Projetar para expor Coleções: Os Pavilhões de Portugal em Exposições Internacionais entre a Primeira República e o Estado Novo

May 27, 2017 | Autor: Teresa Neto | Categoria: Architecture, Architectural History, Architectural Theory
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PROJETAR PARA EXPOR COLEÇÕES: OS PAVILHÕES DE PORTUGAL EM EXPOSIÇÕES INTERNACIONAIS ENTRE A PRIMEIRA REPÚBLICA E O ESTADO NOVO TERESA NETO

Mestranda em Arquitetura / Instituto Superior Técnico / Lisboa, Portugal

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Resumo

Abstract

As exposições universais constituíram verdadeiros emblemas da modernidade dos séculos XIX e XX, como veículos do paradigma arte e técnica de cada país. No caso Português, a busca de uma arte nacional e a construção da imagem do Império dominam o discurso, traduzido nas opções arquitetónicas dos seus pavilhões de exposição. Cada projeto encetou uma discussão sobre o verdadeiro carácter e ‘estylo’ nacional; para uma arquitetura com a função de veículo cénico, uma vitrine para as coleções de arte. É ainda possível encarar estes pavilhões como momentos de aprendizagem para o desenvolvimento de tipologias museológicas, num país onde maioritariamente se reutilizou pré-existências para a criação de museus.

World Fairs were true emblems of Modern times during the 19th and 20th century, as a way to convey the paradigm of Art and Technique for each country. For the Portuguese case, the search for a ‘national art’ and constructing the image of an Empire dominate the speech, translated into the different architectural options for each exposition pavilion. Each project ignited the discussion on the true national character and style, for architecture with a scenic value, a way to showcase art collections. It is also possible to see these pavilions as learning amenities for the development of new museum typologies, in a country were the majority of cases consist on renovating pre-existent buildings for the creation of new museums.

Keywords Palavras-chave Arquitetura; pavilhões; exposição; estilo; Museografia.

Architecture; pavilions; exhibitions; style; Museography.

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PROPósitO

As Exposições Internacionais, desde a sua génese, constituíram uma oportunidade para cada país se mostrar no estrangeiro; não só criando oportunidades comerciais, mas principalmente de construir uma afirmação nacionalista de poderio económico, técnico, e artístico. Prática iniciada no século XIX, muitos países serviram-se destes certames como uma oportunidade para inovação e modernidade – o Palácio de Cristal, por Joseph Paxton (1803-1865), foi não apenas o símbolo da exposição de 1851, em Londres, mas ainda um momento de charneira para a Arquitetura com a utilização de materiais modernos. Portugal não ficou à margem destes grandes eventos1, contudo, fez-se representar, nas várias exposições oitocentistas, dando preferência a uma imagem arquitetónica de acordo com o seu período áureo dos Descobrimentos Marítimos. No seguimento do Ultimatum de 1890, o estilo Manuelino batizado e definido pela geração de 40, ressurge, professado por inúmeras personalidades das Artes e Letras. A ressonância desta atitude é sentida na exposição do Rio de Janeiro em 1908; onde o pavilhão de Portugal, concebido pelo arquiteto brasileiro Isidro Monteiro2, evoca a grande ala sul do Mosteiro dos Jerónimos, naquela que foi a última exposição da Coroa Portuguesa. Com a República, o espírito anti monárquico ajudou a consubstanciar a rejeição do estilo manuelino ou “manuelinho”, como pejorativamente era apelidado, Ainda assim, na primeira exposição internacional depois de 1910, na qual Portugal participa, o manuelino é a linguagem utilizada pelo arquiteto António Couto (1874-1946) no pavilhão nacional por indicação expressa da Comissão organizadora. Entretanto, no último certame oitocentista, a construção do Pavilhão de Portugal tinha despoletado a polémica entre o modelo progressista e beaux-artiano protagonizado por Ventura Terra (1866-1919) e o

1. 2.

SOUTO, Maria Helena, Portugal nas Exposições Universais 1851-1900, Colibri, Lisboa, 2011. LEVY, Ruth, Entre Palácio e Pavilhões: A arquitectura efémera da exposição nacional de 1908, Eba Publicações, Rio de Janeiro, 2008.

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modelo culturalista3 de Raul Lino (1879-1974), naquilo que procurava ser a alternativa moderna ao revivalismo quinhentista. A discussão em torno do “verdadeiro estilo nacional” só agora começava, preparando-se para ser uma constante em todos os concursos para a execução do pavilhão de Portugal nas várias exposições internacionais na qual o nosso país participou até aos anos 40.

cOncuRsOs dOs PAVilhões – questãO dO “estylO nAciOnAl” exposição internacional Panamá-Pacífico, san francisco, 1915 “A uma comissão especial de Belas Artes competirá certa escolha do estylo e arquitectura do Pavilhão, permitta-me, no emtanto Vª Exª que, como simples opinião pessoal, eu lembre uma copia da parte do Convento de Christo em Thomar, um dos seus lindos claustros como centro do edifício e uma torre que se veria a distancia e poderia aproveitar-se para efeitos de electricidade. No interior copias dos azulejos antigos, executados nas Caldas e em Lisboa, pinturas muraes por artistas portugueses, etc.” José Batalha de Freitas, Ministro em Pekin (sic.)4

Após o convite inicial para a participação portuguesa na futura exposição em San Franscico, em 1912, pelo Presidente Taft, era necessário escolher o lote a edificar nos próximos três anos. Batalha de Freitas é convidado pela Comissão organizadora a deslocar-se aos terrenos da exposição com o fim de escolher um lote apropriado. Daí resulta um relatório sobre as características do lote, os produtos a serem expostos, e inclusivamente sugere o estilo arquitectónico para o pavilhão. Após o estudo cuidadoso desse documento, o comissariado decide não abrir 3. 4.

ALMEIDA, Pedro Vieira de, História da Arte em Portugal – A Arquitectura Moderna, Publicações Alfa, Lisboa, 1986, p. 73. Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (AHMOP), Relatório Final do Comissariado da Exposição Internacional Panamá Pacífico, Manuel Roldán y Pego, 1919.

