, da sua Região e do Governo do seu País. A conclusão provisória que retiramos desde já é que ninguém poderá ser feliz numa Escola se não houver um preenchimento realizador de várias dimensões essenciais ao desenvolvimento da sua pessoa: inteligência, afectividade, valores, atitudes, relações com o mundo e projectos. Trabalhar em Educação implica ter noção do que significa ser professor, é ter a capacidade de distinguir o essencial do acessório, investindo 80% das energias na promoção da Felicidade dos alunos. Mas a questão aqui, e que debatemos neste Curso de Formação, agora publicado em livro, é a de saber se é possível potenciar a Felicidade dos alunos sem que para isso tenhamos na Escola professores, técnicos, administrativos e auxiliares felizes… Ser professor não é apenas “aquele que professa um conjunto de verdades científicas”, mas essencialmente, aquele que consegue motivar os alunos para um projecto de vida. Mais do que qualquer outra instituição, a Escola absorve a maior parte do tempo que os jovens dispõem para viver. A vida na Escola é marcante e deixa na sua memória recordações que o irão acompanhar ao longo do seu caminho. Neste âmbito, o professor tem uma enorme importância, pois tem o poder de ajudar o jovem a construir-se a si mesmo e a estruturar uma intervenção no mundo. Actualmente, temos a Educação subjugada ao mundo empresarial e da economia, fruto de algumas políticas que receiam perder clientes e poder. Felizmente, este factor não tem o mesmo impacto em todos os países. Naqueles em que a Educação foi vista como um investimento, em vez de uma despesa, num curto prazo viram resultados em toda a sua sociedade, desde o mercado de trabalho à cultura, às artes, ao lazer e ao turismo, etc. Quer queiramos, quer não, a Educação tem um lugar diferente na estrutura social de um país. Na minha perspectiva, deveria ser vista como uma questão de ciência, aplicada a todas as dimensões que referi acima, e onde as Universidades e os Centros de Formação de Professores deveriam ter um lugar priviligiado, na definição de Programas disciplinares, de Objectivos escolares e de Projectos educativos. À semelhança do que já acontece no Conselho de Escolas, deveria existir também um Conselho de Centros de Formação, em que fosse possível criar um Grupo de Peritos nos vários grupos de recrutamento, desde a Filosofia à Matemática, passando pelas Línguas, pelas TIC, Economia, História, Expressões, etc. A estrutura já existe. Por exemplo, no âmbito do Plano Tecnológico para a Educação, reuniram-se em Leiria e Porto, no passado mês de Junho, todos os formadores que os CFAE’s seleccionaram para ministrar as

diversas Acções de Formação PTE. Divididas por Grupos de Recrutamento, cada Sala de Formação teve a oportunidade de juntar, num mesmo tempo e espaço, os referidos peritos, que em conjunto analisaram e debateram questões fundamentais do ensino/aprendizagem das disciplinas. Esta base de trabalho poderia muito bem ser a pedra de toque para a constituição nacional de um grupo de peritos que aconselhasse os CFAE’s e o Ministério da Educação, na definição de Programas disciplinares, de Objectivos escolares e de Projectos educativos. Posto isto, bastava que esse grupo de peritos funcionasse em rede e emitisse pareceres técnicos, num claro apoio à decisão e à gestão. Neste quadro de referência crítico, incluo ainda a reflexão sobre o lugar da disciplina de Filosofia na escola contemporânea. Alguns artigos que compõem este livro apontam já um caminho, mas eu gostaria ainda de dizer que os professores de Filosofia têm de ser mais proactivos, ou seja, não podem esperar que seja o Ministério da Educação a concluir e a decidir que a disciplina de Filosofia é muito importante para o currículo do 9º ano, por exemplo. È necessário que existam estudos científicos que demonstrem esse valor/necessidade. A acrescentar a isto, já várias personalidades da sociedade portuguesa se manifestaram publicamente em defesa da importância da disciplina de Filosofia: Daniel Sampaio, Lobo Antunes, Ricardo Araújo Pereira, etc. Neste âmbito, só me resta desejar que os docentes de Filosofia participem mais nas Associações do sector e dinamizem projectos de intervenção. Referindo agora à Formação Contínua em concreto, podemos dizer que ela se assume hoje como uma excelente estratégia para fazer face aos desafios que as comunidades educativas nos colocam todas as semanas. Além disso, temos uma quantidade avultada de informação disponível, à distânica de um simples clic. O difícil agora, é seleccionar o essencial. E neste contexto, a categoria do «importante» veio revalorizar, na minha óptica, a área da Filosofia Aplicada, nas suas mais diversas vertentes, desde a Filosofia para Crianças à Consultoria Filosófica, passando pela Bioética, pela Filosofia da Música, pela Ética Empresarial e Desportiva, etc. As necessidades da sociedade contemporânea têm vindo a reclamar a intervenção da Filosofia Aplicada, e isto significa que os Filósofos têm de recuperar o espírito presencial e interventivo que outrora já tiveram, comentando e agindo sobre os problemas do quotidiano pessoal e social. Como diz o professor Francisco Sérgio de Barros, no seu artigo “A Filosofia no Divã”, não faz sentido que num debate televisivo sobre um determinado tema da sociedade portuguesa, não esteja presente um Filósofo entre os convidados. A Filosofia Aplicada é uma área que tem crescido bastante nos últimos anos. Em 2004, quando participei na fundação da Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, não imaginava que fosse tão célere. Vários foram os factores que contribuíram para este boom. Alguns deles são abordados nesta obra, não apenas como gesto de pura reacção às provocações filosóficas realizadas ao longo das 25 horas do Curso, mas também como forma de expressar o elevado grau de reflexão que circula nas Escolas Portuguesas. Numa época de crise, em que as pessoas sentem maior dificuldade em investir no novo e diferente, esta obra é o resultado de uma parceria entre diferentes entidades e do espírito empreendedor dos actores envolvidos. Para mim é uma prova do elevado estatuto que o professor do ensino secundário tem, contrariando assim uma imagem social que, nos últimos anos, tem vindo a ser, erradamente, ficcionada… Tenho para mim que o professor é um profissional de elavada competência e a quem está a ser exigido o impossível: salvar a humanidade da crise. Todos os artigos que agora vêm à estampa, reflectem sobre o tema do Curso: «O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada - Projectar a Felicidade na Escola». Alguns docentes preferiram reflectir sobre o estado actual do mundo; outros focaram a sua atenção na

relação entre o modo tradicional de ver a Filosofia e o modo empreendedor de fazer Filosofia. Teria sido interessante ver uma reflexão sobre como poderia ser uma aula de Filosofia sobre a Felicidade. Quais seriam as reacções dos alunos? Que enquadramento téorico poderíamos atribuir ao tema, no âmbito do Programa da Disciplina? Que interesse teria essa abordagem para o trabalho global do docente na disciplina e com a turma e na Escola em geral? Termino esta introdução com uma útima tentativa para o motivar para a leitura desta importante obra: a figura do Consultor Filosófico pode ser bastante útil no Gabinete de Apoio ao Aluno. Já tinha pensado nisso? Alguns artigos dão resposta a esta questão. Boa leitura! Quarteira, 8 de Julho de 2010.

Do enquadramento da consultoria filosófica na história da filosofia à urgência de uma filosofia aplicada à vida Henrique Miguel Martins da Costa Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Carvalhais/Mirandela Área de Integração e Cidadania e Mundo Actual e Equipa da Biblioteca Escolar

Insurgindo-se contra o sistema hegeliano e contra o paradigma da filosofia puramente especulativa, Kierkegaard (2009) surgiu na história da filosofia como um grito de alarme que urge não descurar. Ao filósofo dinamarquês, mais do que as potencialidades teóricas da filosofia, ostentadas, sobretudo, na Modernidade, interessava o eu, o ser humano, único e irrepetível, aquele que nos interpela ininterruptamente e que constitui um imperativo ético. Kierkegaard constitui-se, portanto, como um filósofo da ruptura – é fundamentalmente a partir dele que a filosofia se reantropocentraliza, debruçando-se sobre a condição humana. Precursor do movimento existencialista, que viria a atingir o seu expoente máximo após a Segunda Guerra Mundial, Kierkegaard concebia a filosofia como um meio para a compreensão da singularidade, vislumbrando na filosofia um cariz prático. Não podemos, contudo, acreditar que Kierkegaard ou mesmo os seus sucessores existencialistas lograram dotar a filosofia prática ou aplicada da mesma dignidade da filosofia teórica ou especulativa. E é neste sentido que, hoje, persiste o desafio de colocar a filosofia ao serviço da pessoa. De facto, se, outrora, estava diluído nos grandes sistemas filosóficos, hoje, absorto num fenómeno de globalização aliado a uma técnica imprudente e a um hedonismo desenfreado, o eu é um peregrino solitário e moribundo em busca do seu lugar no mundo. Ora, a filosofia tem – ou, pelo menos, deveria ter – por missão responder às angústias e inquietações humanas e é nesse sentido que o paradigma da filosofia aplicada se reveste de especial relevância. A acção de formação dinamizada por Jorge Dias, intitulada O Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola, pressupôs precisamente o papel activo que a filosofia deve ter na procura de soluções para problemas filosóficos do ser humano, entendendo-se por problemas filosóficos as situações de dúvida que limitam a procura de sentido na vida. Com o intuito de cumprir tal desiderato, Jorge Dias (2006) considera que a consultoria filosófica, baseando-se numa análise racional de conceitos e de valores, deve procurar dotar o consultante das competências necessárias à concepção de um projecto de vida. O Método PROJECT@, concebido por Jorge Dias, reconhece, efectivamente, a importância da definição de um projecto de vida na resolução do problema filosófico do consultante. Não se constituindo como algo exterior ao sujeito, nem como uma simples representação do futuro, do possível, o projecto é o próprio Homem, o Dasein, tal como preconizava Heidegger (1986), um possível a transformar em real, fornecendo ao agente, antes da acção, uma imagem do seu resultado e da estrutura das operações que possibilitam a obtenção desse resultado. Constituindo-se a felicidade como a ideia que deve nortear o projecto de vida de cada um, é legítimo afirmar que a solução para os problemas filosóficos dos consultantes reside num sentido que apenas pode ser alcançado mediante a elaboração de um projecto pautado pela ideia de felicidade. Partindo do pressuposto que considera a definição de um projecto de vida que visa a felicidade como a condição de possibilidade do sentido e reflectindo sobre o papel dos professores nas escolas, pode-se concluir que a educação para a felicidade deve animar os programas curriculares, nomeadamente no que respeita à disciplina de Filosofia. Se, para alcançar a felicidade, é necessária a consciência do sentido e a posse de um projecto de vida, o consultor filosófico desempenha um papel fundamental na medida em

que indaga pelo projecto de vida do consultante. Contudo, nessa indagação, o consultor não coloca o consultante no registo da comparação, recusando, deste modo, uma abordagem horizontal dos seus problemas filosóficos e qualquer tipo de categorização, procedimento típico no âmbito da psicologia. Pelo contrário, o consultor filosófico entende que apenas pelo aprofundamento do conhecimento do consultante (abordagem vertical) é possível ser bem sucedido na missão de dotar este da autonomia necessária à concepção de um projecto de vida. É no sentido em que o consultor filosófico prefere a abordagem vertical do consultante em detrimento da abordagem horizontal que considero que a relação existente entre consultor e consultante se aproxima da meta-ética levinasiana que supera a concepção de Ricoeur (1996) do outro como um si mesmo. Com efeito, Lévinas (1994), ao conceber o outro como um rosto, um enigma, uma alteridade e uma singularidade absolutas, um mestre, um acima e para além do eu, retira a relação eu/outro do plano da mera igualdade e da mera comparação para afirmar que a relação eu/outro se situa no plano da absoluta dissimetria, em que o outro é o superlativo. Ao sobrepor o cuidado pelo outro ao cuidado de si, reconhecendo o absurdo ontológico de um eu que é responsável antes de ser, de um eu que, antes de ser, já é para outrem, a meta-ética levinasiana revela-se, segundo o meu ponto de vista, como o mais sublime modo de perspectivar (a relação com) o outro, fundando, definitivamente, uma obrigação ética perante a alteridade. Neste sentido, afirmar a proximidade existente entre a relação consultor/consultante no âmbito da consultoria filosófica e a relação eu/outro da meta-ética levinasiana significa reconhecer no consultor filosófico, não apenas um conjunto de competências de consulta, mas também um conjunto de competências filosóficas, dado que o modo como concebemos (a relação com) o outro não deixa de ser, em si, um problema filosófico. A consultoria filosófica, tal como ela é concebida por Jorge Dias, ao defender que a solução para os problemas filosóficos implica a elaboração de um projecto que, procurando a felicidade, confira sentido à vida, aproxima-se igualmente da concepção boeciana de filosofia, presente n’A Consolação da Filosofia. De facto, Boécio (1998), ao estabelecer uma identificação entre filosofia, medicina e logos, apela à necessidade de trazer à razão quem sofre, residindo a cura na palavra, no sentido, na filosofia. Ao afirmar que “todo o projecto, enquanto antecipação intencional do futuro, supõe uma certa independência relativamente à circunstância actual”, Jorge Dias (2006, p. 203) encontra-se na linha de pensamento boeciana que advoga a importância, para a consolação daquele que sofre, de um certo afastamento face à circunstância causadora do sofrimento. A concepção boeciana de filosofia revela-se inclusive como precursora da logoterapia contemporânea, inaugurada por Viktor Frankl (1990), na medida em que ambas procuram auxiliar o ser humano na procura incessante de um sentido para a sua vida, mesmo quando esta, porque imersa na dor e no sofrimento, parece carecer de significado, através da palavra e da reflexão. Com efeito, quer a concepção boeciana de filosofia, quer a logoterapia de Frankl, quer a consultoria filosófica, procuram consciencializar o indivíduo, que carece e padece de um sentido para a sua existência, da sua responsabilidade perante uma determinada circunstância. De facto, não compete nem ao logoterapeuta, nem ao consultor filosófico, a elaboração de juízos de valor que, sob a forma de argumentos, visem persuadir o consultante a agir de determinado modo. A tarefa da filosofia, tal como a da logoterapia, consiste em assistir o ser humano no processo de procura de sentido para a sua vida. A ambas cabe a função de ampliar o horizonte do consultante, para que este possa ter consciência da panóplia de sentidos da e para a existência. Assim, inerente às práticas da logoterapia e da consultoria filosófica encontrase a máxima socrática que convoca o ser humano para a constante missão de se conhecer a si próprio.

Contudo, não é legítimo afirmar uma total proximidade entre os princípios da consultoria filosófica e os princípios da logoterapia de Frankl, visto que entre ambas existem também inultrapassáveis diferenças. Com efeito, a logoterapia, ao dar ênfase à noção de neurose, distancia-se dos princípios da consultoria filosófica. A logoterapia de Frankl considera, de facto, que, ainda que o que, primeiramente, motiva o ser humano seja a sua ânsia de sentido – tal como a consultoria filosófica admite – a procura humana de um significado para a sua vida pode desembocar numa frustração existencial que, por sua vez, pode converter-se em neurose. Frankl denomina o tipo de neurose resultante da frustração existencial por neurose noogénica, precisamente em virtude de ter origem na dimensão mental e espiritual da existência humana. Ora, é na medida em que se assume como prática capaz de combater as neuroses que a logoterapia se afasta dos princípios da consultoria filosófica, dado que esta não pretende funcionar como uma terapia, até porque isso significaria pressupor a existência de uma doença. Em suma, a logoterapia de Frankl e a consultoria filosófica aproximam-se na medida em que ambas valorizam a procura individual de um sentido da e para a vida, afastando-se no que respeita ao caminho capaz de cumprir o objectivo do qual comungam: o logoterapeuta valoriza, no processo de procura de sentido, a noodinâmica enquanto “dimensão espiritual no interior de um campo de tensão bipolar, na qual um pólo é representado pelo significado que deve cumprir-se e o outro pólo pelo homem que deve cumpri-lo” (Frankl, 1986, p.105), constituindo-se a noodinâmica como um processo indispensável à concretização de um dos principais objectivos da logoterapia – a saúde mental; o consultor filosófico, do modo como ele é concebido por Jorge Dias, valoriza, no processo de procura de sentido, o projecto de vida, orientado pela ideia de felicidade. Hoje, a filosofia tem uma má reputação. O seu estatuto encontra-se nos antípodas do estatuto da filosofia na ágora. A filosofia há muito que perdeu o seu ceptro, envergonhada na praça pública pela pujança das ciências exactas, desejando-se com voracidade que todos os saberes adoptem o método experimental característico das ciências naturais. A filosofia deixou de ser o motor da história ou o saber totalizante na busca do sentido, passando a ser, quanto muito, um capricho de uma elite nostálgica. Hoje, o pensamento calculador sobrepõe-se ao pensamento meditante (Heidegger, 1966). Ora, neste contexto históricocultural, a afirmação da importância do filósofo na tarefa de auxiliar cada membro da comunidade a conhecer-se e a procurar a felicidade assume uma dimensão revolucionária, abrindo vastos horizontes ao campo de intervenção filosófica, combatendo o nihilismo e o vazio existencial, mediante a valorização do projecto de vida. A consultoria filosófica, estando ao serviço do paradigma da filosofia aplicada, surge, deste modo, com uma auréola de pertinência inquestionável, daí que a acção de formação O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola, dinamizada por Jorge Dias, assuma especial relevância no meu percurso como professor – e eterno aprendiz – de Filosofia. É precisamente da escassez de pensamento meditante, diagnosticada nas sociedades hodiernas, que brota a necessidade de uma ressurreição da filosofia, ou seja, a filosofia é, hoje, talvez mais do alguma vez o foi, indispensável na exacta medida em que ela, hoje, talvez mais do que alguma vez, escasseia. Assim, mais do que a transmissão de meras teorias, mais ou menos empoeiradas pelo tempo e pela memória, urge colocar a filosofia, nas sociedades e nas escolas, ao serviço da felicidade humana. Não pretendendo desembocar em qualquer moralismo ou lirismo, considero que compete à filosofia indagar por um mundo melhor, mediante a diligência de uma reflexão crítica que, mediante uma atitude dialógica, rompa com a indiferença e a alienação. Não tenho a pretensão – nem a presunção – de afirmar um carácter messiânico da filosofia; porém, considero que ela não pode escapar à sua responsabilidade, enquanto lugar de meditação e de demanda ininterrupta pela felicidade, perante a Humanidade.

Bibliografia Boécio, S. (1998). A consolação da filosofia. (W. Li, Trad.). São Paulo. Martins Fontes. Dias, J. (2006). Pensar bem – viver melhor. Filosofia aplicada à vida. Lisboa. Editorial Ésquilo. Frankl, V. (1986). El hombre en busca de sentido (7ª ed.). (Dorki, Trad.). Barcelona. Editorial Herder. Frankl, V. (1990). Logoterapia y análisis existencial. (J. A. P. Diez, et al., Trad.). Barcelona. Editorial Herder. Heidegger, M. (1966). Sérénité in Questions III. (A. Préau, Trad.). Paris. Gallimard. Heidegger, M. (1986). Être et temps. (F. Vezin, Trad.). Paris. Gallimard. Kierkegaard, S. (2009). Temor e tremor (5ª ed.). (M. J. Marinho, Trad.). Lisboa. Guimarães Editores. Lévinas, E. (1994). Les imprévus de l’histoire. Paris. Fata Morgana. Ricoeur, P. (1996). Sí mismo como otro. (A. N. Calvo, Trad.). Madrid. Siglo Veintiuno de España Editores.

CONSULTORIA FILOSÓFICA: Porque Não? Maria Otília Monteiro Afonso Escola Secundária Abade de Baçal Filosofia A pós-modernidade criou a “Sociedade da Informação” orientada para uma espécie de “Fast-Food do conhecimento; lemos, visionamos filmes e vídeos, assistimos a reportagens e telejornais de modo ligeiro e passivo, quase leviano. O simulacro de Filosofia dos programas televisivos do “Fantástico”, utilizando o recurso da super-exposição do conteúdo, impede o nosso mecanismo psico-cerebral de analisar e sintetizar as catadupas de informação com que somos constantemente bombardeados. O sonoro, o vivido e o colorido, mais do que imperar, escravizam a sensibilidade e a mente. A Indústria Cultural tornou largamente acessíveis as artes. Não obstante, perverteu o seu radical sentido, olvidando o seu aspecto de reflexão intensiva de leitura do mundo, presente na significação da obra: lemos por prazer, vemos filmes para relaxar, ouvimos música para descansar e vamos a museus com a mesma displicência com que passearíamos nos jardins de Epicuro. É, por isso, uma “sociedade Light” associada a um conceito “Light”de cultura, de saber e de praxis. Uma sociedade onde o fluir e o acontecer decorrem a velocidade vertiginosa que, se por um lado, tudo reduz à banalidade imediatista, por outro, e em consequência, remete para as calendas a boa, velha, útil e inestimável reflexão crítica. A Filosofia parece desajustada: não combina com a cultura da pressa; exige um tempo, uma disponibilidade, uma atitude e disposição pouco consentâneas com o modo pouco avisado de estar, viver e entender o presente. O conselho cartesiano para evitar a presunção e a precipitação é um pretérito mais-que-perfeito. A natural mediatização da sociedade actual tende a marginalizar a Filosofia e o filosofar. A temática da vida e os novos problemas congregados como: os novos modelos familiares, a educação e os valores, a divisão da riqueza, os regimes políticos, a justiça, a liberdade, prescindem ostensivamente da Filosofia como ferramenta de abordagem e elucidação. Não contente, o espírito pragmático, consumista e tecnocrata enraizou-se na escola e, juntando “útil e agradável”, baniu o mais possível a Filosofia dos currículos. O sinal foi trocado: de repente, o importante é produzir uma massa anónima e essencialmente passiva, homens alienados majorando a capacidade de produção em detrimento do pensar. Temporalmente, tem vindo a perspectivar-se uma existência inautêntica pautada pelo vazio, pela “leveza de todos os seres”, pela “ilusão tornada realidade”: manipulação, desfaçatez, simulacro. Yaspers denuncia a cilada afirmando: “Um instinto vital, ignorado de si mesmo, odeia a filosofia. Ela é perigosa. (…). Se eu a compreendesse, teria de alterar a minha vida. Adquiriria outro estado de espírito, veria as coisas a uma claridade insólita. Melhor é não pensar filosoficamente. Muitos políticos vêem facilitado o seu nefasto trabalho pela ausência da filosofia. Massas e funcionários são mais fáceis de manipular quando não pensam, mas, tão-somente usam de uma consciência de rebanho.”( Jaspers, 1971 p.138)3 A desvalorização da Filosofia passa, não raramente, pela subalternização que a reduz a mero resíduo, quase dissonante, do real. A Philia pelo saber deu lugar à antipatia, à arrogância, à recusa de tudo o que ultrapasse a mera opinião. A douta máxima Bachelariana ”a opinião pensa mal, ela não pensa: traduz necessidades em conhecimentos ”, aproxima-se do risível. A alegoria permanece, o interior da caverna está aí, presente nos olhos saciados de escuridão, perante os “Eikon”que não deslumbram, mas agrilhoam à ignorância vaidosa quem 3

JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 138.

