Projeto de Iniciação Científica

June 7, 2017 | Autor: Lucas Tolotti | Categoria: Artes
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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING

RELATÓRIO FINAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Lucas Procópio de Oliveira Tolotti

HOMOSSEXUALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE Discurso artístico-publicitário

São Paulo 2016

LUCAS PROCÓPIO DE OLIVEIRA TOLOTTI

HOMOSSEXUALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE Discurso artístico-publicitário

Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica apresentado à Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM/SP.

Orientador:

Prof.

Barbosa Mello

São Paulo

2016

Dr.

Paulo

Cezar

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer à Escola Superior de Propaganda e Marketing pela bolsa concedida e pela oportunidade de estudar um tema de certa forma diferente e complexo, que é a arte contemporânea. Agradeço também, e muito, meu orientador, Prof. Dr. Paulo Cezar Barbosa Mello, por todas as dicas, revisões, diálogos muito interessantes e por me capacitar a realizar essa pesquisa, pela qual desenvolvi muito carinho. Sem essa ajuda essa pesquisa não existiria. Minha gratidão é enorme. Por fim, gostaria de agradecer minha família e meus amigos, que me apoiaram nessa pesquisa, mesmo quando o ‘certo’ a se fazer seria procurar um estágio e se afastar do academicismo. A todos vocês, meu muito obrigado.

RESUMO

O presente material estuda o discurso homossexual na arte e na publicidade, e ainda de que maneiras podem ocorrer influências entre os campos, principalmente do primeiro para o segundo. Para isso, o estudo começa com os fatos sociais de Émile Durkheim, trazendo-os para o âmbito da contemporaneidade, estudando-os em suas formas de poder em grupos, ou seja, as micropolíticas. Estudando os fatos sociais, logo percebe-se que deles e das micropolíticas surgem materiais para a produção artística. A arte contemporânea então será analisada, tendo em vista a maneira que é produzida e os temas que são mais desenvolvidos por ela. Como nessa pesquisa o foco foi dado à arte que retrata o homossexual, principalmente como ser político e atuante, sendo estudado a obra Dios es Marica, que participou da 31ª Bienal de São Paulo. Composto de quatro artistas, a exibição apresenta o homossexual como questionador da sociedade e transgressor de valores arcaicos e gêneros preestabelecidos. Para analisar a influência da arte contemporânea ao conteúdo homossexual na publicidade, foram coletadas e analisadas produções publicitárias com temática homossexual. O escopo é a análise do discurso homossexual na arte contemporânea e na publicidade, percebendo as influências e os caminhos temáticos usados nos dois meios.

Palavras-chave: fatos sociais, micropolíticas, arte contemporânea, homossexual, campanhas publicitárias.

ABSTRACT

The presented work studies the homosexual speech in art and advertising, and the ways that an influence can occur between the fields, mainly from the first to the second. For this, the study begins with Émile Durkheim’s social facts, bringing them to the contemporary scope, studying their power forms in groups, or micropolitcs. Studying the social facts, it is clear that from them and the micropolitcs there is material for artistic production. The contemporary art was this way analyzed, seeing the way it is produced and the developed themes. In this research, the focus will be in the art that shows the homosexual, mainly as a political and acting being, this way will be studied the artwork Dios es Marica, that participated of the 31st Biennial of São Paulo. Composed of four artists, the exhibition shows the homosexual as a society’s questioner and transgressor of ancient values and preestablished genders. To analyze the contemporary art influence in the homosexual content in advertising, it was collected and analyzed advertising campaigns with homosexual thematic. The objective is to analyze the homosexual speech in contemporary art and advertising, realizing the influence and ways of thinking used in both means.

Keywords: social facts, micropolitcs, contemporary art, homosexual, advertising campaigns.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7 2. ABORDAGEM TEÓRICA .................................................................................................. 8 2.1. Fato social, micropolíticas e arte. ..................................................................... 8 2.2. O contemporâneo e a arte contemporânea.................................................... 17 2.3. Homossexualidade, Teoria Queer e Identidade de Gênero. ........................ 31 3. UMA ANÁLISE ARTÍSTICO-PUBLICITÁRIA DA HOMOSSEXUALIDADE........39 3.1. Dios es marica....................................................................................................39 3.2. Análise Publicitária...........................................................................................50 4. CONCLUSÃO.....................................................................................................................60 5. REFERÊNCIAS..................................................................................................................63 5.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................63 5.2 REFERÊNCIAS DE CAMPANHAS.................................................................65 5.3 REFERÊNCIAS DE IMAGENS........................................................................65 APÊNDICE A – ENTREVISTA DE CAMPO NA 31ª BIENAL DE SÃO PAULO.........68 APÊNDICE B – Projeto de Pesquisa Inicial Revisado........................................................71

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1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa procurou, a partir da relação entre fatos sociais e seus componentes (coercitividade, generalidade e exterioridade), a aplicação deles dentro de uma esfera de poder que não compreende toda a sociedade, e sim alguns estratos específicos. A isso se dá o nome de micropolíticas, uma tendência dos tempos contemporâneos de relativização e fragmentação. Porém, essa abordagem micropolítica é apenas o início de uma lógica teórica que, dentre tantas possibilidades, terá seu objeto de estudo na arte1 contemporânea. À forma como reagem os artistas perante os fatos sociais e suas consequentes micropolíticas é o ponto de partida para daí a pesquisa fixar-se no seu objeto de estudo: o homossexual. No presente estudo, analisou-se, com um recorte muito específico, o homossexual através de dois suportes: a arte contemporânea e a publicidade. O marco teórico então é dividido em três momentos que se complementam: fato social, micropolíticas e arte; o contemporâneo e a arte contemporânea; homossexualidade, teoria queer e identidade de gênero. Essa divisão segue a determinada estrutura: dos fatos sociais e das micropolíticas podem surgir a arte. Essa arte, contemporânea, segue uma lógica diferente dos demais períodos da história da arte. Dentro disso se encontram as obras que compõem Dios es marica que, antes de serem analisadas posteriormente, merecem uma análise do seu objeto: o homossexual, e mais do que isso, as identidades queer. Em relação à pesquisa em si, há diferenças entre o projeto inicial e o que foi desenvolvido. Ao longo do caminho, algumas hipóteses e métodos se mostraram desnecessários e alguns assuntos demandaram uma abordagem teórica mais precisa. Por exemplo, as hipóteses foram diminuídas, por sugestão também do comitê, e o que importa verificar agora é se a publicidade, mesmo com um discurso menos transgressor, mobiliza mais a sociedade em relação à homossexualidade do que uma arte que já apresenta questões mais polêmicas e subversivas; e se a lógica publicitária, no campo da arte, vem como um serviço ou desserviço a essas questões, normalizando o homossexual e o inserindo dentro de uma lógica heteronormativa. De qualquer forma, a base, ou seja, o homossexual na arte e na publicidade foi mantida. Lembrando que a preocupação foi estabelecer bases teóricas, principalmente da arte contemporânea, que é um assunto mais complexo, e também da 1

Como há de ser visto ao longo do texto, é difícil classificar arte contemporânea. Porém, a título de conceito, na presente pesquisa, a arte como um todo será classificada de acordo com os ensinamentos de E. H. Gombrich (2013): a arte parte do artista como forma de criação e expressão, para além dos domínios do belo clássico.

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identidade de gênero, retratada no texto através da teoria queer, os focus group se mostraram desnecessários, uma vez que, além da pesquisa de campo já realizada na época da 31ª Bienal fornecer um panorama de opinião geral, a pesquisa, durante seu desenvolvimento, assumiu um forte caráter bibliográfico, e as investigações das obras e das campanhas publicitárias continuaram nesse método. Tanto a arte contemporânea como a teoria queer são assuntos que rompem com barreiras previamente impostas, desde certa linearidade, no caso da primeira, e um binarismo e determinismo, no caso da segunda. A pesquisa então procurou, de forma didática, retratar esses passos para que, na análise das obras e da coleta publicitária, não haja dúvidas conceituais.

2. ABORDAGEM TEÓRICA

2.1. Fato social, micropolíticas e arte.

Durkheim (1858-1917), ao estabelecer os parâmetros que deveriam servir de estudo para a Sociologia, aponta nos fatos sociais o objeto dessa ciência em questão. Para Durkheim, esses fatos “consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele” (DURKHEIM, 2007). Dessa definição pode-se retirar três características dos fatos sociais: sua generalidade, sua exterioridade e, por fim, sua coercitividade. Ou seja, os fatos sociais representam a ação de um conjunto de pessoas, são externos a elas, e se estabelecem na vida cotidiana através de coerção. Durkheim não levava em conta a individualização, percebendo a sociedade como um todo, organizado principalmente através da coercitividade. Essa noção, proveniente de um respaldo teórico positivista de Comte2 e organicista de Spencer3, faz com que se considere a sociedade como produtora de pessoas, regras, e normas que balizam a conduta do indivíduo. 2

Augusto Comte (1798-1857), considerado pai da sociologia e fundador da doutrina positivista, defende a ideia de uma teoria científica como única forma de real conhecimento. O método de Comte consiste na observação dos fenômenos, sem interferências metafísicas ou teológicas. Apenas a razão sensível é capaz de trazer todo o conhecimento necessário e progresso. Dessa maneira, ele também preconizava a sistematização dos fenômenos sociais como ciência, da mesma forma que as ciências exatas ou biológicas. 3 Herbert Spencer (1820-1903), inspirado pelo evolucionismo de Darwin, aplica às teorias sociais as ideias de organismo e organicidade como motores chave para a evolução. A sociedade evolui cada vez mais a partir do momento em que começa a funcionar como um organismo vivo, sendo que cada pessoa ou classe social

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Admite-se então que, quando Durkheim elaborou a teoria do fato social, suas ideias partiram desses pressupostos positivistas e organicistas. A sociedade era vista de maneira única, mas ao mesmo tempo plural, já que a individualidade não era levada em conta pelo bem de uma ciência própria, que a estudava. O fato social de Durkheim previa uma externalização do indivíduo, estando ele sujeito a essas coerções, exteriorizações e generalidades. Contudo, na contemporaneidade, esse indivíduo sujeito a determinados fatos e forças não possui um papel apenas de receptor ou mantenedor do que lhe é dito como certo, por exemplo. Ao pegar-se a estrutura clássica da comunicação: emissor – mensagem – receptor, canal de comunicação e feedback, percebe-se que hoje, no mundo contemporâneo, esta estrutura está difusa em redes. Isto significa, segundo Anne Cauquelin (2005), que a noção de sujeito que se comunica é apagada em favor de uma produção de comunicações que é global. A rede definida por Cauquelin vai além da rede da internet e define toda forma de comunicação que circula e possui ligações, gerando novas informações. Para Cauquelin, a rede é caracterizada por bloqueio (ou autonomia), redundância (ou saturação), nominação e simulação. Em relação ao bloqueio, isso significa dizer que não existe entrada nem saída, e sim, circularidade. Cada entrada é seu início e seu fim, e a conectividade faz com que cada parte da rede seja ela toda, virtualmente. Esse bloqueio gera a redundância, ou seja, a circularidade das informações se encontra limitada dentro dessa estrutura autônoma. A redundância é necessária para a apreensão de uma informação, mas anula as diferenças. As notícias circulam e se auto reproduzem. A característica da nominação vem como uma forma de diferenciar, “marcar um objeto dentro da rede indiferenciada das comunicações”. Também, a simulação deriva da linguagem. Ao estabelecer uma rede de comunicações, a contemporaneidade usa da linguagem como suporte, em detrimento dos sentidos. Essa linguagem pode gerar fenômenos de características ideológicas e, em determinada instância, uma segunda realidade. A linguagem é trabalhada e retrabalhada dentro de si própria, servindo a fatores políticos, ideológicos e artísticos, por exemplo. As redes contemporâneas se articulam de uma maneira que o receptor também é o emissor. A circularidade se faz presente em vários domínios, sejam eles políticos ou artísticos, por exemplo. Pode ser feito um paralelo com a Web 2.0, fenômeno da internet que coloca

possui uma função definida dentro da sociedade, e isso contribui para que o todo social permaneça em constante movimento e funcionando bem.