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concurso, designando o arquiteto António do Couto da Direção Geral de Obras Públicas e minas para a realização do projeto. O comissário geral, Manuel Roldán y Pego, sente a necessidade de recordar “a brilhante época das nossas navegações e descobertas”, escolhendo o estilo manuelino e motivos copiados de variados exemplos, como “uma galeria ou terraço, semelhante à do Hotel Palácio do Bussaco”, uma torre com iluminação e desdobrado em duas alas. António do Couto responde com um projeto cuja volumetria parece inspirada no nosso Gótico mendicante, embora com ornamentação Manuelina, tendo este sido rejeitado por restrições orçamentais. Um segundo projeto surge, mais comedido nas suas dimensões e mais aproximado do solicitado, com o estilo “mais em carácter e adequado (...) em que foram construídas as nossas grandes catedraes, Jeronymos, Batalha, Thomar”5. exposição internacional do centenário da independência, Rio de janeiro, 1922 “Havendo conveniência de no aspecto geral do Pavilhão de Honra se dever evocar o esforço nacional em matéria de construções monumentais, aquele pavilhão deve dar essa impressão, devendo por isso os concorrentes terem presente o espírito das nossas mais brilhantes épocas da arquitectura civil” Enunciando para o Concurso ao Pavilhão de Honra Português, 5 de Dezembro 1921.6

Por ocasião do primeiro centenário da independência do Brasil, iniciou-se o planeamento de uma grande exposição nacional. Contudo, o acontecimento rapidamente assumiu um carácter internacional, após recolher interesse pelos treze países participantes. A extensa “Avenida das Nações” acolheu os vários pavilhões, incluindo o Pavilhão de Honra e o Pavilhão das Indústrias de Portugal. Com um concurso aberto durante um período bastante reduzido, não isento de críticas e reclamações em sede da Associação dos Arquitetos7, 5. 6. 7.

AHMOP, idem. ANTT, Exposições Universais, cx. 26, Enunciado do concurso para o Pavilhão de Honra de Portugal. RIBEIRO, Ana, Arquitectos Portugueses: 90 anos de vida associativa. 1863-1953, Lisboa, 1993, vol. II, doc. Nº11,

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são apresentados 8 anteprojetos de “estilização bem nacional”8. Sai vitorioso o trio Cotinelli Telmo, Luís Alexandre da Cunha e Carlos Ramos, sob a divisa “Morrer, sim; mas devagar”. Este projeto é publicado na imprensa, caracterizado “pela arquitectura civil do tempo de D. João V tendo, no entanto, o critério de conjugar todos os elementos, inclusive os de Rocaille (Luís XV) que se aportuguesaram para dar ao pavilhão um carácter próprio, bem português, sem cair no edifício religioso, no palácio ou na casa de Habitação”9. Para Carlos Ramos, a proposta tentada na casa Barros & Santos e este pavilhão são inteiramente opostas, sugerindo um conflito entre um modelo cosmopolita e funcional e um edifício de gosto revivalista, feito na tentativa de expressar um estilo nacional10. O mesmo se pode dizer do projeto para o Liceu Gil Vicente riscado por Cotinelli Telmo e Luís Alexandre da Cunha. Neste concurso saem frustrados os esforços dos arquitetos Pedro Rodrigues Machado, classificado em segundo lugar, Correia e Montes, em terceiro, Pardal Monteiro e José Marques da Silva, a quem couberam as menções honrosas11. O enunciado do concurso solicitava aos arquitetos inspiração numa “das nossas mais brilhantes épocas da arquitetura civil”, pressentindo-se o objetivo de afastar as referências dos monumentos quinhentistas. Ainda assim, persistem propostas do “estylo decorativo manuelino por este, a nosso ver, ser o que mais frisantemente representa o esforço nacional em matéria de arquitetura”, na proposta de divisa “Terras de Santa Cruz”12. O concurso para o Pavilhão das Indústrias Portuguesas sofre igualmente alguns percalços, levando inclusivamente a estender por cinco dias o prazo de entrega. Para um pavilhão de fito mais utilitário, “o estilo

pp. 63 e ss. Citado por COUTINHO, Bárbara, Carlos Ramos (1897-1969): obra, pensamento e acção: a procura do compromisso entre o modernismo e a tradição, Dissertação de mestrado em História da Arte Contemporânea apresentada à Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2001. 8. Architectura Portugueza, Junho 1922, citado por COUTINHO, Bárbara, op. cit. 9. ABC, 5-1-22. 10. COUTINHO, Bárbara, op. cit. 11. Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), Exposições Universais, cx. 61, Pagamento de Honorários aos Arquitetos participantes nos concursos. 12. Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (AHMOP), DGCI, Exposição Rio de Janeiro, 1922, cx.16, Memória descritiva “Terras de Santa Cruz”.

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das construções fica ao arbítrio dos concorrentes”13. Apenas são contemplados os vencedores, os irmãos Rebello de Andrade, e o arquiteto Pedro Rodrigues Machado, novamente em segundo lugar. O projeto construído e que hoje se encontra no Parque Eduardo VII, em Lisboa, para onde foi transladado em 1929, apresenta uma arquitetura de inspiração semelhante ao do Pavilhão de Honra, seguindo a arquitetura civil do barroco joanino. exposição ibero-Americana, sevilha, 1929 “Outra parte do programa que se deveria ter definido, apertado nas malhas do programa é esta de não ser fixado o estilo. Esta com as deficiência já apontadas transformaram o concurso numa espécie de lotaria onde os arquitectos por palpite tiveram mais dificuldades em adivinhar o que se pretendia do que em dar desenvolvimento ao seu trabalho propriamente de arquitectura” Arquiteto Paulino Montez, A Voz, Fevereiro de 1929.14

Sete anos depois, Portugal participa na Exposição Ibero-Americana de Sevilha. No edital para o concurso do pavilhão, pedia-se “uma arquitetura de carácter nacional”15. O júri encarregado da avaliação das propostas entregues entre 9 de janeiro e 23 de fevereiro de 1928 era composto por José de Figueiredo, Diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, Pardal Monteiro, Urbano de Castro e Norberto Correia, tendo o último já integrado o júri do concurso de 1922. O projeto dos irmãos Rebelo de Andrade classificado em primeiro lugar, é caraterizado, na imprensa, como inspirado na “velha arquitectura nacional dos séculos da colonisação portuguesa”16. Com uma “nítida influência das obras do Rio” [1922], os arquitetos Cassiano Branco e Carlos Dias ficam em segundo lugar, e Cotinelli Telmo, a relembrar Mafra, em terceiro. Outros projetos da autoria de Paulino Montez e Luís 13. 14. 15. 16.

ANTT, Exposições Universais, cx. 26, Enunciado do concurso para o Pavilhão das Indústrias. A Voz, 2-29. Arquivo Municipal de Lisboa, Espólio Cassiano Branco, Enunciado para o concurso de Sevilha. Notícias Ilustrado (NI), nº extraordinário, 18-3-28, p. 12.