não teria hesitado em executar Sócrates outra e outra vez. “Quanto mais vaidades se ensine, menos os homens estarão arriscados a se tocarem pela luz da filosofia. (…), os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente da vida, a apreciação da ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias... tudo isso proclama a anti-filosofia”.( Jaspers, 1971 p.138)4 O Homem, obrigado a viver num mundo assimétrico de contrastes e de gritante superficialidade, estranha conceitos como pessoa, dignidade, dever, civilidade, autenticidade, vida. Na tábua de valores, o TER sobrepôs-se ao SER; a essência diluiu-se. Inequivocamente, a tese de Rousseau continua válida: “O homem nasceu livre, e em toda parte se encontra sob ferros. De tal modo acredita-se o senhor dos outros, que não deixa de ser mais escravo que eles”. (Rousseau, 2002 p.5) 5 Escravo dos seus instintos, da afirmação profissional, dos outros, carente de força autonómica cai, frequentemente, nas malhas do desencanto, da apatia, da fuga, esquecendo que a Vida é “uma missão e um posto que não podemos abandonar voluntariamente”(Platão, p. 7) 6 Instala-se a tristeza, o desânimo, a infelicidade: eis que chega o momento do PROZAC! Malgrado os condicionalismos, Sartre lembra: “O importante não é o que fazem do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele.” Por não ter um destino traçado - apesar do inexorável - o Prozac não é “O Caminho”, vias nobilitadoras e capazes de refazer o acesso ao horizonte de sentido se perfilam: Filosofia Prática/ Aconselhamento Ético e Filosófico, cuja finalidade reside no apoio aos processos de autonomia e libertação, direccionando na compreensão holística dos problemas e da vida individual ou/e colectiva. Sem ser exactamente novo, este paradigma nem é psicoterapia nem psicanálise, todavia, usando estratégias diferentes, procura igualmente assegurar o bem-estar do consultante. Demanda diferenciadamente o(s) problema(s) da pessoa, desconstruindo-o(s) pelo questionamento, pela conceptualização, pela clarificação, restabelecendo o sentido que em idêntica proporção apazigua e incita. O consultante tem estatuto de ser uno e singular, irrepetível, logo refractário à subsunção em qualquer teoria. Gerd Achenbach diferencia claramente os conceitos em análise: ”Enquanto que a visão psico-lógica é treinada para reconhecer o especial de forma especial, sobretudo psicogénica, que é psiquicamente causada por fatalidades (o psicólogo e o psicoterapeuta é um especialista, e se não é um especialista, é um diletante), o Praticante de Filosofia é, para usar um paradoxo, especialista do não-especial, seja ele geral e claro (mesmo para a rica tradição de pensamentos sensíveis), seja ele contradição e desvio, seja ele – com especial ênfase – o indivíduo e único”.7 A Filosofia é naturalmente plural, por isso, desde o último quartel do sec. XX têm vindo à luz diversas nomenclaturas para o tema: Filosofia Prática, Aconselhamento Ético e Filosófico, Consultoria Filosófica… Afinal o que é Consultoria Filosófica? A resposta varia consoante a abordagem, a orientação ou a metodologia. Segundo Achenbach, “É uma instituição para pessoas que são torturadas por sofrimentos/tristezas e problemas, que não conseguem lidar com a vida ou que sentem dificuldades em sair do problema; que têm questões de difícil resolução ou gestão; que sentem um vazio, uma ausência de sentido – um desencontro entre o presente a as suas 4

JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 138. Rousseau, Jacques, Contrato Social Acedido a 1-5- 2010, In http://www.scribd.com. 6 Platão, Fédon, PDF, Acedido em 2-5-2010 http://www.cfh.ufsc.br.pdf 7 Citado em : Manual de formação e Textos de Apoio, Dr. Jorge Humberto Dias, Curso de Formação Contínua para Professores «o novo paradigma da filosofia aplicada: Projectar a felicidade na escola», Realizada em Bragança em 7,8,9 de Abril de 2010 5

potencialidades.” Já Tim Lebon defende que é: “(…), um tipo de aconselhamento que utiliza pensamentos e métodos filosóficos para ajudar as pessoas a pensar em assuntos de relevante interesse para as suas vidas. (…), tais como sentido da vida, problemas de relacionamento, conflitos e dilemas éticos.”8 Em 2002, Peter Raabe considerou o consultor filosófico como: “Um filósofo formado e especializado (competências práticas) que ajuda um indivíduo a lidar com um problema ou um assunto de extrema importância para ele.”9 Pese embora diferenças de pormenor, o Aconselhamento, denominado por Jorge Humberto Dias “terapia para saudáveis”, propõe-se tornar o sujeito consciente do seu pensamento, dos seus valores e também do(s) seu(s) projecto(s) biográficos. Não corresponderá tanto a um trabalho ao nível do simbólico, mas antes ao nível da articulação racional: um processo analítico, hermenêutico, fenomenológico do pensamento e da acção vertidos em forma de compreensão da e na VIDA. Esta preocupação não é de hoje, poder-se-ia dizer que emerge com o nascimento da Filosofia. Os programas educativos das Escolas de Filosofia, como o Pitagorismo, a Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles ou a Escola Estóica, tendiam para o despertar e desenvolvimento do princípio luminoso da razão na alma humana. Mais, promoviam a formação do carácter dos discípulos, para poderem enfrentar a vida com valentia e inteligência, conhecendo a mecânica desta mesma vida e, deste modo, não serem seus escravos, mas sim seus donos. As Escolas de Filosofia outorgavam simultaneamente a mestria na arte de viver, concedendo ao género humano a sua dimensão verdadeira e quase divina. Perspectivando, para o homem clássico, a vida bem vivida/reflectida consubstanciava a excelência da sabedoria, a Eudaimonia (Virtude e Felicidade). Ao Consultor Filosófico solicita-se a prática conjunta da Filosofia. Não enquanto actividade teórica, solitária, distanciada da realidade, quase iniciática, inacessível ao comum dos mortais, mas como uma outra forma de realizar Filosofia a que o seu mais antigo patrono, Sócrates, executou, quando, na ágora, convidava os seus concidadãos ao questionamento a um tempo anti-demagógico e exigente. Da sua douta ignorância lançou-nos o repto do LOGOS, enquanto livre exame aplicado à análise (des)comprometida da vida moral e ética. O Mestre privilegiou a pergunta, visto que “se nada sabe, nada pode responder”. A consulta é o lugar privilegiado do questionamento focado em QUESTÕES de ordem vivencial, existencial, particular/geral, associadas “ao ser e à sua circunstância”. A inquietação filosófica faz emergir em cada época as perguntas do seu tempo, a demanda actual passa exemplarmente por: “Quais são as nossas responsabilidades pessoais para com os pobres? (…) Será legítimo usarmos papel não reciclado? (…), porque nos havemos de preocupar em agir de acordo com princípios morais? Problemas, como o aborto e a eutanásia, (…) podem surgir na nossa vida a qualquer momento. São temas de preocupação actual sobre os quais todas as pessoas precisam de reflectir”.10 Pergunta/Resposta vivas, de tom oralizante, oferecem-se-nos como manancial de “verdade singularmente vívida” eximindo-se à tradução em discurso escrito: tese, aliás, anciã dirigida por Sócrates a Fedro. “Tu bem vês que aquele que conhece o justo, o bom e o verdadeiro não (…) usará um caniço [papiro] para semear os seus discursos, pois eles se mostrarão incapazes de ensinar eficientemente a verdade.” 11 . Por conseguinte, a natureza discursiva da “PHRONESYS” é oral. É pela via do diálogo que a Filosofia virá a ser um fazer-se, sendo que a tarefa envolverá dialecticamente Consultor e Consultante. O diálogo expressa a relação Logos/Linguagem, pela qual o ser humano se vai tornando um animal racional: pela fala não só 8

Ibidem Ibidem 10 Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, Filosofia Aberta, Lisboa, Setembro 2002 9

11

Platão, Fedro. Tradução: Carlos Alberto Nunes - acedido em 28-4-2010 - htpp://www.cfhufsc.br

comunica fluentemente, mas, também, objectiva e revê as suas acções. O objectivo do diálogo é, além de tudo, buscar entender e construir uma concepção de mundo que seja conjunta. Neste ponto de vista, Gadamer defende que a palavra “é fruto do pensamento, é o futuro e o passado, é a direcção e o caminho e vai muito além do ser que a pronuncia.” O diálogo perpassa no âmbito do questionar e no de responder, no falar e no ouvir, no sentir e no saber. Pela palavra se aspira, assim, à concretização da délfica máxima e também divisa socrática: “Conhece-te a ti mesmo”, da qual terá dito Nietzsche: ”Não há maior Ciência”. A auto-consciência será, porventura, o maior e paradoxalmente o mais penoso desiderato da interacção dialógica entre consultante/consultor. O Consultante é pessoa e tem: “um carácter programático, projectivo, que não é algo que meramente lhe aconteça, mas que a constitui. A pessoa não ‘está aí’, nunca pode como tal estar aí, está ‘vindo.” 12 (Marias, 1971, p.36) Não é nunca uma realidade conclusa e determinada, é uma criatura de muitas e variadas experiências, cada experiência é uma peça no “quebra-cabeças da vida”. É, portanto, necessário que integre as suas muitas experiências, até formar um quadro unificado, condição sine qua non de presença de si em si mesmo. Quando “ocorre o perigo de negar o ideal de uma vida natural e razoável”13 (Marías, 1971, p.36) o Consultor Filosófico tem por missão co-inventar uma interpretação autêntica e abrangente, que confira à actividade experiencial do seu interlocutor, o nexo e a lógica capazes de a tornarem não só aceitável, mas sobretudo apetecível e com perspectiva de futuro. O desiderato de veracidade, implica analisar a vida numa perspectiva holística, a partir da sua realidade histórica, indagando cada elemento, as suas conexões e justificações frente ao todo que lhe dá direcção e sentido. O Homem e a Vida são PROJECTO e a sua realização implica e afecta a convivência e a felicidade, um ‘impossível necessário’14 (Marías, 1971,p.229): impossível porque a felicidade é instável e irrevogável; não é inteiramente perdurável, apesar do seu carácter fortuito, é necessária para todo e qualquer projecto vital, constituindo-se como a primacial fundamentação das trajectórias biográficas. Destarte, a Consultoria Ética e Filosófica estatui-se como aplicação dos princípios da Filosofia aos problemas quotidianos da vida pessoal, social e profissional. O Consultor será um facilitador que conduz o Consultante, por via da oralidade, à consciencialização dos seus projectos, apoia e aprimora a sua Filosofia, motivando-o a aprender a viver melhor, a autonomamente concretizar o desiderato de SER FELIZ, construindo-se como PESSOA. Em jeito de síntese: se abandonar a ingenuidade do senso comum for útil; se não se deixar guiar pelas ideias dominantes e pelos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se compreender o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós os meios para ser consciente de si e das suas acções numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil; então podemos dizer que a FILOSOFIA é o mais útil de todos os Saberes de que os Seres Humanos são Capazes.15 (Chaui, 2000, p.17) 12

MARÍAS, J. Antropologia metafísica. Tradução de Diva Ribeiro de Toledo Piza. São Paulo: Duas Cidades, 1971 13 Ibidem 14 Ibidem p.229 15 Chaui, Marilena, Convite à Filosofia, São Paulo, 2000, Acedido em 1-5-2010 - http://www.cfh.br.

Bibliografia GADAMER, H.G. Verdade e Método II. Traduzido por Enio Paulo Giachini. Revisão de tradução de Márcia Sá Cavalcante. JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971. MARÍAS, J. Antropologia metafísica. Tradução de Diva Ribeiro de Toledo Piza. São Paulo: Duas Cidades, 1971 MARÍAS, J. A felicidade humana. Tradução de Diva Ribeiro de Toledo Piza. São Paulo: Duas cidades, 1989. MARILENA Chaui, Convite à Filosofia Ed. Ática, SãoPaulo, 2000. http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/convite.pdf Curso de formação contínua para professores «o novo paradigma da filosofia aplicada: Projectar a felicidade na escola», Manual de formação e Textos de Apoio, Dr. Jorge Humberto Dias. http://br.egroups.com/group/acropolis/ Fédon, Platão http://br.egroups.com/group/acropolis/ Fedro, Platão

.

Repensar a Filosofia na Escola a partir da “Filosofia Aplicada” Valdemar dos Santos Roca Escola Secundária Emídio Garcia Filosofia Há, entre mim e a Filosofia Prática, uma coincidência no tempo. O movimento da Filosofia Prática teve origem na década de 80, na Alemanha, por iniciativa de Gerd Achenbach. (1) Nessa mesma década, iniciei a minha actividade como professor. Desde então, são dois os momentos de contacto com os resultados deste movimento. Um, a partir da leitura de “Mais Platão Menos Prozac” de Lou Marinoff, e o outro, com a participação na Acção de Formação: “O novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola,” orientada pelo Professor Jorge Humberto Dias. Foi esta, uma lufada de ar fresco, neste momento conturbado por que estamos a passar em vários domínios da vida do país e sobretudo na educação. Neste meu percurso, merecem referência dois paradigmas de formação: a transmissão de conteúdos, prática que é reproduzida na sala de aula pelos professores formados nesse modelo, e o envolvimento no processo de filosofar: o que se busca é um professor filósofo. Aqui, o bom professor é aquele que faz da aula uma prática da filosofia. Este novo paradigma, implica uma prática formativa que não se esgota num curso ou disciplina académica. Exige cultivo e continuidade dessa prática, pelo professor, com os seus alunos e colegas de trabalho, sempre acompanhada do aprofundamento da experiência, pelo estudo e pela troca de experiências. É aqui que insiro “O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola”. Pelo conhecimento tratado, pela troca de experiências entre formandos, e, entre estes e o formador, foram estes dias momentos de reflexão, aprendizagem e enriquecimento metodológico, quer para o desempenho da actividade lectiva, quer para o desenvolvimento de projectos na escola. O texto que se apresenta, insere-se na reflexão provocada pelos elementos tratados na referida Acção. Não permitindo dar o salto para a Consultoria Filosófica, (a licenciatura em Filosofia não é suficiente para exercer a profissão de Assessor Filosófico) permite que o contacto com os novos conhecimentos e a experiência, trazidos por Jorge Dias, ajudem a colocar a Filosofia naquilo que sempre foi: “Prática”. A grande preocupação por responder, não só às questões intelectuais e espirituais, mas também aos problemas quotidianos, já a encontramos na Grécia Antiga. “Na origem, a filosofia era um modo de vida, não era uma disciplina académica – uma matéria que não se destinava apenas a ser estudada mas também a ser aplicada” (Marinoff, 2002, p. 22). Alguns académicos transformaramna numa “disciplina abundante de ideias, mas vazia de aplicações práticas”. (Marinoff, 2002, p. 22). Os tempos são de mudança. A Filosofia é alvo de um amplo reconhecimento ao nível institucional e internacional. O diálogo aberto e pluralista à escala mundial, sobre as relações das sociedades com o saber, promovido pela UNESCO, encontrará na Filosofia uma porta aberta para a sua concretização. A sua inclusão na formação geral dos cursos do ensino secundário, mostra o reconhecimento que lhe atribui a sociedade “como componente imprescindível da formação geral, da maioria dos jovens portugueses”. (2) “Embora filosofia e prática não sejam duas palavras que possam ser ligadas pela maioria das pessoas, a filosofia sempre serviu para equipar a mente dos seres humanos com ferramentas que eles podiam usar na vida corrente”. (Marinoff, 2002, p.21) Centrando-se a Filosofia Aplicada no Aconselhamento Filosófico, “um tipo de aconselhamento que utiliza pensamentos e métodos filosóficos para ajudar as pessoas a pensar em assuntos de relevante interesse para as suas vidas”, (3) este, será realizado

num gabinete, pelo Conselheiro Filosófico, que terá perante si o Consultante, “o cliente”. “A relação entre Conselheiro e Cliente é fundamental para o processo, embora o objectivo final da intervenção seja a autonomia do cliente.” (Dias, 2006, p.28). Em geral, o Conselheiro trabalha as várias dimensões da vida e do pensamento do cliente. Na sala de aula, lugar onde se desenvolve o trabalho filosófico, temos o professor e os alunos. “O trabalho da turma assenta fundamentalmente na análise de textos e outros documentos”. (2) Na aula de Filosofia, há um Programa para cumprir, definido por entidades exteriores. A prestação do aluno é definida por critérios, que avaliarão positiva ou negativamente a sua prestação. Da sua obrigatoriedade, advém a necessidade de pelo menos algum esforço e trabalho. Não podemos esquecer, que este Programa é na sala de aula, acompanhado por um manual, organizado por autores, que aí colocam o seu cunho pessoal (sua visão do Programa). Nenhum Programa de Filosofia é neutro, como também nenhuma prática lectiva o deverá ser. A dificuldade em ensinar Filosofia está em adequar um Programa Nacional a um percurso filosófico pessoal e a alunos hoje pouco “ávidos de conhecimento”, numa sociedade que apresenta uma visão imediatista e anti-ética, pouco respeitadora de valores, onde tudo parece querer valer para obter resultados. Ser-se professor de Filosofia é, no contexto da sala de aula, apoiar o aluno no exercício e desenvolvimento das competências, não a partir da sua experiência pessoal (embora também), mas a partir das competências definidas pelo Programa. O texto programático evidencia a importância da disciplina de Filosofia para o objectivo de “aprender a viver juntos,” no seguimento das recomendações da UNESCO aos diferentes Estados membros, e, enfatiza a importância da autonomia do pensar, necessária para o cumprimento das grandes finalidades do ensino da Filosofia, que se orientam para a construção da cidadania, do viver em comum. O objectivo do Programa de Filosofia é desenvolver um conjunto de competências filosóficas nos alunos. A grande questão é como? As competências que deve possuir o Conselheiro Filosófico, apresentadas por Jorge Dias, (Dias, 2009, p.183-184) são: de consulta - “atenção”, “compreensão”, “síntese”, “objectividade”, “confrontação”, “motivação”, “explicitação”, “utilização do silêncio”, e filosóficas, como: “análise conceptual”, “reflexão sobre as redes conceptuais fundamentais”, “pensamento critico”, “exame de proposições”, “diálogo”, e às quais acrescenta as de Tim Lebon, (Dias, 2009, p.185) e (Dias, 2006, p.192) como “fenomenologia” e “pensamento criativo”. Competências essas, que qualquer professor de filosofia deve possuir, para oferecer ao estudante a ferramenta do pensamento crítico. O método IPSE, (Dias, 2009, p.188 e 189) com os seus 4 níveis, é uma óptima ferramenta para qualquer professor, com as devidas aplicações/adaptações ao contexto aula. A identificação dos problemas/questões; a colocação de perguntas filosóficas (e não filosóficas) de conceitos essenciais sobre esse problema/questão; a selecção dos conceitos fundamentais e a sua análise em todas as dimensões filosóficas, presentes no método IPSE, são passos imprescindíveis na caminhada a percorrer dentro da sala de aula. Competências necessárias para o enriquecimento das aulas, quer no 10º, quer no 11º ano. Merecem referência no 10º ano: O capítulo da «acção humana e os valores», e, no 11º ano os «temas problemas da cultura científico-tecnológica», inseridos no capítulo «Conhecimento e Racionalidade Científica e Tecnológica», bem como no tratamento de qualquer dos capítulos a desenvolver na Unidade Final, com especial relevo «A Filosofia e o Sentido». A ênfase colocada, quer no acompanhamento filosófico, quer na aula, é que a pessoa/aluno pense por si mesma, desenvolva a capacidade de filosofar autonomamente. “O conselheiro pretende «sugerir uma determinada reflexão» no cliente, e o apoio dado é no sentido de o tornar autónomo, responsável, consciente e mais livre”. (Dias, 2006,

p.30) A condução do processo é que varia. Quem decide o caminho a seguir no aconselhamento é o consultante, “qualquer pessoa que se depara com um problema filosófico ou que sente uma necessidade filosófica e recorre a uma consulta filosófica”.(4) O conselheiro orientá-lo-á a seguir o seu próprio caminho, não lhe impondo conteúdos que ele mesmo não deseje. Para além da leccionação, os conteúdos e materiais fornecidos na Acção de Formação, abrem novas perspectivas de utilização da Filosofia na escola: a criação de um Clube de Ética e/ou um Gabinete de Aconselhamento Ético e Filosofia. (Dias, 2006, p. 111) Mesmo sem utilizarmos a terminologia “Filosofia Prática” e sem os conhecimentos de “didáctica de consultoria” na Escola, a reflexão decorrente da Acção de Formação, trouxe-me à lembrança um projecto, resultante da necessidade de um tratamento, por um lado mais profundo, e por outro mais prático, liberto da carga horária imposta pelo programa, na Unidade: “Acção e Valores”, que em tempos propusemos na Escola e que se chamava “Clube de Ética”. Penso que por razões burocráticas na altura, (os dinamizadores dos clubes tinham direito a redução de horas na componente lectiva), em concorrência com os clubes de outras áreas também apresentadas, a escala valorativa dos decisores não deu cabimento ao Clube de Ética. Hoje a situação é diferente, o que não deixa de comportar muitas dificuldades para a sua implementação. Existem clubes mais “práticos”, que na sua execução envolvem um critério seleccionador: dispensam a actividade do pensar. O funcionamento dos Serviços de Orientação e Psicologia, um parceiro que penso necessário para as actividades práticas da Filosofia na escola, exige de nós, professores de Filosofia, uma capacidade de diálogo, no sentido de se encontrar em conjunto um plano de actuação, e a afirmação de que fazer filosofia é uma necessidade humana básica para poder lidar, de maneira inteligente, com os desafios e conflitos da vida do ser humano. Ajudar a responder às perguntas “que pessoa quero ser?” e “em que mundo quero viver?”, construindo um projecto de vida no tempo, considerando as condições individuais, sociais e culturais, é um desafio diário que se coloca ao professor de Filosofia. É um esforço na direcção da busca de uma vida boa e feliz. _______________________ Notas 1 ( ) Material fornecido na Acção de Formação:“O novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola” e Dias, J. (2006). p.45-55. (2) Programa da disciplina de Filosofia. (3) Lebon, T. Definição de Aconselhamento Filosófico. Texto 4. Material da Acção de Formação: “O novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola”, disponível em http://cfaebn.com/ (4) Dias, J. Definições básicas. Material fornecido na Acção de Formação:“O novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola” disponível em http://cfaebn.com/

Bibliografia: Dias, J. (2006). Pensar Bem, Viver Melhor. Filosofia Aplicada à Vida. Lisboa. Editorial Ésquilo. Dias, J. e Rastrojo, J. B. (2009). Felicidad o Conocimiento? Sevilha. Doos Ediciones. Marinoff, L. (2002). Mais Platão Menos Prozac. Lisboa. Editorial Presença. Dias, J. (2010). O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola. Acedido a 23 de Abril de 2010, IN http://cfaebn.com/ Dias, J. (2010) TEMAS/PROBLEMAS DO MUNDO CONTEMPORÂNEO Textos de aprofundamento. Acedido a 23 de Abril de 2010, IN http://cfaebn.com/ Faria, D. (2010). Filosofia Prática. Entrevistas. Acedido a 10 de Maio de 2010, IN http://blog.domingosfaria.net/2009/08/filosofia-pratica.html.

