Projeto Arqueológico do Outeiro do Circo (Beja). Campanha de 2014

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19 S EGUNDA S ÉRIE | JANEIRO 2015

A RQUEOLOGIA

E

PATRIMÓNIO I NDUSTRIAL

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dois suportes... ...duas

revistas diferentes

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Iª Série (1982-1986)

IIª Série (1992-...)

(2005-...)

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EDITORIAL E-FAITH (European Federation of Associations of Industrial and Technical Heritage), tem em curso uma campanha para celebrar 2015 como Ano Europeu do Património Industrial e Técnico, reunindo várias iniciativas por toda a Europa (ver http://www.e-faith.org). Em Portugal, pode dizer-se que essa celebração já se iniciou em 2014. Em Maio, realizou-se no Porto o II Congresso Internacional sobre Património Industrial, numa iniciativa da Universidade Católica apoiada pela Associação Portuguesa para o Património Industrial (APPI) e pelo The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH). Poucos dias depois, em Junho, coube ao Museu Nacional de Arqueologia e à Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI) organizar em Lisboa uma Jornada de Arqueologia Industrial para reflectir sobre o presente e o futuro da Arqueologia e do Património pré-industriais e industriais. Considerando a oportunidade e a importância da temática, a Al-Madan associa-se a este movimento europeu reunindo em dossiê especial um conjunto de artigos que desenvolve as apresentações à Jornada lisboeta. São contributos certamente relevantes para o indispensável diálogo científico multidisciplinar, no sentido da precisão e clarificação de conceitos, métodos e práticas, com a consequente afirmação da reivindicada especificidade na área das ciências arqueológicas e patrimoniais, tanto nos planos da investigação e da salvaguarda, como nos da valorização, divulgação e sociabilização. Esta Al-Madan impressa dá ainda destaque a reflexões sobre o panorama museológico português e internacional, no que respeita aos museus ditos “tradicionais” e, particularmente, quanto ao presente e futuro que se perspectiva para os ecomuseus, face aos riscos e desafios hoje enfrentados pelas instituições que adoptaram este paradigma museal e atendendo às tendências já identificáveis. Para além de estudos e intervenções recentes de natureza muito diversa, a publicação do novo Regulamento de Trabalhos Arqueológicos merece também o devido destaque, com enquadramento histórico e legislativo, análise e comentários ao documento que estruturará toda a futura actividade arqueológica portuguesa. Em paralelo, ao mesmo tempo que se inicia a distribuição deste volume da Al-Madan impressa, fica também disponível na Internet outro tomo da sua “irmã” mais nova, a Al-Madan Online, com conteúdos diferentes e suplementares em formato digital para acesso generalizado e gratuito (ver http://issuu.com/almadan). Apenas no último semestre, esta solução editorial contabilizou um número de visualizações superior a 210 mil e foi procurada por mais de onze mil leitores de praticamente todos os continentes (a excepção é a Oceania), com destaque natural para os de Portugal, mas com boa expressão também no Brasil e em Espanha. No presente volume impresso ou no tomo digital, as páginas da Al-Madan e da Al-Madan Online estão à sua disposição. Votos de boa leitura...

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Capa | Jorge Raposo Interior da secção de rebaixar rolhas da fábrica de cortiça Mundet & Cª Lda., no Seixal. Fotografia © Câmara Municipal do Seixal / Ecomuseu Municipal do Seixal - Centro de Documentação e Informação, Rosa Reis, 2004.

II Série, n.º 19, Janeiro 2015 Propriedade | Centro de Arqueologia de Almada, Apartado 603 EC Pragal, 2801-601 Almada Portugal Tel. / Fax | 212 766 975 E-mail | [email protected] Internet | www.almadan.publ.pt Registo de imprensa | 108998 ISSN | 0871-066X Depósito Legal | 92457/95 Impressão | A Triunfadora, Artes Gráficas Ld.ª Publicidade | Elisabete Gonçalves Distribuição | Centro de Arqueologia de Almada

Jorge Raposo

Tiragem | 500 exemplares Periodicidade | Anual Patrocínio | Câmara M. de Almada

Redacção | Vanessa Dias, Ana L. Duarte, Elisabete Gonçalves e Francisco Silva

Parceria | ArqueoHoje - Conservação e Restauro do Património Monumental, Ld.ª

Resumos | Jorge Raposo (português), Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dos Santos (francês)