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Cristino, ambos de inspiração manuelina, não colheram a apreciação favorável do júri, enquanto Tertuliano Marques chega a ser acusado de falta de nacionalismo no estilo adotado. Instala-se a polémica com Paulino Montez a sublinhar a sobriedade e frieza exageradas do projeto vencedor; de linguagem desajustada, considerando o Barroco português como uma adaptação de influências estrangeiras em oposição a uma criação nacional. Por seu turno, José de Figueiredo vem a lume defender o projeto dos Irmãos Rebelo de Andrade, definido como um conjunto composto de regionalismos com um “motivamento de fachadas saboroso e rico” ao gosto do Barroco17. Para o diretor do Museu de Arte Antiga, que já aquando da Exposição de Paris de 1900 criticara simultaneamente o recurso à “sobrecarga decorativa” do estilo manuelino e a opção “funcional” de Ventura Terra18, a inspiração na arquitetura de finais de seiscentos e primeiros anos da centúria seguinte parecia apresentar-se como a solução para exprimir o sentido da arquitetura nacional. Na sua perspetiva, os arquitetos haviam assimilado as moderadas correntes de decoração, com motivos do século XVII da arquitetura religiosa e do norte do país, visíveis nos pilares semelhantes à ponte de Amarante, ou nos telhados de Viana e Lamego. A argumentação exibida leva mesmo, Tertuliano Marques, em entrevista ao Diário de Lisboa a acusar José de Figueiredo de insistir em impor o estilo Barroco como o “estilo nacional”, tendo o arquiteto a ousadia de afirmar: “este estilo tem tanto de português como eu de chinês”19. Serafim de Sousa e António de Brito, excluídos devido a um atraso de 7 minutos na entrega do projeto20, não deixam de lamentar o seu infortúnio nos jornais. Dos outros onze projetos entregues, destaca-se a proposta com a divisa “Alentejo”, de autoria do arquiteto Jorge Segurado. Assumindo uma posição regionalista, aproximada do modelo de Raul Lino, trabalha a inspiração moçárabe e da arquitetura tradicional alentejana, procurando, assim, a relação com a Andaluzia21. Segurado é mais 17. 18. 19. 20. 21.

Diário de Lisboa (DL), 3-3-28. FIGUEIREDO, José de, Portugal na Exposição de Paris, Empreza da Historia de Portugal, Lisboa, 1901. DL, 5-3-28. NI, 28-10-28. GALVÃO, Andreia, O caminho da Modernidade: a travessia portuguesa, ou o caso da obra de Jorge Segurado como

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uma das vozes críticas à decisão do júri, articulando o seu descontentamento através de um artigo publicado na revista Arquitetura, de Fevereiro de 1929, e uma petição sobre esta questão do “carácter nacional”. exposição colonial, Paris, 1931 “O Diário de Lisboa dizia hontem saber que os estylos mais representados são o manuelino e o joanino, algumas sugestões de gótico da Batalha, e uma outra influencia modernista, mas com reminiscências de architectura portugueza.” Jornal do Comércio e das Colónias, 24 de julho 1930.22

A participação portuguesa nesta exposição, talvez numa tentativa de se resguardar das anteriores polémicas, foi muito pouco publicitada na imprensa portuguesa. A 2 de julho de 1930 foi publicado o enunciado do concurso para o pavilhão luso, sendo novamente, exigido o “carácter nacional”. A presidência do júri foi ocupada pelo Coronel Silveira e Castro, comissário geral da exposição de Sevilha e como vogais assistiram Marques da Silva, José de Figueiredo, Urbano de Castro, Alexandre Soares, Luciano Freire, Simões Sobrinho e António Brito. João Piloto é excluído do júri por ser sobrinho do concorrente Victor Piloto. Para além deste arquiteto, participam no concurso Raul Lino, Rogério de Azevedo, Norte Júnior, Cassiano Branco e Carlos Dias, Álvaro Machado, Ferreira da Costa, Carlos Ramos e Adelino Nunes, e ainda os irmãos Rebelo de Andrade23. Os pavilhões a construir eram três, podendo o júri escolher pavilhões separados ou a proposta de obra conjunta. Foi esta última a opção preferida, tendo sido aprovado a proposta total de Raul Lino. Como se tratava de uma exposição colonial, Lino não enjeitou a referência à epopeia dos descobrimentos. A imprensa refere-se aos “dois pavilhões históricos, riscados num estilo inspirado na época das primeiras navegações” sublinhando a “rudeza primitiva de carácter místico e guerreiro que tam bem se coaduna com a figura do Infante de Sagres.” Por seu um exemplo de complexidade e contradição na arquitectura, 1920-1940, Lisboa, 2003.

22. ] Jornal do Comércio e das Colónias (JCC), 24-8-30. 23. JCC, idem.

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turno, o pavilhão metropolitano assume-se como “mais formal inspirado no carácter particular dos nossos monumentos do fim do séc. XVI, época em que a nossa colonização atingira o seu apogeu”, e finalmente o edifício de Moçambique e Angola baseia-se nas tradições arquitectónicas do país, “não é antigo nem moderno”24. O próprio Raul Lino aborda a questão do estilo e do carácter nacional na memória descritiva do seu projeto, “não obstante a descabida celeuma que à sua volta se faz”25. Se é certo o arquiteto se ter inspirado na arquitetura do tempo dos descobrimentos, a sua tendência regionalista não é posta de parte, indo ao encontro de formas populares da região sul do país – com o intuito de sugerir a figura do infante de Sagres. Acrescenta-se ainda a “indispensável nota manuelina no estilo exuberante de Tomar, tendo-se contudo evitado qualquer cópia”. Procurando fugir à tendência natural de adoptar uma linguagem mais exótica, Lino pretende trabalhar numa feição erudita e refinada, do século XVI, para a secção Histórica. exposição universal, Paris, 1937 “O pavilhão de Portugal que se pretende erguer em Paris, nos locais da Exposição Internacional de 1937, terá de representar dignamente o Portugal de hoje sem deixar de evocar, sobretudo na parte decorativa, o Portugal de ontem e de sempre. Os arquitectos que se disponham a concorrer ao concurso aberto para este pavilhão não se podem esquecer do título da exposição (Artes e Técnicas na Vida Moderna) mas devem evitar cópias ou imitações de estilos estrangeiros. Estilo arquitectónico moderno, do nosso tempo, mas que fale portuguez.” Enunciado do concurso, 27 agosto 1936.26

Sob a alçada do Estado Novo, a tarefa de organizar a participação portuguesa em exposições internacionais recai sobre o Secretariado de Propaganda Nacional, liderado por António Ferro. Assumindo o cargo de comissário geral da Exposição de Paris, Ferro não se limita a recriar 24. Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (BAFCG), Espólio Arquiteto Raul Lino, “Ilustração”. 25. BAFCG, Espólio Raul Lino, Memória descritiva. 26. Arquivo Municipal de Lisboa, Espólio Cassiano Branco, Enunciado para o concurso de Paris de 1937.