FELICIDADE - Um novo paradigma? Luís Filipe Moutinho do Couto Escola Secundária de Vila Real de Santo António Filosofia, Área de Integração e Formador de RVCC No presente ano (dois mil e dez) despertei para o significado de um conceito presente na minha vida, mas que nunca havia pensado, reflectido acerca do mesmo: FELICIDADE. Claro que neste momento questionar-me-ão: Mas nunca pensaste na tua felicidade? Responderei. Evidentemente que sim. Apenas foi-me permitido que olhasse para esse conceito de uma perspectiva que, até então, ainda não se figurava no meu horizonte. O causador foi o Dr. Jorge Dias 16 , pois passou a apresentar-me o conceito de felicidade a partir de uma fórmula: P (projectos) + C (concretização) = Felicidade. Se olharmos para o dia-a-dia, observamos a presença de ideias menos claras acerca do que é a felicidade: contentamento por algum acontecimento, estar alegre. Se tomarmos a felicidade pelos significados apresentados, parece redutor, pois advêm daí algumas questões: Poderei estar triste e ser feliz? Poder-me-ei encontrar alegre e infeliz? Se equacionarmos a felicidade por alegria, contentamento, as duas questões parecerão contraditórias, ou seja, não posso ser infeliz/triste e ser feliz/alegre aos mesmo tempo e sob o mesmo aspecto17. Porém, se entender o conceito de felicidade pela fórmula apresentada previamente (P + C), parece que as questões anteriormente apresentadas farão sentido. Isto é, se a felicidade é a concretização de um (ou vários) projecto (s), então, é possível que possa ter um sentimento de tristeza, mas seja feliz (os meus projectos estão a concretizar-se apesar de neste momento estar indisposto, cansado, …). Ou também será possível estar alegre (momentaneamente) e não ter concretizado nenhum dos meus projectos (a infelicidade, nesta perspectiva, será a não concretização dos projectos previamente estabelecidos). A partir daqui, sempre que me referir ao conceito felicidade, irei entendê-lo como a concretização dos projectos pessoais. Neste momento surge uma nova questão. Porquê falar, reflectir sobre o conceito de felicidade? Poderá alguma área de estudo contribuir para uma dinamização da felicidade? Sim. Esse é o ponto fulcral. Há uma área que tem os instrumentos necessários para poder auxiliar cada ser humano, individualmente, na busca dessa concretização. À partida, a Filosofia pode contribuir para que se verifique esse impulso. Pois, conforme afirmou Ludwig Wittgenstein “o problema da filosofia é tomarmos consciência da desordem dos nossos conceitos e pode ser solucionado se os ordenarmos”18. A filosofia poderá auxiliarnos para arrumarmos, devidamente, os nossos conceitos, os nossos mal entendidos, os nossos pseudo-conhecimentos e transformá-los em conhecimento mais rigoroso. Muitos seres humanos propagam uma ideia falaciosa do que é a filosofia. Consideram que ela e os seus seguidores têm as seguintes características: a) seres que vivem no mundo da lua; b) seres que pensam naquilo que não se deve; c) seres que 16

A referência ao conceito de felicidade enquanto concretização de projectos surgiu-me quando participei na apresentação do livro de José Barrientos Rastrojo e Jorge Humberto Dias intitulado Felicidad o Conocimiento? Aí acordei do sono e quis-me manter acordado. Para tal, participei numa acção de formação ministrada por Jorge Dias com o nome de O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola. 17 Estou a explicitar aqui o princípio de não contradição que afirma a impossibilidade de algo ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Não posso dizer que estou triste estando alegre. Poderei dizer, estou triste agora e anteriormente estive alegre. 18 Confrontar a citação na obra de MARINOFF, Lou – Mais Platão, Menos Prozac! Lisboa: Editorial Presença, 2003, p. 49.

complicam as coisas mais simples; d) que a Filosofia é teórica e que jamais será ou poderá ser prática. Ou seja, que a filosofia não serve rigorosamente para nada. Claro que esta é a análise mais superficial, menos rigorosa. De uma forma mais rigorosa, Peter Raabe apresenta a falta de conhecimento no potencial da filosofia. Ele afirma “para la mayor parte de las personas la Filosofía no tiene mucho sentido, hasta el dia en que son afectadas personalmente” (Dias e Barrientos Rastrojo, 2009, p. 118)19. Esse esbarrar com a Filosofia, surge no momento em que nos deparamos com um problema (existencial). Por problema existencial podemos entender todas aquelas questões pessoais relacionadas com a angústia (gerir a vida, gerir o confronto com a morte, gerir problemas de relacionamento com os outros, …), com frustrações (situações que se tinha previsto que decorressem de determinada forma e afinal não aconteceram, projectos não concretizados), … Ou seja, toda a inquietação pessoal que seja para mim um problema e para o qual não consigo responder, a filosofia pode auxiliar. A área da Filosofia que procura responder a estes problemas é a do Aconselhamento Filosófico. A ideia de Aconselhamento Filosófico ou Prática Filosófica surgiu com Gerd Achenbach em 1981. Isto não significa que antes de Achenbach nenhum Filósofo tivesse dado um cariz prático à Filosofia. Ela, na sua génese, teve esse carácter prático, aplicado às questões do dia-a-dia do ser humano, para tal basta lermos as obras de Platão, por exemplo, sendo este apenas um entre imensos exemplos de que nos poderíamos socorrer 20 . Achenbach é, sim, o pioneiro para denominar este ramo da Filosofia como Prática Filosófica. Actualmente, podemos ver nos escaparates a noção de Filosofia Aplicada. Em Portugal, a noção de Conselheiro Filosófico ou Consultor Filosófico tem-se propagado. Para isso, muito tem contribuído a APAEF 21 e, porque não, pelos livros publicados, Mais Platão, Menos Prozac de Lou Marinoff e, mais recentemente, Alan Botton. A grande vantagem destes autores, na minha perspectiva, é a de massificarem o conhecimento e a existência do Aconselhamento Filosófico22. Se até agora vimos que a Filosofia, e mais concretamente o Aconselhamento Filosófico, conseguirá ser a área impulsionadora da felicidade, então, o que realizará o Consultor Filosófico? Ele utilizará as competências filosóficas tais como a crítica, o pensamento lógico-racional, a metodologia filosófica, a capacidade de análise e de síntese, etc. O Consultor aplicará essas competências a cada pessoa, à vida de cada pessoa, ao problema específico de cada pessoa 23 . Ou conforme afirmou Peter Raabe, o Aconselhamento Filosófico “consiste, simplemente, en el examen de las creencias, los valores y las asunciones. Aunque términos como dialéctica hegeliana, autenticidad 19

Tradução do autor do presente texto: “Para a maior parte das pessoas a Filosofia não faz muito sentido, até ao dia em que são afectados pessoalmente por ela”. 20 Em Platão podemos observar o carácter dialogante das suas obras (por exemplo a trilogia: Apologia de Sócrates, Críton e Fédon). Ou, também, num dos discípulos de Aristóteles, Teofrasto (Tírtamo de seu nome), que legou-nos uma obra sobre as virtudes e os vícios humanos reflectindo acerca das várias características (qualidades e defeitos presentes nos seres humanos). O título da obra expressa bem essa marca (Teofrasto, (1999). Caracteres. Lisboa. Relógio de Água). Exemplificando a capacidade prática e irónica de Teofrasto basta vermos a descrição do tagarela, ele afirma que a “tagerelice é arte dos discursos e sem nexo. (…) De tipos desta força é preciso fugir a sete pés e passar de largo, se se quiser evitar uma enxaqueca. É obra aguentar um parceiro que não sabe distinguir o que é ter tempo livre ou estar ocupado”. 21 De destacar o seu impulsionador Jorge Dias, bem como Tiago Pita, António Fragoso Fernandes, etc. 22 Mas, além destes autores e consultores filosóficos, podemos referir muitos mais espalhados, contemporaneamente, pelos quatro cantos do mundo, como por exemplo: Peter Raabe, Oscar Brenifier, Tim Lebon, Rayda Guzman, José Barrientos Rastrojo, Nicolaos Gkogkas, Antónia Maccaro, Neri Polastri, Ran Lahav, Julián Marías, … 23 Confrontar SIC (2007). Para que serve a ciência do pensamento? 4 de Fevereiro. In http://videos.sapo.pt/9528qaJzowgjR1sNqlzZ.

existencial sartreana y analítica transcendental de Kant puede resultar ininteligibles para aquellos que no se ha formado en filosofia, se comprende y los orientadores filosóficos los aplican de modo sencillo durante el estúdio de las creencias, valores y asunciones de sus consultantes” (Dias e Barrientos Rastrojo, 2009, p. 15)24. Se o Aconselhamento Filosófico procura examinar as crenças, valores e atitudes do consultante, tal objectivo pode ser atingido de formas diferentes. É que como existem vários consultores, também existem vários métodos para que o consultor realize o seu trabalho. Assim, podemos destacar alguns deles: Lou Marinouff utiliza o método PEACE; Tim Lebon utiliza o método PROGRESS; Jorge Dias o método PROJECT@; Maria João Neves, inspirada na obra de María Zambrano, o método RVP (Raciovitalismo Poético). Neste sentido, a Filosofia procura criar condições para a compreensão do mundo em que se vive. Ela deseja que quem a manuseie seja capaz de compreender-se a si próprio, compreender o porquê da forma como age, o porquê da forma como pensa. Dito de outra forma, a filosofia permite-nos alcançar mais conhecimento, maior compreensão da realidade. Porque “muito simplesmente quase todos os nossos pensamentos e convicções, mas também os nossos valores, se inscrevem, sem que nem sempre o saibamos, em grandes visões do mundo previamente elaboradas e estruturadas ao longo da história das ideias. É indispensável percebê-las de forma a conseguir apreender a lógica, o alcance, o jogo” (Ferry, 2009, p. 9). Se um dos benefícios da Filosofia é o de permitir um acesso ao conhecimento, penso que, isso permite-nos chegar à questão inicial, isto é, se conhecemos, compreendemos melhor o mundo com o auxílio da Filosofia, poderemos concretizar mais facilmente os nossos projectos. Ou pelo menos poderemos saber quais os obstáculos internos e externos que são colocados para o alcance da nossa felicidade. O novo paradigma que a Filosofia nos mostra é que ela não serve para nada, para nada mais nada menos que para aprender a viver, aprender a saber viver25. Claro que esta capacidade, actualmente, é constantemente mais difícil de ser atingida. O mundo em que vivemos é norteado por constantes estímulos neuronais (publicidade, marketing, vídeo jogos, …) que procuram desfocar-nos da mais ténue tentativa para o confronto connosco próprios. Daí que, sempre que um consultante inicia uma consulta, começa um processo de confronto consigo próprio. Um confronto com a sua verdadeira noção de felicidade. Assim sendo, a Filosofia esteve, está e estará sempre de mãos dadas com a vida do ser humano. Qualquer tentativa para esta desunião será infrutífera, pois problemas existenciais existirão sempre em qualquer ser humano. Além disso, todo e qualquer ser humano procurará concretizar os projectos que delineou, procurará alcançar a Felicidade. Após todas as minhas considerações ainda existir alguma réstia de dúvida quanto à relação da Filosofia com a Felicidade só me resta citar Epicuro 26 quando afirma “que ninguém hesite em se dedicar à filosofia sobretudo quando se é jovem, nem se canse de fazê-lo mesmo em idade já avançada, porque nunca se é demasiado jovem ou demasiado velho para se alcançar a saúde do espírito. Quem declara ou assegura que a hora de 24

Tradução do autor do presente texto: “Consiste, simplesmente, no exame das crenças, dos valores e das atitudes. Ainda que termos como dialéctica hegeliana, autenticidade existencial sartreana e analítica transcendental de Kant possam ser incompreensíveis para aqueles que não se formaram em filosofia, compreende-se e os orientadores filosóficos (consultores filosóficos) aplicam-nos de modo adequado no estudo das crenças, valores e atitudes dos seus consultantes”. 25 Esta ideia tem como base a afirmação de José Ortega y Gasset “La filosofia no sirve para nada, para nada más que para aprender a viver”. 26 Epicuro nasceu em 341 a. C. (século IV a. C.)e chegou, até nós, um livro intitulado Carta sobre a felicidade ou a conduta humana para a saúde do espírito. Esta obra é de leitura rápida, mas de um desafio profundo para a vida humana e, particularmente, para o tipo de vida humana actual em que a saúde do espírito (a Felicidade) não parecem ter lugar.

dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que esta já passou, é o mesmo que dizer, que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz” (Epicuro, 2008, p. 25). Ou seja, nunca é demasiado tarde para se ser feliz com o contributo da filosofia. Aceitemos o desafio diário de vivermos filosoficamente e dessa forma estaremos preparados para alcançar a FELICIDADE.

Bibliografia Dias, J. (2006). Pensar Bem, Viver Melhor – Filosofia Aplicada à Vida. Lisboa. Ésquilo. Dias, J. e Barrientos Rastrojo, J. (2009). Felicidad o Conocimiento? La Filosofía Aplicada como la Búsqueda de la Felicidad y del Conocimiento. Sevilha. Doss Ediciones. Epicuro (2008). Carta sobre a Felicidade ou a conduta humana para a saúde do espírito. Lisboa. Padrões Culturais Editora. Ferry, L. (2009). Aprender a Viver. Filosofia para os novos tempos. Lisboa. Círculo de Leitores. Temas e Debates. Marinoff, L. (2003). Mais Platão, Menos Prozac! Lisboa. Editorial Presença. Neves, M. (2009). Método RVP. Raciovitalismo Poético. Prática Filosófica no Quotidiano. Lisboa. Instituto Piaget. Teofrasto (1999). Caracteres. Lisboa. Relógio de Água.

A Prática Filosófica na senda da Felicidade Maria da Conceição Silva Galhardo Escola Profissional de Carvalhais/Mirandela Área de Integração, Relações Públicas e Formadora em Curso EFA-NS

Nos dias sete, oito e nove de Abril teve lugar em Bragança, um Curso de Formação Contínua para professores de Filosofia e Educação Moral Religiosa Católica, intitulado, O novo Paradigma da Filosofia Aplicada - Projectar a Felicidade na Escola. Apesar de o assunto não ser habitualmente discutido, talvez por não ser suficientemente divulgado, a verdade é que o fundador da Filosofia Aplicada em Portugal e Orientador do Curso supramencionado, Dr. Jorge Humberto Dias, com a sua incursão na Filosofia e particularmente em questões de ética, rapidamente nos familiarizou com a temática em análise e com a existência de mitos a que vulgarmente está associada. De um modo geral, todos nós, nos vários contextos que marcam a nossa existência, já fizemos alusão à necessidade de aconselhamento mediado por directrizes filosóficas. As imensas contingências da vida, as adversidades que comummente atormentam o homem, a crise de valores e o pessimismo que se vive, levam a que nos questionemos sobre o sentido da vida, se é que podemos afirmar que a vida tem sentido. Algumas explicações ou respostas a estas questões e outras de natureza metafísica, podem ser encontradas nos grandes pensadores da História da Filosofia, como Sócrates e Platão. Mas, se durante séculos a reflexão filosófica se afirmou numa vertente erudita e teórica, valorizando o conhecimento, na contemporaneidade, perguntamo-nos sobre quais os novos desafios que se colocam à Filosofia. Num mundo cada vez mais dilacerado pelos constantes atropelos à dignidade da pessoa humana, em que o niilismo, o vazio e alienação humanas se sobrepõem à vida vivida em plenitude, é urgente promover a dimensão prática da filosofia, numa abordagem axiológica que respeite a singularidade e a individualidade de cada um. Óscar Brenifier refere, numa das suas entrevistas, a necessidade, a nível educacional, de um pensamento crítico a partir da infância, de um saber que se origine a partir da reflexão sobre questões que geram a conflitualidade no espírito humano. Um novo quadro paradigmático deve anunciar-se se projectarmos a Filosofia enquanto Prática, “Filosofia Aplicada”. Antes de se partir para uma análise da consolidação dos fundamentos da Consultoria Filosófica, no âmbito das sessões de formação frequentadas, várias questões lançaram o debate em torno desta nova área: O que se entende por Filosofia Aplicada? O que se entende por Consultoria Filosófica? Que competências deve possuir o Consultor Filosófico? Qual o perfil do Consultante? Como tratar casos considerados patológicos? Apesar de nos anos 80 esta área ser quase desconhecida, o desenvolvimento da prática profissional da Filosofia Aplicada começou com a fundação de associações como a Associação Internacional de Filosofia Prática – ISPP - na Alemanha e Inglaterra, em Israel – Society for Philosophical Inquiry, em Jerusalém ou então a famosa associação de Louis Marinoff. Paralelamente surgiram os assessores profissionais, Peter Raabe no Canadá, Tim Lebon em Inglaterra, entre outros. Todos eles foram sedimentando esta disciplina, mas foi em 1995 na Columbia University que surgiu o Livro Essays in Phlosophical Counselling. Na actualidade, considera-se que a Filosofia Aplicada percorre várias áreas de intervenção: Aconselhamento Filosófico individual ou em grupo, em gabinete privado ou em escolas, instituições e empresas; Filosofia para e com crianças; cafés com Filosofia ou, designação mais conhecida em Espanha, viños filosóficos; ateliers ou oficinas de Filosofia; comissões de Ética (nas escolas, empresas, instituições políticas e de saúde).

Durante a Acção de Formação, decorrida em Bragança, para além da indagação de eventuais definições filosóficas sobre conceitos que os grandes pensadores propuseram, projectámos a prática racional na resolução de conflitos e orientações para os problemas filosóficos colocados pelos docentes. De salientar que, perante a anestesia social e cegueira epistémica de existências alienadas, é urgente a construção de um mundo mais humano, capaz de devolver à pessoa a sua edificação e dignidade humana, tal como a criação de um mundo de consciências cada vez mais despertas e críticas, capazes de enfrentar eficazmente os seus problemas. A Filosofia enquanto prática perspectiva-se como a alternativa que actua sobre o indivíduo e o seu ser, gerando pessoas mais racionais e existências mais próximas de si e do outro, comprometidas com uma vida examinada. Nesse sentido, o princípio subjacente à Filosofia Aplicada é, segundo o professor Raabe, o de uma rede sistémica que envolve a Razão como método. (Rastrojo,J.monografias.com/trabajos.p.3) Epicuro via na Filosofia uma terapia da alma. Os estóicos consideravam-na como o ensino da arte de bem viver. Descartes e Espinoza conceptualizaram-na como prática da sabedoria. Segundo Tim Lebon, as preferências e as decisões podem tornar-se mais racionais, permitindo que o cliente viva de uma forma mais satisfatória. Já para José Barrientos, a consulta filosófica implica um diálogo entre dois indivíduos - Um deles, o orientador, que ajuda o cliente a clarificar e resolver os seus problemas usando categorizações, vivências e metodologias filosóficas e racionais. Atendendo aos princípios orientadores destes filósofos, podemos considerar que a Consultoria Filosófica se prende com a análise racional de conceitos e valores no sentido de detectar e resolver problemas filosóficos, promovendo a autonomia para estabelecer com o consultante um projecto de vida organizado, em função das necessidades diagnosticadas. Jorge Dias e José Barrientos consideram que, a Filosofia enquanto prática, se desenvolve na relação existente entre a Filosofia, Indivíduo e Sociedade. A proposta por eles enunciada, consiste na devolução da Filosofia à cidade e ao cidadão, tendo como objectivo o estímulo da flexibilidade cognitiva ou a exploração do pensamento criativo, descortinar respostas e indagar sobre as que já se encontraram, pois as verdades não são definitivas e absolutamente inquestionáveis. Em Portugal, Jorge Dias Formador e Consultor, logrou, indubitavelmente, um magnífico trabalho no que se refere à implementação da Filosofia Aplicada. Foi o primeiro presidente da Associação Portuguesa para o Aconselhamento Ético e Filosófico (APAEF), criada em Dezembro de 2004, em Lisboa. Terá sido, através da leitura e investigação que efectuou da obra La Felicidad Humana, do filósofo espanhol Julián Marias, que descobriu a utilidade da Filosofia na abordagem ao tema da Felicidade e na visão racional que poderia fornecernos no caminho que desejamos trilhar na vida. Jorge Dias perspectiva a felicidade como finalidade e, nesse sentido, será a Finalidade da Pessoa, da Sociedade Política, da Comunidade Educativa e da Instituição Familiar. Na sua obra “Pensar Bem - Viver Melhor. Filosofia Aplicada à Vida”, afirma que, após ter reflectido sobre o tema, a Felicidade consiste ”em ter um “Carácter (êthos) equilibrado”, ter um Projecto de Vida, através de um processo que envolve três valores éticos fundamentais: “o amor”a uma família, a “realização” através do trabalho e de uma profissão e, a cultura espiritual. “(…) Quem não tem consciência do sentido, nem do seu projecto de vida não poderá nunca ser feliz.”(Dias, 2006, pp.199-201) Integrando a sua filosofia no sentido heideggeriano da existência (mostra o sentido do ser a partir de uma análise fenomenológica esclarecida e hermenêutica), considera que o homem é em si mesmo um projecto fundamental, sempre em construção e em busca de felicidade. Nos fundamentos da sua prática filosófica subsistem de forma articulada três elementos fundamentais: A Filosofia, a Felicidade e o Projecto de Vida. Relativamente à

infelicidade, esta pode resultar de desejos inadequados, de erros profundos do nosso pensamento. Tal como Epicuro afirmou, Só há um caminho para a felicidade: Não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder da nossa vontade. Quando os desejos ultrapassam o domínio da vontade, o Aconselhamento Filosófico constitui-se como a alternativa que pode ajudar o cliente a encontrar-se e dominar, deste modo, os seus erros de pensamento, tendo como finalidade a busca de felicidade. No método defendido e praticado pelo filósofo português, o “MÉTODO PROJECT@”, sistematizado em seis etapas (1. Identificar Projectos na vida do Cliente; 2. Analisar a estrutura de um projecto; 3. Relacionar o Projecto com a vida do Cliente (valores e sentido); 4. Agrupar Projectos e definir aplicações; 5. Reforçar a filosofia de vida do Cliente; 6. Verificar a sua Realidade e Importância), encontram-se os fundamentos racionais de ajuda a pessoas com problemas filosóficos, permitindo activar as suas potencialidades, na construção de um projecto de vida que vai de encontro ao Outro, respeitando a alteridade, tal como Camus defendia, Não é nenhuma vergonha ser-se feliz; vergonhoso é ser-se feliz sozinho. Apesar da multiplicidade de interpretações existentes acerca do sentido de felicidade, há perspectivas ou definições que sensibilizam qualquer leitor. No Ensaio “Felicidade e sentido: dois aspectos da vida boa” Susan Wolf defende que, grosso modo, a vida com sentido e com felicidade tem de satisfazer dois critérios, adequadamente conectados: Primeiro, tem de haver entrega activa, e segundo, tem de ser uma entrega a projectos de valor. Uma vida é destituída de sentido se é destituída de entrega a coisa alguma. Pode dizer-se que é destituída de sentido a vida de uma pessoa aborrecida ou alheada do que passa a maior parte da vida a fazer (Wolf, 2004, p.104) Curiosa é também a definição de felicidade apresentada por Agostinho da Silva, que assenta em valores fundamentais da vida humana, tais como a liberdade e o acto de escolha. ”Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos: aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do mundo físico e do mundo do proceder e toda a experiência que vamos fazendo, negativa mesmo para todos, a podemos transformar em positiva. Para o fazermos, se exige pouco, mas um pouco que é na realidade extremamente difícil e que não atingiremos nunca por nossas próprias forças: exige-se de nós, primacialmente, a humildade; a gratidão pelo que vem, como a de um ginasta pelo seu aparelho de exercício; a firmeza e a serenidade do capitão de navio em sua ponte, sabendo que o ata ao leme, não a vontade de um rei, como nos Descobrimentos, mas a vontade de um rei de reis, revelada num servidor de servidores; finalmente, o entregar-se como uma criança a quem sabe o caminho. De qualquer forma, no fundo de tudo, o que há é um acto de decisão individual, um acto de escolha; posso ser, se tal me agradar, infeliz e inquieto.” (Silva, 2006, V.II.) Aristóteles considerava que a Felicidade se prendia com a capacidade de contemplação. ”Quanto mais se desenvolve a nossa faculdade de contemplar, mais se desenvolvem as nossas possibilidades de felicidade, e não por acidente, mas justamente em virtude da natureza da contemplação. Esta é preciosa por ela mesma, de modo que a felicidade, poderíamos dizer, é uma espécie de contemplação. (Aristóteles, in 'Ética a Nicómaco.)

Feliz Só Será Feliz só será A alma que amar. Estar alegre E Triste, Perder-se a pensar, Desejar E recear Suspensa em penar, Saltar de prazer, De aflição morrerFeliz só será A alma que amar. Johann Wolfgang von Goethe, in "Canções Tradução de Paulo Quintela Como se verifica neste magnífico poema a felicidade decorre da entrega e do amor que depositamos em todas as nossas realizações, apesar da ambivalência emocional que nos singulariza. Por isso, ela exige, para além do esforço racional, a coexistência de competências intuitivas que permitam ao homem a tomada de decisões mais rápidas e consentâneas com os desafios que temos de enfrentar. Nesta linha de pensamento, António Damásio advoga que a emoção bem dirigida parece ser o sistema de apoio sem o qual o edifício da razão não pode funcionar eficazmente. Emoção e razão estariam na base das nossas decisões, sendo dois processos essenciais para a escolha entre as várias opções possíveis. Nesse sentido, a felicidade dependeria do modo como o homem articula estes dois processos com suas experiências anteriores, nas suas tomadas de decisão. Aspectos conclusivos Quando me inscrevi nesta acção, que tinha como pano de fundo a reflexão sobre a felicidade e a projecção desta na escola, no âmbito da dimensão Prática da Filosofia, era invadida por algum cepticismo. Porém, as dúvidas mitigaram-se ao longo dos tês dias em que a mesma decorreu. As sessões em que exercemos os papéis de consultores e simultaneamente consultantes, reportaram-nos para um conjunto de experiências arrebatadoras do ponto de vista emocional - a par de alguma tensão, culminava um agradável grau de satisfação. De facto, a Filosofia não pode ficar no esquecimento! Apesar das mudanças visíveis nos vários domínios da sociedade portuguesa e dos tempos difíceis que se adivinham, a Filosofia Aplicada poderá ser o novo paradigma de conduta primordial a ter em conta nas nossas vidas. Para um país da não inscrição tal como é caracterizado por José Gil no seu livro Portugal Hoje - O medo de Existir, a Filosofia poderá ser a salvaguarda daqueles cujo apego é cada vez mais desesperado aos modelos antigos e que legitimam o fechamento à produção de novas ideias, novos modos de adaptação, novos discursos éticos. (Gil.2004, pp.107,108) José Gil traça uma visão entorpecida dos portugueses, que é encarada como um modo particular de o homem escapar à ausência de si a si, e de si ao mundo. O entorpecido entra numa espécie de plenitude letárgica, onde não há lugar para o vazio. É precisamente este

espírito letárgico, que é necessário combater, trazendo a Filosofia de volta à vida em sociedade. Num período em que a tristeza nos invade particularmente, a adequação da nossa vida a um novo paradigma de racionalidade, poderá libertar-nos do cárcere que constitui o entorpecimento, conduzindo-nos, assim, à vivência de uma vida mais tranquila (ataraxia). Só deste modo, perceberemos que a essência da felicidade nos acompanha, nos habita incondicionalmente. A Filosofia Aplicada, na sua dimensão ética, reporta-nos para a conquista da felicidade e consequentemente para uma vida com sentido, que merece ser vivida a cada instante. Termino com uma citação de Epicuro, Carta a Meneceu, que me parece bastante pertinente neste momento de reflexão, não sem antes congratular o Formador Jorge Dias pela entrega, audácia e determinação demonstradas, no âmbito da Filosofia Aplicada e Aconselhamento Filosófico. “Que nenhum jovem adie o estudo da Filosofia, e que nenhum velho se canse dela; pois nunca é demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado cedo ou demasiado tarde para a felicidade. Logo, tanto o jovem como o velho devem estudar filosofia, o primeiro para que à medida que envelhece possa mesmo assim manter a felicidade da juventude nas suas memórias agradáveis do passado, o último para que apesar de ser velho possa ao mesmo tempo ser jovem em virtude da sua intrepidez perante o futuro. Temos, portanto de estudar o meio de assegurar a felicidade, visto que se a tivermos, temos tudo, mas se não a tivermos, fazemos tudo para a obter.”