Apoio | Neoépica, Ld.ª

Modelo gráfico, tratamento de imagem e paginação electrónica | Jorge Raposo

Director | Jorge Raposo ([email protected])

Revisão | Vanessa Dias, José Carlos Henrique, Fernanda Lourenço e Sónia Tchissole

Conselho Científico | Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silva e Carlos Tavares da Silva

Colunistas | Amílcar Guerra, Víctor Mestre, Luís Raposo e António Manuel Silva

Colaboram neste número | Telmo António, ArqueoHoje, Jacinta Bugalhão, Ida Buraca, João Luís Cardoso, Sílvia Casimiro, Virgílio Hipólito Correia, Rui Maneira Cunha, Francisco Curate, Jorge Custódio, Susana José Dias, Ana Luísa Duarte, Graça Filipe, Deolinda Folgado, Amílcar Ribeiro Guerra, Fernando Robles Henriques, Lígia Marques, Sandra Marques, Vítor Matos, Víctor Mestre, Nuno Neto, César Oliveira, Mafalda Sofia Paiva, Rui Pinheiro, Eduardo Porfírio, Paulo Oliveira

Ramos, Jorge Raposo, Luís Raposo, Paulo Rebelo, Sérgio Rosa, Jorge Russo, Raquel Santos, João Luís Sequeira, Miguel Serra, António Manuel Silva, Sofia Silva, Ana Tavares, Ricardo Triães e Hugues de Varine Por opção, os conteúdos editoriais da Al-Madan não seguem o Acordo Ortográfico de 1990. No entanto, a revista respeita a vontade dos autores, incluindo nas suas páginas tanto artigos que partilham a opção do editor como aqueles que aplicam o dito Acordo.

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ÍNDICE EDITORIAL CURTAS

ARQUEOCIÊNCIAS

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Mortalidade Infantil na Ermida do Espírito Santo (Almada): entre o afecto e a marginalização | Francisco Curate, Fernando Robles Henriques, Sérgio Rosa, Vítor M. J. Matos, Ana Tavares e Telmo António ...68

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CRÓNICAS

DE …

PRÉ-HISTÓRIA ANTIGA | Luís Raposo ...8

ARQUEOLOGIA CLÁSSICA | Amílcar Guerra ...12 ARQUEOLOGIA PORTUGUESA | António Manuel S. P. Silva ...15

HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA PORTUGUESA

PATRIMÓNIO | Victor Mestre ...19 Cinquenta Anos Depois: Abel Viana e a Arqueologia portuguesa | João Luís Cardoso ...159

OPINIÃO Que Futuro Para os Ecomuseus? | Graça Filipe e Hugues de Varine ...21 Museu: a Fénix sempre renascida | Luís Raposo ...37 Regulamento de Trabalhos Arqueológicos (Decreto-lei n.º 164/2014, de 4 de Novembro): versão anotada | Jacinta Bugalhão ...40

NOTICIÁRIO ARQUEOLÓGICO ArqueoHoje, Conservação e Restauro do Património Monumental | ArqueoHoje ...169

ARQUEOLOGIA Neoépica, Ld.ª: principais intervenções em 2013 | Nuno Neto, Paulo Rebelo e Raquel Santos ...170

Escavação Arqueológica do Alambor do Castelo Templário de Tomar: arranjo urbanístico da envolvente ao Convento de Cristo | Susana José G. Dias ...49

Projeto Arqueológico do Outeiro do Circo (Beja): campanha de 2014 | Miguel Serra, Eduardo Porfírio e Sofia Silva ...172 Arqueologia Preventiva: um exemplo na Zona de Proteção Especial do Mosteiro de Pombeiro | Rui Pinheiro ...59

Análises Químicas de Ânforas Identificadas em Conimbriga | César Oliveira, Ida Buraca, Virgílio Hipólito Correia e Ricardo Triães ...175 LIVROS

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RECORTES

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dossiê

ARQUEOLOGIA E PATRIMÓNIO INDUSTRIAL (Um)a História da Expressão “Arqueologia Industrial” | Paulo Oliveira Ramos ...76

O Território e o Tempo da Arqueologia Industrial. Intervenção e investigação: realidades de hoje, perspectivas de futuro | Jorge Custódio ...80

Arqueologia Industrial: fontes, métodos e técnicas | Rui Maneira Cunha ...96 Os Moinhos da Boa Sentença (Oeiras): arqueologia e salvaguarda | Sílvia Casimiro e Sandra Marques ...106 A Fábrica de Azeite de Purgueira da Quinta da Alorna, em Almeirim | João Luís Sequeira ...112

A Tecnologia do Vapor Naval Como Contributo Para a Arqueologia Náutica e Subaquática | Jorge Russo ...124

Conjunto de artigos que dão sequência às intervenções proferidas na “Jornada de Património Industrial” promovida pela Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI) no dia 19 de Junho de 2014. Numa organização conjunta com o Museu Nacional de Arqueologia, a Jornada reuniu neste último especialistas nacionais e permitiu tratar aspectos teóricos e estudos de caso nas áreas da Arqueologia e Património industriais.