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os Descobrimentos a partir de elementos desconexos; mas sim conceber uma narrativa coesa, onde as glórias passadas são evocadas de acordo com o objetivo principal de propaganda do regime. O passado torna-se um elemento aglutinador e de legitimação do presente, pretendendo agora expressar-se a arte de governar um povo, com as suas complexidades técnicas27. Com esta motivação em mente, entende-se o porquê de, pela primeira vez, se solicitar um estilo arquitetónico moderno. Ainda assim, pedia-se um compromisso, pois era essencial a presença dos elementos de evocação nacionalista. Com estas premissas cria-se um ajuste entre dualidades contraditórias. A difícil equação será resolvida por um dos grandes elementos do pós-«geração de transigentes», tomando as palavras de Carlos Ramos: o jovem arquiteto, em início de carreira, Keil do Amaral. Para trás ficaram participações divididas entre uma certa pureza de volumes de sabor moderno, como as propostas de Veloso Reis Camelo (2º classificado), Artur Simões Fonseca (3º) e Raul Lino; enquanto as antigas inspirações manuelinas e barrocas persistem nos trabalhos de Oliveira Ferreira e Henrique Taveira Soares. Como seria de esperar, reclamações sobre o estilo empregue transpiraram em artigos de imprensa e até em missivas dirigidas a Oliveira Salazar28. Da gramática empregue nos alçados do projeto vencedor, Keil do Amaral afirma que estes “não são cópia de estilos estrangeiros, mas também não são de estilo moderno português porque um estilo moderno português não existe, nem se inventa em 15 dias por encomenda. Valem o que valem como arquitetura e nada mais”. Cria-se, assim, um momento de charneira na arquitetura portuguesa, e ainda um momento importante de preparação para a grande exposição do Mundo Português.

exposição universal, nova york e san francisco, 1939 27. ACCIAOULI, Margarida, Exposições do Estado Novo: 1934-1940, Livros Horizonte, Lisboa, 1998. 28. NETO, Teresa, “«Mas que fale português» – o protesto a Salazar a propósito do concurso para o Pavilhão de

Portugal na Exposição Universal de Paris de 1937”, in Artis, nº 2, no prelo.

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“Cada país tem um pavilhão próprio e cada pavilhão a-final não é mais do que um grande cartaz, dêsse país. (...) Um bom cartaz é aquele que oferece um composição simples, sintética; se apreende num relance e fica gravado na memória com agradável impressão. Ora um bom pavilhão, (...) deve obedecer aos mesmos princípios” Jorge Segurado, Sinfonia do Degrau, 1940.29

Após cumprir a missão de levar a imagem do Estado Novo à Europa, a incumbência de António Ferro prossegue para a América. Contando com o apoio de Jorge Segurado, tendo este dado provas com a sua ativa participação em todo o processo da exposição de Paris em 1937, será o arquiteto escolhido para projetar a participação de Portugal na Feira Mundial de Nova York e na Exposição Internacional ‘Golden Gate’, em San Francisco. Abandona-se, em parte, a discussão do estilo arquitectónico como se de uma capa puramente ornamental se tratasse, assumindo agora uma composição de volumes moderna, embora com a “aplicação” de motivos nacionais. Aproveitando as palavras de Keil do Amaral em 37, Segurado assume o valor de “cartaz” da arquitetura como veículo da mensagem de António Ferro. Numa época de desenfreado desenvolvimento mecânico, Ferro tenciona ocultar esta falta de capacidade técnica sob um manto de espiritualidade e valores católicos do Estado Novo, nunca esquecendo a evocação dos descobrimentos marítimos e somando a relação com a descoberta das Américas. exposição universal, bruxelas, 1958 “2 – Adopção de uma estrutura ligeira, pousada no terreno sem o modificar e definindo um volume simples, transparente, que não corte as perspectivas do parque. 3 – Definição de um tipo de arquitectura leve, pelo seu carácter provisório, mas sóbrio, tendo em vista que se trata da representação de um País e que se deve evitar todo o aspecto publicitário. 4 – Procura de uma visão clara do tema proposto, com 29. SEGURADO, Jorge, Sinfonia do Degrau, Lisboa, 1940.

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um percurso geral curto e sem soluções de continuidade, não obrigando o visitante a passar toda a matéria exposta, o que transformaria o pavilhão num labirinto pouco atraente e fatigante.” Pedro Cid, Memória Descritiva, 1956.30

Já na recta final dos “verdes anos” da década de 5031, o concurso para o pavilhão português em Bruxelas surge como uma oportunidade de ouro para a nova geração de arquitetos. Aproveitando um bom domínio dos materiais de construção e apropriação de uma nova linguagem, a discussão toma um cariz diferente: pretende-se atingir uma relação equilibrada entre diferentes volumes e a envolvente, cuidado com a implantação do edifício e um interesse pela criação de um circuito museográfico dinâmico através da arquitetura. No concurso dos anteprojetos, pretende-se “patentear o carácter e o espírito da arquitectura portuguesa actual”, em conformidade com o desejo do comissariado Belga de explorar as características nacionais de cada participante, de modo a promover um espírito de comunhão internacional, volvidos os terríveis anos da Segunda-Guerra Mundial. Os vinte trabalhos entregues foram classificados com mérito absoluto pelo júri composto pelo comissariado, onde Segurado continua a fornecer a sua expertise técnica, e ainda Alberto Pessoa e Keil do Amaral. Na ata do concurso32, são ainda postos em evidência os trabalhos de Francisco Figueiredo, Manuel Tainha, Maurício de Vasconcelos e a sua equipa, Formosinho Sanchez e Rui Mendes Paula. Este último escreve sobre o concurso, valorizando a plataforma de intercâmbio de ideias e a possibilidade de valorização da arquitetura segundo a “indicação de novos caminhos a seguir”33. Critica variados aspectos na organização da participação, desde a escolha do terreno à imposição nos acessos e consequentemente na circulação. De facto, dos 78 arquitetos inscritos apenas 20 trabalhos foram entregues. Embora a participação portuguesa continue a ser organizada pelo, já então rebatizado, Secretariado 30. 31. 32. 33.