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como relevante o conteúdo produzido pelos internautas, através de wikis, blogs, redes sociais, etc. A web é uma plataforma para a circulação de informação. Toda essa circulação de informação, em diferentes meios e de diversas formas, dá margem para a expressão de diversos grupos e de diversas correntes de pensamentos que se complementam ou se chocam. A contemporaneidade, tendo como ponto de partida a modernidade do século XX com suas vanguardas artísticas, apresenta uma forma não linear de narrativas (CANTON, 2008). A fragmentação e a apropriação constituem-se como formas de produção contemporânea. O Poder Político, por exemplo, encontra-se fragmentado no fenômeno que pode ser chamado de micropolíticas, conceito estudado também por Kátia Canton. Elas nada mais são do que uma maneira de descentralizar o poder em esferas mais autênticas de representação. Essas representações se inserem nas redes de comunicação, utilizando-se da linguagem e dos próprios mecanismos de autonomia e redundância para poderem se comunicar. Inserir-se nas redes de comunicação é ‘estar na mídia’, dessa forma, realizar um poder de coerção, mesmo que esse poder de coerção esteja se dirigindo a um grupo muito específico. O filósofo Michel Foucault (1926-1984) afirma, em seu livro História da Sexualidade vol.1, que existem ‘técnicas polimorfas do poder’. Esse poder não está centralizado em uma instituição, mas se faz presente de maneira discursiva e construída, seja nas escolas, nas casas de família, nos hospitais, etc. (FOUCAULT, 2015). Essa maneira discursiva, o discurso em si para ele nada mais é do que “grandes grupos de enunciados que governam o modo como falamos e percebemos um momento ou momentos históricos específicos.” (SALIH, 2015, p. 69). A noção de poder e, consequentemente, de Michel Foucault liga-se muito à sexualidade e à teoria queer4, tópicos que serão abordados mais adiante. O filósofo Peter Pál Pelbart afirma que há a necessidade de entender uma política do cotidiano, do corpo, da sexualidade, da família, da escola, etc. trazendo para vários âmbitos cotidianos uma conotação política (apud CANTON, 2008). A política é um fato social. O poder político é coercitivo por si só, exterior ao indivíduo e geral a todos. As micropolíticas dão um caráter contemporâneo e esse poder e, consequentemente, ao fato social. A sociedade hoje veicula um número imenso de informação que transita pelas redes de comunicação. Essa comunicação, por sua vez, é consumida de diferentes formas por

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Queer é um termo anglo saxão para designar pessoas que fogem do padrão binário de gênero. Mais atualmente utilizado para representar os integrantes da comunidade LGBTQ. Originariamente significa estranho, esquisito, ridículo ou extraordinário (SALIH, 2015).

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diferentes públicos. À noção de informações e conteúdos flutuantes pode-se estabelecer um paralelo com o fato social de Durkheim. A generalidade, coercitividade e exterioridade do fato social se fazem presentes nas mídias. Essa recepção pelos mais variados setores da sociedade transforma e retrabalha a informação adquirida, gerando esferas de representação coletivas dentro da sociedade. Isola-se um fato social, por exemplo, o funk em todos os componentes: as letras, os bailes, os entusiastas e cantores. O funk é fato social porque está na sociedade, e é produzido e corroborado pela mesma sociedade. Está nas comunidades e também está na televisão. Toca em bairros periféricos e também em festas da alta sociedade. No contexto das micropolíticas, o funk também representa uma generalidade, exteriorização e coerção. Quem participa do funk se sente parte deste mundo. E a política se faz presente desde o comportamento, até o conteúdo das letras. Esse gênero musical comunica algo, e isso é entremeado pelas redes de comunicação. É bom ressaltar que a coerção geralmente não se dá de forma incisiva, outorgada por um poder maior, e sim através de uma dispersão que vai permeando todos os indivíduos relacionados ou não a elas. No funk, por exemplo, quando esse estilo musical está na mídia, ele exerce coerção, ele participa da comunicação e se faz presente na realidade de qualquer pessoa, indiferente ao gosto pessoal. O homossexual, outro exemplo na contemporaneidade; sua realidade, suas lutas e conquistas, seus jargões, seu, grosso modo, universo, se faz presente dentro da sociedade, podendo, pois, ser caracterizado como fato social e, mais do que isso, uma micropolítica. Ao contrário do que Durkheim preconiza, porém, esse fato social não se configura da mesma maneira para toda a sociedade, assim como funk, por exemplo. As três características do fato social só fazem sentido quando este é visto pela ótica das micropolíticas. As micropolíticas ressignificam o conteúdo das redes de comunicação em conteúdos adequados a seus interesses, permitindo então analisar os fatos sociais de uma maneira mais fragmentada. Essa fragmentação, característica do momento contemporâneo, faz com que, inclusive, permita-se uma inserção do indivíduo em mais de uma de suas esferas. Por exemplo, o funkeiro homossexual, a moradora da casa de palafitas que luta pelo direito das mulheres, etc. A contemporaneidade, inserida dentro de fatos sociais que cada vez mais se disseminam em micropolíticas, mostram um caráter de realidade a respeito da sociedade. O que é disseminado entre as micropolíticas se define como real, mas nada mais é do que uma realidade simulada (BAUDRILLARD, 1991). O filósofo francês Jean Baudrillard, em seu

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livro Simulacros e Simulação definiu que “simular é fingir ter o que não se tem” (BAUDRILLARD, 1991). Ele coloca em questão a importância do real dentro da sociedade, dizendo que, através das imagens e dos contornos da mídia, o real não existe mais. O que existe é a simulação de uma realidade, feita para dissuadir a sociedade a acreditar que existe uma realidade tangível, sendo que na verdade vive-se na era da simulação e do hiper-real. Dentro das simulações, existem também os simulacros, que são uma categoria de simulação que está aquém do nível do real proposto pela simulação, mas que serve ao espectador, mais do que a própria realidade. Corroborando, verifica-se: A Disneylândia é colocada como imaginário a fim de fazer crer que o resto é real, quando toda Los Angeles e a América que a rodeia já não são reais, mas do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata de uma representação falsa da realidade (a ideologia), trata-se de esconder que o real já não é o real e portanto de salvaguardar o princípio de realidade. (BAUDRILLARD, 1991, p. 21)

Nessa questão, a simulação produz discursos que o real já não consegue mais, porque não existe. Ela é substituída pela hiper-realidade, na qual existe a confusão da sociedade de enxergar que a vida é feita a partir de simulacros e simulações. Essa hiper-realidade, pautada pelos meios tecnológicos e pela imagem, faz crer que se vive em mundo real, quando esse mundo já avançou para além do real, para o hiper-real, e que as simulações em jogo são partes desse ‘hiper’, partes contundentes de uma contemporaneidade que se mostra fragmentada. Os discursos que permeiam a simulação são vastos e estilhaçados. Pode-se ver na citação a seguir como Baudrillard fala de uma existência que se dissolve, o que pode ser traduzido, também, pelas micropolíticas e narrativas enviesadas da contemporaneidade. Já não há imperativo de submissão ao modelo ou ao olhar. [...] Viragem do avesso pela qual se torna impossível localizar uma instância de modelo, do poder, do olhar, do próprio médium, pois que vocês já estão sempre do outro lado. Já não há um sujeito, nem ponto focal, já não há centro nem periferia: pura flexão ou inflexão circular. Já não há violência nem vigilância: apenas a , virulência secreta, reaccção em cadeia, implosão lenta e simulacros de espaços onde o efeito de real ainda vem jogar. (BAUDRILLARD, 1991, p. 43)

Levando a discussão mais para o âmbito da comunicação e, posteriormente, da publicidade, o autor discorre sobre a comunicação de massa e a superficialidade da publicidade. Defendendo a tese de MacLuhan, na qual o meio é a mensagem, Baudrillard diz que esse meio, dentro da mass media, acaba por implodir o social nas massas. Os sentidos são absorvidos tanto de uma ponta receptora como de outra ponta emissora, impossibilitando uma dialética da comunicação pautada na unilateralidade. O meio e o real se mesclam em

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discursos de simulações e simulacros que são mais reais do que o real: hiper-real (BAUDRILLARD, 1991). Isso levanta uma série de questões referentes à massa e os meios: os meios manipulam as massas ou as massas se utilizam dos meios para uma libertação ideológica? De acordo com o filósofo: Os media carregam consigo o sentido e o contra-sentido, manipulam em todos os sentidos ao mesmo tempo, nada pode controlar esse processo, veiculam a simulação interna ao sistema e a simulação destruidora do sistema, segundo uma lógica absolutamente moebiana e circular – e está bem assim. Não há alternativa, não há resolução lógica. Apenas uma exacerbação lógica e uma resolução catastrófica. (BAUDRILLARD, 1991, p. 111)

Baudrillard (1991) afirma que toda essa comunicação se esgota na publicidade, e aí reside o problema: não há, na publicidade, caminho para uma reflexão aprofundada das questões que ela pode vir a trazer. Segundo o autor, ela “não propõe significados a investir, oferece uma equivalência simplificada de todos os signos outrora distintos, e dissuade-os por esta mesma equivalência” (BAUDRILLARD, 1991, p.115). Nesse terreno de redes de comunicação, micropolíticas e simulações, onde a arte contemporânea se insere? Segundo Anne Cauquelin (2005), a arte contemporânea hoje faz parte de uma rede circular, na qual artistas, marchands, colecionadores, galeristas e público estão inseridos em um círculo de produção. Dentro da sociedade de comunicação, os produtores são todos os agentes de comunicação. As próprias obras “não são mais dividas entre academicismo e vanguarda. Elas estão ou não incluídas no circuito.” (CAUQUELIN, 2005, p. 83). Em relação à arte provocada pelos fatos sociais, há o debate sobre essa produção ser uma arte ativista ou um ativismo artístico. De acordo com Suely Rolnik (2007), arte e ativismo são duas maneiras de enfrentamento das tensões da vida social, mas a maneira de enfrentamento difere entre essas duas ações, assim como suas operações e o envolvimento de determinadas faculdades subjetivas. O ativismo aconteceria em um plano macropolítico, enquanto a arte teria lugar na micropolítica. O ativismo atuaria no que está presente na sociedade, entrando em conflito com uma situação dominante já pré-estabelecida, sendo essa situação o fato social preconizado por Durkheim, junto de suas características. O ativista luta contra a dominação, na condição de oprimido. Já o fazer artístico se insere no contexto das micropolíticas, porque envolve a sensação e a subjetividade. O artista dá expressividade para a realidade que gera a tensão,

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dessa forma há o envolvimento subjetivo, traduzido pela arte em suas variadas formas, seja ela visual, verbal, ou outras. (ROLNIK, 2007). Porém, essa dualidade não deve ser encarada como excludente, já que cada vez mais artistas se utilizam da realidade macropolítica estabelecida, ou seja, do fato social geral, problematizando-o e resolvendo-o nas obras por uma ótica micropolítica. A obra se torna a simulação de uma simulação. Têm-se dois fatores: a realidade, que nada mais é do que uma simulação ou hiper-realidade (BAUDRILLARD, 1991) e as políticas micro e macro, que são elevadas à categoria de simulação para fazer parte do contexto em que se estará apresentada. Mais do que um olhar de subjetividade e sentido, o artista reveste a obra de uma dimensão de percepção. A colaboração entre artista e ativista impõe-se muitas vezes na atualidade como uma condição necessária para levar a termo o trabalho de interferência crítica que tanto um como outro empreendem, cada qual num âmbito específico do real, e cujo encontro produz efeitos de transversalidade em cada um de seus respectivos terrenos. (ROLNIK, 2007)

Entra nessa discussão então, o que se pode chamar de artivismo. Artivismo é o termo utilizado para delimitar ou a arte que se utiliza da política ou a política que tem como suportes meios artísticos. O escopo é permitir uma reflexão do status quo e mais do que isso, chamar para a ação a sociedade. O artivismo sempre carrega a noção do outro e sua realidade, para que seja constantemente empregado de maneira efetiva. Os novos meios tecnológicos, principalmente a partir da década de 90, como a Internet e a vídeo-arte, fortaleceram essa prática. Pode-se argumentar que o artivismo reduz a autonomia da arte e amplia a relação, ou as relações sociais, com a estética. Segundo Chaia o processo é político e a tática é artística. A difícil sociabilidade, percebida pelas opressões sócio-políticas, imprime urgência à prática ativista, que deve ser sempre compreendida no conjunto de diversidades estéticas e nas heterogêneas situações políticas. Na contemporaneidade, ao se considerar uma perspectiva política, desenham-se diferentes posições que constroem uma linha que vai desde o artista libertário até o ativista programático. Nesse sentido, o artivismo apresenta-se como uma forma de micropolítica que conduz tanto para o reino da hiperpolítica quanto para o campo das heterotopias. (CHAIA, 2007, p. 11)

As micropolíticas se utilizam da arte hoje para dar vazão àquilo que, anteriormente, poderia ser considerado contra a sociedade ou regras sociais pré-estabelecidas. Da mesma maneira, a arte encontra-se como um caminho a ser traçado pelas micropolíticas, como também uma forma de vazão para que todas as questões pertinentes a um nó da rede de comunicação, um ponto de conexão, seja exprimido.