Referências Bibliográficas Coulon, J. (2009). O Segredo Para a Felicidade, Publicações Europa-América. Dias, J. (2006).Pensar Bem, Viver Melhor; Filosofia Aplicada à Vida. Lisboa. Editorial Ésquilo. Gil, J. (2004). Portugal Hoje: O Medo de Existir. Lisboa. Editora Relógio. Marinoff, L. (2004). Mais Platão, Menos Prozac!. Lisboa. Editorial Presença, 5.ª edição. Murcho, D. (2006). Sísifo e o Sentido da Vida, in Pensar Outra Vez. Vila Nova de Famalicão. Edições Quasi. Cap.2. Silva, A. (1994). Vida Conversável. Lisboa. Assírio e Alvim. Silva, A. (2006). A propósito de Agostinho da Silva. Conversas Vadias. Público, Volumes I, II, III, IV, DVD. Recursos na Internet Murcho,D.(2010).Viver Para Quê? Ensaios sobre o Sentido da Vida. Acedido a 20 de Abril de 2010,IN http:/www.criticanarede.com/viverparaquecrit.html. Epicuro,(2008).Carta a Meneceu. Tradução de Desidério Murcho. Acedido a 28 de Abril de 2010,IN http:/www.criticanarede.com/html/meneceu.html. Tolstoi,L.(2008).Confissão. Acedido a 20 de Abril de 2010, IN http:/www.criticanarede.com/tolstoi. http:/www.monografias.com trabajos11/filap/.shtml. Wolf, S.(2004). O Sentido da Vida. Acedido a 20 de Abril de 2010, IN http://www criticanarede.com/sentido da vida.html.

A Felicidade e a Filosofia Bárbara Fernandes Escola Secundária de Emídio Garcia Educação Moral e Religiosa Católica

É um facto, como diz S. Agostinho: “Não sou o único nem são poucos os que desejam a felicidade: todos, absolutamente todos, querem ser felizes” (Confissões, 1958, p. 263). Se perguntássemos ao comum dos mortais: - quem quer ser feliz que levante o braço? Todos levantariam sem qualquer dúvida, pois todos pretendem sê-lo, considerando como definição de felicidade, a de que todos querem viver um estado emocional positivo, com sentimentos de bem-estar e de prazer, buscando o sucesso e a compreensão coerente e lúcida do mundo. Porém, o que vemos e ouvimos com muita frequência é que o tédio, a tristeza, a angústia, o desespero, a incerteza, a solidão e o vazio, são emoções que parecem dominar a vida do ser humano. E parece um dado assente, de que, perante estas situações não se encontra saída. Não se encontrará mesmo, pergunto eu? Verificamos que a procura da felicidade e de sentido para a vida é uma busca contínua. A religião e a filosofia têm sido os discursos onde o ser humano tem encontrado resposta a esta ansiedade metafísica. Agostinho, que tinha buscado a felicidade ilusória nos prazeres mundanos, rendeu-se à verdade que é Deus: “Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração pulsa inquieto enquanto não repousar em Vós”. (Confissões, 1958, p. 321) A história permite-nos afirmar que até ao advento da filosofia socrática, acreditavase que a felicidade dependia exclusivamente dos desígnios dos deuses. Essa concepção religiosa da felicidade imperou durante muitos séculos e em diferentes culturas. No IV século antes de Cristo, debatendo sobre a felicidade e pregando que a filosofia seria o caminho que conduziria a essa condição, Sócrates inaugura um paradigma segundo o qual ser feliz se apresenta como tarefa de responsabilidade individual. Por sua vez, Aristóteles continua a investigação de Sócrates, concluindo que todos os outros objectivos perseguidos pela humanidade – como a beleza, a riqueza, a saúde e o poder – eram meios de se atingir a felicidade, sendo esta última a única virtude buscada como um bem em si mesma. A partir do Iluminismo, a viragem antropológica operada pela filosofia no mundo ocidental, gera a convicção de que todo o ser humano tem o direito de atingir a felicidade. Na mesma linha, o ideário da Revolução Francesa estabelece que o objectivo da sociedade organizada deve ser a obtenção da felicidade dos seus cidadãos. Nos tempos modernos, a felicidade é considerada um valor tão precioso e indiscutível que, como um exemplo emblemático, podemos citar a Declaração de Independência dos EUA (Infopédia), que regista como “verdades por si mesmo evidentes, que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”. Investigações sobre como e em que medida os aspectos sociodemográficos, culturais e religiosos influenciam positivamente a felicidade, a nível do religioso, as pesquisas concluem que um factor que está moderadamente associado a maiores índices de felicidade e satisfação com a vida é o «comprometimento com a fé», seja por meio da religiosidade, da religião ou da espiritualidade. A religiosidade é aquele parâmetro que faz com que o ser humano tenha apetência para crer em algo ou alguém potencialmente superior e externo a si mesmo. Por sua vez, a religião é um formato no qual o ser humano concretiza a religiosidade como forma concreta de crer, padronizada e normativa. Finalmente, a

espiritualidade é a explanação de dinamismos internos do sujeito, desenvolvidos através das capacidades da mente, para atingir um bem-estar físico e mental (Mattai, p. 10001006). Indivíduos que seguem uma religiosidade, professam uma religião, ou desenvolvem uma espiritualidade, parecem lidar melhor com eventos adversos que ocorram no curso das suas vidas, como desemprego, doenças ou luto. Pensa-se que existam pelo menos dois motivos que explicariam essa associação, o primeiro é que a espiritualidade provê um sentido e um propósito para a vida das pessoas, respondendo a uma série de questões existenciais que comummente levam à angústia ou à infelicidade. O segundo motivo é que ao participarem de ritos na presença de uma comunidade de fiéis, as pessoas religiosas tendem a sentir-se menos solitárias, e talvez por isso mais felizes. Jorge Humberto Dias, Consultor Filosófico, Escritor e Formador, tem dado um contributo notório à tentativa de perspectivar a procura da felicidade, apontando o método “PROJECT@”. Pela sua experiência e aptidões cognitivas, foi trabalhando os problemas existenciais para ajudar os Consultantes a superar os mais variados bloqueios, através de “uma certa orientação racional” (Dias 2006, p. 199), tendo em vista a construção da felicidade da Pessoa, tanto a nível individual, como social e institucional. E isto acontece pela atitude do diálogo socrático com a pessoa, de respeito pela sua personalidade singular e única, abrindo-se a possibilidade dela própria se constituir em parceiro construtivo no «desbravamento» cognitivo e dinâmico de novos horizontes do pensar, da razão, do sentir, do estar e do Ser, ajudando-a a «libertar-se» através de um processo de autonomia com vista a atingir a maturidade. Segundo Julián Marias, a felicidade é algo que o homem precisa, mas não pode alcançar totalmente. Neste sentido, o autor classifica a felicidade como um “impossível necessário” (Marias, 1987). A felicidade pertence à mesmidade da vida, é um dos seus ingredientes e é na sua estrutura original, que devemos procurar o lugar e a função que ocupa. A vida do homem tem um carácter argumental, dramático, futurístico, aberto ao porvir, que se expressa num projecto pessoal livremente escolhido e se realiza em circunstâncias e num tempo determinado, de múltiplas trajectórias, que as circunstâncias da vida podem modificar e que a morte interrompe, mas não conclui. Porque não cabe aqui fazer um tratado sobre a felicidade, considero que na realização de um projecto de vida, a conquista de uma felicidade autêntica requer uma maneira coerente de viver. Isso inclui todos os processos humanos que regulam os aspectos sensitivos, materiais, emocionais, intelectuais e espirituais da vida. E é importante ter em conta a conclusão a que chegou Jorge Dias, ao afirmar que «a “Felicidade” consiste em ter um “Carácter” (êthos) equilibrado, e ter um Projecto de Vida», (Dias, 2006, p. 199) ou como diz Mahatma Gandhi: “Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.”, ou M. Ruberck: “A felicidade não é uma estação de chegada, mas um modo de viajar” ou ainda A. Einstein: “Feliz daquele que atravessou a vida ajudando o seu semelhante, que não conheceu o medo e se manteve alheio à agressividade e ao ressentimento” (Barros, 2004, p. 113) Acredito que tais aspectos (posses materiais, poder, relações interpessoais, entre outros) podem ser adaptativos ou não, dependendo do grau de consciência que se vai tendo dos objectivos e valores pessoais. Refiro, ainda, que o grau de coerência dos pensamentos e relacionamentos humanos pode ser medido em termos de quanto estes vão sendo capazes de conduzir à harmonia e à felicidade. O processo de Consultoria Filosófica tem lugar sempre e quando a pessoa consultada necessita de ajuda para compreender o que se encontra dentro de si; entender o que lhe falta; compreender a necessidade de agir; emitir juízos de valor e não exigir menos do que aquilo que ela possa dar, a partir daquilo que vive e do modo como o vive e do significado

que dá à sua vivência. E é importante que o consultor tenha em conta os cinco atributos necessários de que Jorge Dias refere: Autoconhecimento; Finalidades; Valores; Competências e Informação (Dias 2006, p. 201). A dinâmica da Consultoria Filosófica pretende, pois, ajudar a resolver os problemas existenciais, que segundo Lola Arrieta, (Apontamentos da Autora, 2002) estão presentes nas emoções básicas de todo o ser humano: o medo, a dor e a agressividade, que por sua vez, são frutos da vulnerabilidade humana, de perda, de frustração ou abandono, e que afectam a experiência de sentido, bloqueiam o projecto de felicidade pessoal e a perda de autonomia. Vou experienciando no meu dia-a-dia que a felicidade é ir realizando-a, “ir sendo feliz” (Marías 1987), e que “Cultivar estados mentais positivos como a generosidade e a compaixão decididamente conduz a uma melhor saúde mental e à felicidade” (Barros, 2004, p. 121) como refere Dalai Lama, ou como diz o ditado popular: “Não existe maior bem do que fazer a felicidade de alguém”.

BIBLIOGRAFIA Agostinho. Santo. (1958). Confissões. Porto. Livraria Apostolado da Imprensa. Dias, Jorge (2006). Pensar Bem, Viver Melhor. Filosofia Aplicada à Vida. Lisboa. Editorial/Ésquilo. Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776). In Infopédia (Em linha). Porto. Porto Editora, 2003-2010. Ferraz, Renata, Tavares, Hermano, Zilberman, Mónica, (2007), Revista da Psiquiatria Clínica, Felicidade uma revisão, IN http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol 34/nº 5/ 324-242, html Mattai, G. (1989). Religiosidade Popular. In Dicionário de Espiritualidade. São Paulo. Edições Paulinas. María, Julián (1987). La felicidad humana. Madrid. Editorial Alianza. Recursos da Acção de Formação - O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola, Bragança, Abril de 2010. Oliveira, Barros (2004). É preciso renascer. O jovem frente a si mesmo. Porto. Edições Salesianas.

FILOSOFIA SEM PRECONCEITOS António dos Santos Fernandes Escola Secundária Emídio Garcia de Bragança Filosofia

Se alguém te disser que estás a precisar de ir a uma consulta filosófica, não exibas esse sorriso de desdém. A tua atitude de certo que estará em conformidade com o cidadão comum ou até de alguns intelectuais para quem a filosofia não passa de um jogo de palavras daqueles que andam nas nuvens. Sim, há quem ouse “pensar” retirá-la do ensino secundário. Por outro lado, também se coloca hoje o desafio, no entendimento de outros, de a introduzir nos primeiros anos de escolaridade do ensino básico. A este propósito e com algum sentido de humor, dir-te-ei, com o apoio de Peter Raabe, “que a filosofia, para a maior parte das pessoas, não tem muito sentido, até ao dia em que se é afectado pessoalmente.” Nos dias que correm, com tantas preocupações das nossas vidas, solicitações de toda a ordem, competição sem regras, propostas aliciantes por parte da publicidade, cada vez mais deixamos de saber quem somos e para onde queremos ir. Sem darmos conta, um turbilhão de acontecimentos, desde os desequilíbrios emocionais às situações mais dramáticas, vão-se apoderando das nossas vidas e não temos capacidade de as controlar. Neste momento, estamos a precisar de ir a um especialista clínico que nos ajude a sair do fosso em que nos deixámos cair. E eu disse bem em que nos deixámos cair. Quem não teve preocupações no sentido de pensar a vida e se deixou levar, muitas vezes pelas propostas do imediatismo, da facilidade, ou por razões meramente utilitárias, estará mais próximo de que tal lhe aconteça. É hora de reconhecer que, afinal, a dita inutilidade da filosofia, não é assim tão inútil. Como diz o professor e conselheiro filosófico Jorge Humberto Dias, “pensar bem, viver melhor.” Aqui, a filosofia pode desempenhar uma acção preventiva. Já Aristóteles se referia a ela como a ciência das causas primeiras. É fundamental tê-la presente na orientação das nossas atitudes e condutas. De facto, a filosofia não resolve os problemas concretos que necessitam de intervenção psicanalítica, mas pode-nos ajudar a encontrar caminhos mais conscientes e reencontrar o equilíbrio que dê sentido às nossas vidas. Ainda com Aristóteles, ela, a filosofia é também a ciência dos fins últimos. É nesta sociedade desenfreada que a filosofia deve revelar a sua verdadeira utilidade. Começam a ter algum significado expressões como problemas filosóficos, aconselhamento filosófico, filosofia aplicada à vida, competências filosóficas, perfil do consultor filosófico… com vista à busca da felicidade de que o professor Jorge Dias é no nosso país uma referência pela inovação, pelo seu empenho, pela divulgação e formação, pela obra publicada e pelas relações que mantém com os estudiosos deste movimento da “filosofia aplicada” como Oscar Brenifier, José Barrientos, Rayda Guzman, Lou Marinoff ou Tim LeBon, entre muitos outros e que vão desde Espanha, onde também trabalha, passando pela França, Alemanha, Israel, EUA ou China. É gratificante ver como em cada sessão de formação as pessoas vão aderindo a esta atitude filosófica. Este movimento da filosofia aplicada, com maior expressão na Alemanha e EUA desde os anos 70, está no nosso país a dar os primeiros passos. Há que pensar o perfil do consultor filosófico. Que competências, que princípios éticos? Refira-se a este propósito, mais uma vez, o precioso contributo do professor Jorge Dias, na elaboração de um “Código de Ética do Conselheiro Filosófico.” Um documento abrangente mas que norteie a actividade dos conselheiros filosóficos profissionais na promoção e respeito pela dignidade e diversidade humanas como bem refere o citado professor, ao longo de oito secções no seu livro de Filosofia

Aplicada à Vida. Este guia ético tem como objectivos subjacentes a clarificação das responsabilidades éticas e o desempenho das boas práticas dos membros da Associação. - Continuo algo perplexo! Para ir a uma consulta filosófica preciso de saber o que vou lá fazer. Em que é que o filósofo me pode ajudar? - Ajuda-te a encontrar soluções para problemas filosóficos. - Fiquei na mesma. - Problemas da vida, da tua existência e que te preocupam, como por exemplo: a felicidade ou a falta dela, a angústia, frustrações, conflitos interpessoais, confusão entre a aparência e a realidade. Assuntos que qualquer outra área científica não te resolve, por se tratar efectivamente de problemas existenciais que implicam competências filosóficas específicas como análise, síntese, crítica e metodologias aplicadas à vida. Metodologias que envolvam o cliente na decisão que o levem a reflectir nos seus comportamentos, nos seus conceitos, nos seus valores, crenças e emoções. Como exemplo, posso referir-te que o aconselhamento filosófico poderá ser muito útil na escola para alunos, pais e professores. Como lidar com alunos que rejeitam a escola, mas que por outro lado há todo um esforço por parte das políticas educativas para os integrar? O que é que estes jovens precisam? De mais conteúdos disciplinares? Com certeza. Mas o que efectivamente precisam é de pensar as suas vidas. Equacionar prioridades e lutar por ferramentas que lhes permitam construir um percurso, assente em valores que dignifiquem a condição da vida humana e abandonem o desregramento que normalmente só conduz ao vazio. E que dizer daquele aluno que estuda e estuda muito e até tem boas notas mas anda infeliz? O que é necessário? Provavelmente pensar o pensamento para além dos conhecimentos que transporta. E os pais? O que os leva a afirmar que amam os seus filhos, mas por outro lado, desistem facilmente da aproximação da criança que está a crescer e que inevitavelmente se depara com os conflitos inerentes a esse processo de crescimento físico, mas também psíquico, cognitivo, afectivo e moral? E o professor que, por dificuldade de adaptação aos novos desafios do sistema ou às novas exigências que os alunos hoje lhe colocam, perdeu a motivação? Estas questões estão latentes, inquietam-nos. O conselheiro filosófico surgirá como um recurso pertinente. Como sair da situação? Como pensava o filósofo Sócrates da antiguidade grega, a resposta está dentro de nós. Talvez seja preciso a ajuda da “parteira” para pôr a “criança” cá fora. Mas a actividade estará sempre centrada no próprio e no respeito pela sua autonomia, sem pretensões de qualquer tipo de influência, manipulação, ameaça ou constrangimento. Deverá haver sim um processo dialéctico entre o visitante e o conselheiro. Segundo Gerd Achenbach, citado por Jorge Dias em Filosofia Aplicada à Vida, “o objectivo não é resolver problemas, mas introduzir o visitante nas reflexões filosóficas, para que no futuro possa autonomamente pensar e compreender a sua vida.” (2006 p. 49). Estaremos nós, professores de filosofia, imbuídos desta missão socrática ou mais preocupados com o ministrar um conjunto de conhecimentos definidos nos programas escolares? O filósofo terá que pensar a filosofia na dimensão prática e interventiva, assumindo-se como um recurso e vencendo os preconceitos que possa transportar. A atitude de empreendedor, de que hoje tanto se fala, deve estar presente no seu espírito. A filosofia não se pode contentar em pensar o que outros pensaram. O campo da filosofia aplicada e da ética são desafios que nos obrigam a romper com a indiferença e assumir a nossa cidadania nas mais diversas situações do quotidiano. Numa aproximação à racionalidade prática, o conselheiro filosófico deverá fazer sobressair o contributo na resolução dos problemas com que nos deparamos em cada circunstância, sabendo fazer as escolhas mais correctas. Ou ainda analisar os problemas numa abordagem pluridisciplinar, fazendo lembrar o método PROJECT@, proposto por Jorge Dias, em que cada problema deverá ser enquadrado, para além do projecto principal, numa rede de outros projectos

mais pequenos, mas que poderão ter muito sentido para o cliente. Se tivermos em conta a visão global e integradora da filosofia, é possível reconhecer as virtualidades do método PROJECT@, do já referido autor, com os seus seis passos e indicando-nos este sentido de projecto, que tende para a realização futura, como a forma mais originária de toda a expectativa humana. Aqui, analisa e ultrapassa o método Progress de Tim Lebon ou o método PEACE de Lou Marinoff. Os problemas de hoje, por mais específicos que sejam, exigem a tal visão global em que cada aspecto da nossa vida faz sentido, como algo que se insere num projecto mais vasto, numa relação entre projectos mais ou menos importantes. Os problemas sendo sempre problemas que a cada um interpelam, não deixam de ser problemas globais como os da bioética, novas tecnologias, aquecimento global, novos modos de produção, novas formas de emprego… Ou ainda assuntos fracturantes como o aborto, a homossexualidade, conflitos étnicos, religiosos ou matrimoniais, escassez dos recursos naturais, doenças contagiosas, colapsos económicos, enfim, são desafios que se colocam à filosofia e mais particularmente à filosofia aplicada como resposta aos que, nestas questões da vida, não mantiveram o equilíbrio. A dita “inutilidade da filosofia” pode fazer toda a diferença, dotando as nossas vidas da consciência com que as queremos viver e capacitar-nos da compreensão da realidade. Como diz Goethe: “pensar não é fácil, mas a verdade é que temos de ser nós a viver e a melhorar a nossa vida.” (Dias, 2006 p. 50). Talvez num futuro próximo já não te escandalizes, se ao passar na rua te deparares com o letreiro “CONSULTOR FILOSÓFICO.”

BIBLIOGRAFIA Dias, J. (2006). Pensar Bem, Viver Melhor. Filosofia Aplicada à Vida, Lisboa, Editorial Ésquilo. Marinoff, L (2002) Mais Platão, Menos Prozac, Lisboa, Editorial Presença. Abrunhosa, M e Leitão, M. (2008) Um Outro Olhar Sobre o Mundo, 11ºAno, Porto, Editorial ASA. Recursos da Acção de Formação - O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola, Bragança, Abril de 2010. Recursos na plataforma moodle do CFAEBN do Gabinete PROJECT@

Da importância da Consultoria Filosófica à questão dos métodos Um lugar na Escola António Alberto Moreno Vaz Escola Secundária Emídio Garcia Filosofia