Património Industrial: um património para os tempos modernos | Deolinda Folgado ...134 O Projecto do Museu da Levada de Tomar: a musealização como processo de salvaguarda de Património técnico e industrial | Graça Filipe ...137

O Museu Metalúrgica Duarte Ferreira: da inovação industrial à preservação do legado | Lígia Marques ...147

A Ilustração Científica Como Forma de Promoção do Património Industrial | Mafalda Sofia Paiva ...153

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As sondagens parietais permitiram igualmente determinar que a estrutura presente no logradouro das traseiras do edifício corresponde a um reaproveitamento contemporâneo da Muralha Fernandina que, por sua vez, inflecte para Este, criando o que Vieira da Silva define como sendo o 3.º redente. Os trabalhos arqueológicos levados a cabo pela Neoépica no âmbito do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor: estudo sobre a Pré-História no Vale do Sabor, iniciaram-se em 2011. Ao todo foram intervencionados 53 terraços fluviais, localizados ao longo de toda a albufeira da Barragem do Baixo Sabor, distribuídos pelos concelhos de Macedo de Cavaleiros, Mogadouro, Alfândega da Fé e Torre de Moncorvo. O objectivo destes trabalhos passava pela obtenção de dados que permitissem a caracterização dos sítios arqueológicos, procurando-se o registo da sequência estratigráfica dos locais intervencionados, de forma a identificar a eventual presença de contextos arqueológicos e o seu grau de conservação, bem como a obtenção de dados que permitissem

uma análise dos processos de formação dos terraços e, por conseguinte, de todo o vale do Sabor. Os trabalhos realizados permitiram identificar importantes sítios enquadrados na Pré-História antiga e recente, bem como na Proto-História. Ao longo de 2013, desenvolveram-se essencialmente trabalhos de gabinete, que passaram pelo tratamento e inventariação do vasto espólio exumado e elaboração de relatórios arqueológicos. Seguindo uma política de divulgação dos sítios intervencionados sob nossa responsabilidade, a Neoépica participou, em 2013, em mais de uma dezena de congressos e outras reuniões de carácter científico e divulgativo. Entre estes destacamos: o I Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses, realizado no âmbito das comemorações dos 150 anos da associação, onde tivemos oportunidade de dar a conhecer algumas intervenções realizadas no distrito de Lisboa e Alentejo, com destaque para o sítio do Porto Torrão (Ferreira do Alentejo); o 1.º Congresso Internacional de Faiança Portuguesa no Mundo, organizado pelo Instituto de Arqueologia e Paleociências da

Projeto Arqueológico do Outeiro do Circo (Beja) campanha de 2014 Miguel Serra, Eduardo Porfírio e Sofia Silva [Arqueólogos. Palimpsesto / CEAACP; [email protected]; [email protected]] Por opção dos autores, o texto segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.

INTRODUÇÃO ano de 2014 assinala o início de um novo projeto de investigação dedicado ao estudo do povoado fortificado do Bronze Final do Outeiro do Circo, em Beja (Fig. 1). O anterior, decorrido entre 2008 e 2013, centrou-se sobretudo na análise do sistema defensivo através da escavação de um troço da muralha, mas também com trabalhos de prospeção dirigida e de fotointerpretação, que permitiram novos dados sobre a planta do reduto defensivo, destacando-se a pormenorização do sector Sudeste, onde se observa um troço de dupla muralha, e a identificação da entrada principal do povoado, protegida por dois imponentes bastiões circulares adossados à muralha. Na área escavada foi possível dar a conhecer