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Os elementos da arte contemporânea estão inseridos em um contexto micropolítico reativo às políticas vigentes, dentro do político, ou macropolítico. A reação dos artistas às ditaduras vigentes, por exemplo, ou aos governos de transição se deu de uma forma que fosse levantada a questão do gênero, por exemplo, como será visto, posteriormente, no conjunto de obras da 31ª Bienal, Dios es marica. Ao fato social (ditadura) correspondeu-se outro fato social (a micropolítica do gênero), permitindo o embate dialético-artístico, algo presente na contemporaneidade até hoje. O grande problema, segundo Rolnik (2007), é a adesão quase exclusiva da macropolítica na arte, correndo o risco de um agravamento pedagógico e panfletário. Em suas palavras, “as práticas artísticas de interferência na vida pública mais contundentes são, com efeito, aquelas que afirmam a potência política própria da arte.”. A potência política da arte sugere a relação que o amplo fato social possui com a subjetividade, ligando os pontos da percepção macropolítica com a sensação micropolítica dentro do fazer poético. Umberto Eco sintetiza bem as relações entre arte e sociedade quando diz: A arte pode dirigir seu discurso sobre o mundo e reagir à história da qual nasce, interpretá-la, julgá-la, fazer projetos com ela, unicamente através desse modo de formar; ao mesmo tempo que, somente pelo exame da obra como modo de formar (tornando modo de ser formada, graças ao modo como nós, interpretando-a, a formamos), podemos reencontrar através de sua fisionomia específica a história de qual nasce. (ECO, 2013, p. 33)

A obra estabelece conexões com seu tempo, seja no presente, no passado ou no futuro. A sua influência parte, além de algum determinado momento histórico, também de seu presente e das relações estabelecidas com o atual. Em relação ao atual, o sociólogo Zygmunt Bauman, no livro Vida para Consumo (2008), afirma que a sociedade existente hoje é uma Sociedade de Consumidores, que encoraja seus participantes a tomarem parte em uma esfera consumista, rejeitando opções culturais alternativas. Através do consumo, apregoa-se a liberação do indivíduo, que se torna autônomo perante suas escolhas. Consumir se torna um “investimento em si próprio”. As leis do mercado se aplicam, de forma equitativa, às coisas escolhidas e aos selecionadores. Só as mercadorias podem entrar nos templos de consumo por direito, seja pela entrada dos “produtos”, seja pela dos “clientes”. Dentro desses templos, tanto os objetos de adoração como seu adoradores são mercadorias. Os membros da sociedade de consumidores são eles próprios produtos de comodificação. (BAUMAN, 2008, p. 82)

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Isso exemplifica a coerção social apresentada por Durkheim nos fatos sociais. A sociedade de consumo exerce uma coerção no indivíduo, que se vê, de certa forma, obrigado a se comportar e a seguir as regras determinadas. Ao levarmos essa discussão ao âmbito das micropolíticas, pode-se recorrer ao funk como exemplo novamente. Quem está inserido nessa realidade sente-se, de certa forma, coagido a se vestir de determinada maneira, a ouvir certas músicas, ir aos bailes mais concorridos, etc. Toda forma de micropolítica apresenta-se como uma coerção; o que, como já visto, não significa algo forçado institucionalmente, mas sim uma dispersão que vai se desenvolvendo pela comunicação. Segundo Baudrillard (1991), essa coerção não vem da realidade, mas do que os indivíduos enxergam como realidade. A simulação se faz presente pela realidade através do hiper-real. O filósofo Peter Pál Pelbart (2014) chega a afirmar que o modo de vida dessa sociedade atual apresenta-se patológico, e em torno dessa patologia existem os “modos de existência-para-o-mercado”. Parte do esforço contemporâneo consiste em diagnosticar essa enfermidade, retraçar sua gênese, ramificações e efeitos. Entre eles, claro, o de dizimar cotidianamente modos de vida considerados menores, minoritários, não apenas mais frágeis, precários, vulneráveis (pobres, loucos, autistas), mas também mais hesitantes, dissidentes, ora tradicionais (povos da floresta), ora, ao contrário, ainda nascentes, tateantes ou mesmo experimentais (por vir, por descobrir, por inventar). De fato, há no presente uma guerra entre distintos modos de vida, ou formas de vida, e essa guerra, embora indissociável do modo de produção hegemônico e de seus conflitos inerentes, não é redutível apenas a ele. (PELBART, 2014, p. 256)

A visão de Bauman alinha-se ao mercado como um todo e, consequentemente, ao mercado de arte contemporânea. Tanto o artista como o consumidor estão inseridos na rede de comunicação que é permeada por uma série de facilitadores (mídia, publicidade, galeristas, entre outros), e o artista pode ser consumidor e produtor ao mesmo tempo, além de consumido e (re)produzido. Grandes exemplos de artistas que se incluem nessa esfera são o americano Jeff Koons e o britânico Damien Hirst que, através do seu universo, transformamse em uma micropolítica. Esses artistas ganham status e, consequentemente, são mais valorizados. Ganham poder nesse momento, o que Bauman define como “coisas escolhidas e os selecionadores”. O mercado, a rede comunicacional, através de uma série de ligações, escolhe e produz determinado artista, determinada obra como possuindo o valor adequado que satisfaça as necessidades de consumo. A partir do momento que o artista está na mídia, ele tem valor. Estar na mídia é estar dentro da parte mais importante das redes contemporâneas.

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O valor pode ser entendido, nesse caso, como sendo o valor monetário assim como a valorização midiática. Koons e Hirst participaram de projetos na música Pop (Lady Gaga teve como uma das principais influências para seu álbum ARTPOP o trabalho de Koons, e a banda 30 Seconds to Mars utilizou uma pintura da série de spots do artista britânico como capa de um de seus álbuns). O trabalho de Koons e Hirst se encontra pulverizado nas mais variadas formas, além da obra per se. Norberto Stori e Petra Sanchez Sanchez (2014) denominam esses artistas de “artistas grife”, já que suas personalidades muitas vezes ganham dimensão gigantesca e status de marca. Os autores afirmam que, ao mesmo tempo em que os artistas possuem esse status, eles também se tornam produtos, sujeito às leis do mercado e, no caso da arte, das vendas, dos leilões, que muitas vezes chegam a preços altíssimos e dos colecionadores. A fruição estética, segundo eles, é relegada a segundo plano, já que a arte assume apenas seu papel de negócio, muitas vezes especulativo, na mão de milionários e bilionários de vários países, que através de seus fundos de investimentos, ações e negócios imobiliários, elevam cada vez mais o preço das obras dos artistas grife.

2.2. O contemporâneo e a arte contemporânea.

Conceituando fato social, micropolíticas, simulacros, simulações e características do momento contemporâneo como um todo, são necessários alguns esclarecimentos a respeito da contemporaneidade em geral e como essa contemporaneidade se faz presente dentro da arte, já que hoje o que se considera arte é envolvido por uma série de mecanismos, que passam desde a produção, até a promoção e sua recepção. É convencional situar a arte no tempo através de períodos determinados. Quando há uma distância temporal, os agrupamentos necessários são mais fáceis de ser alcançados e um período pode ser descrito de maneira mais geral e fechada. Porém, conforme se avança até chegar à definição de Modernismo, a linha temporal fica cada vez mais perto do que é atual. O Modernismo apresentava uma forte ideia de renovação e progressão, e não só nas artes. O ideal transgressivo e utópico de um futuro era presente nas mais variadas formas de manifestação da cultura. A todas essas renovações procedeu-se a mídia, que pode ser considerada a precursora do pós-modernismo. Segundo o filósofo da arte Arthur C. Danto (2006), a Arte Moderna pode ser caracterizada como a Era dos Manifestos. Esses manifestos, essas vanguardas questionavam e

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posicionavam a filosofia dentro da produção artística. “Cada manifesto corresponde a um esforço adicional para definir a arte filosoficamente” (DANTO, 2006, p. 35). A arte do século XIX e da primeira metade do século XX procurava ser uma compreensão filosófica de si mesma. O pós-moderno, nas artes, convencionalmente surgido entre as décadas de 50 e 60, questiona a própria ideia de modernidade, renovação e progresso, tendo na cultura de massa seu material de trabalho e apropriação. Existe a ideia de recontextualização, de não mais buscar o novo pelo novo e sim retrabalhar ideias previamente existentes, de uma forma que se aproxime muito mais daquilo que é simbólico e subjetivo. Nesse estudo, o conceito de pós-moderno será entendido como inerente ao de contemporâneo. Não haverá menção a uma arte ‘pós-moderna’ e sim a uma arte contemporânea, ou ainda, a uma arte que é entendida e analisada através do contemporâneo. A seguir, estão expostos dois artistas que ajudam a entender essa fluidez das denominações, Marcel Duchamp e Andy Warhol. Conservadoramente, eles se incluem no modernismo e no pós-modernismo. Porém, como a leitura abaixo há de deixar claro, não há como negar que esses dois artistas trabalharam com a arte de maneira a apresentar um caminho para a contemporaneidade. O artista francês Marcel Duchamp (1887-1968), com seus objetos ready-mades, provocou uma mudança na estrutura da Arte Moderna, caracterizada pela incessante construção de vanguardas que tentavam estabelecer um progresso histórico-artístico. Segundo Anne Cauquelin (2005), essa ruptura não é uma oposição, mas uma deslocação do domínio da arte. Ela não é mais uma questão de conteúdo e sim de continente. Por exemplo, um ready-made, ou seja, um elemento já pronto, criado e manufaturado, podese tornar uma obra de arte pela contextualização artística dentro de um museu ou uma galeria. Esse ready-made é acompanhado também da assinatura do artista, seu único ponto de expressão. O material é por ele utilizado em determinado momento, com um determinado valor. Essa provocação de Duchamp acaba por transportar a arte a um plano mais conceitual e de referência. A obra de arte, dessa maneira, apresenta o primeiro passo para fora da moldura e das pinceladas. Também, o artista anula a noção de uma vanguarda e, pelo contrário, faz com que aconteça uma especulação em cima dessa nova obra e de seu valor. Também, segundo Cauquelin, não se pode deixar de notar a importância da linguagem nesse novo momento. Segundo a autora, expor um objeto é intitulá-lo. Dar a um urinol um título como A fonte é trabalhar com a linguagem através de um exercício interpretativo e ideológico.

19 Figura 01 - Imagem da Fonte, de Duchamp

Fonte: Invisible Books, 2015

Além disso, Duchamp queria promover uma mudança no sistema de exposições dos salões de arte que aconteciam na época. Ao assinar um urinol como “R. Mutt” e submetê-lo a uma exposição em que ele mesmo era um dos jurados, ficava claro a intenção do artista de, além de quebrar os paradigmas, deflagrar uma situação de protecionismo e favoritismo no meio das belas artes. O ready-made também está presente na publicidade, quando se utiliza frases ou imagens já previamente conhecidas pelo público para compor uma peça publicitária (CARRASCOZA, 2008). Seja em um anúncio para televisão ou em mídia impressa, esse recurso é utilizado muitas vezes como argumento de autoridade, já que o ready-made utilizado na publicidade procura despertar a memória afetiva do consumidor e, dessa forma, reforçar as qualidades do produto, serviço ou marca. Ele também se apresenta de diversas formas, seja por uma música famosa, uma imagem ou obra artística amplamente conhecida, textos poéticos, dentre outros.