Arquitectura, nº57-58, 1956, “Concurso para o pavilhão de Portugal em Bruxelas”, p. 6 TOSTÕES, Ana, Os verdes anos na arquitectura Portuguesa, FAUP Publicações, Porto, 1995. Arquitectura, nº57-58, 1956, “Concurso para o pavilhão de Portugal em Bruxelas”, p. 3 Arquitectura, nº57-58, 1956, “Acerca do concurso de Bruxelas”, arq. Mendes Paula, p. 16

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Nacional de Informação, esta não apresenta a mesma força e unidade narrativa, sofrendo pela ausência de António Ferro – afastado do panorama político nacional desde 1949. Contudo, essa circunstância irá permitir uma maior diversidade expositiva, privilegiando os artistas de diferentes vanguardas contemporâneas.

PAVilhões de eXPOsiçãO – PROjectAR, decORAR, eXPôR

Como é possível constatar, os concursos para os pavilhões de Portugal nos vários certames internacionais passados em revista a propósito da questão do “estilo nacional”, motivaram os mais destacados arquitetos portugueses, em diferentes fases das suas carreiras. A própria questão do “verdadeiro estilo nacional” não é indissociável das tendências contemporâneas da arte portuguesa assumidas no domínio da pintura, escultura e artes decorativas. Quais os modelos de exposição das coleções de arte nacional nestas mostras; como se procura articular as opções arquitetónicas com o carácter das obras produzidas pelos artistas contemporâneos, nos diversos momentos; ou como os arquitetos alcançam a valorização das obras expostas, de acordo com os modelos espaciais, de iluminação e de arranjo geral, constituem as grandes questões a abordar em seguida. 1915: O Portugal Antigo e o Portugal moderno

Para a Exposição de San Francisco, António do Couto de Abreu projeta um edifício de planimetria simples, revestido de uma complexa membrana ornamental de inspiração manuelina. António Costa Motta tio e sobrinho dirigem os trabalhos de decoração, executando mais de 600 motivos “portugueses, cópias da egreja dos Jeronymos, torre de Belém”34. Um pavilhão “digno dos mais elogiosos incentivos”, composto por uma 34. Ilustração Portuguesa, 23-11-14.

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torre central octognal e duas alas abertas em arcadas panorâmicas, fazia lembrar o Palácio de Monserrate, em Sintra. A parte central proeminente surgia decorado por torrinhas e ameias35, e com uma loggia na frente principal. Os dois flancos, ricamente ornamentados, serviam, de um lado, as áreas técnicas do comissariado e, do outro, a galeria de exposição. No centro da sala octognal, iluminada pelos vitrais coloridos, da autoria de Cláudio Martins, exibia-se “O Cavador”, escultura de Costa Motta, num pedestal de Luiz Firmino Castellão36. Em redor foram expostos quatro painéis a óleo de João Vaz, representando paisagens portuárias de Lisboa, Porto, Setúbal e Espinho. Completava o discurso as ampliações fotográficas de monumentos e edifícios notáveis de Portugal. Ainda no piso térreo, a galeria em volta do edifício procurava ilustrar as riquezas naturais e paisagistas das ilhas da Madeira e dos Açores. No andar superior, as estátuas do Infante D. Henrique e de Pedro Álvares Cabral assinalavam o importante papel de Portugal na descoberta de novos mundos. A exposição patente neste Pavilhão pretendia mostrar o Portugal Antigo, enquanto o Portugal Moderno seria exibido no Palácio Internacional de Belas Artes. Segundo o relatório do Comissário da Exposição, o espaço inicialmente atribuído à participação portuguesa era reduzido, mas após um exame cuidadoso da nossa coleção, a organização libertou três salas bem iluminadas. Com orientação museográfica de Sousa Lopes, são expostas 130 pinturas. A imprensa americana ficou particularmente agradada com as obras de Columbano, José Malhoa, Ernesto Ferreira Condeixa, e do próprio Sousa Lopes37. Malhoa, sob a referência do sentimento popular nacional, expõe algumas das suas obras-primas: A festa da aldeia, Volta da feira, O fado e Os bêbados, enquanto Columbano afirma-se como mestre do retrato intimista, com a “Dama da luva branca” a assumir destaque. Já as conquistas obtidas por Sousa Lopes, nos seus estudos em Paris, no domínio da luz e da cor, são realçadas e não deixam de procurar justificar o prolongamento do naturalismo na 35. Ocidente, 10-12-14. 36. AHMOP, Relatório Final do Comissariado da Exposição Internacional Panamá Pacífico, Manuel Roldán y Pego,

1919.

37. The Bulletin, 29-4-15, in idem

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pintura portuguesa. No domínio da escultura, o realismo procurava o seu espaço por entre um simbolismo comprometido e a tradicional referência classicista, com relevo para as obras de José Simões de Almeida Sobrinho, Tomás Costa e Júlio Vaz. 1922: O brasil entre a descoberta marítima e a travessia aérea

O anteprojeto para o pavilhão de Honra, na Exposição do Rio de Janeiro de 1922, era composto por um corpo central de dois andares, ladeado por volumes laterais de um piso. O volume central formava um salão circular semelhante ao esquema utilizado em 1915, com uma galeria circular no piso superior. Com vista a aumentar a capacidade expositiva do pavilhão38, adicionou-se mais um piso aos corpos laterais, comunicantes com a galeria circular, rasgando-se janelas no piso térreo para assegurar a devida iluminação e ventilação. As novas salas e galeria circular superior seriam ocupadas pela exposição de quadros e objetos de arte contemporânea, enquanto uma mostra de arte retrospectiva, na qual ganhava destaque uma reprodução de 3 das 6 tábuas dos Painéis de São Vicente de Fora, e um conjunto de artefactos históricos encontram-se expostos nas salas laterais térreas. A coleção de escultura tomava lugar no corpo central. O processo de construção foi marcado por diversos percalços, muitos deles amplamente recriminados na imprensa nacional. Em Setembro de 192239, a imprensa portuguesa reporta a queda da torre do pavilhão, lamentando-se “o que seria uma ideia magnífica como monumento de raça, findou miseravelmente”. O relatório do acidente reporta a queda dos vários montantes da estrutura metálica, por estes não terem sidos devidamente ancorados às fundações de um “terreno que absolutamente não comporta um descuido na cravação”40. Por seu lado, o pavilhão das indústrias sofreu enorme atraso na sua construção, motivando a 38. AHMOP, DGCI, Exposição Rio de Janeiro, 1922, cx.16, Alterações ao Pavilhão de Honra. 39. ABC, 14-9-22. 40. ANTT, Exposições Universais, cx. 41, Relatório do Acidente.