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as caraterísticas construtivas desta muralha, que 0 100 km apresentava algumas soluções inovadoras, como a construção de um sistema de rampas de barro cozido e terra compactada que conferiam maior solidez às terras da encosta, ou a complexidade desta estrutura que integrava, para além dos elementos referidos, um muro superior, um muro de contenção e um fosso exterior (SERRA, no prelo: 79-81). O projeto agora iniciado aborda novos objetivos, centrando-se no quotidiano das populações que habitaram o Outeiro do Circo, uma vez que incidirá sobre a área interior do povoado onde have-

Universidade Nova de Lisboa; o III POPUP - Jornadas de Empregabilidade e Empreendedorismo 2013, organizadas pela Universidade Nova de Lisboa; a 1.ª Aula Aberta de Arqueologia, realizada na semana das Ciências Sociais e Humanas na Escola dos Salesianos do Estoril; a participação na 3.ª edição da Festa da Arqueologia, organizada pela Associação dos Arqueólogos Portugueses com o tema “História da Arqueologia”, entre outras acções de divulgação. Nos dias de hoje, em que a economia e as finanças se sobrepõem a outro tipo de valores, defendemos que é essencial a todos aqueles que intervêm sobre o Património histórico-arqueológico, nos seus diferentes campos, uma acção efectiva na regulação e defesa de trabalhos onde a qualidade e o rigor científico sejam o elemento central e diferenciador. Apesar das dificuldades, mantemos como elementos base e primordiais da nossa acção a qualidade e o rigor, procurando que as intervenções sob nossa responsabilidade sejam uma efectiva mais-valia em termos científicos.

rá lugar a novas áreas de escavação e de prospeção geofísica (Fig. 2). Um outro aspeto de grande relevância para a fruição pública do conhecimento produzido neste projeto é a forte componente de Educação Patrimonial, que inclui diversas atividades com o objetivo de fomentar a interação da atividade científica com a comunidade local, para além de aspetos relacionados com a sensibilização patrimonial ou a captação de novos públicos. O Povoado do Bronze Final do Outeiro do Circo (Beja) é o título desFIG. 1 te novo projeto, aprovado pelo Painel Nacional de Avaliação no âmbito do programa em vigor e que irá decorrer entre 2014 e 2017, contando com o financiamento da Câmara Municipal de Beja e da empresa Palimpsesto, para além dos apoios do Centro de Geofísica de Évora, do Laboratório Hércules da Universidade de Évora, do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património da Universidade de Coimbra (CEAACP) e do Instituto Politécnico de Beja, aos quais se irão juntar outras parcerias no decurso dos trabalhos.

FIG. 2

A CAMPANHA DE 2014 Os trabalhos no Outeiro do Circo iniciaram-se no verão de 2014 com a realização de prospeções geofísicas a cargo do Centro de Geofísica de Évora, realizadas por Bento Caldeira, José Fernando Borges, Samuel Neves e Rui Oliveira (Fig. 3). Estas ações tinham como objetivo a definição pormenorizada e avaliação de duas áreas do sistema defensivo (zona de entrada e curva Sudoeste), para além da realização de trabalhos em vários pontos da muralha, tendentes a verificar a possível continuidade da rampa de barro cozido, já mencionada, ao longo de todo o sistema defensivo e, por fim, a definição de zonas de maior potencial arqueológico no interior do povoado para auxiliar a localização de áreas de escavação arqueológica. Os resultados obtidos serão apresentados em publicação específica. Por isso, apenas indicamos que foram detetadas três anomalias principais numa grelha de 60 x 10 m realizada no topo do Outeiro do Circo, alvo de prospeção magnética e com georradar. As indicações da equipa de Geofísica conduziram à implantação de duas áreas de escavação arqueológica de 6 x 6 m cada (sondagens 3 e 4) (Fig. 4). As anomalias identificadas, duas na sondagem 3 e uma na sondagem 4, correspondiam a manchas elipsoidais que sugeriam a possibilidade de estarem relacionadas com estruturas de cariz doméstico, como seria expectável. As duas áreas intervencionadas apresentaram níveis de conservação estratigráfica substancialmente diferentes, uma vez que na sondagem 4 só se registaram níveis de sedimento sem identificação de qualquer estrutura, apesar de aí se ter recolhido considerável quantidade de material cerâmico. O substrato geológico comprovava o escasso interesse desta sondagem, ao apresentar nítidos sulcos em profundidade provocados por trabalhos agrícolas que revolveram o terreno de forma intensiva. Na sondagem 3 foram definidas duas concentrações de pedra (gabro diorito local) genericamente