Se lembrarmos que a intenção de Duchamp com seus ready-mades era anestesiar os objetos esteticamente, não nos parece exagerado cogitar que o já pronto é adotado pela publicidade para anestesiar a memória do público, ratificando os valores e as crenças do grupo social que enuncia a mensagem. Associar um produto, serviço ou marca a um enunciado fundador – que tem o status de citação de autoridade – é, certamente, uma ótima tática para influenciar os consumidores. (CARRASCOZA, 2008, p. 84)

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Ainda de acordo com Carrascoza (2008), o ready-made da Mona Lisa, de Da Vinci, utilizado por Duchamp para compor a obra L.H.O.O.Q (trocadilho com o som das letras em francês que, quando enunciadas uma após a outra, formam uma frase que se assemelha com a expressão “ela tem fogo no rabo”), dá margem para várias produções publicitárias. Por exemplo, em um anúncio do amaciante de roupas Mon Bijou, da Bom Bril, o garoto propaganda Carlos Moreno aparece vestido de Mona Lisa. O texto logo abaixo da imagem diz “Mon Bijou deixa sua roupa uma perfeita obra prima”. Em outra peça da mesma campanha, a figura de Carlos Moreno é substituída por um desenho de clara inspiração cubista. O texto abaixo da imagem mostra que Mon Bijou é “Gênio na arte de limpar”. Figura 2 – L.H.O.O.Q., 1919 – Marcel Duchamp

Fonte: Wiki Art, 2016

21 Figura 3 – Carlos Moreno como Mona Lisa

Fonte: Propagandas Históricas, 2013 Figura 4 – Campanha de Bom Bril Inspirada em Picasso

Fonte: Arte Seed, 2016

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Esses exemplos artísticos dentro do ready-made publicitário podem se assemelhar com a ideia de Umberto Eco em relação ao que ele chama de Obra Aberta. A obra aberta permite interpretações a partir do conhecimento de seu fruidor e uma recontextualização que permite a abertura dessa obra para o contemporâneo. (ECO, 2013). Algumas vezes as campanhas que se utilizam do ready-made são acompanhadas de algum texto que deixe mais claro o uso desse determinado recurso. Outras vezes, apenas o ready-made com o logo e/ou slogan da marca já basta, como é o caso da campanha da Apple Think diferent. Nesse caso, o que já está pronto e será utilizado em outro contexto são fotos já divulgadas e conhecidas de diversas personalidades, de John Lennon a Gandhi. A única alteração nessas fotografias são seu enquadramento e a posterior colocação do logo da Apple com o slogan. Figura 5 – Campanha da Apple

Fonte: Afflictor, 2012

Mais do que abrir um novo caminho para a arte, Duchamp, ao descontextualizar e ressignificar objetos não artísticos dando-lhes status de obra, permitiu que esse mesmo raciocínio fosse aplicado a outros modelos de criação, como a criação publicitária. Seguindo

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esse mesmo raciocínio, a publicidade desloca músicas, dizeres, imagens que necessariamente não fazem parte de um contexto publicitário e dão a eles novo significado, adequando-os à mensagem de uma marca, serviço ou produto. De volta ao âmbito das transformações da arte, se, de um lado Anne Cauquelin aponta Duchamp como ressignificador da arte até então moderna, a autora também vê em Andy Warhol um contraponto tanto a essa arte como ao próprio Duchamp. Primeiramente, vê-se em Warhol o abandono da estética, também realizado pelo artista francês. O desenho, as formas, o labor do artista enquanto desenhista é trocado pela exposição de uma ideia ou de um valor. Nesse caso, as imagens de itens de consumo e de personalidades, levadas à extensa repetição, levam à crítica dos meios de comunicação de massa, ao mesmo tempo em que Warhol é fomentado por eles. O artista, ao contrário de Duchamp, que se mantinha reservado e possuía outras identidades em suas assinaturas, assume o status de celebridade. Também se percebe nesse ponto em Andy Warhol o artista como negociador de sua arte. Pode-se dizer que ele abriu caminho para negócios de artistas como Damien Hirst e Jeff Koons, por exemplo, no tocante a atividade empreendedora da arte e a internacionalização dos negócios. O negócio é garantido pelo Nome, que se autoproclama, pela ubiquidade (internacionalização) do produto, pelo tamanho da empresa e de suas múltiplas filiais, pelos papeis desempenhados simultaneamente pelos agentes da empresa. São esses elementos que tornam verossímil, em outras palavras, que transformam a ilusão da realidade em realidade da ilusão. (CAUQUELIN, 2005, p. 119)

Além da visão empreendedora de Warhol, há de se perceber uma visão filosófica e questionadora da própria arte. A pergunta se desvia de ‘o que são obras?’ para ‘por que são obras?’. As latas de sopa Campbell, as caixas de papelão Brillo, dentre outros objetos cotidianos poderiam naquele momento então ser alçados à categoria artística. A obra de arte não precisava ter uma forma especial. O que a Era dos Manifestos fez foi embutir a produção artística de questões filosóficas intrínsecas à arte. A partir do momento que Warhol faz isso de maneira mais aparente, “a arte deixa de ter responsabilidade pela sua definição filosófica.” (DANTO, 2006, p. 41). Uma vez tendo estabelecido que uma definição filosófica de arte não implica nenhum imperativo estilístico, de modo que qualquer coisa pode ser uma obra de arte, adentramos o que chamo de período pós-histórico. (DANTON, 2006, p. 51)

Os ready-mades de Duchamp e os temas de Warhol deram início a um novo momento na obra de arte. Esses dois artistas podem ser considerados os precursores das

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mudanças que desembocaram no que se conhece hoje como arte contemporânea já que, em relação a suas obras, elas diferiam daquilo que se conhecia como a obra de arte propriamente dita. Definir a arte contemporânea por características seria um trabalho impossível, visto que é limitador definir algo atual, que vem acontecendo. A arte contemporânea não se encontra delimitada por finitudes de categoria, podendo assumir qualquer forma que seja necessária para sua fruição. Nos dias de hoje, a arte pode ser um happening, uma instalação, uma performance, ou seja, ela sai dos meios convencionais. Isso põe em choque todo um valor de compra e venda dessa própria arte. Como valorar uma obra que depende do artista para ser ativada? (TRIGO, 2010). A abertura de novos meios não significa porém, o abandono da obra de arte de maneira tradicional, como em quadros, por exemplo. Ou mais ainda, esses novos meios não são exclusivos de uma arte contemporânea. O que a arte contemporânea propõe, segundo Arthur C. Danto (2006), é uma nova narrativa da história da arte. Do início da arte até o fim do moderno, a arte viveu uma narrativa linear que figurava entre representação e superação. Hoje, além de não haver o distanciamento necessário para que se feche um período artístico, a arte cria suas narrativas e as destrói com a mesma intensidade. Existem três parâmetros para a definição de obras de arte, segundo Danto. O primeiro perdurou por muito tempo, desde que se tomou consciência da arte como produto estético e não mais apenas como uma atividade que possuía um valor mágico, divino ou relacional com atividades cotidianas. Esse primeiro parâmetro era o da mímesis: Por um período histórico prolongado, o critério incontroverso para definir uma obra de arte, especialmente uma obra de arte visual, era o seu caráter mimético: imitar uma realidade externa, real ou possível. (DANTO, 2006, p. 51)

Depois, com a Arte Moderna ou a Era dos Manifestos, a representação mimética se tornou um estilo artístico possível, dentre vários que, ao mesmo tempo em que proliferavam, queriam se anular ou ao menos se reconhecerem soberanos uns aos outros. Cada um dos manifestos pretendia buscar uma nova definição filosófica de arte. O fim desse segundo parâmetro para a definição das obras de arte acontece quando, principalmente através da pop art e Warhol, como dito anteriormente, “a filosofia se separou do estilo em virtude do aparecimento, em sua verdadeira forma, da questão ‘o que é arte?’ ” (DANTO, 2006, p. 51). A verdadeira forma dessa questão é não mais discutir a arte em si, e sim o porquê dela

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aparecer ou acontecer de determinada maneira e não de outra, de separar a lata de sopa feita no jantar da lata de sopa que é considerada, de fato, arte. De acordo com Danto (2006, p.52), “a narrativa mestra da história da arte [...] é a de que houve uma era da imitação, seguida por uma era da ideologia, seguida pela nossa era póshistórica em que, com qualificação, tudo vale”. Essa era pós-histórica possui como característica uma separação da filosofia e da arte. Óbvio que há uma filosofia da arte, mas ela não se encontra mais presente nas próprias obras, uma vez que sua pergunta mais recorrente, o ‘por que a obra é obra’, é dada fora do objeto artístico. Também, a era pós-histórica é determinada pelo fim das narrativas mestras. O que começou como representação mimética e passou pelos manifestos acaba se reconfigurando de uma maneira que possa parecer caótica, mas na verdade é só mais uma característica daquilo que é o contemporâneo: fragmentação, pastiche, narrativas enviesadas. A multiplicidade e fragmentação temática são atividades recorrentes do período contemporâneo. Na primeira metade do século XX, as vanguardas europeias da Arte Moderna queriam representar, através de suas ideias e ideais, uma constante progressão da arte. O momento contemporâneo não segue necessariamente essa lógica, realizando desconstruções temporais e, inclusive, utilizando-se de momentos históricos da arte para a produção de novas obras. Figura 6 – Transbarroco, Adriana Varejão, 2014

Fonte: Cenografia.net, 2014

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Como exemplo, pode-se citar a artista brasileira Adriana Varejão (Rio de Janeiro – 1964). Sua obra é permeada pela utilização do barroco como suporte estético e ideológico. Ao mesmo tempo trazendo à tona temas que dialogam com o presente e se utilizando da tecnologia, como a exposição em vídeo Transbarroco, realizada no Rio de Janeiro, Varejão se apropria do passado para criar algo único, mas que não tem a pretensão de ser uma arte superior à criada anteriormente. Os suportes mudam, os meios são capazes de dar novos fins à arte. O barroco, nesse caso, consiste em telas de vídeo que juntas, formam um ‘barroco de telas e vídeos’. A arte contemporânea pode ser metalinguística também. Essa característica da arte contemporânea remete à atemporalidade, à noção da arte como presente em todos os tempos e ao mesmo tempo em nenhum. Entretanto, não se pode dizer que essa apropriação de outros períodos artísticos é algo presente apenas na Arte Contemporânea já que, por exemplo, até o próprio Rococó pode ser considerado como uma apropriação estética do Barroco, deslocando a aura religiosa deste para a civilidade daquele (GOMBRICH, 2013). De temas religiosos a retratos, até a Arte Moderna havia uma imponência nos temas e uma alteridade5 quase sacralizada entre fruidor e obra. A partir do impressionismo, temas cotidianos foram se tornando mais frequentes, passando pelas vanguardas, pelo desenvolvimento social psicanalítico freudiano e desembocando em Duchamp e Warhol. Atualmente, não há uma definição pragmática na Arte Contemporânea, e sim, ideias ou assuntos que se fazem necessários para um contexto ou um artista. Segundo Kátia Canton (2008), as micropolíticas, as relações com o corpo e o tempo são alguns pontos que aparecem com certa frequência em produções contemporâneas. Já que, segundo Danto (2006, p.34), “o fim da arte consiste na tomada de consciência da verdadeira natureza filosófica da arte”, o autor cita uma passagem do filósofo Hegel em seu livro Estética, no qual o autor propõe uma consideração filosófica à arte. Depois do que foi dito por Hegel, na primeira metade do século XIX, sucederam-se as vanguardas e a Era dos Manifestos. Porém, a citação aqui se mostrará contundente para abrir um novo caminho de estudo. A arte, considerada em sua vocação mais elevada, é e permanece para nós coisa do passado. Com isso, para nós ela perdeu verdade e vida genuínas, tendo sido transferida para nossas ideias em vez de manter a seu destino primeiro na realidade e ocupado seu lugar mais elevado. O que agora é estimulado em nós por obras de arte não é apenas a satisfação imediata, mas também o nosso julgamento, uma vez que submetemos à nossa consideração intelectual (i) o conteúdo da arte, e (ii) os meios de apresentação da obra de arte, e a adequação ou inadequação de um ao outro. A 5

A totalidade racional da realidade, sendo outro, pondo-se ou constituindo-se como outro (ABBAGNANO, 2015).