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colocação no Pavilhão de Honra dos produtos comerciais e industriais para venda. Esta intromissão prejudicou o conjunto cuidadosamente planeado pela equipa de decoração, dirigida por Tomaz Leal da Câmara, valendo forte protesto41 por parte dos responsáveis pela execução dos ornamentos, os escultores Costa Motta tio e sobrinho. Sob a “bênção” do tríptico vicentino saído do pincel de Luciano Freire, a mando de José de Figueiredo, a coleção de pintura contemporânea persistia na tónica naturalista, podendo apenas se vislumbrar uma nota mais ousada e já com “outras preocupações” no trabalho enviado de Paris pelo jovem Dórdio Gomes42. Na escultura, a novidade chegava com os trabalhos enviados de Paris, de Canto da Maya e de Francisco Franco, enquanto as artes decorativas, numa mostra muito limitada, não introduziam qualquer apontamento moderno. 1929: em busca de uma afirmação internacional da arte portuguesa do tempo dos descobrimentos

O Pavilhão para a exposição de Sevilha, dos irmãos Rebelo de Andrade, inclui uma parte expositiva efémera e uma secção fixa, a ser utilizada como Gabinete de Turismo português. Este pavilhão apresenta uma grande área total de implantação, revertendo num esquema planimétrico mais complexo. No corpo central de entrada encontra-se a secção de Belas Artes, onde José de Figueiredo procurava definir a alma da arte portuguesa, sob a evocação dos descobrimentos, e uma vanguarda artística contemporânea em busca de afirmação. O trabalho dos arquitetos Rebelo de Andrade é amplamente elogiado, tanto a nível da arquitetura quanto na direção da decoração e direção artística da exposição43. Passando um vestíbulo de acessos e áreas de administração e informação turística, o resto do edifício desdobrava-se em torno de um grande claustro de inspiração barroca. O salão de festas aparecia decorado por 41. ANTT, AJF, cx.3, p. 3. 42. SANTOS, Rui Afonso dos, O Design e a Decoração em Portugal, Dissertação de mestrado em História da Arte

Contemporânea apresentada à Universidade Nova de Lisboa, 1994, p. 21.

43. ABC, 16-5-29.

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Jorge Barradas, “pintor sugestivo, de admirável colorido e expressão”44, com a colaboração de Bemvindo Ceia. Coube ainda a Varela Aldemira a execução de painéis alegóricos, representando os vários continentes, numa alusão à exploração marítima portuguesa45. Em oposição ao salão de festas desenham-se as três salas coloniais, decoradas por Eduardo Romero, com a colaboração do Tenente-coronel José Joaquim Ramos. A sala do Comércio é adornada com os painéis de Abel Manta e Joaquim Lopes. Martins Barata executa os painéis da Sala da Indústria, também com quadros de Leitão de Barros. Os painéis das Salas de Agricultura ficam a cargo de Armando e Vasco Lucena, Martinho da Fonseca e António Quaresma46. Lino António, elogiado pela imprensa devido ao “arrojo das concepções estéticas”, executa painéis regionalistas47, enquanto Abel Manta e Jorge Barradas são destacados pela sua expressão modernista. A exposição contava ainda com as representações escultóricas de navegadores e colonizadores portugueses, com as estátuas de Afonso de Albuquerque, por Maximiliano Marques, Bartolomeu Dias, por Ruy Roque Gameiro e João Gonçalves Zarco, de António da Costa48. 1931: fragmentos de uma visão colonial

Para esta exposição, o arquiteto Raul Lino teve de lidar com um terreno de implantação difícil, obrigando a seccionar a obra em vários pavilhões diferentes. Os dois corpos do grupo dos históricos, com dois pisos cada, são caracterizados por grandes volumes cilíndricos, botaréus, ameias, frisos de “sgrafito”, e uma cruz de cristo em esmalte no topo da torre de 35 metros – tudo com o desígnio de prender a atenção dos visitantes. Na entrada de cada pavilhão, as estátuas de D. Henrique (autoria de Francisco Franco) e Afonso de Albuquerque (Diogo de Macedo) recebiam os visitantes e abriam a exposição de importantes documentos e artefactos relacionados com as descobertas marítimas. Ligado 44. 45. 46. 47. 48.

NI, 24-3-29. NI, 20-1-29. NI, 23-9-29. NI, 24-2-29. NI, 12-1-29.

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ao primeiro pavilhão por um passadiço, escondido sob um denso arvoredo, a secção Etnográfica dava a descobrir os predicados de Angola de Moçambique. Num volume com apenas uma fachada visível, o exterior tinha um tratamento mais livre, relacionando-se com a “planta abtrusa” nas palavras do próprio Lino49. Em correlação, a escultura exibida na entrada avançava com um carácter modernista, com destaque para a “Mestiça” de Canto da Maya. A secção Metropolitana e Comercial, de construção mais avantajada e regular, desenhava-se sob um único piso de planta rectangular. Uma loggia decorada por azulejos dava acesso ao átrio coberto em cincos arcos abobadados, sobrepujados por uma alta varanda a meio de dois torreões. No interior, abriam-se os diversos stands de venda de produtos. Próximo, existia, ainda, um pequeno pavilhão de festas, onde se destacam quatro composições decorativas assinadas por António Soares. De facto, as decorações e peças patentes nos vários pavilhões são fruto de um concurso lançado a artistas e decoradores50, onde se pedia obras originais de “carácter acentuadamente decorativo”, oferecendo uma liberdade de escolha de assuntos e interpretação. Com um júri composto pelo comissariado e pelo arquiteto dos pavilhões, escolheram-se, entre outros, os trabalhos assinados por Fred Kradolfer, Bernardo Marques, Carlos Botelho e José Rocha – iniciando-se assim a longa colaboração destes artistas nos pavilhões de Portugal de futuras exposições. Desta vez, as coleções de arte portuguesa são expostas em separado, no Jeu de Paume, naquele que foi o concretizar do grande sonho de José de Figueiredo. O diretor do Museu Nacional de Arte Antiga, fiel a anteriores colaborações, encarrega os irmãos Rebelo de Andrade da direção artística da exposição. Esta parceria iria culminar na entrega, a esta dupla de arquitetos, do projeto de renovação e ampliação do museu das Janelas Verdes51. 1937: uma arquitetura de compromisso 49. BAFCG, Espólio Raul Lino, Memória descritiva. 50. BAFCG, Espólio Raul Lino, Decoração Interior dos pavilhões. 51. SOARES, Clara Moura, “José de Figueiredo e a construção de uma imagem portuguesa além fronteiras: As expo-

sições de Sevilha (1929) e de Paris (1931)”, in Artis, nº1, Editora Caleidoscópio, Lisboa, 2013, pp. 138-147.