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circulares, logo nos níveis iniciais, que apresentavam algumas perturbações provocadas por lavras agrícolas, observando-se algumas pedras dispersas. No tempo disponível durante a campanha, apenas foi possível intervencionar em profundidade uma das concentrações pétreas, sem no entanto se ter terminado a área de escavação, pelo que as interpretações apresentadas mais à frente terão de ser devidamente validadas com a conclusão da escavação prevista para o próximo Verão. Esta área configura uma verdadeira estrutura, uma vez que foram escavados níveis sucessivos de pedras, envoltas num sedimento de cor negra que embalava inúmeros materiais arqueológicos, maioritariamente cerâmicos, mas também fauna mamalógica. A estrutura define um diâmetro máximo de cerca de 3,5 m, reduzindo em profundidade (Fig. 5). Apresenta-se escavada no geológico, com um formato tendencialmente circular, mas com a parede rochosa a estar ausente no sentido Norte, curiosamente na direção da outra concentração pétrea identificada na mesma sondagem. A eventual relação e/ou ligação existente entre estas duas realidades não pôde ser aferida durante a presente campanha e será um dos objetivos a cumprir com o retomar da escavação. Entre os elementos pétreos que compõem o enchimento desta estrutura destaca-se claramente a presença de um fragmento de afloramento com “covinhas”, situação que não é completamente inédita no Outeiro do Circo, onde já havia sido recolhido outro fragmento na sondagem 1, em 2013, e que poderia ter sido reutilizado na muralha. Refira-se ainda a existência de um afloramento gravado com “covinhas” situado na encosta oposta (SERRA e PORFÍRIO, 2012: 142). Poderemos estar na presença de estruturas negativas de apoio a atividades domésticas que terão sido seladas através do uso de pedra local após a sua perda de função. No entanto, evitaremos ser mais rigorosos na caraterização desta estrutura até os tra-

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FIG. 4

FIG. 5

balhos de campo e o consequente estudo de materiais se encontrarem concluídos. No que respeita aos materiais cerâmicos recolhidos nas sondagens 3 e 4 (4320 fragmentos), e após uma análise preliminar, podemos afirmar que se enquadram nos conjuntos tipológicos anteriormente estudados para outras áreas escavadas, tanto ao nível tecnológico como formal (SILVA, 2013 e no prelo). Não obstante, assinalam-se algumas diferenças técnicas e decorativas, entre as quais a

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fraca expressão de cerâmicas com superfícies brunidas ou o carácter residual de peças decoradas com ornatos brunidos, que haviam sido identificados na sondagem 1 em quantidade assinalável (OSÓRIO et al., 2013: 954-956). Salienta-se também a recolha de cerâmicas da Idade do Ferro, provenientes FIG. 6 da sondagem 3, até então desconhecidas no Outeiro do Circo, materializadas na presença de fragmentos com decorações impressas, digitações ou ungulações sequenciais aplicadas sobre o bojo dos recipientes. Documentada ainda em contexto do final da Idade do Bronze, esta técnica decorativa surge com frequência na I Idade do Ferro, sendo a sua presença generalizada no Sudoeste peninsular nos momentos iniciais deste período. É ainda de destacar um fragmento decorado com estampilhas, proveniente da unidade superficial [300], que nos remete para realidades possivelmente enquadráveis dentro dos IV-III séculos a.C. Apesar de preliminares, os dados relativos aos materiais exumados no Outeiro do Circo sugerem uma utilização deste espaço em época sidérica. No entanto, a comprovação de uma continuidade de ocupação do povoado neste período carece ainda de novos dados que apenas a continuidade da investigação poderá resolver. A componente formativa da campanha de 2014 integrou também um ciclo de conferências, destinadas aos participantes mas abertas ao público, que foram realizadas no auditório do Regimento de Infantaria n.º 3 de Beja, a quem expressamos o nosso agradecimento e que incluíram temas muito diversificados com o intuito de envolver e enquadrar os voluntários no projeto em curso. Assim, iniciou-se este ciclo com uma conferência a cargo de Miguel Serra, um dos responsáveis científicos, centrada na apresentação do projeto em curso e que incluiu um resumo do projeto anterior. A ação seguinte, da responsabilidade de Sofia Silva, codiretora dos trabalhos, intitulada “As Cerâmicas do Outeiro do Circo (Beja): uma abordagem metodológica - objetivos e resultados”, pretendia dar a conhecer o estudo do espólio cerâmico desenvolvido pela autora no âmbito da sua tese de mestrado. Houve lugar à exploração de outras componentes deste projeto, através do contributo de Sofia Soares, consultora científica do projeto, dedicado ao contributo da Geologia para a investigação em curso no Outeiro do Circo. Uma ou-