27 filosofia da arte é, por essa razão, uma necessidade maior em nossos dias do que o fora nos dias em que a arte por si só produzia uma completa satisfação. A arte nos convida a uma consideração intelectual, e isso não com a finalidade de criar arte novamente, mas para conhecer filosoficamente o que a arte é. (HEGEL apud DANTO, 2006, p. 35)

O escritor, filósofo e pesquisador italiano Umberto Eco, propõe em seu livro de 1962, Obra Aberta, uma maneira de interpretar e estudar a obra de arte que difere muito do que era estabelecido até então. Eco não vê a obra como algo cristalizado, feita no seu tempo e passível de apenas uma interpretação. Segundo o tradutor Giovanni Cutolo, “Eco, na realidade, sustenta um modelo teórico de obra aberta, que não reproduza uma presumida estrutura de certas obras, mas represente antes a estrutura de uma relação fruitiva” (ECO, 2013, p. 9). O fruidor ultrapassa o reconhecimento filosófico proposto por Hegel, visto que a condição póshistórica da arte por si mesma já elimina a consideração filosófica. Mas não podem ser desconsiderados os pontos de intersecção entre uma teoria e outra, principalmente em relação ao julgamento de quem está recebendo a arte e de como ela se instaura e se apresenta perante o receptor. Por ser um modelo de estudo, não existem concreta e factualmente, obras que se caracterizam como abertas, já que este modelo “não reproduz uma suposta estrutura objetiva das obras, mas a estrutura de uma relação fruitiva” (ECO, 2013, p. 29). Essa relação fruitiva acontece entre o fruidor, o espectador, e a obra. Há uma relação intercomunicante entre este fruidor e obra, baseada em vários aspectos: a bagagem pessoal do receptor, seus conhecimentos e modelo de vida; a situação temporal e local da obra, ou seja, onde, quando e para quem ela está sendo exposta; e, por fim, a poética do autor, ou seja, sua intenção, já que “uma obra é ao mesmo tempo o esboço do que pretendia ser e do que é de fato, ainda que os dois valores não se coincidam” (ECO, 2013, p. 25). Resumidamente, Eco afirma que a obra aberta deve ser vista como: Proposta de um “campo” de possibilidades interpretativas, como configuração de estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de maneira a induzir o fruidor a uma série de “leituras” sempre variáveis; estrutura, enfim, como “constelação” de elementos que se prestam a diversas relações recíprocas. (ECO, 2003, p. 150)

Visto isso, não cabe propor uma antítese entre obras ‘abertas’ e ‘fechadas’, e sim estudar as produções artísticas de uma maneira que haja enfoque nessa abertura. Esse modelo teórico compreende não só as obras de arte dos dias de hoje, mas sim a totalidade artística e, mais do que isso, a comunicação como um todo. Eco utiliza este modelo para falar também de literatura e teatro, por exemplo. O livro Obra Aberta teve como origem um estudo sobre a

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relação do livro Finnegans Wake, de James Joyce, com o leitor e como essa obra poderia significar e ressignificar-se perante o leitor. Essa característica temporal de fruição permite que a relação do fruidor com uma obra seja passível de discussão e estudo tanto em relação a uma pintura renascentista como a uma instalação contemporânea. Eco, dessa maneira, acolhe a cultura de massa quando propõe um debate da obra que se liga a seu receptor de maneira única. A aura da obra, proposta por Walter Benjamim, apaga-se. O mutismo apregoado por Theodor Adorno (FREITAS, 2003) também não fará sentido nesse contexto da obra aberta. Adorno não via na arte a possibilidade de comunicação com seu receptor, porque a arte transcendia o mundo inteligível, e sua transcendência e seu mutismo eram fatores para a caracterização da arte como arte. Eco, ao propor um modelo de obra aberta, revisita as ideias dos pensadores da Escola de Frankfurt e mostra que a cultura de massa, a reprodutibilidade e o kitsch integram a contemporaneidade e se fazem presente na comunicação e nas artes. É através da proposta da obra aberta que se estuda, na presente pesquisa, as obras que compuseram o projeto Dios es Marica, do artista, pesquisador e escritor peruano Miguel A. Lopez, que atuou como curador na seleção das vinte e uma obras de quatro artistas. Essas obras foram expostas na 31ª Bienal de São Paulo, entre 6 de setembro a 7 de dezembro de 2014, na cidade de São Paulo. O objetivo não é analisar obra por obra como um fim nelas mesmas, e sim partindo delas como forma de estudar o contexto social em que estão envoltas, tanto no momento da criação artística como no momento de sua recepção. No caso, a recepção que está envolvida na 31ª Bienal, já que o espaço é um dos fatores de análise da obra aberta. Estabelece-se, então, uma poética dessas obras, no momento em que se estuda o contexto da produção pelo autor juntamente com a fruição do público. As obras são datadas de 1973 até 2002 (CATÁLOGO FBSP, 2014). A ótica do ano de 2014, porém, difere-se desses quase quarenta anos permeados pelas produções, seja pela política ou pela cultura. Umberto Eco define a poética como “programa operacional que o artista se propõe de cada vez, o projeto de obra a realizar tal como é entendido, explícita ou implicitamente, pelo artista.” (ECO, 2013, p. 24). A poética da obra “aberta” tende, como diz Pousseur, a promover no intérprete “atos de liberdade consciente”, pô-lo como centro ativo de uma rede de relações inesgotáveis, entre as quais ele instaura sua própria forma, sem ser determinado por uma necessidade que lhe prescreva os modos definitivos de organização da obra fruída. (ECO, 2013, p. 41)

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Antes, então, de analisar Dios es Marica, faz-se necessário estabelecer o contexto em que este conjunto de obras foi exposto, no caso a 31ª Bienal de São Paulo. Tendo sua primeira edição em 1951, no local onde hoje se localiza o MASP (Museu de Arte de São Paulo), a presença de uma Bienal na cidade de São Paulo e, consequentemente, no Brasil foi um fator importante por diversos motivos: Surgida no limiar entre modernidade e contemporaneidade, foi o primeiro evento desse tipo a se deslocar do eixo europeu e representou o fim do “isolacionismo cultural” brasileiro (LINHA DO TEMPO BIENAL, 2012). Com o tempo, a Bienal de São Paulo foi sofrendo a ação do tempo em que estava inserida. Boicotes de artistas na época da ditadura foram frequentes, marcando a 10ª edição, em 1969. A partir da 16ª edição, em 1981, com a curadoria de Walter Zanini e a abertura política, houve o fim do boicote e as obras não eram mais separadas por país, e sim unidas por técnica e tema. As próximas edições apresentariam uma série de formatos artísticos que transitavam entre o novo e o tradicional. A 17ª edição, também com curadoria de Zanini, prestigiou a performance, o happening e o vídeo. Já a edição seguinte, tendo como curadora Sheila Leirner, representou uma volta à arte exposta nas telas (LINHA DO TEMPO BIENAL, 2012). A partir da abertura política ocorrida em 1981, a iniciativa privada começou a ganhar espaço. Antes financiada pelo Poder Público, a Bienal apresentava-se agora como estratégia para investidores e instituições privadas a fim de estabelecer ou melhorar seu marketing cultural (OLIVEIRA, 2001). A Bienal tem como objetivo promover a arte contemporânea no país, seja trazendo o cenário internacional para dentro de suas edições ou promovendo artistas brasileiros para o mundo. Mais do que isso, e principalmente após a 29ª edição, na qual ganhou um projeto educativo permanente (LINHA DO TEMPO BIENAL, 2012), também possui como objetivo a educação e inserção social. Nesse contexto, não faz sentido pensar na Bienal de São Paulo como possuindo um público elitista. A Bienal exerce esforços para que o público seja cada vez mais heterogêneo, e é nesse objetivo que reside o papel mais importante do educativo. As mediações pretendem diminuir a entropia e elevar os questionamentos e fruição da obra. A 31ª e última edição da Bienal até então apresentou como tema ‘Como (...) coisas que não existem’. As reticências nos parênteses podem compreender qualquer verbo que faça sentido com a frase modelo. Alguns exemplos expressos no Catálogo são: ‘Como pensar

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sobre coisas que não existem’, ‘Como imaginar coisas que não existem’, ‘Como falar de coisas que não existem’, etc. Figura 7 – Imagem do Cartaz da 31ª Bienal de São Paulo

Fonte: Fundação Bienal, 2014

Ao retratar coisas que não existem, a 31ª Bienal de São Paulo assumiu um teor político muito grande. Teor político este impregnado por micropolíticas que foram expostas por artistas de diversas partes do mundo. O pôster oficial do evento, por exemplo, traz uma ilustração do artista indiano Prabhakar Pachpute. O artista tem em suas raízes numa cidade mineradora da Índia a principal fonte para seu trabalho. As obras procuram retratar os aspectos físicos e psicológicos dos mineradores de carvão, suas questões e lutas trabalhistas (CATÁLOGO FBSP, 2014). Dois conjuntos de obras na 31ª Bienal de São Paulo retrataram a condição de gênero ou a homossexualidade. São elas: Dios es marica e Museo Travesti. Ambos os projetos

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tentam dar visibilidade a algo que, para muitas pessoas, não existe. O que está em jogo nessas obras é a representação da identidade de gênero perante a sociedade e perante a religião. No presente estudo, o foco será em Dios es Marica. Uma mostra organizada contendo quatro artistas/coletivos, o que eles têm em comum é a trajetória homossexual definindo seus trabalhos, instaurados numa época de ditadura ou pós-ditadura em seus países, e uma forte presença da religião dentro de suas obras. A relação entre o sagrado e o profano perpetrado pela sexualidade, mais ainda, pela homossexualidade, faz dessas obras um composto que pôde ser apresentado junto na 31ª Bienal de São Paulo, como Dios es Marica. Ao englobar o discurso homossexual e profano às coisas que não existem, na verdade a Bienal mostra o que, de fato, existe, e como essas questões já estavam situadas na arte desde a década de 1970, mas só agora atinge um âmbito mais significativo, seja com a explosão de teorias ou com a exposição desse assunto na mídia. É interessante notar que, o que a 31ª Bienal de São Paulo trouxe através de sua curadoria foi um conjunto de simulações. O tema da Bienal beira a questão das simulações e do hiper-real. Se as coisas não existem, mas estão lá, é porque não é a realidade que as compõe. A simulação novamente opera em duas categorias: nas obras de arte, que são simulações per se e seu conteúdo. Os artistas, em seus discursos, simulam uma realidade. O que se vê na Bienal, então, é uma torrente de simulacros e hiper-realidade que se materializam em obras. Obras que tratam de questões como violência, religião e sexualidade. Assuntos que são considerados como parte da realidade, mas na verdade são simulados em uma hiperrealidade. Desde o tema até as obras selecionadas, a Bienal resume o conteúdo da contemporaneidade: micropolíticas, narrativas enviesadas e simulações.

2.3. Homossexualidade, Teoria Queer e Identidade de Gênero. A pesquisa desde o início se comprometeu a tratar da homossexualidade no espectro da publicidade e da arte contemporânea. Como visto acima, as bases de uma compreensão da arte contemporânea foram lançadas. Entretanto, não se pode prosseguir com a análise das obras nem da produção publicitária voltada para homossexuais em seus discursos sem se atentar, justamente, para o homossexual. Este relatório pretende estabelecer de maneira clara a arte e o homossexual na contemporaneidade para que, a partir daí, a análise das obras de Dios es marica junto com a produção publicitária seja feita de modo mais adequado e pertinente.