Vencida alguma resistência inicial de elaboração de um trabalho deste teor, colocou-se de imediato a questão: de que falar? Que aspectos referir? Será pertinente falar de quê? A resposta surgiu desta forma: parece-nos natural que, em primeiro lugar, se reconheça a importância crescente que a consultoria filosófica tem, face a um conjunto de circunstâncias actuais e, em segundo lugar, que se fale do “caminho” que essa consultoria pode tomar, isto é, da metodologia a seguir, da ‘aventura conceptual’ a empreender para atingir um dos possíveis objectivos que é a Felicidade do consultante. Tarefa, talvez, demasiado ambiciosa para um neófito, tanto mais que a sustentação teórica é limitada e, como consequência, a própria reflexão sobre tais assuntos não está amadurecida. «Não entra no poder da nossa vontade, não desejar a Felicidade», disse-o Malebranche. A questão que se coloca é saber o que a Filosofia ou, mais concretamente, o aconselhamento filosófico pode fazer, a ajuda que pode dar às pessoas para que estas orientem as suas vidas nesse sentido. No sentido da Felicidade. São várias as perspectivas / expectativas que se abrem com a consultoria filosófica tornada profissão. No momento em que a utilidade da Filosofia continua a ser posta em causa, e o próprio ensino desta disciplina nos curricula do ensino secundário foi posto em dúvida, não será esse o caminho? Jorge Humberto Dias elucida-nos e destaca algumas dessas perspectivas no livro “Felicidad o Conocimiento?”, escrito em co-autoria com José Barrientos Rastrojo. A consultoria filosófica é reconhecidamente importante em diversos contextos sociais. Em unidades de saúde, por exemplo, justificar-se-ia para os momentos de reflexão a realizar pelas mães e/ou pais antes de se decidirem pela interrupção voluntária da gravidez. Em empresas, actuaria no sentido de garantir que as relações entre os trabalhadores fossem as melhores, já que sendo este o pilar fundamental da empresa, isso redundaria em benefício para todos. Mas também se justificaria na área do desporto, em estabelecimentos prisionais, e aqui, no sentido de, por exemplo, procurar um sentido para a vida daqueles que aí se encontram, e, finalmente, nas próprias escolas. Para falar sobre este aspecto, reservamos a parte final deste artigo. Poder-se-ia perguntar: mas como é que tudo isto é possível? Há quem esteja já a trabalhar em projectos destes? A resposta é dada, por exemplo, pelo trabalho que está a ser desenvolvido pela equipa de Hernán Bueno Castañeda, na Colômbia, em que, entre outros serviços, asseguram assessoria filosófica. E as razões que justificam este trabalho são evidentes e eles mesmos indicam algumas como exemplo: «Quando está prestes a cumprir quarenta anos, uma mulher pergunta-se a si mesma se quer ser mãe. Um estudante que reprovou num exame e duvida se quer continuar ou não o curso que escolheu. Uma mulher enfrenta a possibilidade de ter cancro de mama. Um homem tem que decidir se contraria a vontade da sua mãe e a coloca num lar de idosos. Uma mulher pergunta a si mesmo se tem sentido continuar com uma relação que a mantém infeliz. Um rapaz enfrenta o suicídio de uma irmã adolescente. Uma mulher luta contra os seus ataques de ira.» (1) Ou então, noutro sentido, o trabalho que desenvolvem com grupos de marginais, «em que orientando exercícios de diálogo filosófico, permitam a esses grupos a compreensão e superação de problemas existenciais, bem como a reinvenção e reconstrução das suas próprias histórias de vida».(2) Trata-se aqui, neste caso, daquilo

que eles designam por assessoria social. Mas podia falar-se também de assessoria artística e assessoria para empresas, áreas em que também intervêm. São, portanto, horizontes novos que se abrem, são uma luz ao fundo do túnel, sobretudo para aqueles muitos jovens licenciados em Filosofia, cujas portas no sistema de ensino se fecharam há muito. (3) Assim haja vontades individuais de quererem seguir esse rumo, e vontades colectivas, ‘institucionais’, de permitir que novas licenciaturas surjam, com estruturas curriculares próprias, vocacionadas para o trabalho de consultoria filosófica. E também trabalho neste sentido já existe. Veja-se a proposta que Jorge H. Dias (2009;152) nos deixa, quer para licenciaturas, quer para mestrados, e percebemos que, de facto, faltarão apenas as vontades colectivas. (1) http://www.fundacionfilosofarte.com/nuestros_sevicios_asesoria.html (2) http://www.youtube.com/watch?v=6LQzjWgNLBw (3) E mesmo aqueles que se encontram nesse sistema de ensino, passam, cada vez com mais frequência, por sentimentos de ‘estranheza’, de dúvida, quanto ao papel que desempenham, quer ao confrontarem-se com o facto de a sua disciplina – a Filosofia – ser relegada para um plano secundário, face à importância que todos atribuem ao conjunto de disciplinas ‘técnicas’, quer pelo facto de se verem a leccionar disciplinas que pouco ou nada têm a ver a sua área de formação. Este é um caminho que se faz andando, passo a passo, ideia a ideia. É neste sentido que se deve entender a obra O dia em que Nietzsche chorou de Irvin Yalom , citada por J. H. Dias, na qual se avança com «… a possibilidade de diálogo entre a Psicanálise e a Filosofia e a utilidade das duas na gestão vital do paciente/consultante.» (2009;157). O que no fundo traduz a importância do trabalho em equipa para a resolução de determinados problemas. Ou ainda a tentativa, nos Estados Unidos da América, de legislar sobre aquilo que seria o ‘Estatuto Profissional do Assessor Filosófico’. Mas que trabalho é esse de consultor / assessor filosófico? Em que se baseia, em que consiste, que competências move? Segue algum método? Jorge H. Dias dá-nos algumas respostas: “O trabalho filosófico na consulta, baseia-se na exploração racional do pensamento do consultante, utilizando dimensões várias como conceitos, juízos, raciocínios, esquemas, ideias, valores, hierarquias, crenças ou emoções” (2009;134) com a intenção sempre de “(…) ajudar a pessoa a conhecer-se com maior claridade e objectividade.” (2009; 139) Por outro lado, o método que segue não é, não pode ser único. Mais do que isso, tem que se perguntar, não “(…) seria desejável ter um método para cada área de questões / problemas filosóficos? (…) Não deveria existir uma conexão coerente entre determinada necessidade filosófica e um método específico para a sua satisfação?” (2009; 161) De entre os diversos métodos existentes em consultoria filosófica, contrastaremos aqui apenas dois: o método PROJECT@ e o método IPSE. Se se tiver em consideração que com a consultoria filosófica se visa atingir um objectivo, então primeiro é necessário determinar as necessidades do consultante que exigem a aplicação de um certo método. Ora, o método PROJECT@ baseia-se, segundo o seu autor, Jorge Dias, no “(…) horizonte de felicidade pessoal do consultante.” (2009;169) Considerar a felicidade como fundamento deste trabalho filosófico, implica conhecer o significado que o consultante tem de felicidade, porque será em função disso que ele orientará a sua vida, que ele terá o seu projecto de vida. Então este método, com os diferentes níveis que o constituem, o que fará é ajudar a definir projectos de vida, não só com vista ao objectivo final – a Felicidade – mas também como contribuição para “(…) a construção do consultante como pessoa, como um ser único que vive em sociedade (…)”. (2009;175)

A eficácia deste e de qualquer outro método mede-se pela eficácia com que ‘resolve’ os problemas do consultante. Daqui se pode perceber que há, neste e em qualquer outro, uma limitação que decorre desta situação: que fazer quando, depois da aplicação do método, não resolve esses problemas? Em particular para este método, outras questões se levantam: que fazer quando o consultante não tem, não apresenta ou não considera relevante ter um projecto de vida? Ou não considera a vida humana como projecto ou até que não atribua nenhum sentido à vida? Foi para ultrapassar estas dificuldades e limitações que foi criado o método «IPSE», orientado para a busca do “eu mesmo” do consultante, para a «consciência de si», para o auto-conhecimento daquele que procura um caminho. O fundamento passa então a ser o próprio «ser» do consultante que, orientado pelo assessor, o ajuda na procura desse caminho, o ajuda a «(…) compreender a sua própria situação no mundo e na vida» e permitir que «desenvolva a sua própria filosofia de vida» (2009; 181,182). Posto isto, facilmente se perceberá que os dois métodos poderão ser aplicados em complementaridade. O «IPSE» em primeiro lugar e como condição para o PROJECT@, pois encontrada essa ‘filosofia de vida’ que o primeiro permite, depois se poderiam aplicar os níveis que o segundo contempla. Reconhecida a importância da consultoria filosófica, estabelecidos possíveis métodos de trabalho, cabe perguntar, como pode o professor aplicar estes conhecimentos na Escola, com os seus alunos? Ele, que tem uma licenciatura em Filosofia, que é manifestamente insuficiente para a prática da consultoria (como actividade profissional), que tem um programa para cumprir, que tem de atender a múltiplas situações que os alunos colocam no dia-a-dia, que tem de lidar, por vezes, com a diferença e sempre com ritmos de aprendizagem diferentes, que está perante uma envolvência complexa de uma comunidade escolar em que os interesses, não raras vezes, se entrechocam e os egos de muitos se agigantam. Ele que tem de lidar com o conflito e com situações inesperadas. Que tem de apresentar projectos, cumpri-los e fazer relatórios. Que tem um trabalho burocrático cada vez mais pesado. Que fazer? Pois… tem de fazer tudo isto porque é seu dever fazê-lo! Porque «o professor, segundo a nova legislação, é visto como um profissional que deve estar habilitado a “intervir” na educação e formação integral dos alunos.» (Dias, 2010) Assim sendo, são estes complementos de formação que, de forma útil, ajudam o professor em vários sentidos. Por um lado, abre perspectivas que permitem aprofundar toda esta dimensão prática da Filosofia, o que, por sua vez, ajuda a tornar mais clara a utilidade da Filosofia. Por outro lado, permite intervir junto dos alunos, com mais propriedade, em situações problemáticas, ajudando-os naquilo que constitui toda a angústia da adolescência, bem como ao nível da “orientação “ e “aconselhamento”. É bem verdade que na vivência do dia-a-dia da escola isso é feito por muitos de nós. Quantas vezes não damos connosco nesse papel de conselheiros ou até de confidentes? Sempre isso terá acontecido. Talvez agora o possamos fazer com mais rigor, de forma mais fundamentada e sistemática. Como? Os “Clubes de Ética” ou os “Gabinetes de Aconselhamento” são uma possibilidade. Certamente que gerariam alguma incompreensão e/ou colidiriam com outros serviços ‘próximos’ destes, com o inevitável aparecimento de ‘anti-corpos’. Porém, é quase certo que este será o caminho, assim se ouse avançar neste sentido.

BIBLIOGRAFIA: DIAS, Jorge H. e Barrientos Rastrojo, José (2009) Felicidad o Conocimiento, Colección Universidad, Dias, Jorge H. (2010) textos de apoio à Acção de Formação Contínua, disponibilizados na plataforma Moodle do CFAEBN Moreira, Maria Margarida Filosofia 10, Areal Editores Páginas Web: http://www.fundacionfilosofarte.com/nuestros_sevicios_asesoria.html http://www.youtube.com/watch?v=6LQzjWgNLBw

O Logos Clarinda Baptista Escola Secundária Abade de Baçal Filosofia e Formadora no Centro de Novas Oportunidades

Introdução: Perante a rápida transformação das sociedades são, cada dia mais, as pessoas que sentem com urgência os problemas filosóficos: Quem é o homem? Qual o sentido da dor e da angústia, do mal, e da morte? Que objectivo tem a vida? Qual a origem do universo? É possível atingir a felicidade? Como lutar pelos Direitos Humanos? A pedofilia e o sequestro, a violência familiar, os milhões de crianças que morrem à fome, porque acontecem? O namoro, casamento, amizade, conflito no local de trabalho ou a incapacidade de gerir a morte de um familiar…como afirma (Botton, 2001) citando Terêncio –“sou humano e nada do que é humano me é estranho”…estas questões não estão só no intelecto dos filósofos, pertencem a todo o ser humano. O pensamento contemporâneo ao distanciar-se das convicções positivistas, deu passos notáveis na descoberta mais completa do homem, reconhecendo o valor da linguagem metafórica e simbólica. A Hermenêutica, nas obras de Paul Ricoeur ou de Livinas, manifesta sob novos ângulos a verdade sobre o homem e o mundo. Tanto quanto o positivismo se afasta desta compreensão da existência humana, mais a hermenêutica indaga o significado da linguagem simbólica e permite aprofundá-la. A sabedoria do logos: – como vimos acima, a vida, os projectos, os valores e as crenças jogam-se entre palavras e é nelas que está a significação e significado do real. Daqui vemos que a vida humana é um contínuo vaivém na direcção da palavra. Como afirma (Wittgenstein, 1970) –“a palavra é o átomo da realidade”. É pela palavra que comunicamos e formamos a comunidade a que pertencemos. Tal como defende (Mounier, 1964), “é pela palavra que defendemos os valores, é nela que coexistimos na dimensão antropológica quotidiana”. A palavra é racional, o logos grego, esclarece conceitos, define, compreende, argumenta, infere, constrói teses, hipóteses e conclusões. É pela racionalidade que o Consultor pretende libertar a mente do Consultante das crenças, sentimentos, intenções, tristeza, da angústia, da revolta, da culpa, da mentira e das emoções sufocantes. Tudo isto é necessário porque a palavra é perigosa. Às vezes torna-se cega, surda e muda. E o Consultor, num contexto fenomenológico e hermenêutico “percebe a conversa, foca o assunto, cria empatia, questiona, revê contradições, encoraja, confronta, explica o processo, gere o silêncio e no fim do diálogo surge uma nova compreensão do problema” como explica (Dias, 2006). A linguagem é intencional e a palavra faz da realidade o nosso mundo. Daí que, na educação, toda a acção educativa deve ser centrada no Consultante, com vista a “desenvolver a sua personalidade, a sua consciência”, como (Rogers, 1983) escreveu no seu livro –“Tornar-se Pessoa”. O Consultante é o centro, onde se focaliza todo o trabalho de esclarecimento do problema, quando fala ao Consultor. Cada Pessoa tem o seu tempo para falar, para ouvir as questões. Citado por (Dias, 2006), Kierkegaard diz:“o discípulo é a oportunidade do mestre para se entender a si mesmo e o mestre a oportunidade do discípulo para se entender a si mesmo” desta forma, na relação de abertura que se estabelece, um e outro conhecem melhor o problema e compreendem as atitudes de cada um. Pode ser necessário repetir todo o diálogo filosófico porque está em causa a felicidade da Pessoa do Outro. Dada a urgência em promover a Felicidade na Escola, exigimos o conhecimento da Filosofia da Pessoa e das “leis”que garantam o seu valor absoluto, “perante o qual o próprio Estado se deve curvar”– (Kant, 1989). A pessoa adquire uma Dignidade própria, e

como tal, um Valor Intrínseco, não podendo ser usada por nenhuma vontade alheia, para seu benefício próprio. A fórmula do Fim Em Si Mesmo: ”Age de tal maneira que trates a humanidade tão bem na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como fim e nunca como meio” A pessoa é princípio e começo de toda a acção para o outro, é fim. Constitui a entidade que nunca pode ser instrumentalizada pela minha acção, mas é limite ao uso da minha liberdade. O respeito que devo à pessoa do outro, é o respeito que devo a mim próprio enquanto pessoa. Por isso, no imperativo categórico – (Kant, 1989) afirma: “Age como se a máxima da tua acção, devesse, pela tua vontade ser erigida em lei universal”: é a fórmula da Lei Universal, princípio de todos os princípios. É a boa vontade, pelas intenções puras, (autónomas e livres) que constrói o absolutamente Bom, que é universal. A boa vontade, age por dever, respeita a lei moral intrínseca ao ser humano e constrói a moralidade no mundo. É a Autonomia da Vontade: “Age de tal modo que a tua vontade, por meio da sua máxima, possa considerar-se a si mesma, como constituindo uma lei universal.” E a boa vontade, persegue a virtude, o inteligível, o modelo absoluto do Bem, com vista à felicidade, na senda de Sócrates e Platão. E então, (Kant, 1989) afirma: “Age, como se por meio das tuas máximas, fosses sempre um membro legislador num Reino Universal dos Fins” É um caminho de libertação absoluta da razão autónoma que supera o Estado. A única lei válida, legitima, é a lei moral praticada pela boa vontade da pessoa, perante a qual o próprio Estado se deve curvar – (Kant, 1989). A vida moral torna-nos dignos de ser felizes mas não constitui um passaporte para a felicidade. Uma pessoa moral faz uso continuado da boa vontade para dar primazia ao bem-fazer. Felicidade e boa vontade são distintas. A boa vontade torna-nos dignos da felicidade e, em última análise, felicidade e virtude devem andar associadas. Quando isso acontece, estamos perante o soberano bem. Para se ser digno da felicidade, é necessário ser-se virtuoso e a virtude baseia-se na autonomia da razão. O domínio de si, a coragem, a temperança e a prudência não são, só por si virtudes morais porque a sua adequação ao Bem depende da boa vontade. Esta é central na filosofia moral kantiana. As leis, o direito, a legalidade são antagónicas à lei moral, porque resultam de um apoio exterior ao homem: as tradições, usos e costumes, os padrões culturais. O Direito nada tem de moral, segundo Kant. É apenas legal, resulta dos legisladores que fazem as leis jurídicas, e estas podem opor-se à dignidade da pessoa e, portanto à moralidade. Esta supera qualquer valor, porque ela vive da razão pura, autónoma, livre, legisladora de si própria, fim em si mesma. É a sabedoria do logos numa ascese contínua. Personalismo: Corrente filosófica fundada por (Mounier, 1964) para o qual a “Pessoa é um Valor Supremo e Transcendente a todas as expressões imanentes da subjectividade do mundo, físicas ou psicológicas”. É uma concepção envolvente de todos os problemas filosóficos. Para nós, a consulta filosófica só tem sentido se o Conselheiro Filosófico for uma Pessoa. A Pessoa não se contenta em suportar a acção da natureza donde proveio. Transforma-a e, progressivamente, impõe-lhe a soberania de um universo pessoal. “O homem sábio não pode perder nada. Tem tudo investido em si próprio”Séneca citado por (Botton, 2001). Este universo forma-se pela liberdade, que combate em cada dia para além da derrota. A força que anima a liberdade é o optimismo trágico que procura a justa medida num clima de grandeza, luta e dor. A Fenomenologia de Husserl – no seu olhar mais atento, analisa esta transcendência – a intenção e o acto – que são a essência da Pessoa. “Ela é a unidade dinâmica de todos os seus actos e não apenas a soma destes. É esta virtualidade que a institui como consciência intencional do ser para si e do ser para o outro. Uma dualidade simultânea implícita na própria unidade do Ser Pessoa. A transcendência da noção de Pessoa implicada na própria corporeidade, enquanto unidade de todo o Homem, torna-a única e irredutível. “É essência que transcende toda a realidade temporal, física e psicológica” (Husserl, 1964). Com esta concepção supera-se o

formalismo dominante, onde a forma universal da lei se sobrepõe à individualidade do “sujeito moral”- (Kant, 1989). Trata-se de uma tentativa de conciliação entre a Razão Universal e o Amor/Essência, como intelecção da singularidade de Outrem. Este conceito de Pessoa expandiu-se na cultura ocidental, como sendo o mais elevado grau que o Homem adquiriu de si mesmo. Nesta noção, congregam-se a “individualidade, a singularidade, a consciência, a abertura, a liberdade, a autonomia, a responsabilidade, a inviolabilidade”– Mounier (1964) e a comunidade. Entendido como Pessoa, o homem não se fecha, nem se isola, mas abre-se à comunidade com os outros pelo Amor, respeito e nunca pela servidão, pela subserviência ou pelo temor. Como Pessoa, o Homem abre-se à comunidade com o mundo social, cultural, e natural, descobre-se como ser de relações múltiplas que tem nele um centro. “Um universo de Pessoas é um universo comunitário”- (Mounier, 1964) em que as próprias coisas se tornam instrumentos de comunicação e fomentam a comunidade. Só a comunidade de Pessoas é autêntica comunidade no Amor. A Consultoria Filosófica ganha maior importância porque ela pretende resolver os problemas da Comunidade, da Cidade, descer à rua para participar dos males e das alegrias dos cidadãos. “Ser Pessoa, ou Tornar-se Pessoa”– (Rogers, 1983) deve ser o objectivo de cada Homem, pelo seu próprio interesse mais radical está chamado a desempenhar na medida em que se torna o protagonista da sua existência, em que assume o cuidado da sua vida. A existência surge ao Homem como tarefa e isso implica que ele se encarregue dela, o que no fundo não significa mais do que responsabilizar-se por si próprio, por tudo quanto faz, pela sua vida e por tudo o que o relaciona com o seu projecto de vida- (Sartre, 1962). Ou, se quisermos, os vários projectos abrem-se à comunidade dos homens e ao mundo, em busca da própria Felicidade. A Escola é comunidade de Pessoas: as características da Pessoa, referidas acima, são aquelas que conferem Idoneidade Ética ao Consultor para poder aplicar com honestidade e respeito pelo Consultante, um método, que o ajude a resolver os seus problemas filosóficos. Como afirma (Dias, 2006), citando Rayda Guzman: no trabalho prático da consulta, “o Princípio da Esperança” promove a escuta activa, a compreensão da posição do Consultante e a expectativa de que este demonstre maior autonomia. A Escola é uma Empresa de Gestão de Relações Humanas e por isso mesmo, um lugar de contradições onde se cruzam muitos problemas filosóficos e onde o Principio da Esperança deve estar presente. Pessoa e Educação são inseparáveis porque só há educação se houver Personalização. Então, o Educador deve conduzir o educando a Tornar-se Pessoa, a construir uma personalidade equilibrada e autónoma com vista à Felicidade. A educação inclui um conjunto de variáveis das quais depende o sucesso educativo. Segundo (Dias, 2006) citando Peter Raabe, há dois aspectos essenciais que a Filosofia deve promover com alunos adolescentes: a “autonomia reflexiva e as competências críticas”. Entendemos que deve ser este o papel de todos os Educadores, já que a Educação é um processo especificamente humano que não se limita a um único âmbito. No acto educativo está em causa a liberdade humana e o próprio acto de educar é um acto de liberdade. A Consultoria Filosófica deve desenvolver o uso continuado da boa vontade aliada à prática da virtude para o bem-fazer, a fim de promover a felicidade na Escola. E para além desta filosofia formal, construir uma comunidade de Amor, fundada no respeito e dignidade da pessoa enquanto Sujeito Moral. Assim, nas leis políticas, (da polis) sobre educação, deve prevalecer a legitimidade do Valor Absoluto da Pessoa.

Bibliografia Botton, Alain de ( 2001 ). O Consolo da Filosofia, Pub. Dom Quixote. Dias, Jorge Humberto ( 2006 ). Filosofia Aplicada À Vida, Editorial Ésquilo. Husserl, Edmund, ( 1964 ). A Fenomenologia, Guimarães Editora. Mounier, R, ( 1964 ). Manifesto ao serviço do Personalismo, Lisboa Editora. Kant, I. ( 1989 ). Critica da Razão Pura, Edições 70, Lisboa. Rogers, Carl. R. ( 1983 ). Tornar-se Pessoa, Moraes Editores. Sartre, J.P. ( 1962 ). O Existencialismo é um humanismo, Editorial Presença. Wittgenstein, L. ( 1970 ). Tratado Lógico-Filosófico, Lisboa Editora.

“Época Helenística e Consultadoria Filosófica” Maria de Fátima Pires Luís EBS de Miranda do Douro. Filosofia e de Psicologia B

Tendo por base a definição de Aconselhamento proposto por Jorge Dias, para quem “Aconselhamento é um processo interactivo que leva o cliente a reflectir sobre uma das seguintes dimensões: o seu comportamento; os seus conceitos; os seus valores; as suas crenças e emoções” (Dias, 2006, p.30) e atendendo à Filosofia pós-aristotélica, poderemos afirmar que já nesse período da História da Filosofia se poderá falar dum “Aconselhamento”, porque Atenas surge como centro da Filosofia e espalhará, por todo o mundo greco-romano, a sua influência através de escolas existentes: a Academia e o Liceu e outras que surgiram, como a do Pórtico, ligada ao estoicismo e a do Jardim, ligada ao epicurismo. Qual a razão para esta conclusão? No período referido, verifica-se a decadência do pensamento grego, que só poderá ser compreendido, se tivermos em conta as sucessivas derrotas políticas que a Grécia sofreu: a derrota de Atenas por Esparta e, mais tarde, o desaparecimento das cidadesestado, ao ser conquistada por Filipe da Macedónia e depois por Alexandre. Também a condenação de Sócrates, no séc. V a.C. foi um duro golpe no génio grego, apesar de Platão e Aristóteles enaltecerem o pensamento grego com um fervilhar de concepções, ainda bastante actuais. Mas, a par da dependência governativa, na Grécia, outra perda se operou: a cultura grega foi lentamente contaminada pela cultura Oriental. O próprio Alexandre, que tivera como preceptor Aristóteles, embebido por essa cultura, intitulou-se como um deus. Mais tarde, o domínio de Roma apropria-se da cultura helénica espalhando-a por todo o império. Por tudo isto, os gregos “não se sentiam em casa”: tinham perdido a independência governativa e, consequentemente, estavam impedidos de alcançar a “autarquia” e de usufruir de uma autonomia, características fundamentais do chamado apogeu do pensamento grego; restou-lhes, o “dentro”, a “ataraxia e a catarse”, o interior de cada um, que não podendo ser calado, exprime-se através das diversas escolas/correntes 1 que surgiram nessa época e que deixam transparecer uma negação face às crenças, aos valores, aos conceitos e às emoções, até então, admitidas. Estas correntes filosóficas apostam no individualismo para o bem-estar íntimo, isto é, apostam na prática de se viver feliz. Não serão estas correntes a “arte de viver” conjugada com a “capacidade de saber viver” e respectivas ideias-chave para que aponta Gerd Achenbach? (Dias, 2006, p.55). E também, François Chatelêt terá chegado à mesma conclusão, quando afirma que, “basta nomear as três grandes correntes helenísticas: estoicismo, epicurismo, cepticismo para nos apercebermos de que se trata de três artes de viver”(Chatelêt, 1983, p.158). De facto, podemos afirmar que essas correntes são diversas propostas e formas de enfrentar a vida a que os gregos se agarraram para suportar melhor o peso da escravidão e da submissão perante um poder que lhes era estranho, centrando-se “na sua vida e na sua pessoa”, pois a unidade homem/cidadão; interior/exterior; filósofo/político; teoria/prática deixaram de fazer sentido nesse contexto sócio-político-cultural. Da mesma forma, nos tempos presentes, o Consultor Filosófico deverá ter em conta “o cliente, a sua vida e a sua pessoa” (Dias, 2006, p. 51 ). Deverá ajudar o cliente a enfrentar os problemas que vive e a assumir uma atitude clarificadora e crítica dos mesmos, no sentido de o ajudar a traçar, pessoalmente, um rumo na resolução do problema. Note-se que, o Consultor Filosófico não

deve definir esse rumo, mas deve colocar questões sobre o agir concreto do cliente e ajudálo, desta maneira, a obter uma maior consciência, sobre o caminho percorrido e aquele que terá, ainda, de percorrer, de modo a encontrar ele próprio o caminho que o conduzirá à felicidade e ao bem-estar. Deste modo a Consultadoria Filosófica pode ser entendida como uma “resolução”que cada cliente dispõe, não como uma” resolução acabada” que se adquire, mas como uma “resolução” na qual o cliente deve participar activamente, sob a coordenação, o saber e a empatia do Consultor Filosófico. Se a definição dada pela British Association for Counselling refere que o “Conselheiro oferece a outra pessoa o tempo, a atenção e o respeito necessários para este explorar, descobrir e clarificar formas de viver melhor e que contribuam para o seu bemestar” (Dias, 2006, p.32), então, da mesma forma, devemos encontrar um paralelismo dos tempos presentes nestas escolas/correntes de pensamento. Com efeito, o Sábio daquela época procurou, talvez de forma inconsciente, oferecer aos seus concidadãos utensílios conceptuais para eles explorarem, descobrirem e clarificarem as

1.