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tra conferência permitiu aos voluntários enquadrarem o Outeiro do Circo numa realidade mais vasta em termos regionais, com a apresentação de António Monge Soares com o título “O Sistema de Povoamento no Interior Sul Alentejano Durante o Bronze Final”. Por fim, o ciclo de conferências de 2014 encerrou com a apresentação de Eduardo Porfírio, corresponsável científico do projeto, sobre a vertente de Educação Patrimonial que tem sido desenvolvida sobre o Outeiro do Circo. Nesta destaca-se a continuação das visitas guiadas, que continuam a atrair numerosos interessados, incluindo não só elementos da comunidade local, mas também, e cada vez mais, turistas de passagem pela zona de Beja. Neste campo, há ainda que destacar os grupos de ATL de Santa Vitória / Mombeja e de Beringel, constituídos por crianças de diferentes idades, o que implicou uma preparação prévia do discurso expositivo, procurando adequá-lo e ajustá-lo ao nível de conhecimentos de cada grupo etário, sendo para tal essencial a colaboração com os técnicos educativos. Para além da visita propriamente dita ao povoado e aos trabalhos em curso, os jovens participantes tiveram ainda oportunidade de, após a devida contextualização, participar ativamente nos trabalhos arqueológicos (Fig. 6). Em colaboração com a Câmara Municipal de Beja organizaram-se eventos no âmbito das Jornadas Europeias do Património e do Dia Mundial do Turismo. No primeiro caso, as atividades consistiram numa conferência intitulada “Projeto Outeiro do Circo: Educação Patrimonial, Tu-

rismo e Arqueologia”, que foi seguida de uma visita noturna ao Núcleo Museológico do Sembrano, concedendo um destaque especial à exposição “Outeiro do Circo: o guardião da planície”. No segundo caso, foi concebido um evento designado: “Outeiro do Circo: investigação para a comunidade”, que constou de uma visita guiada ao povoado, seguida de um passeio com cerca de 4 km até à aldeia de Mombeja (Fig. 7). No percurso foram apresentadas as principais características do Outeiro do Circo, assim como do território envolvente, destacando-se a forte relação existente, nesta zona, entre as potencialidades da Geologia e a ocupação humana. A encerrar a atividade, realizou-se uma mostra de produtos FIG. 7 gastronómicos e de artesanato local, acompanhada pelo cante alentejano dos grupos corais de Mombeja e de Santa Vitória.

BIBLIOGRAFIA OSÓRIO, A.; SILVA, S.; FERNANDES, D.; SERRA, M.; PORFÍRIO, E.; VIEIRA, T., e VILAÇA, R. (2013) – “Atrás dos Gestos: as cerâmicas decoradas do Outeiro do Circo (Mombeja, Beja, Portugal) e a ênfase nas decorações brunidas”. In Actas do VI Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular. Ayunt. de Villafranca de los Barros, pp. 941-974. SERRA, M. (no prelo) – “Muralhas, Território, Poder. O papel do povoado do Outeiro do Circo (Beja) durante o Bronze Final”. In VILAÇA, R. e SERRA, M. (coord.). A Idade do Bronze do Sudoeste. Novas perspetivas sobre uma velha problemática. Coimbra: IAFLUC / Palimpsesto / CEAACP, pp. 75-99. SERRA, M. e PORFÍRIO, E. (2012) – “O Bronze Final nos «Barros de Beja». Novas perspectivas de investigação”. In DEUS, M. (coord.). Actas do V Encontro de Arqueologia do Sudoeste Peninsular. Almodôvar: Município de Almodôvar, pp. 133-148. SILVA, S. (no prelo) – “As Cerâmicas do Outeiro do Circo (Beja): resultados do estudo tecnológico, formal e decorativo”. In VILAÇA, R. e SERRA, M. (coord.). A Idade do Bronze do Sudoeste. Novas perspetivas sobre uma velha problemática. Coimbra: IAFLUC / Palimpsesto / CEAACP, pp. 167-185. SILVA, S. (2013) – O povoado do Outeiro do Circo (Beja) no seu enquadramento regional: contributo dos materiais cerâmicos. Dissertação de Mestrado em Arqueologia e Território, Fac. Letras / Univ. Coimbra.

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