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Antes de adentrar no campo da homossexualidade (e por homossexualidade se entende, na pesquisa, a relação afetiva e/ou sexual entre pessoas do mesmo sexo), algumas considerações a respeito da sexualidade e de seu discurso ao longo do tempo, para depois, de acordo com Freud e Kinsey, estabelecer o indivíduo homossexual historicamente e, posteriormente, como essa situação é vista nos dias de hoje. Para isso, a Teoria Queer se mostrará como um caminho que aponta para situações pré-concebidas e tem como objetivo, mais do que problematizar a questão binária de homem/mulher e heterossexual/homossexual, provocar o debate e a inclusão daquilo que é diferente, ou melhor, não está normatizado. Foucault, no primeiro livro da História da Sexualidade (2015), traça um panorama daquilo que foi definido como sexualidade desde a Idade Média até os dias de hoje, focando principalmente no século XIX e de como a então burguesia lidava com o sexo. Foi considerado, por muito tempo, que durante os séculos XVIII e XIX, o assunto ‘sexo’ era reprimido, principalmente pelos detentores do meio de produção, para que os trabalhadores pudessem se ocupar apenas de seu trabalho e, distrações, como os prazeres do sexo, fossem evitadas. O que Foucault apresenta é outra versão dessa história, dizendo que, na verdade, o sexo não fora reprimido e, pelo contrário, era incitado, desde a infância. Antes de procurar por uma verdade universal do sexo, o discurso sexual se encontrava impregnado em várias instâncias de poder, das escolas aos consultórios médicos, “tudo isso com efeitos que podem ser de recusa, bloqueio, desqualificação, mas também de incitação, de intensificação, em suma, as ‘técnicas polimorfas do poder’.” (FOUCAULT, 2015, p.17). O que apresenta como latente na sociedade do século XIX é a ‘vontade de saber’ do sexo. Isso quer dizer, como a classe dominante europeia na época, a burguesia, poderia usar essa questão a seu favor, já que “uma das formas primordiais da consciência de classe é a afirmação do corpo [...] ela [a burguesia] converteu o sangue azul dos nobres em um organismo são e uma sexualidade sadia” (FOUCAULT, 2015, p.137). As igrejas, as escolas e os consultórios médicos, exerciam poder sobre os indivíduos e isso não era diferente em relação ao sexo, principalmente em sua forma discursiva. Foucault analisa quatro conjuntos de situações que desenvolvem dispositivos específicos de saber e poder a respeito do sexo, sendo eles: “histerização do corpo da mulher; pedagogização do sexo da criança; socialização das condutas de procriação e; psiquiatrização do prazer perverso” (FOUCAULT, 2015, pp. 113 e 114). Esses quatro modos nada mais são do que maneiras de se produzir discursos em relação à sexualidade, discursos engendrados por

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instituições clássicas e que se permearam na sociedade e moldaram a forma de falar, pensar (e por que não fazer) o sexo. Em suma, Foucault afirma que a sexualidade é ativada pelo poder: [...] a sexualidade está ligada a dispositivos recentes de poder; esteve em expansão crescente a partir do século XVII; a articulação que a tem sustentado, desde então, não se ordena em função da reprodução; essa articulação, desde a origem, vinculouse a uma intensificação do corpo, à sua valorização como objeto de saber e como elemento nas relações de poder. (FOUCAULT, 2015, p. 117)

Em relação à homossexualidade, Foucault afirma que ela, dentro do discurso sexual, foi categorizada. Não havia mais os ‘sodomitas’, e sim os homossexuais, que seriam caracterizados por uma “androginia interior, um hermafroditismo da alma” (FOUCAULT, 2015, p. 48). Com o advento da psicanálise, a homossexualidade mais uma vez foi alvo de teorias, apresentando-se menos como um desvio, não sendo caracterizada como histeria, por exemplo, nem uma perversão preocupante. Houve, segundo Foucault, um discurso que reagia à noção comumente atribuída ao homossexual: “a homossexualidade pôs-se a falar por si mesma, a reivindicar sua legitimidade ou sua ‘naturalidade’, e muitas vezes dentro do vocabulário e com as categorias pelas quais era desqualificada do ponto de vista médico.” (FOUCAULT, 2015, p. 111). A psicanálise combatia, na sua época de formação e cristalização, a eugenia e os preconceitos caracterizados pela ciência médica até então. Segundo os conhecimentos da época, qualquer problema ou doença hereditária estavam ligados a algum perverso na árvore genealógica, sendo esse perverso um homossexual, um tísico, um demente, etc. É bastante claro, então, que Foucault vê o discurso sexual realizado principalmente a partir do século XVIII como uma clara maneira de institucionalização do poder. Esse poder que não representa apenas o poder do Estado, mas o poder da família, da escola, da igreja. A correlação com as micropolíticas se tornam presente nesse ponto. O discurso sexual por si já se apresenta como uma micropolítica, e ele vai se enveredando por esses outros locais de poder. O sexo se torna um fato social na medida em que vai sendo coercitivamente aplicado em várias instâncias de poder, de maneira não tão escancarada, mas nem por isso, não coercitiva. Segundo Foucault, o sexo: [...] dá lugar a vigilâncias infinitesimais, a controles constantes, a ordenações espaciais de extrema meticulosidade, a exames médicos ou psicológicos infinitos, a todos um micropoder sobre o corpo; mas também da margem a medidas maciças, a

34 estimativa estatísticas, a intervenções que visam a todo o corpo social ou grupos tomados globalmente. (FOUCAULT, 2015, p. 157)

A categorização da homossexualidade foi algo presente principalmente na década de 1940, por causa dos Relatórios Kinsey. O biólogo, até então professor de Zoologia, Alfred Charles Kinsey (1894-1956), entrevistou 11.240 indivíduos, com o objetivo de saber os hábitos sexuais tanto dos homens quanto das mulheres. Os dados coletados variavam entre assuntos como homossexualidade, masturbação, orgasmo, sexo pré-conjugal, etc. Essas pesquisas deram origem a dois livros que tinham como objetivo explicar os comportamentos sexuais de ambos os sexos. Kinsey chegou a fundar um instituto, o Kinsey Institute for Research in Sex, Gender and Reproduction, existente até hoje (SENA, 2010). Kinsey, sendo da área da biologia, utilizou o método taxonômico6, muito mais utilizado nas ciências biológicas, para categorizar e investigar os indivíduos entrevistados. Tendo consciência de que poderia haver divergências estruturais entre estudar humanos e outras espécies de animais dentro do mesmo método, Kinsey se apoiou na estatística “como procedimento complementar, defendendo-a como requisito fundamental para o estudo de qualquer espécie, incluída a humana” (SENA, 2010, p.3). A grande preocupação de Kinsey era mostrar, através dos relatórios, que comportamentos considerados anormais eram, na verdade, praticados por uma grande parcela da população. Por exemplo, em relação à homossexualidade, 37% dos homens disseram ter tido algum tipo de experiência homossexual. Inclusive, derivada do estudo do comportamento homossexual, surgiu, elaborada por Kinsey e seus outros três colaboradores7, a escala H-H, mostrando sete graus do comportamento sexual humano, variando da heterossexualidade total e exclusiva (grau zero) para a homossexualidade total e exclusiva (grau sete) (SENA, 2010). A crítica que se pode fazer a Kinsey é que, por mais que ele promova certa flexibilização entre heterossexualidade e homossexualidade e aponte comportamentos sexuais até então considerados perversos em grande parte dos entrevistados, ele não conseguiu sair das esferas de catalogação, enquadramento estatístico e, consequentemente, normatização. Ele pode se enquadrar na produção de uma ciência sexual que Foucault caracterizou como scientia sexualis que, opera no ocidente a favor de uma normatização e normalização do sexo. Opondo-se à ars erotica, mecanismo mais utilizado no oriente que consiste em extrair a verdade do sexo pelo próprio prazer, através da prática e da experiência, essa ‘ciência sexual’ 6

Método de classificação dos seres vivos. Wardell Baxter Pomeroy (1913-2001), psicólogo; Clyde E. Martin (1918-1989), estatístico; e Paul H. Gebhard (1917 – 2015), antropólogo. 7

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parte, desde a Idade Média através do dispositivo da confissão até os séculos XIX e XX com os mecanismos de ajustamento (FOUCAULT, 2015). No ponto de intersecção entre uma técnica de confissão e uma discursividade científica, lá onde foi preciso encontrar entre elas alguns grandes mecanismos de ajustamento (técnica de escuta, postulação de causalidade, princípio de latência, regra da interpretação, imperativo de medicalização), a sexualidade foi definida como sendo, “por natureza”, um domínio penetrável por processos patológicos, solicitando, portanto, intervenções terapêuticas ou de normalização; um campo de significações a decifrar; um lugar de processos ocultos por mecanismos específicos; um foco de relações causais infinitas, uma palavra obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e escutar. (FOUCAULT, 2015, p. 77)

Se Kinsey abriu portas teóricas em uma sociedade estadunidense conservadora, nos anos 40 todos os estados norte-americanos proibiam as relações homossexuais (SENA, 2010), ao mesmo tempo corroborou para uma normalização e normatização estatística, já que suas porcentagens ficam localizadas entre ‘maioria’ e ‘minoria’, o que, “numa leitura extrapolada e equivocada, converte o comportamento da maioria em certo, em verdadeiro” (SENA, 2010, p.9). Revendo todos os conceitos que concernem a sexualidade a partir da década de 80 e começo da década de 90, surgiram intelectuais que, principalmente baseados no pósestruturalismo8 e na desconstrução, vão propor novas maneiras de enxergar o sexo, o gênero e as condutas sexuais. Vindo de uma ascendência da comunidade gay que, a partir da década de 70 começou a se afirmar como parte ativista da sociedade, esses intelectuais foram, de maneira heterogênea, o que pode ser chamado hoje de Teoria Queer (LOURO, 2001). A teoria queer surgiu, pois, de uma aliança (às vezes incômoda) de teorias feministas, pós-estruturalistas e psicanalíticas que fecundavam e orientavam a investigação que já vinha se fazendo sobre a categoria do sujeito. A expressão “queer” constitui uma apropriação radical de um termo que tinha sido usado anteriormente para ofender e insultar, e seu radicalismo reside, pelo menos em parte, na sua resistência à definição – por assim dizer – fácil. (SALIH, 2015, p. 19)

A Teoria Queer acaba se constituindo como uma maneira de reação ao que foi chamado pela escritora Eve Sedgwick como ‘pânico homossexual’, ou seja, o medo que heterossexuais tinham de gays por causa, principalmente, da Aids. Os teóricos queer assumiam uma posição de relativizar a pretensa normalidade existente, de uma maneira que descontruía a própria heterossexualidade (SALIH, 2015). 8

De acordo com Salih (2015), seguindo o estruturalismo, com seus pensadores mais proeminentes Lévi-Strauss e Roland Barthes, e que se concentrava não no conteúdo, mas na análise das estruturas e dos sistemas, o pósestruturalismo, possuindo como seus maiores expoentes Jacques Derrida, Paul de Man e Michel Foucault, questiona e procura dissolver as opiniões binárias.

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Uma das teóricas queer mais conhecidas atualmente é Judith Butler, que, entre sua obra, possui dois livros que lidam de maneira mais ampla com a questão de gênero: Gender Trouble (1990), traduzido no Brasil como Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade (2003) e Bodies That Matter (1993), sem tradução completa, porém com a introdução traduzida com o nome Corpos que pesam: sob os limites discursivos do ‘sexo’, que integra o livro O corpo educado. Pedagogias da sexualidade. (1999), organizado por Guacira Lopes Lobo. Butler estuda o sujeito, para analisa-lo e depois desconstruí-lo, afirmando que ele é formado no “interior das estruturas de poder sexuadas e ‘generificadas’” (SALIH, 2015, p. 18). Dessa maneira, o sujeito é indeterminado e instável, não sendo um pressuposto (o ‘sujeito gay’, ‘o sujeito lésbico’, etc.), e sim uma categoria assumível por um indivíduo. Inclusive, em relação ao ‘pânico homossexual’, Butler caracteriza, apoiando-se em Freud, a heterossexualidade como melancólica, vendo o indivíduo homossexual como melancólico a partir do momento em que, desde o princípio, o desejo homossexual é proibido e, consequentemente, o incesto, no caso do filho com o pai ou da filha com a mãe. Uma vez que a “proibição” à qual Butler se refere é o tabu contra a homossexualidade, é evidente que, para ela, toda identidade de gênero é baseada numa catexia ou num desejo homossexual primitivo, proibido. Se a melancolia é a resposta para a perda real ou imaginada, e se a identidade de gênero heterossexual é formada com base numa perda primitiva do objeto de desejo do mesmo sexo, seguese que a identidade de gênero heterossexual é melancólica. (SALIH, 2015, p. 79)

Para Butler não existe diferença entre sexo e gênero, porque “não há sexo que não seja já e, desde sempre, gênero” (SALIH, 2015, p. 89). Existe, segundo a teórica, uma espécie de quadro normativo que faz com que os indivíduos se comportem de determinada forma prescrita. Em suma, as instâncias de poder e o fato social criam certa rigidez comportamental. Porém, para Butler, essa rigidez é aparente, uma vez que o indivíduo consegue performar seu gênero e, consequentemente, seu sexo, dentro dessa estrutura. A performatividade do gênero se dá, principalmente, de maneira discursiva e linguística. É um ato, é um assumir-se. “O gênero é um ato que faz existir aquilo que ele nomeia: neste caso, um homem ‘masculino’ ou uma mulher ‘feminina’” (SALIH, 2015, p. 91). Performar um gênero é reiterar uma série de atos que podem ser aprovados (no caso do homem ‘masculino’ ou da mulher ‘feminina’) pela sociedade ou não (um homem ‘feminino’ ou uma mulher ‘masculina’). Segundo Salih (2015), é importante distinguir a performatividade de gênero, da performance. A performance é o extremo, o exagero, é uma