As Escolas/ Correntes: Academia, o Liceu, o Pórtico (estoicismo), o Jardim(epicurismo), o cepticismo, entre outras.

suas vidas perante um império tão vasto, tão heterogéneo e, sobretudo, um pensamento imposto pelo conquistador ao conquistado. O povo agarrou-se à religião; a elite, neste período, voltou-se para as diversas correntes, das quais o estoicismo, o epicurismo, o cepticismo, entre outras são o expoente máximo dessa “revolta interior”, as quais restringem o campo da sua reflexão para a vida prática, para os problemas respeitantes ao bem-estar e para a felicidade do homem, cabendo a cada um, e, individualmente, encontrar o caminho, um meio de vida e sobretudo uma mudança de comportamentos que traga felicidade. Se o homem grego encontrou a felicidade na prática dessas correntes, também o homem actual, cada vez mais dependente de outros e alienado de si mesmo, através da Consultoria Filosófica, poderá conhecer melhor o seu interior, libertando-se de preconceitos, de impressões e de significados que infundadamente atribuiu à realidade e conseguir então, a felicidade e o bem-estar tão desejado pelo género humano. Eis-nos, actualmente, perante um novo ramo da Filosofia: a filosofia aplicada à vida. Esta é a prova insofismada de que a Filosofia ainda não se “reformou”, e parafraseando Gustavo Bueno, poderemos afirmar que “ La filosofia, en su sentido estricto, no es “la madre de las ciencias”, una madre que, una vez crecidas sus hijas, puede considerar-se jubilada trás agradecerle los servicios prestados” (Bueno).

Bibliografia: - Bueno, G. ?Que ès la filosofia? Acedido a 7 de Novembro de 2009, IN htt://www.filosofia.org - Chatelêt, F. (1983). História da Filosofia. A Filosofia pagã, vol.1.Lisboa.Publicações D. Quixote. - Dias, J. (2006). Pensar Bem, Viver Melhor. Filosofia Aplicada à Vida. Lisboa. Editorial Ésquilo. - Gambra, R. (1973). Pequena História da Filosofia. Porto. Livraria Tavares Martins. - Petit, Paul. (1976). O Mundo Antigo. Lisboa. Edições Ática.

Aconselhamento Filosófico De onde vem? O que é? Para onde vai? Ana Pimentel Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro Filosofia e Psicologia

- Só compreendemos o que cativamos – disse a raposa. – Os homens deixaram de ter tempo para compreender o que quer que seja. Compram as coisas já prontas nas lojas. Contudo não há nenhuma loja onde possa comprar-se amizade e, portanto, os homens deixaram de ter amigos. Se queres um amigo, cativa-me…· in "O Principezinho" de Antoine de Saint-Exupéry

Quando iniciei esta formação descobri que era vítima de uma ilusão muito comum para quem se inicia nesta aventura da Consultadoria Filosófica, pensava tratar-se de uma espécie de filosofia clínica que me abriria as portas para uma nova forma de lidar com os problemas dos meus alunos. A primeira parte da minha ’ilusão‘, como rapidamente verifiquei, estava errada. Felizmente, a segunda parte veio a consolidar-se de uma forma agradavelmente cativante. Descobri, então, que se tratava de algo que era uma novidade, mas, simultaneamente, assente na tradição milenar da própria filosofia e é por aí que vou começar a desenvolver esta minha reflexão. De onde vem? O Aconselhamento Filosófico, longe de parecer apenas mais uma nova moda da Filosofia actual, surge como a marca de água da própria Filosofia e procura afirmar-se num novo paradigma da racionalidade filosófica. Desde a antiguidade clássica que os filósofos reflectem e intervêm sobre a realidade que os circunda. É nesta reflexão / intervenção que se situa a minha primeira linha de pensamento, procurando traçar um esboço de uma árvore genealógica do Aconselhamento Filosófico, tendo como base para esta reflexão as informações retiradas do livro de Jorge Dias, Filosofia Aplicada à Vida.

ÁRVORE GENEALÓGICA DO ACONSELHAMENTO FILOSÓFICO

Publica “Philosophische Praxis"em 1984 1982 – Funda a Associação Alemã para a Prática Filosófica

Publica “Éticas da Discussão"

Publica o “Mito de Sisifo"

GERD ACHENBACH 1947

Deu continuidade aos estudos práticos de Kant.

Cria o 1º Gabinete de Aconselhamento Filosófico em 1981.

HABERMAS 1929

CAMUS 1913-1960.

Defende a necessidade de Filósofos especialistas, capazes de fundamentar a prática filosófica em princípios estritamente racionais: uma Pura Filosofia Moral seria o objectivo a atingir.

Publica o «Elogio da sinceridade»

KANT 1724 -1804. “Ousa pensar!”

As suas regras morais são autênticos aconselhamentos válidos universalmente.

Cabe ao Conselheiro Filosófico, como metodologia de trabalho individual, encontrar esse “veneno” que leva ao suicídio, e que, segundo Camus, se encontra no “coração do homem”.

MONTESQUIEU 1689 -1755.

Defende o exercitar constante da Sinceridade, em nome da verdade como valor máximo, tem como consequência a tranquilidade da consciência que por sua vez nos conduz à Felicidade.

Análise racional do significado da morte e do suicídio; a finalidade e o valor da acção humana; a natureza do bem, da verdade e da justiça.

Importância da Forma como são abordados os problemas

São questões que o aproximam do Aconselhamento Filosófico contemporâneo.

PLATÃO – FÉDON (427-347 a.C.)

Paz espiritual do filósofo. Será esse o objectivo do Aconselhamento Filosófico contemporâneo?

METODOLOGIA SOCRÁTICA SÓCRATES (470 a 399 a.C.)

ESTOICISMO Zenão (333.- 264 a.C.)

EPICURISMO Epicuro (341.-270 a.C.)

56

O que é? «Ter problemas é normal, as desordens emocionais não são necessariamente doenças e não há nada mais prático do que uma boa teoria». Lou Marinoff E se existissem pessoas formadas na resolução de questões e problemas que dizem respeito à natureza do Ser Humano? (1) A resposta a esta questão é de uma simplicidade angustiante. De facto, estas pessoas sempre existiram, são os Filósofos (Conselheiros Filosóficos). Então porque é que não se lhes reconhece esse estatuto profissional? Penso que este reconhecimento passará em primeiro lugar por uma consciencialização no interior de uma classe profissional, que por medo de perder a sua identidade teórica teima em não reconhecer profissionalidade às suas dimensões mais práticas / aplicadas. De inspiração metodológica socrática, o Aconselhamento e Orientação Filosófica procurará, através do diálogo (con-versa) (2), examinar projectos de vida, afastando-se da noção de diagnóstico. O que está aqui em causa será a análise dos problemas de vida com a ajuda das ideias e orientações dos grandes pensadores; avaliação crítica das ideias e das visões da vida (diluição de medos e tensões) e o despertar para os benefícios de uma auto-estima reforçada, de um bem-estar pessoal e relacional, procurando-se assim “ajudar o cliente a encontrar hierarquias de valores, analisar alternativas, testar as consequências prováveis de uma decisão, desenvolver os conceitos do cliente, verificar as emoções e crenças associadas aos conceitos, detectar falácias etc.” (Dias, 2006, p.30). Aqui, “o importante é o cliente, a sua vida e a sua pessoa, não o problema. Não é uma terapia centrada no sintoma, mas uma ajuda que deve moldar-se de forma consciente aos contornos pessoais do indivíduo que o Conselheiro tem à sua frente.” (...) “ A Consulta Filosófica pretende clarificar a identidade do visitante, levando à sua consciência todas as transformações por que passou, devido às experiências que teve, às influências daquilo que sabe que pensam dele, daquilo que não sabe mas imagina que pensam dele, etc.” (Dias, 2006, p.51) É seguindo esta linha do pensamento de Achenbach, que se vê a “Filosofia como uma arte da vida, uma criatividade renovada em todas as consultas e confrontadas com as circunstâncias do cliente.” (Dias, 2006, p.55)

1. Prefácio de Tiago Pita (Jorge Dias, 2006, p.9) 2. A expressão «con-versa» aponta para uma convergência fundamental entre essas pessoas, no sentido de en-com-tro «afectivo», intelectual e, por vezes «físico». (Jorge Dias, 2006, p.66)

Assim, parece que o que distingue os Conselheiros Filosóficos dos outros profissionais de consultadoria, será a forma como se olha para a situação que o cliente apresenta. Longe dos padrões e esquemas rígidos das ciências, o Consultor Filosófico lançará mão a todas as técnicas e metodologias que considere apropriadas, no sentido de proporcionar bem – estar ao cliente. É neste esforço que se revela uma das capacidades fundamentais da Filosofia: a disponibilidade para o saber e a humildade para reconhecer que o que não se sabe é infinitamente superior ao que se sabe. O uso diversificado de metodologias de intervenção: Método “PROGRESS”, (Tim Lebon); Método “PEACE” (Lou Marinoff); Método “PROJECT@” (Jorge Dias); Método do ENSAIO FILOSÓFICO (José Barrientos), entre outros, vai de encontro à essência do Aconselhamento Filosófico no sentido de levar o cliente a reencontrar o seu próprio bem-estar, o seu equilíbrio interior e relacional, dando assim um novo sentido à sua existência. Procura-se assim orientar racionalmente o sujeito para encontrar o sentido da 1

sua vida, esse que parecia perdido num novelo emaranhado que não permitia que visse a realidade. A consulta surge assim como uma oportunidade de aprendizagem. Tal como diz a raposa no excerto apresentado no início deste artigo “ – Só compreendemos o que cativamos”. É nesta compreensão cativante que residirá o sucesso / continuidade das consultas de Aconselhamento Filosófico. Deste modo, relembro as palavras de Roxana Kreimer, no seu livro La filosofía como arte de vivir “ (…) a base para o diálogo é a empatia e a igualdade; o consultante não é julgado mas sim encaminhado e acompanhado num quadro de liberdade para o diálogo. A Consultadoria Filosófica tem como principio a ideia de Kierkegaard de que toda a ajuda verdadeira começa num acto de humildade, a partir da convicção de que ainda que se possa dominar um certo tipo de conhecimento, é duvidoso que se conheçam as respostas a todas as grandes questões. O Assessor, procura acompanhar e ajudar o consultante, não procura ser admirado em virtude da suposta superioridade do seu conhecimento.” Para onde vai? Será útil investir na Consultoria Filosófica? “Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma.” José Saramago, Entrevista ao semanário Expresso, 11 de Outubro de 2008 Não resisti a pegar nas palavras que Saramago ‘nos levou’, para nesta modesta reflexão, fazer uma breve consideração sobre a importância do trabalho de pensar. A acutilância deste pensamento toca no âmago da questão que aqui me preocupa, a saber, será útil investir na Consultoria Filosófica? Numa sociedade presa em crises valorativas, a mais valia de quem sabe pensar não pode ser desperdiçada pelo jogo do poder seja ele económico ou político. É esta ‘falta de Filosofia’ que permitirá a transição para um novo paradigma de racionalidade que coloque no seu epicentro a reflexão, a prudência e o reencontro desse ‘paradigma perdido’ da busca de um noção de felicidade/infelicidade. Retoma-se, assim, a velha questão de séculos - Porque devo ser feliz? A resposta continua a ser escrita na articulação com os outros e não apenas no isolamento contemplativo da racionalidade. Este comprometimento social traz consigo toda uma série de outros comprometimentos que procuram quebrar barreiras de modo a que o indivíduo, através do seu esforço pessoal, alcance um estado pleno de satisfação, que ocasionará um momento de Felicidade. Convém não esquecer, contudo, que também o prazer busca a eternidade e não se esgota ou contenta com simples momentos episódicos. O verdadeiro prazer tem necessidade do retorno (Nietzsche dixit) e como tal agarra-se à memória. Nesta linha, relembram-se as palavras de Proença (1987, p.81): «Cada momento é pois eterno (…). O oceano do tempo veio bater, para nosso prazer indizível, na praia do instante. E para exaltar a beleza da praia dourada, beijada por lábios de espuma, temos de exaltar também, no mais íntimo de nós mesmos, o grande mar oceano que veio banhá-la, e todas as suas ondas salgadas e todos os seus abismos profundos e todas as suas cóleras e todas as suas tempestades e seus naufrágios». A procura da Felicidade acaba por adquirir um estatuto verdadeiramente universal quer na sua dimensão histórica quer na sua dimensão existencial. Na sua

dimensão histórica parece haver dois campos opostos que enquadram as diferentes perspectivas sobre a felicidade: “ ou a felicidade é um estado absoluto, um fim último e perene ao alcance apenas da razão, uma espécie de via teológica; ou podemos considerá-la como fragmentos dispersos de prazeres do corpo, mas vividos conscientemente, que despontam ao lado de momentos determinados da vida de cada um e que retornam deixando, por vezes, um sabor nostálgico de fruição.” A noção de Felicidade parece caminhar assim ao longo da história entre estes dois caminhos: a via da razão, de que é exemplo Séneca, e a via hedonista, de que é exemplo Michel Onfray.

A Consultadoria Filosófica terá assim como finalidade fazer com que o consultante entenda esses breves momentos atingidos de Felicidade e projecte a sua vida para um horizonte expectável de bem estar (‘alegria de viver ‘ de que Russel nos fala), fazendo com que se liberte das angústias e das injustiças que sofre ao longo da sua vida. John Dewey (1859 – 1952) escreveu no começo do século XX que a Filosofia iria mostrar o seu verdadeiro valor somente quando ela deixasse de ser um dispositivo para lidar com os problemas dos filósofos e se tornasse um método, cultivado por filósofos, para lidar com os problemas dos homens. O Conselheiro Filosófico de bom grado aceitou este desafio. Se pensarmos nas capacidades que o Aconselhamento Filosófico (1) coloca à disposição de quem o procura, dificilmente poderemos deixar de lhe reconhecer mérito nos mais variados domínios sociais. Assim, parece inegável a utilidade de alguém que ajude na tomada de decisões (individualmente ou em equipa), na compreensão de determinadas questões e realidades bem como na resolução de determinados problemas de matiz filosófica. Aplicar estas capacidades na realidade escolar / educativa teria como objectivo um melhor ajustamento do aluno, no sentido deste desenvolver as suas capacidades críticas, de análise, de diálogo e de compreensão da realidade (Dias, 2006, p.33). Esta aplicabilidade vai ao encontro das novas exigências profissionais do professor, visto como um profissional que deve estar habilitado a «intervir» na educação e na formação integral do aluno. Neste âmbito e de acordo com o novo estatuto, o professor tem o dever de facultar «orientação» e «aconselhamento» em matéria educativa, social e profissional, em colaboração com os serviços especializados de orientação educativa. Caberá então aos professores de Filosofia zelar pela consolidação desta tarefa enquanto aplicadores das ferramentas que a sua formação de base lhe permite, no âmbito do entendimento que a UNESCO faz da Filosofia: “Uma escola de liberdade” visto que cria capacidades para pensar e emitir juízos com independência, incrementa a capacidade critica para entender e questionar o mundo e os seus problemas, e fomenta a reflexão sobre os valores e os princípios “ (Dias, 2007, p.18).

1. O conselheiro pode ajudar o seu cliente a clarificar os seus conceitos, os seus valores e as suas «reais» opções, para que no futuro possa fazer as suas escolhas de modo mais consciente, estruturado e sólido. (Dias, 2006, p.31)

É tendo como pano de fundo esta perspectiva da Filosofia que os programas actuais de Filosofia dos 10º e 11ºs anos, inspirados pelos textos de A. Comte Sponville,

afirmam a “Filosofia como uma actividade de pensar a vida e não como um mero exercício formal”. (pag.5 do programa de Filosofia). Estamos de facto perante um novo Paradigma da Filosofia aplicada à vida e longe vão os tempos em que os Filósofos se fechavam nos claustros teóricos das suas ‘Torres de Marfim’. Cabe então ao consultor, num esforço de elucidação dos problemas, trazer à luz essa Sabedoria capaz de traçar caminhos conducentes à descoberta das diversas alternativas de solução. Este caminhar terá de passar por um auto-esforço de redescoberta de si mesmo e de redimensionamento do(s) seu(s) projecto(s) de vida. Trata-se de facto de saber viver a vida e não apenas de aprender a resolver problemas. Na linha de pensamento platónico, a Filosofia não procura resolver os problemas das pessoas no mundo das sombras, mas antes, tirar as pessoas desse mundo das sombras para a contemplação da verdadeira sabedoria. Este processo difícil, liga-nos ao sentido prático deste novo Paradigma de racionalidade filosófica, enquanto procura incessante da autêntica felicidade humana. Nas palavras de Jorge Dias : “ Trata-se de uma forma geral de trabalhar com o consultante, tendo como fundamento epistémico-ontológico a consideração do homem como «projecto fundamental» (Martin Heidegger, por exemplo). Por vezes as pessoas ficam a pensar que o método se baseia na seguinte ideia: ter uma pessoa com um projecto à sua frente. E a consultoria filosófica iria ajudar essa pessoa a construir o seu projecto. Também pode ser isso, mas a ideia é fazer perceber às pessoas que são elas o próprio projecto fundamental. E só depois de perceberem isso é que podem começar a trabalhar os seus outros projectos.” (1)

(1) Entrevista com Jorge Humberto Dias sobre o PROJECT@ de 29 de Março de 2008, no blog: http://rolandoa.blogs.sapo.pt/82730.html

Finalmente, uma breve reflexão sobre a utilidade do investimento na Consultoria Filosófica. Numa época de crise social e económica como a que estamos a viver, pedese ao mundo empresarial que reinvente e amplie as suas dinâmicas competitivas. Este processo passará inevitavelmente pelo incremento da excelência empresarial (Quality Management). A questão de como conseguir o reconhecimento dessa qualidade não só pelos outros, mas – o que é mais importante – pela lógica do sucesso no mercado de trabalho, não é nova. As velhas questões - O que Fazer? Como decidir? - São de novo desafios sociais e organizacionais que os Conselhos de Administração das Empresas vão ter que enfrentar. É agora que precisamos lembrar que a Filosofia está aí para nos oferecer uma forma de orientação e de tomar decisões, assim e nas palavras de Enrique Suárez Ferreiro: “A Orientação Filosófica no contexto empresarial permite afrontar estes desafios“. Segundo este autor já Aristóteles, na sua Ética a Nicómaco, defendia que as decisões conducentes a acções não precisam de Ciência, mas que exigem Phrónesis, isto é, um saber decidir que traz uma compreensão mais ampla tanto dos potenciais ganhos como dos potenciais riscos. Este saber capacita-nos para enfrentar não só o fácil, o êxito, mas também o mais árduo, as dificuldades. O desafio será avaliar quais são os riscos previsíveis pelos quais tenho de optar, na gestão empresarial, e algo ainda mais complicado, conseguir antecipar os imprevistos que possam surgir de modo a antecipar e planear a acção mais adequada. Que a busca de Excelência no meio empresarial é algo necessário ninguém põe em causa. Para tal, a Filosofia coloca à sua disposição uma tradição de 2500 anos, apoiada num saber fazer que permite a orientação em situações nas quais temos que

optar entre alternativas incompatíveis entre si. É então neste quadro de um saber fazer, baseado em competências de planeamento cada vez mais exigentes, que a Consultadoria Filosófica poderá ser uma mais valia importante nos quadros de qualquer empresa que queira ter sucesso ao nível de um mercado cada vez mais global e competitivo. Termino com uma citação de Blackburn (2000): “Há pessoas que questionam a própria noção de verdade, de razão, ou a possibilidade da reflexão desapaixonada. Na sua maior parte, fazem má filosofia, muitas vezes sem saberem que é isso que estão a fazer: são engenheiros conceptuais que não conseguem desenhar um plano, quando mais conceber uma estrutura.” Será o Aconselhamento Filosófico o novo Paradigma da Filosofia aplicada do nosso século ou será mais um modismo, como tantos outros? Fica a questão. Acções de formação como a que acabamos de frequentar contribuem para o lançamento das sementes deste novo modelo de racionalidade. Se elas germinarão ou não, dependerá sobretudo da forma como os seus tratadores (os formandos) as cuidarem. Pensemos pois em cuidar dessas sementes de um modo vivencial, utilizando as teorias e as ideias filosóficas dos que nos precederam para as adubar, mas não nos esquecendo que para fazer Filosofia é necessário não só escavar a terra das ideias, mas também fazer boas enxertias com os rebentos que surgirem.

Bilbiografia AA. VV. Consulenza Filosofica. Acedida em Junho de 2010. IN http://it.wikipedia.org/wiki/consulenza_filosofica Blackburn, Simon (2000). Pense: Uma Introdução à Filosofia. Gradiva. Lisboa. Carneiro, Tomás Magalhães. (2010). Filosofia Crítica. Acedido a 22 de Junho de 2010. IN http://filosofiacritica.wordpress.com/ Caselas, António, António Lopes e Francisco Marques. (2003). Ática, Constância, Carnaxide Dias, J. (2006). Pensar Bem, Viver Melhor. Filosofia Aplicada à Vida. Editorial Ésquilo. Lisboa. Dias, J. (2007). A importância do Conselheiro nas Escolas. Revista Projectos e Ideias. CFF. Faro. Dias, J. (2010). Gabinete Project@ - Consultoria Filosófica. Acedido em Junho de 2010. IN http://gabinete-project.blogspot.com/ Ferreiro, Enrique Suárez (2006). Contribuciones. Consultoria Filosófica Suárez. Acedido a 6 de Julho de 2010, IN http://www.jroller.com/enrique Proença, Raul (1987). O Eterno Retorno.1ª Ed, Biblioteca Nacional. Lisboa. Rastrojo, José Barrientos e Jorge H. Dias. (2009). Felicidad o Conocimiento? Doss Ediciones. Sevilla.