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para um coerente programa expositivo

Segundo Keil do Amaral, este projeto “voluntariamente modesto”52 foi pensado como uma obra discreta de justaposição moderna de três volumes, adicionando elementos decorativos evocativos da tradição de arquitetura portuguesa. O volume mais alto albergava os acessos, instalações técnicas e a sala de honra; esta última decorada pela estátua do Presidente da República, Óscar Carmona, obra de Francisco Franco, conferindo acesso ao terraço sob a parte central. Esta era constituída por dois pisos, com oito salas de exposição, junto ao terceiro volume de conexão entre os dois pisos. A entrada fazia-se pelo corpo alto, a partir da avenida de Tóquio. No vestíbulo principal, os visitantes deparavam-se com a estátua do Oliveira Salazar, em traje académico, preparando o tom geral desta obra de mensagem, simultaneamente, propagandística e neutral, face ao grande conflito mundial que se avizinhava. A decoração interior, produto coeso da visão de António Ferro, segue o mesmo espírito de simplicidade, mas com uma narrativa bem pensada para expor um Portugal apostado na modernidade, sem, contudo, perder as suas referências históricas e populares. Inicia-se aqui uma colaboração estreita entre o autor do projeto, o delegado técnico Jorge Segurado e uma miríade de artistas, decoradores e escultores. Barata Feio e Canto da Maya ocuparam-se dos baixos-relevos na fachada da avenida de Tóquio, evocando as glórias marítimas do país. Passando o vestíbulo, a primeira sala abria com expressivos relevos e diagramas alusivos à orgânica e programa do Estado Novo. Seguia-se a Sala das Realizações com a obra do regime em prol do progresso e fomento do país. No piso inferior, a descida das escadas decoradas com bonecas alegóricas vestidas a rigor, com trajes regionais, assinalavam a entrada na sala da coleção de Arte Popular, uma das mais consignadas do certame e com a qual António Ferro teve particular atenção. Neste piso, desenham-se ainda a sala das Riquezas, Ciência e Turismo, com fotomontagens de Mário Novais e um painel de Fred Kradolfer e Bernardo Marques. 52. Revista Oficial do Sindicato Nacional dos Arquitectos, Nº3, Abril 1938.

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Escolhidos a dedo por Ferro, forma-se uma grande equipa de colaboradores coordenada por Jorge Segurado, naquele que seria o grande ensaio para a Exposição, no âmbito da comemoração dos Centenários, em 1940: Pintores-decoradores Carlos Botelho, Emérico Nunes, José Rocha, Paulo Ferreira e Tom (Tomaz de Mello); Escultores-decoradores António de Azevedo, António Duarte, Luíz Fernandes e Henrique de Bettencourt; Frescos e painéis alegóricos dos pintores Abel Manta, António Soares, Camarinha, Dordio Gomes, Eduardo Malta, Estrela Faria, Francis Smith, Jorge Barradas, Júlio Santos, Lino António e Maria Keil53. 1939: um cartaz de Portugal na América entre o Atlântico e o Pacífico

O mote da exposição de Nova York centrava-se na questão de “Passado, Presente e Futuro”, enquadrando-se perfeitamente na narrativa já veiculada em Paris. De facto, a equipa de decoradores poucas alterações sofre, e o mesmo se pode dizer dos elementos expostos. Os visitantes consideraram este pavilhão como um dos “mais espirituais”54, elogiando o gosto impecável da arquitetura e decorações. As novas salas desenvolviam-se a partir do grande Hall circular, tirando partido do lote em chanfra. De um modo semelhante a Paris, as escadas decoradas davam acesso à Sala de Artesanato e Turismo, uma sala de exposição de produtos artísticos e industriais. Num corpo paralelepipédico amplamente dividido, distribuem-se as várias salas do Passado, aludindo aos Descobrimentos. Um dos elementos expostos era o Sextante utilizado por Gago Coutinho na travessia do Atlântico, por ocasião da exposição de 1922, depois de já exibido em Paris. Para o Presente, explanam-se os feitos do Estado Novo no domínio das Obras Públicas, com destaque para a construção de escolas, restauro dos monumentos nacionais e assistência pública. A secção do Amanhã – num terraço ao ar livre onde se exaltam os valores cristãos de uma vida simples – era acessível através de um jardim delimitado por arcadas, 53. Revista Oficial do Sindicato Nacional dos Arquitectos, Nº1, Fevereiro 1938. 54. Jornal do Comércio e das Colónias, 11-5-39.

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onde se reconhece uma semelhança muito curiosa com o futuro projeto de Jorge Segurado para a reformulação do Museu de Arte Popular, em 1945. Para além do pavilhão português, Segurado desenhou a participação no Hall das Nações Estrangeiras, com um grande salão de honra oval, onde uma réplica da estátua de Salazar feita para Paris, e executada novamente por Francisco Franco, encontrava correspondência com a escultura de Leopoldo de Almeida, figurando o Presidente Carmona. Para a exposição em San Francisco, a participação portuguesa reservava-se a uma pequena área de 200m2. Devido a estar integrado no grande edifício dedicado à participação estrangeira, este é um volume sem cobertura, de planta retangular, onde o alçado principal faz lembrar as igrejas do Portugal rural de feição setecentista. A entrada é marcada pela estátua de João Rodrigues Cabrilho, executada por Álvaro de Brée e oferecida ao governo da Califórnia. Apesar das reduzidas dimensões da participação nacional, a forte mensagem do Estado Novo continua a ser propagada logo na entrada, com dois dioramas focados na dimensão social e política do impacte do regime nas colónias. Ao centro, duas vitrines mostravam coleções de bordados, obras em filigrana e um grupo de figurinos com trajes regionais. Estrela Faria e M. Lapa assinam quadros aludindo à descoberta da Califórnia, colocados entre outras obras de arte popular55. 1958: O triunfo das vanguardas artísticas contemporâneas

A representação de Portugal em Bruxelas, no primeiro grande certame pós-guerra, foi desenhada pelo arquiteto Pedro Cid, onde o corpo da construção, um volume sóbrio de percurso contínuo, foi implantado de modo a se integrar na envolvente. No piso térreo, situavam-se as secções de retrospectiva histórica, riquezas materiais, espirituais e as aspirações do país. Dois lances de rampa conduziam ao piso da exposição dos elementos do Ultramar, núcleo particularmente importante para o regime 55. Revista Oficial do Sindicato Nacional dos Arquitectos, Nº9, Abril/Junho 1939 e Nº11, Outubro/Dezembro 1939.