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parte daquilo que constitui a performatividade, podendo se encaixar naquilo que é um simulacro. A performance de gênero representa o hiper-real, algo que se tem como real, porém não o é. Todos os indivíduos são ‘performativos’ de certo gênero, mas nem todos são ‘performáticos’. A performance parte da performatividade que não é escondida. Os performativos de gênero que não tentam esconder sua genealogia e, na verdade, fazem o possível para acentuá-la, deslocam os pressupostos heterossexuais, ao revelar que as identidades heterossexuais são tão construídas e “não originais” quanto suas imitações. (SALIH, 2015, p. 94)

A performance drag, por exemplo, serve para escancarar a performatividade realizada por todos os indivíduos, inclusive os heterossexuais. Reconhece-se drag como um ato político à medida que essa caracterização de gêneros se torna subversiva e questionadora, o que não deixa de ser um dos propósitos da própria Teoria Queer. É necessário refletir, porém, quando essa performance é subversiva ou não. Claramente, nas obras que compõem Dios es marica, existe um ideia de subversão, inclusive que se estende para além do gênero. Além dos artistas se colocarem em papéis variados de gênero, existe uma importante relação entre o que é sagrado e o que profano. Chamar Deus de bicha é profano? Ao mesmo tempo, reconhecerem Deus apenas como uma figura masculina e patriarcal não é exclusão de gêneros? A obra pergunta se Deus não pode ser homossexual, da mesma maneira que poderia ser uma mulher. É, de certa forma, brincando com essas papeis de gênero que as obras conversam com a Teoria Queer. Butler dá um exemplo de drag que não pode ser considerado subversivo, e sim é um ‘entretenimento hétero de luxo’. Filmes como Tootsie ou Uma babá quase perfeita (Mrs. Doubtfire) mostram indivíduos heterossexuais masculinos realizando uma transformação, uma performance de travestimento. Porém, Nenhuma dessas performances de drag é subversiva, uma vez que servem para reforçar as distinções entre “macho” e “fêmea”, “masculino” e “feminino”, “gay” e “hétero”. (SALIH, 2015, p. 95)

A indeterminação é uma marca corrente na Teoria Queer. Os sujeitos, os corpos, os gêneros, nada é fechado, nada é estanque perante uma relação, seja ela de poder ou temporal. Existe sempre uma ressignificação dos signos. Essa observação se encontra com a contemporaneidade e suas narrativas enviesadas. A performatividade dos gêneros, a performance drag subversiva, a arte contemporânea que se situa em um período pós-histórico, de acordo com Danto (2006); tudo isso faz com que se perceba a complexidade das relações

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interpessoais e intrapessoais, dando margem às políticas, micro e macro. A teórica queer Beatriz Preciado (2003) afirma que os corpos e as identidades dos que são considerados anormais possuem não apenas efeitos nos discursos sobre sexo, mas sim precisam ser vistos como potências políticas. Esses corpos queer que devem ser vistos como potências políticas nada mais são do que as simulações propostas por Baudrillard (1991). Já não se consegue chegar ao real, pelo simples fato de que, com o advento da contemporaneidade, o real é um conceito que não se sustenta. Seja através das identidades de gênero, ou através de questões artísticas, o que se vê é uma simulação daquilo que se pretende como real. “Ser homem” ou “ser mulher”, segundo Butler (SALIH, 2015) é um ato carregado de performatividade e, consequentemente, simulação. Preciado afirma, também, que não deveria haver minorias, e sim multidões queer. Existe uma justaposição de diversos movimentos, sejam eles feministas, homossexuais, transexuais, intersexuais, transgêneros, etc. A multidão queer se transforma em um corpo político atuante. Essa multidão não se contenta com uma identidade natural, como homem ou mulher, ou uma identidade de prática sexual, sendo hétero ou homossexual. Mais ainda do que pretender ser um ‘terceiro sexo’, esses múltiplos corpos queer se interseccionam contra uma heteronormatividade, (re)apropriando-se de discursos feitos há muito tempo. Os direitos dos homossexuais ao casamento, por exemplo. Não seria o casamento uma instituição heteronormativa, e, ao terem esse direito, os homossexuais não estariam inseridos dentro de uma cultura heterossexual? “A política das multidões queer emerge de uma posição crítica a respeito dos efeitos normalizantes e disciplinares de toda formação identitária, de uma desontologização do sujeito da política das identidades.” (PRECIADO, 2003, p. 18). Nesse ponto, o caminho percorrido até aqui pela pesquisa, passando pelo fato social e, consequentemente, micropolíticas, arte, contemporaneidade e gênero, se conflui nos discursos de simulação que são perpetrados pela arte e publicidade, os objetos de estudo. Tanto as obras de Dios es marica como produções publicitárias são simulações do real que carregam discursos, positivos ou negativo, mas que tem a função de corroborar com uma realidade que não existe mais. No caso em questão, estudou-se o discurso homossexual. Como essas categorias de simulação apresentadas como real definem seu discurso e como ele atinge o público são questões que ficarão evidentes a seguir.

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3. UMA ANÁLISE ARTÍSTICO-PUBLICITÁRIA DA HOMOSSEXUALIDADE

3.1. Dios es marica

A arte na obra Dios es marica, dentro do contexto ao qual estava inserida durante sua produção, escancara uma própria simulação. A questão dos papéis de gênero que, como dito anteriormente são carregados de performatividade, portanto, o gênero, de acordo com a Teoria Queer, também não é real, fazendo parte de uma simulação sendo um simulacro de algo que apenas aparenta parecer ser real. Apresenta nas obras, de uma maneira que detalha o mundo homossexual de outra época: o mundo homossexual que precisava viver escondido, que era considerado marginal, que precisava de uma simulação para poder continuar vivo e pulsante dentro das camadas da sociedade. Ao trazer à tona essa simulação dessacralizada, os artistas têm em seu discurso a questão de gênero dentro de um âmbito totalmente hostil. Se até hoje, como será verificado, essas questões levantam discussões inflamadas, na época das obras (que datam do início dos anos 70), o discurso tanto do lado opressor como do oprimido era carregado de inúmeras tensões. Dios es marica foi um projeto curatorial dento da 31ª Bienal de São Paulo, organizado pelo escritor, artista e pesquisador peruano Miguel López (1983 -). Foram quatro artistas/coletivos selecionados: o mexicano Nahum Zenil (1947 -), o espanhol Ocaña (1947 – 1983), o peruano Sergio Zevallos (1962 -) e o coletivo Yeguas del Apocalipsis, que atuaram no Chile por uma década, de 1987 a 1997 (CATÁLOGO FBSP, 2014). Para exemplificar como essa temática está tomando conta cada vez mais dos acontecimentos, na última edição da Parada Gay de São Paulo, realizada em 7 de junho de 2015, a atriz transexual Viviany Beleboni simulou uma crucificação, representando, através desse ato, a violência sofrida pelo público LGBT. Alvo de inúmeras polêmicas e inclusive de agressão, Beleboni, ao simular Jesus Cristo, causou estranheza de certos setores da sociedade justamente por não simular uma realidade compreendida por todos gerando múltiplas interpretações. A mistura de sexualidade e religião encontrada nas obras de Dios es marica tomou forma no ato de Beleboni. A obra encontra-se encenada, nas ruas. As simulações apresentam o mesmo discurso, em épocas diferentes, e é isso que a publicidade de certa forma faz também.

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Figura 8 – Transexual Viviany Belebony na Parada Gay de São Paulo de 2015

Fonte: Globo.com, 2015

São analisadas as obras dos quatro artistas/coletivos presentes em Dios es marica. Foi selecionada uma obra de cada artista (com exceção de Sergio Zevallos), a mais emblemática e/ou polêmica. Junto com a obra é apresentado um contexto do artista. Dentro da 31ª Bienal, a própria disposição das obras que continham Dios es marica era reservada a um lugar de pouco acesso, com uma parede externa que compreendia toda a extensão do lugar das obras e duas paredes perpendiculares que dividiam o espaço em três. Antes de entrar no espaço, havia um aviso de que as obras poderiam não ser propícias para menores de 18 anos. O espectador, quando entrava, estava no espaço do meio, podendo se dirigir à esquerda ou à direita. As obras estavam separadas por artistas.

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Figura 9 – Sala de entrada de Dios es Marica

Fonte: Fundação Bienal, 2014 Figura 10 – Sala à esquerda da principal

Fonte: Fundação Bienal, 2014

42 Figura 11 – Sala à direita da principal

Fonte: Fundação Bienal, 2014 Figura 12 – Gracias Virgencita de Guadalupe, 1984 – Nahum Zenil

Fonte: Fundação Bienal, 2014

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O primeiro artista a ter a obra analisada será o mexicano Nahum Zenil, nascido em 1947, ainda trabalhando na Cidade do México. Em suas obras, Zenil apresenta sua criação católica, muitas vezes através de autorretratos junto com seu parceiro, Gerardo Vilchis. Zenil é defensor dos direitos LGBT no México, seja através da arte, como na organização da Semana Cultural Lésbico-Gay desde 1987 no Museo Universitario del Chopo, em parceria com a Marcha del Orgullo Gay, na Cidade do México (CATÁLOGO FBSP, 2014). A obra analisada será Gracias Virgencita de Guadalupe (Obrigado à Virgenzinha de Guadalupe), de 1984. Desde o nome da obra, que remete a uma oração muito comum no México, até a apresentação de seu suporte, com as decorações em madeira e as imagens laterais, o elemento religioso é muito profundo. As imagens laterais representam à adoração e o temor à Virgem de Guadalupe, sendo um subtexto aquilo que se apresentada pintado pelo artista. A obra é um autorretrato do artista com seu companheiro, e a aparição da Virgem de Guadalupe serve para reafirmar a crença. A Virgem não aparece para julgar uma conduta, mas sim como uma aparição que é exaltada ou quiçá para “abençoar o casal” (Gracias...). A narrativa enviesada que pode se depreender da análise dessa obra é a aproximação do sagrado e do profano como forma de duas simulações que se encontram na mesma categoria. Utilizando-se dos conceitos de Baudrillard (1991) e Canton (2008), a narrativa homossexual dentro da obra eleva o mundano ao encontro do religioso ao fazer presente à figura da Virgem dentro de uma relação física, sexual, carnal e homossexual, intimando o fruidor a tornar-se conivente com o ato e a aparição abençoadora. Ao aproximar essas duas narrativas simuladas, o artista cria uma imagem de resistência e aproximação, mais do que uma provocação, um convite a um novo olhar para diferentes narrativas que se complementam socialmente, religiosamente e culturalmente.

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Figura 13 – Immaculada de las Pollas, 1976 – Ocaña

Fonte: Fundação Bienal, 2014

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Ocaña, segundo artista a ter a obra analisada na pesquisa, pode ser considerado o mais controverso. O Espanhol utilizava-se do imaginário religioso de seu país e das festas populares religiosas para entrar na questão de gênero de maneira contundente. Ativista político, acreditava em travestir-se como ato performático (CATÁLOGO FBSP, 2014), o que vem ao encontro das características de performatividade de Butler (SALIH, 2015). Participante da cena underground de Barcelona, onde realizou a maioria de seus trabalhos, Ocaña não se limitava à pintura, realizando, além delas, vídeos e esculturas de papel machê. A Figura 10 do presente estudo mostra uma das esculturas do artista, intitulada La Asunción Gloriosa (A Assunção Gloriosa), datada de 1981. Uma das obras mais controversas da exposição, e que será analisada, é chamada de Immaculada de las Pollas (Imaculada dos Paus), de 1976. A obra expressa o caráter polêmico e ao mesmo tempo lúdico de Ocaña. Ao apresentar uma Virgem Imaculada rodeada de falos, o artista apresenta uma obra de contradições, que questiona valores como o patriarcado da Igreja Católica e a submissão da mulher. Ficam claros nessa obra alguns pontos da arte contemporânea, como a ressignificação e releituras que podem ser dadas por um artista em determinado tempo. Dessa forma, a Madona do Renascimento se transforma em uma figura menos austera e muito mais aberta a uma sexualidade livre, renascendo, de certa forma, para o sexo, para o prazer. Não há mais vigilância do prazer sexual, muito menos por uma das instituições que vigiam o sexo, a Igreja (FOUCAULT, 2015). O choque produzido pelo artista, de macular algo imaculado, e de fazer isso por uma via sexual, é combustível para retratar temas de gênero e sexualidade. Dessa vez, a narrativa do sagrado é perpetrada pelo sexo com uma mensagem de igualdade de gênero.