«Aconselhamento Filosófico» Maria Filomena dos Santos Costa Escola Secundária de Vila Flor Filosofia e Psicologia

A presente acção de formação teve, entre outros aspectos, o mérito de apelar para a necessidade da desconstrução de certos mitos com os quais a Filosofia se depara. Quantas vezes somos confrontados com perguntas que nos interpelam sobre a utilidade da Filosofia. E claro, com algum desencanto, por não sentirmos o reconhecimento de quão importante é o estudo desta disciplina, de imediato evocamos as competências que a disciplina ajuda a desenvolver. São ferramentas tão importantes para a formação integral do homem, contudo, tão desvalorizadas pelo grosso da sociedade. Lipman (1999) e Fisher (2000) consideraram que a investigação filosófica tem um papel crucial na educação e no desenvolvimento integral da pessoa humana, pois “a qualidade das nossas vidas e da nossa aprendizagem depende da qualidade do nosso pensamento”. Se existir é estar perante várias possibilidades, como sabiamente referiu Kierkegaard, ao ser humano é exigido optar e escolher constantemente, pelo que é importante aprender a tomar posição, não somente perante a sua própria existência, mas também perante a existência dos outros, já que existir é coexistir. Aprender a pensar é certamente o objectivo da Filosofia, promovendo um pensamento crítico, reflexivo e autónomo, condição essencial para o exercício pleno da cidadania. Há que reconhecer que o discurso filosófico se tornou, por vezes, demasiado técnico, hermético, dificultando a sua interpretação por parte das pessoas que não estudam Filosofia, podendo este facto agravar a imagem negativa da Filosofia e fazendo crer que a filosofia nada tem a ver com a vida concreta. Mas será que Filosofia foi totalmente aceite e lhe foi reconhecido o devido valor? Se nos reportarmos ao trágico destino de Sócrates, injustamente condenado à morte por parte do poder instituído, poderemos certamente constatar um claro sinal de receio pela filosofia. A Filosofia pode ser também incómoda, podendo constituir-se num contra-poder. O saber que esta disciplina promove é tão essencial ao ser humano que “quem não tem umas tintas de Filosofia é homem que caminha pela vida fora agrilhoado a preconceitos (…). O mundo tende, para tal homem a tornar-se finito, definido e óbvio” (Russel, 1974, p.236). Neste sentido, cabe ao professor de filosofia a tarefa árdua de desconstruir mitos, preconceitos que condicionam a reflexão que se pretende crítica e autónoma. Sobre o Aconselhamento Filosófico, também pendem alguns mitos e ilusões que, em parte, resultam de crenças generalizadas que são imputadas à Filosofia. O primeiro mito prende-se com a distinção entre a teoria e a prática. Mas terá algum sentido defender a separação entre a componente teórica e a componente prática? Podemos hoje desfrutar de milhares de anos de pensamento com sábias ideias e orientações, mas elas só se tornarão, efectivamente proveitosas, se aplicadas no concreto, isto é, aos problemas quotidianos, sociais e profissionais das pessoas. O segundo mito refere-se à diferença entre a consulta filosófica e outras consultas. A consulta filosófica enfatiza a análise de aspectos conceptuais e racionais e centra-se no presente, focalizando aspectos conscientes. Ao invés de outras consultas, que centram a sua atenção no passado do cliente e em aspectos inconscientes. O terceiro mito está relacionado com a neutralidade do Consultor Filosófico. Será legítimo perguntar se a isenção absoluta será possível de atingir? Sabemos que o

processo de influência social existe, negá-lo seria um contra-senso. O Código de Ética do Conselheiro Filosófico é um documento que está ainda em construção e no qual as associações do sector devem pretender regular práticas e valores. O que se pretende é ajudar o consultante a analisar os seus problemas existenciais e não exercer qualquer tipo de influência sobre o outro. O quarto mito: a impossibilidade da Filosofia não poder ajudar as pessoas. Este mito prende-se com a utilidade da filosofia. A maioria das pessoas não se apercebe de que muitos dos problemas com que se defronta e muitas das questões que pondera para consigo ou na companhia de amigos, constitui a própria raiz da filosofia. Poder-se-á certamente afirmar que a Filosofia encerra algo de paradoxal, embora sempre omnipresente, nega-se contudo a sua utilidade. O quinto mito está associado à surpresa que suscita um licenciado em Filosofia vender serviços filosóficos. Esta ideia incomoda sobremaneira certas pessoas porque não lhe reconhecem utilidade e por desconhecerem o seu valor. Urge reverter esta situação, desconstruindo os mitos que inquinam a nossa reflexão. E o Aconselhamento filosófico poderá ser a lufada de ar fresco que a Filosofia necessita para a aproximar de forma mais efectiva da vida prática das pessoas, pois os problemas que aborda são existenciais. O Aconselhamento Filosófico é um processo interactivo entre um Conselheiro e o cliente devendo, particularmente este último, reflectir sobre o seu comportamento, crenças, valores ou emoções. O Conselheiro apenas sugere que o cliente assuma uma reflexão séria, e o apoio que lhe é dado, será no sentido de o tornar autónomo, responsável, consciente e mais livre. O Aconselhamento Filosófico exige um diálogo sério e uma análise imparcial do problema em causa, excluindo qualquer tipo de persuasão, manipulação, ameaça ou constrangimento e não se restringe a uma entrevista, a menos que o Consultor identifique no cliente um problema do foro patológico, devendo ser encaminhado para outro profissional. Os Serviços de Aconselhamento devem ser de prevenção e funcionar em rede, devendo o cliente ser encaminhado para outro profissional, consoante o seu problema. Lou Marinoff, a propósito da Consultadoria Filosófica, refere que esta «ajuda-nos a ser mais racionais, pois muitas vezes, as emoções toldam-nos o raciocínio levando-nos a fazer más escolhas. Por vezes, as pessoas encharcam-se em químicos quando muitas vezes só se necessita de uma conversa com alguém mais esclarecido e que lhe ofereça uma perspectiva diferente da situação que está a ser vivida». Neste aspecto, Jorge Humberto Dias não subscreve totalmente, pois defende que cabe ao cliente fazer a opção. O Aconselhamento Filosófico exige o respeito absoluto pelo cliente, pelas suas necessidades e a estrita confidencialidade. O Conselheiro deverá fazer os registos exactos do desenrolar da entrevista num clima de empatia e apoio moral. A atenção individualizada que se exige em todo este processo, implica a implementação de métodos diversificados, e não uma abordagem estandardizada, que seria certamente redutora, não se respeitando a especificidade de cada um. O Aconselhamento permite devolver às pessoas o sentimento de equilíbrio, habilita-as a fazer as suas próprias escolhas, a tomar as suas decisões, racionalizando todo este processo. Há uma clara correlação entre o pensar e o viver, pelo que podemos certamente afirmar que a nossa qualidade de vida aumenta, se pensarmos com discernimento. São várias as situações que podem justificar o recurso a um Conselheiro Filosófico, designadamente problemas familiares, expectativas da mulher e do homem, casamento, divórcio, sentido de existência, angústia perante a morte, desespero perante o futuro,

dificuldades na gestão de conflitos, indecisão perante dilemas, frustração perante o desejo da felicidade, etc. Vivemos num mundo cada vez mais competitivo, em que o nosso quotidiano está repleto de tarefas que, embora rotineiras, não as podemos contornar, as quais nos absorvem grande parte do tempo e inviabilizam uma existência mais reflectida. Parafraseando Sócrates, «Uma vida não examinada, não merece ser vivida». De facto, a vivência social está pejada de representações, de estereótipos e preconceitos que condicionam sobremaneira uma visão mais crítica de nós próprios e da realidade que nos rodeia, pelo que urge pensar com discernimento. A filosofia sempre serviu para dotar a mente dos seres humanos com ferramentas que eles podiam usar na vida corrente. E o Conselheiro Filosófico pode ser uma ajuda para reverter esta situação - racionalizar a existência humana. O Aconselhamento Filosófico, sendo uma metodologia que aposta no diálogo, na troca de ideias, possibilita uma vida mais consciente, construtiva e necessariamente mais feliz. Esta prática pode ser aplicada no âmbito da Educação, permitindo ao aluno desenvolver capacidades críticas, de análise, de diálogo e de compreensão de si mesmo e da realidade. Tem um carácter preventivo, educativo e de apoio, pois exige a clarificação conceptual do problema, alarga o horizonte das opções, permitindo uma escolha mais racional. Viver de acordo com a razão, é certamente, viver melhor e com certeza maximiza as potencialidades do consultante. Consultor e consultante estão implicados num processo de auto-descoberta, de desvelamento, focando a sua atenção sobretudo no presente e em aspectos conscientes. No âmbito das sessões práticas, o Consultor Filosófico não deve aconselhar directamente o consultante. Não deve colocar muitas questões fechadas, pois estas não permitem ao consultor aceder a aspectos fundamentais. Não deve fazer interpretações psicológicas, nem focar nas causas. Não deve ocupar muito espaço no diálogo, o consultante deverá ser o centro da atenção do consultor e não o contrário. Deverá sim, focar a sua atenção no problema/questão do consultante, contextualizar o problema/questão em causa, colocar questões abertas de modo a que o consultante apresente as suas razões, fazer uma abordagem filosófica do problema em causa, dar a ao consultante “muito espaço” no diálogo, devendo ainda facilitar, sendo aberto e explícito, isto é, por vezes o consultor deve fazer o resumo da abordagem até ao momento, deve estar atento às reacções do consultante, deve assumir uma postura aberta, olhar nos olhos, encorajar o diálogo, saber interpretar o silêncio e também manifestar algum sentido de humor. Para a “entrevista” atingir o patamar filosófico, deverá o consultor focar a sua atenção na análise conceptual e nos fundamentos apresentados pelo consultante. Em todo este processo, deverá o consultor anotar o desenrolar da “entrevista”. A reconstituição conceptual e argumentativa é fundamental, permitindo-nos analisar alternativas, testar consequências prováveis de uma decisão, desenvolver conceitos, verificar as emoções e as crenças associadas aos conceitos, detectar falácias, etc. O trabalho filosófico realizado no âmbito de uma consulta destina-se a explorar o pensamento consciente do consultante, respeitando sempre a sua filosofia de vida. Quantas vezes a infelicidade se instala, por falta de projectos consistentes de vida? Através do diálogo, pretende-se analisar reflexivamente os problemas existenciais, de modo a alcançar a verdade e, consequentemente, a felicidade. A felicidade de que se fala é a de cada um. Não existe um conceito único de felicidade. Ao longo da história da filosofia, o tema da felicidade foi frequentemente abordado e nunca esgotado. Cabe a cada um encontrar o seu projecto de vida. Mas será tarefa fácil encontrar este rumo? Não haverá circunstâncias que podem condicionar o nosso raciocínio, levando-

nos a fazer más escolhas? Será legítimo recorrer a profissionais que apenas nos dão uma resposta farmacológica, quando os nossos reais problemas são do foro existencial?

Bibliografia Dias, J. 2006, Filosofia Aplicada À Vida, Lisboa, Editorial Ésquilo. Dias, J. e Rastrojo, J. 2009, ¿Felicidad o Conocimiento?, Sevilha, Doss Ediciones Dias. J. 2010, Manual de Formação Marinoff, L. 2002, Mais Platão, Menos Prozac! Lisboa. Editorial Presença.

Reflexão Crítica Maria Ângela Lopes Martins Afonso Agrupamento de Escolas de Mogadouro Filosofia

A acção de formação, subordinada ao tema ”O Novo Paradigma da Filosofia Aplicada: Projectar a Felicidade na Escola”, orientada pelo professor, formador e consultor filosófico, Jorge Dias, pretendeu atingir os seguintes objectivos: compreender a Filosofia Aplicada como uma matriz conceptual específica; problematizar e procurar respostas para a questão da formação profissional que pretenda utilizar o saber da Filosofia Aplicada; explorar a utilidade da Filosofia Aplicada nos programas das disciplinas e nas estruturas da escola; compreender a Consultoria Filosófica como um ramo da Filosofia Aplicada; conhecer alguns autores da Consultoria Filosófica; dominar competências e métodos de Consultoria Filosófica; compreender o tema/problema da felicidade como uma questão transversal na educação em geral e na Consultoria Filosófica em específico; operacionalizar as competências e os métodos em consultas filosóficas. De acordo com o programa da acção foram abordados os seguintes conteúdos: mitos e ilusões na Consultoria Filosófica; definições básicas de Consultoria Filosófica; as competências essenciais do consultor filosófico; a felicidade como horizonte da Consultoria Filosófica e o método Project@. Por tudo isto, vi nesta acção, uma porta aberta para reflectir e adquirir conhecimentos que podiam melhorar o meu desempenho profissional na leccionação e no desenvolvimento de projectos de intervenção na escola. A curiosidade, já que era uma área desconhecida para mim e a preocupação em manter-me actualizada, levaram-me a efectuar a inscrição nesta acção de formação ainda que em período de interrupção lectiva. O tema da acção era sugestivo e motivador, de grande pertinência na actualidade, já que este novo paradigma da Filosofia pretende alterar formas de pensar, de estar e de trabalhar. O filósofo não deve remeter-se apenas ao seu papel de professor, existem, para além da docência, outras actividades onde a sua utilidade é evidente. O filósofo pode ser uma mais-valia na promoção de valores e da ética em diversas áreas; a Filosofia deve posicionar-se nos grandes temas da actualidade. Um desafio da UNESCO é tornar a Filosofia acessível às pessoas, pensar nas questões do mundo. A Filosofia Aplicada tem vindo a desenvolver-se das mais diversas formas, percorre várias áreas de intervenção – Filosofia para Crianças, Comissões de Ètica, Cafés com Filosofia, Formação Profissional, Ateliês ou Oficinas de Filosofia e Aconselhamento Filosófico. Na actualidade, são várias as instituições que promovem e divulgam a Filosofia Aplicada e têm sido destacadas as vantagens de abordar os problemas existenciais e organizacionais numa perspectiva filosófica. Os principais conselheiros filosóficos são: Peter B. Raabe; Fragoso Fernandes; Gabriel Arnaiz; Óscar Brenifier; Tim Lebon; Francisco Barrera; L.Marinoff, que deu um importante contributo para a credibilização da profissão de conselheiro filosófico, Rayda Guzman, que criou o mestrado na área da Consultoria Filosófica; Ran Lahav que defende que “a Filosofia pode transformar as coordenadas básicas individuais, esperanças, ansiedades, atitudes e elevá-las para outro plano”; Roxana Kreimer, que refere que “o Aconselhamento Filosófico não oferece uma terapia alternativa mas sim uma alternativa à terapia”; e José Barrientos, que define a consulta como” um diálogo entre dois indivíduos. Um deles, o orientador, ajuda o cliente a clarificar e resolver os

seus problemas usando a categorização, vivências e metodologias filosóficas e racionais.” Em Portugal a Consultoria Filosófica é uma área recente. Os principais consultores filosóficos são, entre outros, Jorge Dias, Filipe Meneses, Nuno Tavares, Eugénio Oliveira, Tomás Magalhães Carneiro, Tiago Pita, Joana Sousa e Marisa Cruz. Cada consultor tem um método, isto é, forma que utiliza para levar a pessoa a reflectir de modo sequencial e organizado com o objectivo de identificar/resolver um problema filosófico. Jorge Dias, o formador e consultor filosófico criou um método próprio de resolução de problemas existenciais, PROJECT@, constituído por seis níveis/passos: 1 - Identificar projectos de vida do consultante; 2 - Analisar a estrutura de um projecto; 3 - Relacionar o projecto com a vida do consultante; 4 - Agrupar projectos e definir aplicações; 5 - Reforçar a “filosofia de vida” do consultante; 6 - Verificar a sua realidade e importância. Define a Consultoria Filosófica como “um ramo da Filosofia Aplicada que consiste numa análise racional de conceitos e valores no sentido de detectar e resolver problemas filosóficos promovendo a autonomia para estabelecer com o consultante um projecto de vida organizado em função das necessidades diagnosticadas.” O objectivo principal de uma consulta filosófica é, portanto, ajudar o consultante a ser capaz de, através das ferramentas filosóficas ganhar uma certa distância sobre si mesmo e, dessa forma, analisar, clarificar, resolver ou eliminar os problemas que o preocupam. Na Consultoria Filosófica o mais importante é trabalhar os conceitos da pessoa, as definições que ela nos apresenta da sua vida. A forma de trabalhar com o consultante tem como fundamento “epistémico - ontológico” a consideração do homem como «projecto fundamental», só quando as pessoas se apercebem que elas é que são o próprio projecto fundamental é que começam a trabalhar os seus projectos. A Consultoria Filosófica consiste em aplicar os conhecimentos filosóficos aos problemas do quotidiano. É uma actividade, cujo profissional através das suas competências e usando as metodologias próprias centrando-se no diálogo e empatia, consegue ajudar a pessoa a ultrapassar esses mesmos problemas. Filosofar pode ajudar a encontrarmo-nos, a situarmo-nos, a perspectivarmo-nos. Muitas vezes o mal-estar sentido por uma pessoa resulta da dificuldade em compreender o problema que a afecta. Dialogar com um filósofo é poder contar com alguém que nos ouve sem nos condenar, e que nos obriga a ser rigorosos na forma como entendemos e lidamos com a situação que nos inquieta, ajuda-nos a organizar os nossos pensamentos. A Consultoria Filosófica pode tornar a pessoa mais capaz de estruturar a sua visão da vida em termos mais rigorosos, consistentes e coerentes. O consultor filosófico, Jorge Dias refere um conjunto de problemas filosóficos, situações que causam dúvida ou dilema, uma indefinição que limita a procura de sentido na vida, que levam à necessidade de procura que não sendo científica faz com que a pessoa sinta dentro de si o desejo de procurar tranquilidade. Neste sentido, o consultor filosófico é o agente mais indicado para ajudar o consultante a atingir a ataraxia, um estado de felicidade e a viver melhor; considera o consultante uma pessoa única e insubstituível e a filosofia dessa pessoa não pode ser confundida com a filosofia de outra pessoa. Uma análise racional orientada pelo consultor pode não servir para outra pessoa com as mesmas preocupações. O formador, Jorge Dias, deu-nos a conhecer o que a Consultoria Filosófica pode ajudar na vida das pessoas, com a apresentação e análise de casos de consulta, para percebermos que tipo de casos podem aparecer no consultório e que tipo de problemas podem os consultores filosóficos ajudar a resolver. Assim, o grande objectivo da Consultoria Filosófica é ajudar as pessoas a racionalizar, a grande mais - valia é fazer

com que as pessoas se distanciem do problema, deixem de sofrer e consigam ter uma perspectiva que lhes permita com coerência analisar e resolver o seu problema. Como o nome da acção de formação indica, o objectivo do novo paradigma da Filosofia Aplicada é projectar a felicidade na escola, a felicidade foi também um dos temas de destaque nesta acção. A felicidade é a finalidade da: pessoa, da sociedade política, comunidade educativa e instituição familiar. É o tema mais importante da vida humana pessoal e cada pessoa não poderá ser feliz se não tiver um projecto de vida com sentido para si. Segundo o formador Jorge Dias, uma das grandes finalidades da vida humana e da Consultoria Filosófica é a felicidade. Acredita que a felicidade é possível, desde que se trabalhe a sua construção. Sem projectos de vida e sem planos de desenvolvimento pessoal não é possível ser-se feliz. A felicidade é portanto, resultado de uma construção que a pessoa faz da sua vida e para obter bons resultados são necessários bons projectos. O formador e consultor filosófico, Jorge Dias, procura tornar os seus consultantes mais felizes, potencializando todas as suas capacidades através da referida metodologia dos seis passos, uma fórmula que faz depender a felicidade do número de concretização de projectos. Ajudar as pessoas a serem felizes é dar-lhes instrumentos para serem felizes. Todos queremos ser felizes, a questão da felicidade é um problema filosófico pessoal que jamais terá uma solução absoluta e universal. Se olharmos para a História, encontramos muitas definições de felicidade, diferentes formas e perspectivas de a analisar. O formador Jorge Dias é de opinião que antes de definirmos a felicidade temos de definir a pessoa e a maneira como a pessoa vive a vida. O ideal é cada um dedicar-se à formação da sua filosofia de vida pessoal elaborando a sua teoria sobre a felicidade. Esta acção foi muito interessante e enriquecedora a nível pessoal e profissional, pelo material fornecido e pelas pistas sugeridas. Foi um espaço de reflexão e de partilha onde se construiu um ambiente de trabalho amigável entre formandos e formador. As sessões pautaram-se por um ambiente agradável, de entusiasmo e de cooperação entre os participantes. Aliada à componente prática, revestiu-se de importância fundamental a componente teórica porque permitiu aos formandos o acesso a um conjunto de conceitos sem os quais a prática não teria sentido. A metodologia utilizada pelo formador, exposições teóricas, sessões práticas e diálogo interactivo foi estimulante, motivadora e adequada aos objectivos. Considero que este tipo de acções deverá ser mais incentivado já que a maioria peca por um excesso de teorizações algo desligadas dos problemas do quotidiano. Dado que é fundamental para o profissional de ensino a constante actualização, abertura e inovação, estas acções de formação são sempre positivas para aperfeiçoamento das competências e actualização dos conhecimentos para podermos acompanhar a mudança que caracteriza a actualidade. O formador está de parabéns pelo bom ambiente de trabalho, pelo clima de bom relacionamento que caracterizou toda esta acção.

Referências bibliográficas: Dias, Jorge (2006). Pensar Bem, Viver Melhor. Filosofia Aplicada à Vida. Lisboa. Editorial Ésquilo. Marinoff, Lou (2004). Mais Platão, Menos Prozac!. Lisboa. Editorial Presença. Silva Agostinho (1994). Vida Conversável. Lisboa. Assírio e Alvim.

Em prol da Filosofia na Contemporaneidade Raquel Alexandra Diz de Sá Escola B2/3 Secundária de Murça Filosofia “A Filosofia é esta reflexão crítica e interrogativa que permite a um Homem e a uma civilização ascender à consciência de si, distinguir entre os verdadeiros e os falsos valores, pôr-se em questão para se renovar e ultrapassar.” (Le Monde, 1975) Vivemos hoje sob influência quase massiva do desenvolvimento científico e técnico. Nunca como agora tivemos ao nosso alcance a panóplia de teorias e instrumentos, teorias materializadas segundo Bachelard, ao serviço da satisfação das necessidades com que a realidade natural e humana nos confrontam. Malgrado este elevado índice de desenvolvimento, vivemos um dos maiores paradoxos da história humana recente. Aparentemente, temos mais dificuldade em dominar o curso dos acontecimentos, dado que, sobre o nosso mundo, têm recaído as maiores catástrofes naturais e humanas: desde sismos violentos, furacões devastadores, irrupções vulcânicas, até corrupção quase generalizada, tráfico de armas, de droga, de seres humanos, doença, fome, miséria e morte. Perplexidade das perplexidades: de um lado, o inigualável desenvolvimento tecno-científico, do outro, a manutenção das assimetrias de todo o tipo, passando das relativas ao desenvolvimento individual, até ao económico. Afinal, a evolução científica e técnica não se fez acompanhar do respectivo desenvolvimento moral e, em consequência, produziu tragédias humanas como Auschwitz, Gulag, apartheid, ditaduras, massacres étnicos, genocídios, cuja contrapartida é o medo e o desconforto de viver, que abalam os nossos mais sólidos fundamentos e, simultaneamente, criam inquietação e ansiedade face à vida e ao futuro. Desta realidade vai emergindo aquele que é o Homem hodierno, podendo ser designado por “homem light (…) com as seguintes características: pensamento débil, convicções sem firmeza, apatia nos compromissos, indiferença sui generis feita de curiosidade e indiferença ao mesmo tempo…; sua ideologia é o pragmatismo, a sua norma de conduta, o hábito social, o que se tolera, o que está na moda; sua ética fundamenta-se na estatística, substituta da consciência; sua moral repleta de neutralidade, falta de compromisso e subjectividade (…)” (Rojas, s/data, pág. 9) Vivemos, hoje, numa sociedade desvalorizadora da reflexão, imperando um practicismo primário, acrítico, vive-se e decide-se no limiar da ausência de pensamento. O século XX surgiu-nos como o culminar de todo um esforço de progresso, no sentido de um aperfeiçoamento técnico e tecnológico movido pelo ideal moderno e cartesiano de domínio da Natureza. A condição do Homem contemporâneo é marcada por uma existência vivida a um ritmo acelerado, onde a fragilidade humana deu lugar a uma deificação desse ser para quem o Mundo e o Universo são, cada vez menos, um enigma a desvendar. E, no entanto, sentimo-nos cada vez mais sós e desprotegidos. Cada vez mais o Homem explora o Céu e a Terra, sabe menos de si mesmo, encarando o futuro como uma incerteza. Num Mundo marcado por um cientismo redutor, onde os valores humanistas são apenas breves referências de discursos de ocasião, surge a necessidade de reintroduzir na Educação, enquanto lugar de formação do indivíduo, uma chamada de atenção para a realidade quotidiana que se afigura cada vez mais assustadora. Esta realidade, caótica mais do que o desejável, requer clarificação; contudo, a abordagem não pode ser científica ou religiosa, por se encontrarem esgotadas as ilusões e promessas com que compraram a nossa alienação. Urge retornar à base maternal, e com Platão perceber que “embora sendo, a realidade sensível não é nunca aquilo que

verdadeiramente é”. Por isso implica desvelá-la e, após cada véu, como defende Nietzsche, “ Ver para além do Olhar” (Origem da Tragédia) Dois milénios e algumas centenas de anos depois de Platão, indagar a fundamentação e sentido da vida continua a consubstanciar a maior das tarefas almejadas. Deste ponto de vista, o Filósofo pode ser o catalisador do devir na sociedade, uma mais-valia na implementação de valores e de promoção da ética em diversas áreas, por exemplo: política, social, educativa, económica. Demandando o sentido imprescindível à construção da felicidade, esta dimensão da filosofia é eminentemente prática. É pensamento Crítico que, obviamente, tem como objectivo principal fazer filosofia e não simplesmente falar de filosofia. Claro que vislumbramos “para lá do véu de Maia” o projecto filosófico intemporal, embora agora com “anima”renovada. Muitos Filósofos contemporâneos assumem esta nova vertente, trazendo a Filosofia para o quotidiano, para a praça pública, colocando-a ao serviço da indagação, por vezes belicosa, da resposta aos problemas mais recentes da realidade que nos é dado viver. Neste contexto, Sponville argumenta “Como viver? A partir do momento em que tentamos responder a essa pergunta de modo inteligente, fazemos Filosofia. E, como não se pode evitar de formulá-la, é forçoso concluir que só se escapa da Filosofia por tolice ou obscurantismo”. (Comte-Sponville, 2002, págs.1116) Num clima prenhe de profundo receio face ao futuro, onde subsistem massivamente “fast thinkers”, surgem, a partir da década de 80 do século XX, novas formas de realização filosófica com vertente mais prática, capazes de prestar o “consolo”, a “ luz” orientadora que ilumine as veredas, tantas vezes tortuosas, de acesso a uma realização para lá do discutível imediato. A esta “luz”, o efémero é, parece demasiado fugaz e já não satisfaz a ânsia de realização nos domínios pessoal, social e colectivo. Esta nova corrente, inaugurada pelo alemão Gerd Achenbach, perspectiva e revitaliza o ideal socrático de aplicar a Filosofia à vida concreta das pessoas, atribuíndo-lhe uma nova dimensão operativa, visando devolver o conhecimento filosófico ao espaço público (em jeito de regresso às origens), permitindo projectar-se para lá do espaço circunscrito das universidades. Até porque a filosofia trabalha com a capacidade que possui todo o ser humano, pela sua mera condição de o ser. A tarefa filosófica persiste, tal como Hegel a delineou: “pensar a vida” e à semelhança da Ave de Minerva “só levanta voo ao anoitecer.” (Ciência da Lógica) Isto é, só depois de vivenciados, os problemas podem ser conceptualizados, clarificados, avaliados e interpretados. Para tal, exige-se uma variadíssima gama de competências e saberes que não estão ao alcance de todos os homens, embora todos sejam filósofos e nenhum escape aos problemas filosóficos. Filosofia, Filosofar e Consultoria Filosófica 27 estão unidas pelo mesmo cordão umbilical e, porventura, alimentadas pelo mesmo oxigénio. A Consultoria Filosófica é, segundo Jorge Humberto Dias, “a aplicação da Filosofia aos temas/problemas do mundo contemporâneo. É uma actividade profissional que fornece um serviço de consultas, utilizando a Filosofia para diversos fins: ajudar uma pessoa a sentir-se melhor, a resolver um determinado problema ou a compreender melhor uma determinada questão” (Dias, J. 2010). A Filosofia Aplicada, este novo movimento, reivindica a sua importância para a vida individual e social. Como actividade profissional, carece especificar, quem poderá ser Consultor Filosófico. Antes de mais, este indivíduo (o Consultor) tem de acreditar na desmedida e incomensurável capacidade transformadora da Filosofia, pois, tendo-a vivido, sente-se capaz de 27