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quando se começavam a fazer sentir pressões independentistas. A saída deste espaço fazia-se por uma ponte, conduzindo ao pequeno pavilhão-restaurante. Convidativo pelo seu pé direito e decoração agradável, alberga ainda o Bar de vinho do Porto. A marcar este conjunto encontrava-se a estátua de D. Henrique, por Barata Feio, projetando o 4º centenário da sua morte, comemorado expressivamente pelo regime em 1960. Nesta “construção elegante em aço”56, os trabalhos de decoração estiveram a cargo de Jorge Matos Chaves, Roberto de Araújo, Fred Kradolfer, Frederico George, Tom, Marcelo de Morais, Manuel e Sebastião Rodrigues, Manuel Lapa, Fernando Azevedo, Eduardo Anahory e José Rocha – na sua maioria já bastante experimentados em certames desta natureza. Talvez se fique a dever a um elevado grau de expectativas existentes, face à experiência dos artistas envolvidos, o tom crítico expresso na revista Arquitetura a propósito da falta de relação entre arquiteto e decoradores na elaboração do anteprojeto, de modo a ter evitado “um invólcuro (...) independente de tudo” (Arquitetura) sem responder ao próprio conteúdo a expor – “trabalhos de feição abstracta, sombrias e incapazes de equilibrar o ambiente interior”57. Esta exposição ficou marcada pela grande aposta na mostra das coleções dos nomes consagrados do nosso modernismo, com exposições periódicas em rotação de Amadeu de Sousa Cardoso, Almada Negreiros, David Gomes, Carlos Botelho, Abel Manta, e outros. O Diário de Lisboa58 elogia justamente a participação de arte abstracta, destacando o grupo escultórico em argila vermelha de António Paiva, o quadro de Júlio Resende, a peça cerâmica de Querubim Lapa, a tapeçaria de Portalegre por Marcelo de Morais, e a escultura em lâmina de ferro de Jorge Vieira. Os vários quadros encontravam-se “colocados sobre suportes de ferro de interessante aspecto”59, fazendo até lembrar a obra de Vieira. O projeto de Pedro Cid na sua imaterialidade, permitiu um grande fôlego expositivo e uma agradável relação reciproca entre o espaço e as obras 56. 57. 58. 59.

DL, 25-4-58. Arquitectura, nº63, Dezembro 1958, p. 23-38. DL, op. cit. Binário – revista de arquitectura, construção e equipamento, nº7, Outubro 1958.

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apresentadas. Bruxelas representou a oportunidade para divulgar os mais conceituados artistas portugueses do modernismo, a par da afirmação de uma geração mais jovem, igualmente com inegáveis qualidades. Tal facto não passaria despercebido aos críticos estrangeiros, entre os quais Françoise Choay60 que elogia esta aposta, destacando, particularmente, o trabalho de Resende e o “Sol” de Querubim Lapa. A importância destes diversos ‘invólucros de coleções’ deve ser equacionada, não só pelo seu valor como barómetros do pensamento sobre o estilo e fabricação de uma imagem nacional, mas também pela experiência preciosa na aquisição de competências técnicas expositivas para a valorização de obras de artes. Num país onde a reutilização de pré-existências foi uma constante na implementação de espaços museológicos, é inegável a relação estabelecida entre a projeção deste tipo de construção efémera e a concepção de futuros museus. Como exemplos é possível referir o trabalho desenvolvido pelos irmãos Rebello de Andrade, primeiro nas exposições de 1922 e 1929, continuando a colaborar com José de Figueiredo na ampliação e renovação do Museu Nacional de Arte Antiga. Já Jorge Segurado, é chamado a transformar o pavilhão projetado por Reis Camelo para a Exposição do Mundo Português, no novo Museu de Arte Popular, sendo dispensado de concurso, face à experiência adquirida em Paris (1937) e Nova York (1939). Por último, quando finalmente se projeta a construção de um museu de raiz para albergar a preciosa coleção de Calouste Gulbenkian, no concurso lançado, um ano depois da Exposição de Bruxelas, sob consultoria de Keil do Amaral, Pedro Cid integra a equipa de arquitetos, completada por Ruy d’Athouguia e Alberto Pessoa, responsável pela obra, vencedora do prémio Valmor em 1975.

60. CHOAY, Françoise, “L’Art Vivant”, L’oeil, Nº42, Junho 1958.

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Exposição Panamá-Pacífico, 1915, Arq. António do Couto Canto superior esquerdo: Perspetiva exterior do Pavilhão Canto superior direito: Salão octogonal central Canto inferior esquerdo: Secção de Belas Artes Canto inferior direito: Secção de Belas Artes Fonte: Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas (AHMOP), Relatório Final do Comissariado da Exposição Internacional Panamá Pacífico, Manuel Roldán y Pego, 1919.

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Exposição do centenário da Independência do Brasil, 1922, Arqs. Cotinelli Telmo, Carlos Ramos e Alexandre da Cunha Lado esquerdo: Perspetiva Exterior Canto inferior esquerdo: Galeria circular superior Canto inferior direito: Galeria circular inferior Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (BAFCG), Espólio Carlos Ramos.

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Exposição Ibero-Americana de Sevilha, 1929, Arqs. Rebelo de Andrade Lado esquerdo: Fachada principal Canto inferior esquerdo: Exposição de Fotografia Canto inferior direito: Sala das Colónias Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian (BAFCG), Exposição Portuguesa em Sevilha – Catálogo Oficial, 1929

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Exposição Colonial de Paris, 1931, Arq. Raul Lino Em cima: Pavilhão A e B da Secção Histórica Em baixo: Fachada principal do pavilhão da secção etnográfica BAFCG, Espólio Raul Lino

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Exposição Universal de Paris, 1937, Arq. Keil do Amaral Canto superior esquerdo: Perspectiva da vista no rio Sena Canto superior direito: Secção de Arte Popular Canto inferior esquerdo: Salão de Honra Canto inferior direito: Salazar em visita à exposição de Arte Popular patente no SPN BAFCG, Espólio Mário Novais

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Exposição de Nova York e San Francisco, 1939, Arq. Jorge Segurado Canto superior esquerdo: Fachada principal do pavilhão de NY Canto superior direito: Mostra de pintura no pavilhão de NY Canto inferior esquerdo: Fachada principal do pavilhão de SF Canto inferior direito: Interior do pavilhão de SF Revista Oficial do Sindicato Nacional dos Arquitectos, Nº9, Abril/Junho 1939

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Exposição Internacional de Bruxelas, 1958, Arq. Pedro Cid Canto superior esquerdo: Vista geral do pavilhão Canto superior direito: Vista noturna – iluminação interior Canto inferior esquerdo: Ampliações de fotografias de Portugal Canto inferior direito: vista geral do interior BAFCG, Espólio Mário Novais

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