São usados como equivalentes os conceitos de Consultoria, Aconselhamento e Assessoria filosófica.

proporcionar às pessoas com inquietudes uma autêntica e efectiva ajuda, facilitandolhes e estimulando a reflexão, proporcionado uma vida examinada, que os encaminhará na busca gradual de maior autonomia e responsabilidade. Neste percurso, o Consultor deve auxiliar o Consultante, na tomada de consciência de si, das suas percepções, das suas representações, das suas atitudes (do seu Mundo Interior que é sempre interpretado, sentido e valorado), tal como Kierkegaard defendia, cada consciência tem o seu próprio Mundo. Nietzsche salienta também o perspectivismo inerente a cada indivíduo, pois uns vêem o mundo de uma maneira, outros de outra... Contudo, urge como vital ao Consultor, consciencializar o consultante, do modo como estes “Mundos” influenciam e condicionam o seu dia-a-dia, convidando-o a problematizar, a reflectir, a aprofundar, a procurar o sentido... Concludentemente, este torna-se o objecto da Consultoria Filosófica, a finalidade centra-se em compreender e compreender-se. Mas, quem pode ser Consultor?! Segundo Achenbach, perspectiva na qual me revejo, o mais importante para este exercício, é que aquele que estudou Filosofia aprenda a conciliar as teorias filosóficas com a prática e as experiências da vida. Curiosamente, este Consultor entende que a pessoa que tem perfil para o ser, deve ser submetido a provas concretas, nomeadamente à provocação. Através deste recurso, observa-se o modo como reagem “si se irritan, si pierden el control, entonces no estavan hechos para el asesoramiento.” ( Soldani, s/data, pág.6) Vejamos um outro critério essencial: “hay que hacer una adecuada selección y reconocer sobre todo la seriedad de las personas. Por ejemplo, en estos trinta años he tratado con cientos de personas. Y me ha pasado a menudo que he encontrado muchos filósofos, por así decir, académicos, gente que tenía en la cabeza demasiada teoría y que no hubiera tenido nunca la capacidad de enfrentarse a problemas de tipo prático.” (Soldani, s/data, Pág.7) Em suma, a Consultoria ou Aconselhamento Filosófico, no mundo hodierno, não oferece verdades absolutas e pré-fabricadas, caminhos, nem indica direcções acerca de como devemos viver, contudo, torna-se inquestionável que ela permite e estimula que cada pessoa desenvolva a sua compreensão filosófica. Após ter feito algumas leituras, onde, a grande maioria dos pensadores actuais ou Consultores filosóficos, enuncia o divórcio entre a Filosofia académica ou universitária (considerando-a demasiado abstracta e irrelevante para a vida) e a Filosofia prática, ou seja, a dimensão aplicada ou operativa da Filosofia, considero, enquanto docente, no ensino secundário português, discordância face a esta perspectiva. O programa de Filosofia actual é ambicioso e pertinente, remete ao longo do seu desenvolvimento para essa visão “operativa”, voltada para as vivências, para o agir, para a problematização, para o questionamento, estimulando a autonomia e a autenticidade dos alunos. Contudo, compete ao professor (que também ele, como Ser Humano que é, vive enraizado na sua própria concepção de Filosofia), distanciar-se (ressalvo, moderadamente) de práticas pedagógicas que acentuem o distanciamento entre teoria e prática, entre a (história) da Filosofia e a vida de cada Ser. Pois, se a Filosofia possuí um carácter eminentemente formativo (nas escolas e fora delas – Aconselhamento ou Consultoria), se a tarefa do Professor enquanto promotor de Felicidade (partindo do pressuposto que o Homem é um ser projectivo), a Filosofia pode e deve ser, o veículo que estimula e promove a civilidade, o dever, a consciência, a liberdade, a responsabilidade, em suma, o aperfeiçoamento individual que, indubitavelmente, constrói um Mundo mais Humanizado. Leonardo Coimbra teve o sentimento que vivia na terra mais anti-filosófica do planeta, e parece-me pertinente afirmar que atravessamos a época mais anti-filosófica da História Europeia e Ocidental. Contudo, parece-me agora e mais do que nunca que a sociedade em geral, mormente os

sistemas educativos, necessitam de uma acérrima reflexão; urge a intervenção e a reabilitação da Filosofia, como “ plataforma de reflexão”. Parafraseando Mónica Cruz, “a Filosofia ha de volver a ser guia y mestra en el complejo arte de vivir. El asesoramiento filosófico pretende ser sólo un paso, de los muchos que serán necesarios, en dirección a este objectivo” (Cruz, s/data, Pág.36). Caminhemos juntos, nesta maravilhosa tarefa, de a reabilitar...

BIBLIOGRAFIA Soldani, R.(2004). Entrevista a Achenbach. Acedido a 8 de Junho de 2010, IN http://www.asepraf.org/Entrevista%20a%20Achenbach.pdf Cruz, M. Diálogos para uma vida filosófica. Acedido a 12 de Junho de 2010, IN http://www.asepraf.org/dialogos%20para%20vida%20filosofica%5B1%5D.%20desclee ..pdf Dias, J.(2010) Manual de Formação e textos de apoio ao Curso de Formação contínuo de Professores “O novo paradigma da Filosofia aplicada: Projectar a Felicidade na Escola”. Rojas, H. O Homem Light, Uma vida sem valores, Coimbra, Gráfica de Coimbra Carvalho, A. (1992). A educação como projecto antropológico, Porto, Edições Afrontamento Comte-Sponville, A (2002). Apresentação da filosofia. São Paulo. Martins Fonte.

A FILOSOFIA NO DIVÃ: Achegas para o advento do novo paradigma especulativo e da sua utilização em contexto de consulta Francisco Sérgio de Barros e Barros Agrupamento Augusto Moreno GAP - Gabinete de Apoio e Atendimento ao Aluno

A complexificação da sociedade actual A sociedade actual é muito diferente daquela que nos habituamos a considerar. Aliás, pouco tem a ver com ela. A vida colectiva mudou, complexificou-se, tornou-se difícil de perceber e de prever. As próprias pessoas estão diferentes: na sua maioria têm objectivos difusos, formas de estar intermitentes, percursos de vida aleatórios, numa clara contradição em relação à maior consciência cultural entretanto adquirida por via da massificação do ensino. Claro que muitos poderão contestar estas afirmações, argumentando que a fugacidade dos comportamentos e dos ideários sempre se manifestou desta forma, apenas variando o modo como as gerações perspectivavam as anteriores. Mas a verdade é que as alterações de hoje caracterizam-se pela profundidade, alcance e rapidez das suas materializações. Veja-se, por exemplo, o caso da desvalorização da política enquanto centro inquestionável do poder organizacional ou da ontologia enquanto vértice teórico da nossa segurança existencial. Há, pois, uma complexidade nova que se inaugura, em termos simbólicos, com manifestações de grande envergadura como o 11 de Setembro de 2001 ou a crise financeira de 2008, sendo que estas não são, contudo, as que mais contribuíram em termos individuais para a redefinição das metas e das perplexidades do homem actual. O ponto de partida é anterior e mais difuso em termos de extensão e gravidade das suas consequências. Os efeitos, esses, estão à vista. Parece faltar a certeza de tudo e de qualquer coisa a cada um; a relativização moral, a crise identitária dos arquétipos, a indefinição ideológica, a dúvida da fé religiosa, a supremacia da economia face às outras actividades humanas, constituem exemplos disso mesmo. Perante isto, a ciência e os intelectuais em geral tardam em responder. Publicamse livros de auto-ajuda avidamente procurados pelos leitores, os meios de comunicação difundem todos os dias propostas de actuação, os líderes de opinião falam a propósito de todas as coisas e, para espanto de alguns, ninguém se sente esclarecido, a indefinição e a perplexidade aumentam e os indivíduos continuam à procura de um consenso interpretativo sistematicamente adiado. A busca de um novo paradigma civilizacional para o século XXI é demonstrativa desta realidade, porventura em resultado da “preferência radicalmente anti-metafísica e anti-ontológica do discurso pós-moderno” (Pires, 2004, p. 9), carente conforme se reconhece de fundamentação especulativa de âmbito eminentemente universal. É verdade que o tempo actual se cumpre através de percursos sistémicos, em que cada realidade se auto-regula e se alimenta a partir de si mesmo, num processo identitário não partilhado, acrescentando complexidade à estrutura social. Por isso é que a economia percorre caminhos muitas vezes diferentes dos reivindicados pela política, o mesmo acontecendo com a saúde e a educação, a cultura e a comunicação social, o feminismo e o amor, a ciência e a verdade, por exemplo.

Deste modo se explica a crescente necessidade de ser implementada uma observação do real, que se distinga pela capacidade de relacionação e de envolvimento interdisciplinar. Ou, por outras palavras, que seja capaz de ultrapassar o aparente fechamento a que, numa fase primeira de análise, os sistemas autopoiéticos normalmente conduzem. É essa a função reclamada da Filosofia. A de ser maior que as partes em confronto. Mas para a “efectivação desta tarefa há que remover obstáculos que provêm de uma cultura filosófica decadente, voltada para si mesma, desinteressada do real e baseada quase exclusivamente em técnicas de investigação próprias do conhecimento histórico-filológico” (Pires, 2004, p. 7). Quer isto significar que da mesma forma que a sociedade, também a filosofia necessita de se repensar nos seus pressupostos interpretativos e nas suas práticas de âmbito público. O lugar da Filosofia Herdeira de uma tradição secular, a filosofia actual vive uma encruzilhada de percursos possíveis. Recolhida habitualmente na atmosfera discreta dos gabinetes universitários, a sua divulgação processa-se de modo quase exclusivo nos livros destinados a especialistas das matérias em análise. Vive, assim, a solidão escolhida do diálogo impresso em tese académica, transformado à custa da não condescendência democrática, em solilóquio de efeito circular. A Filosofia que o público conhece dos bancos da escola é mais ou menos esta. Destina-se a um grupo relativamente restrito de iniciados no saber contemplativo, ciosos da altivez própria daqueles que professam a verdade não profanada pela partilha popular. Como se isto bastasse à Filosofia do século XXI. Para agravar o estado das coisas, recusa-se a responder às questões - algumas de natureza imperiosa - uma vez que a função declarada desta disciplina é, ao invés, fazer perguntas. Alienando desta forma a vocação maior da Filosofia: a de esclarecer convicções, fundamentar modos de existir, dirimir argumentos, numa só palavra, dizer. E aqui reside, então, o moderno dilema da Filosofia. Ela tem que optar pelo engajamento das suas opções, pelo empenhamento participativo dos seus personagens mais relevantes, ou, então, pela passividade costumeira que o público contemporâneo não compreende mais. Caso escolha a primeira das possibilidades, a Filosofia deve integrar as infinitas possibilidades do mundo da comunicação. Só assim “o saber dos saberes” deixará a penumbra dos gabinetes e sairá à rua. Participará nos programas de debate televisivos, ocupará espaço de opinião nos jornais, integrará as novas plataformas de conhecimento presentes na blogosfera, ao mesmo tempo que continuará a patrocinar conferências, colóquios, congressos, etc. Deste modo, a Filosofia poderá finalmente responder aos anseios das pessoas, àquilo que segundo Ortega Y Gasset elas continuam a procurar: “uma ideologia orientadora para as suas vidas” (Dias & Rastrojo, 2009, p. 116). Simultaneamente, tornará mais visível a produção filosófica e o labor dos seus agentes. Nessa altura os Filósofos serão tratados como tal pelos meios de comunicação social, e não, tal como acontece hoje - fruto da ignorância colectiva sobre a disciplina pela designação de pensadores, antropólogos, sociólogos, historiadores e tudo mais que a imaginação dos profissionais dos mass media quiser.

Deste modo, a ciência filosófica estará apta a recuperar o seu estado original, praticado há muitos séculos atrás nas ruas de Atenas, por todos aqueles que sempre que solicitados para tal, discorriam sobre os modos de estar e de ser na vida de cada um. O eu e os outros A propósito do que acabou de ser dito, importa sublinhar o facto de a Filosofia não se debruçar em termos exclusivos acerca das realidades de índole colectiva. Pensar assim constituiria um enorme erro. O indivíduo que é único nas suas singularidades físicas, mentais, culturais, vivenciais, também é tema de análise desta ciência, de forma directa ou não. Nem de outra forma poderia ser: sem se conhecer as particularidades da pessoa em concreto que ama, sofre, tem objectivos, gosta e não gosta, é vilipendiado e mau, e vive entre nós, não é possível elaborar o retrato necessário de cada um e de todos em abstracto. A Filosofia é a ciência dos universais desde que essas entidades abstractas integrem - mesmo que apenas do ponto de vista hipotético - as particularidades irrepetíveis do indivíduo que se resolve na vivência com os outros. A metafísica, por exemplo, parte do retrato do ser comum, igual e diferente da realidade social envolvente - porque pecador e, ao mesmo tempo, possivelmente bom - para finalmente encontrar o ser dos seres que é representativo de todos nós. Por esse motivo é que o interesse pela especificidade do eu, enquanto realidade concreta e ao mesmo tempo sistémica, esteve desde sempre presente na história da Filosofia, confirmando-se assim ter a Filosofia nascido para resolver os problemas das pessoas, para as ajudar a escolher, para definir caminhos, para lhes descobrir uma identidade. Descartes reconheceu essa singularidade de ser no cogito, Levinas no eu que se descobre no rosto do outro, Habermas no sujeito comunicacional, Luhmann na identidade que resulta da auto-observação da consciência pela consciência. A própria psicologia nasceu da filosofia, conforme é sabido; derivou mais tarde para caminhos de actuação diferente, mas a tentativa de racionalização do fenómeno mental e comportamental nunca desapareceu de vez daquela ciência. Repare-se, a propósito, que todos os primeiros grandes psicólogos foram inicialmente Filósofos. A acrescentar a isto importa referir um tema que desde sempre tem integrado a reflexão filosófica, mesmo quando perspectivado a partir das idiossincrasias de tipo individual: a questão da felicidade. Os Filósofos gregos detiveram-se arduamente na sua definição e na actualidade o tema volta a ser alvo de análise conceptual e prática. Nesta temática, com particular ênfase na felicidade de âmbito pessoal, a Filosofia Aplicada e, mais concretamente a Consultoria Filosófica, têm obtido progressos consideráveis. A Consulta Filosófica O indivíduo que pretenda resolver-se a si próprio, ao nível das lacunas de sentido que o inquietam, tem hoje ao seu dispor perfis novos de ajuda profissional. Uma dessas possibilidades é-lhe proporcionada pela Filosofia Prática (ou Aplicada, conforme se quiser dizer). Utilizada no resto do mundo desde os anos 1980, a Consultoria Filosófica é um método de trabalho muito recente em Portugal, sendo, por esse motivo, ainda alvo de muita curiosidade e de igual susceptibilidade, o que até certo ponto se compreende, tal é o grau de desconhecimento da natureza e dos objectivos desta alternativa de análise individual. Mas afinal o que é a Consulta Filosófica?

Se pensarmos que a vida de cada um de nós deveria corresponder a um percurso mais ou menos consciente, escolhido ou rejeitado em função de uma decisão pessoal, começaremos a entender o alcance do método de consulta em questão. E se juntarmos a este processo de decisão, o exercício de racionalidade necessário à estruturação do projecto de felicidade e de bem-estar intelectual de cada um, então mais nos aproximamos da essência da entrevista filosófica. A utilidade desta alternativa de consulta profissional está na capacidade para promover no interlocutor a necessidade “de pensar sobre a sua vida, as suas acções, os conceitos, sentimentos, crenças, projectos e tantos outros aspectos significativos” (Dias & Rastrojo, 2009, p. 114), proporcionando-lhe a oportunidade de se olhar como se fosse a primeira vez. Neste processo de diálogo, o consultante envolve-se num percurso não linear de racionalização, a partir do qual procura obter uma perspectiva fundamentada de si mesmo e das necessidades que o afectam. Ora é exactamente neste patamar de inteligibilidade que se pode alcançar a diferença entre este método e os outros, em particular o psicanalítico. Enquanto neste último, a viagem que traduz o percurso de vida toma o sentido eminentemente retrospectivo, a fim de nele serem descobertas mazelas por sarar, no filosófico a viagem é preferencialmente prospectiva, quer dizer, é direccionada para um objectivo, para um querer modelado em termos o mais possível racionais. Para além disso, deve ser realçada a especificidade do comportamento pró-activo do consultante, num índice mais elevado do que é requerido noutros métodos de análise, uma vez que o objectivo tentado se refere a uma opção pessoal. Obviamente que essa escolha, encontrada em contexto de entrevista individual, é resultante de um trabalho colaborativo entre consultor e consultante. Apenas desse modo se pode reconhecer a mais-valia da Assessoria Filosófica, enquanto processo maiêutico de auto-descoberta partilhada. E é aqui que se integram alguns dos factores mais importantes para o sucesso da consulta: a capacidade intelectual e científica, a personalidade, a experiência de vida, a vocação conciliatória, o bom senso, o modo de estar, a posição corporal, a bonomia da expressão facial, a capacidade de “sedução cultural” do Assessor Filosófico. É mesmo nossa convicção que na Consulta Filosófica, mais importante que o método - que não pode deixar de ser considerado -, se deve reconhecer a capacidade do consultor em abrir o baú onde o interlocutor guarda aquilo que não previa alguma vez dizer ou conceptualizar. Claro que se poderá dizer: mas isso acontece em todos os diálogos de procura hermenêutica. Só que a diferença reside no grau de exigência com que tanto consultor como consultante envolvem aquele momento de partilha, talvez em razão de serem trabalhadas ideias, projectos, mais do que estados de alma. Por isso é que mantemos a convicção de que um escritor, um poeta, um realizador cinematográfico, com conhecimentos medianos de ordem especulativa, poderia eventualmente ser Consultor Filosófico, tendo em conta a enorme experiência de vida que o tempo e a inteligência se encarregaram de modelar neles. Não é por acaso que “mais do que o seu carácter instrumental, o Aconselhamento Filosófico pretende oferecer ao consultante um trabalho original de produção filosófica, como se a consulta fosse uma autêntica obra de arte, motivada pela liberdade individual que, com a utilização de metodologias próprias da disciplina, contribui para a autonomia e para a felicidade do consultante” (Dias & Rastrojo, 2009, p. 137).

De facto, em nenhuma outra entrevista de alcance sistematizador, nem mesmo naquela que é protagonizada pelo psicólogo, se reconhece a necessidade tão imperiosa da utilização de um sem número de qualidades pessoais por parte do profissional em exercício. Só assim o Assessor Filosófico será capaz de, junto do consultante, proporcionar-lhe marcos de orientação, na viagem muitas vezes atribulada, que a pessoa, sentada na sua frente, mãos suadas de tanto serem esfregadas sem razão, quer fazer em direcção ao mais desejado dos destinos: o da felicidade.

Bibliografia Dias, J. H., & Rastrojo, J. B. (2009). Felicidad o Conocimiento - La Filosofía Aplicada como la Búsqueda de la Felicidad y del Conocimiento. Sevilha: Doss Ediciones. Giddens, A., Bauman, Z., Luhmann, N., & Beck, U. (2007). Las Consecuencias Perversas de la Modernidad. Barcelona: Anthropos. Habermas, J. (2001). Teoria de la Acción Comunicativa, Racionalidad de la acción y racionalización social, volumes I e II. s/l: Taurus Humanidades. Luhmann, N. (1998). Sistemas Sociales, Lineamentos para una teoria general. Barcelona: Anthropos. Marcos, M. L. (2001). Sujeito e Comunicação - Perspectiva tensional da alteridade. Porto: Campo das Letras. Pires, E. B. (2004). A Sociedade sem Centro. Azeitão: Autonomia 27.

PROJECTAR A FELICIDADE NA ESCOLA ---------------------O NOVO PARADIGMA DA FILOSOFIA APLICADA

Jorge Humberto Dias nasceu em Luanda – Angola. Com 2 anos de idade foi viver para o Brasil e com 5 anos chega a Portugal, onde vai inciar os seus estudos. Passou pela Escola Preparatória de Fernão Lopes e pela Escola Secundária D. Maria I (ambas já extintas). No 10º ano increve-se na disciplina de Relações Públicas e no 11º ano em Direito. No 12º ano tem 19 valores a Filosofia. A nível desportivo, praticou Andebol no Sporting Clube de Portugal e no Clube TAP (já extinto). Em 1998, licencia-se em Filosofia Social e Política na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa. Em 1999 realiza uma Pós-Graduação em Educação para a Cidadania, tendo desenvolvido uma experiência pedagógica intitulada: «o bloco cultural como uma forma de educar para a cidadania». Nesse mesmo ano, inicia uma carreira como comentador em Rádios locais, dinamizando diversos Programas culturais, onde aplica a Filosofia ao quotidiano do cidadão e à análise da vida em sociedade: passou pela já extinta «Voz de Almada» (actual RADAR FM), pela Castrense FM, pela Rádio-Televisão Atlântico, Solar FM, Rádio Vouzela, tendo realizado o seu último programa na Rádio Regional de Arouca, em 2005. No ano 2000 havia sido contratado para profesor de Filosofia numa Escola Secundária do Baixo Alentejo, onde desenvolveu vários projectos de Filosofia Aplicada, como por exemplo, um «tribunal ético-moral», constítuido exclusivamente por alunos. Em 2006 criou um Gabinete de Aconselhamento Filosófico para adolescentes na Escola Secundária Laura Ayres, que funcionara até 2008. Em 2005, realiza um Curso de Philosophical Counseling, em Londres, na Society for Philosophy in Practice. Em 2004, foi co-fundador da Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico, tendo exercido o cargo de Presidente da Direcção Executiva Nacional até 2008. Durante o seu mandato, deu a conhecer em Portugal a área da Consultoria Filosófica e da Filosofia para Crianças, organizando varios Congressos em várias Universidades. Trouxe a Portugal Lou Marinoff e Oscar Brenifier, entre outros. Em 2008, cria o Gabinete PROJECT@ - Consultoria Filosófica – no Instituto de Língua e Cultura, em Quarteira – que actualmente dirige. Desde 2005 que tem sido professor convidado nas Universidades de Sevilha e Barcelona em cursos de Mestrado sobre Filosofia Aplicada. É Consultor da Revista Internacional de Prática Filosófica «ETOR» (Sevilha) e membro de várias Associações científicas no estrangeiro. Foi apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento para apresentação de Conferências em várias Congressos. Actualmente, é professor do quadro da Escola Secundária de Vila Real de Santo António, onde coordena a Rede Escolar de Técnicos Sociais do Algarve (RETSA). É autor de vários artigos e livros, sendo de destacar a obra mais recente: Idea y Proyecto: la Arquitectura de la Vida (2010), com José Barrientos, publicado na editora Vision Libros, de Madrid. É Formador de profesores na Formação Contínua do Ministério da Educação desde 2004, preocupando-se com a inovação e o empreendedorismo na área da Filosofia.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.