46 Figura 14 – Martirios, 1983 – Sergio Zevallos

Fonte: Fundação Bienal, 2014

Figura 15 – Andróginos, Sergio Zevallos, 1990-2000

Fonte: Fundação Bienal, 2014

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O peruano Sergio Zevallos trabalha também com a questão de gênero e de corpos, se aproximando muito do que a Teoria Queer discute em relação aos corpos políticos. O próprio artista, assim como Ocaña, se traveste, apresentando a discussão política que se dá a respeito dos corpos trans-formados. As fotografias Martirios (Martírios), de 1983, apresenta o artista travestido de uma maneira andrógina, não sendo homem nem mulher, mas usado de seu corpo para poder dar a ele uma performatividade que seja fluída e não institucionalizada. Algo muito presente na obra de Zevallos também é a questão do corpo pornográfico, sexualizado, como forma de afirmação sexual. A questão de gênero também se faz presente nesse conjunto de obras, porque esses corpos pornográficos são andróginos, apresentando órgãos sexuais masculinos e femininos, de uma maneira que pode ser considerada até violenta, porém essa violência se dá, plasticamente, remetendo às violências sofridas pelas minorias. Dessa maneira, a narrativa do gênero é corroborada pela ideia da simulação de Baudrillard (1991), já que masculino e feminino nada mais são do que hiper-realidades, simulações que se encaixam na realidade, porém não a são. A Teoria Queer, as teorias de Baudrillard e as obras pertencentes a Dios es marica convergem para a questão do gênero como performatividade e, consequentemente, simulação. Figura 16 – Las dos Fridas, Yeguas del Apocalipsis – 1990/2014

Fonte: Fundação Bienal, 2014

48 Figura 17 – Las dos Fridas, Frida Kahlo – 1939

Fonte: Wiki Art

Além dos três artistas mencionados, participam de Dios es marica o coletivo chileno Yeguas del Apocalipsis, formado por Pedro Lemebel (1955) e Francisco “Pancho” Casas (1959) (CATÁLOGO FBSP, 2014). Yeguas del Apocalipsis fez parte do movimento de contracultura em Santiago, no retorno democrático do país pós-ditadura de Augusto Pinochet. O coletivo baseava suas atividades artísticas em performances, instalações, fotografia, vídeo e intervenções. Casa particular (1989) foi uma intervenção em um prostíbulo, tendo uma das prostitutas assumido o papel, ao mesmo tempo, de Cristo e Pinochet (CATÁLOGO FBSP, 2014). Las dos Fridas (As Duas Fridas), exposta na 31ª Bienal de São Paulo, é uma fotografia de 2014 retratando a performance-instalação de 1990 acontecida na Galeria Bucci, em Santiago. A performance consistia na representação do quadro homônimo de Frida Kahlo, e por três horas os artistas ficaram sentados passando tinta a óleo no lugar do coração. Mais uma vez, há uma narrativa de gênero, que dessa vez perpassa a questão política e micropolítica de uma minoria situada em um contexto de reconfiguração pós-ditatorial. O coletivo reinterpreta, ressignifica e também simula o quadro da célebre artista mexicana. Essas reinterpretações e ressignificações, próprias da arte contemporânea, corroboram com a simulação, tanto de gênero como da arte, de maneira que se atinge, dessa forma, o hiper-real trazido por Baudrillard (1991).

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Como pôde ser visto então, a 31ª Bienal de São Paulo e, mais ainda, as obras que compuseram todo o conjunto de Dios es marica ligam à simulação às questões de gênero, narrativas enviesadas e micropolíticas. Dessa forma, dentro do espaço expositivo da Bienal, as obras funcionam como um conjunto de simulacros, ao darem forma a algo que pode se apresentar como real, mas não o é. A narrativa homossexual nesta arte analisada se enviesa pela religião, como uma maneira de resistência e ressignificação, simulando, dentro de uma própria simulação (a arte) aquilo que se constrói como gênero e é destruído, através de uma performatividade cíclica. Na pesquisa de campo9 realizada dentro do espaço de Dios es marica, foram entrevistadas 12 pessoas, através de uma pesquisa qualitativa com roteiro semiestruturado. Foram perguntados, como filtro, idade e orientação sexual dos entrevistados. Depois, o diálogo se estabelecia em relação à percepção sobre a obra, a opinião sobre o uso da religião e do nome Deus, e se esses elementos causavam estranhamento. Também, se era uma obra que permitia o apreço estético e subjetivo, e, além disso, a opinião do entrevistado sobre obras que exploram a homossexualidade, suas conquistas e opressões. Alguns entrevistados responderam todos os itens. Outros, porém, conforme o diálogo ia se estabelecendo, acrescentaram diversos pontos de vista, assim como focaram em apenas um ponto das perguntas. As entrevistas podem ser visualizadas na íntegra no apêndice A. Certas observações gerais foram diagnosticadas: alguns indivíduos não chegavam a se demorar nas obras, saindo com semblantes desconfortáveis, praticamente no mesmo momento em que adentravam o espaço dedicado às obras. Geralmente, eram pessoas não tão jovens ou com família. O espaço que continha as obras, como relatado, estava divido em três salas. Algumas pessoas não frequentaram todas. As perguntas foram feitas a quem permaneceu pelo menos por um minuto no espaço. Ao serem abordados, os indivíduos que mal permaneceram não quiseram ser entrevistados. Dos doze entrevistados, dois indivíduos do sexo masculino se diziam heterossexuais, dois homossexuais e um que preferiu não oferecer a informação. Das sete mulheres, cinco eram heterossexuais, uma era bissexual e, outra, homossexual. As pessoas entrevistadas, com a exceção de um, não se mostraram chocadas. Em geral acharam o nome Dios es marica polêmico, porém não como algo ruim. A polêmica vem justamente de profanar algo sagrado. Viram a ideia de bom-humor e/ou sátira, e acharam o

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Pesquisa realizada no dia 3 de dezembro de 2014, antes do resultado da aprovação do Projeto de Pesquisa de Iniciação Científica. A pesquisa de campo precisou ser realizada antes devido à duração da 31ª Bienal, que se estendia até o dia 7 de dezembro.

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tema e seus questionamentos pertinentes, principalmente em relação ao gênero e sexualidade de Deus (a figura divina relacionada ao homem precisando ser superada, podendo esta figura ser homem, mulher, homossexual, heterossexual, transexual, etc.).

3.2. Análise Publicitária

É visto que na arte, os movimentos da contemporaneidade como as narrativas enviesadas, as simulações e as questões de gênero estão bem presentes. Interessante notar que as obras analisadas, que mostram tudo isso, são datadas da década de 70 até o presente. Isso mostra um preparo da arte de lidar com questões tabus em uma época menos propícia para esse tipo de discussão do que hoje, por exemplo. É nesse ponto que se cruza o analisado artístico com produções publicitárias que seguem, ou tentam seguir, a mesma narrativa. São analisadas peças publicitárias que têm o homossexual como centro ou que são voltadas a esse público. As questões levantadas que levarão a uma conclusão serão se a publicidade, mesmo sem a mesma provocação da arte, com um discurso menos transgressor, mobiliza mais a sociedade em relação à questão homossexual e, se o discurso apresentado pela publicidade em relação a essas questões acaba por constituir uma imagem de normatização do homossexual, inserindo-o em um contexto heteronormativo, de aceitação forçada ou, mais ainda, de aceitação formulada. Para isso, foram escolhidas quatro peças publicitárias que, de uma forma ou de outra, apresentam a questão homossexual para o público, de formas diferentes. Foram selecionados quatro filmes para televisão, dois nacionais e dois internacionais. Esses filmes mostram como o homossexual é retratado pelas marcas, seja de forma a ‘normatizá-lo’, transgredir paradigmas ou até mesmo apresenta-lo de forma preconceituosa.

51 Figura 18 – Filme ‘YMCA’: Doritos

Fonte: Revista Lado A

Criado pela agência AlmapBBDO, o filme fez parte da campanha de 2009 de Doritos: ‘Quer dividir alguma coisa? Divide um Doritos.”. Estando em um carro com mais três amigos, um menino, ao ouvir a música YMCA do grupo Village People, conhecido grupo musical homossexual da década de 70, começa a dançar a música de maneira bem solta. Em um tom humorístico, o comercial termina com uma embalagem no rosto de quem estava dançando e com a seguinte assinatura: “Quer dividir alguma coisa? Divide um Doritos?”. O filme gerou grande controvérsia e foi suspendido pelo CONAR, mas teve sua entrada liberada para o anuário do Clube de Criação do mesmo ano (MERIGO, 2009). Pode-se perceber nessa peça a estereotipação do menino que dança a música. Não há menção de que ele seja gay, porém, ao dançar essa música, que é muito vinculada ao público homossexual, os olhos julgadores das outras três pessoas no carro não deixam dúvidas de que existe um preconceito relacionado à repressão. Sendo homossexual ou não, dançar essa música não é visto de uma boa maneira. As discussões na internet foram bem variadas, inclusive com uma declaração da agência de relações públicas da AlmapBBDO, Edelman (MERIGO, 2009).

52 Figura 19 – Comentários sobre o filme ‘YMCA’

Fonte: Clube de Criação

Percebe-se, no site do Clube de Criação, que os comentários refletem uma posição dominante, de não achar problema na piada, inclusive dando argumentos de que o menino em questão nem era gay. É preciso notar, porém, que a peça foi considera ofensiva justamente pelo público homossexual, que possui lugar de fala e um histórico de discriminação para poder considerar o filme preconceituoso. Heterossexuais que não são a minoria e não sofreram discriminação podem até achar graça do conteúdo, mas a partir do momento que os próprios homossexuais são contra a campanha, houve um claro ruído na comunicação e ela não conseguiu agradar todos os púbicos, como era intencionado.

53 Figura 20 – Doritos Rainbows

Fonte: Time, 2015

Como um paralelo, no ano de 2015, nos Estados Unidos, Doritos lançou junto com o projeto It Gets Better, que auxilia jovens gays, lésbicas e transexuais, uma edição especial de seu produto, intitulado Rainbows. Para adquiri-lo, era necessário uma doação de no mínimo dez dólares no site do projeto (WAXMAN, 2015). Fica evidente que mais do que um posicionamento de marca, o contraste que se percebe entre o filme ‘YMCA’ e a ação junto com o projeto It Gets Better nos Estados Unidos é muito mais um contraste entre criações publicitárias que possuem ou não a sensibilidade de mobilizar determinados públicos. Figura 21 – Filme ‘Casais’

Fonte: PropMark, 2015

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Outra campanha com forte mobilização social, envolvendo um casal homossexual masculino e um feminino foi o filme do Boticário, veiculado perto do dia dos Namorados no Brasil, em junho. O filme ‘Casais’, ironicamente também produzido pela AlmapBBDO, mostrava uma troca de presentes entre três casais: um casal homossexual masculino, um casal homossexual feminino e um casal heterossexual. Os três casais se portavam da mesma maneira. Algum membro chegava à casa de outro e o abraçava, dando um presente do Boticário. O filme apresentava bastante sutileza, sendo bem mais polido do que qualquer narrativa homossexual que se passa pela arte, por exemplo. Entretanto, como a publicidade é massiva, mais pessoas são atingidas e, com isso, mais discussões são geradas. Reclamações contra a marca começaram no Reclama Aqui e tomaram o Facebook, com opiniões que tangiam o discurso de ódio. O comercial foi levado ao CONAR, mas o órgão não suspendeu. O Boticário continuou apoiando o comercial no seu release para a imprensa.

Figura 22 - Comentários no Facebook

Fonte: Página oficial do Boticário no Facebook, 2015

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Porém, na própria página oficial da empresa, houve vários comentários positivos. No YouTube, a reação foi mais negativa, inclusive influenciando no número de dislikes do vídeo que, proporcionalmente, chegam a quase 50%.

Figura 23- Comercial no YouTube

Fonte: Canal oficial do Boticário no YouTube, 2015

Para a campanha de Natal de 2015, a empresa resolveu mostrar casais mais uma vez, porém, apenas casais heterossexuais.

A abordagem, entretanto, foi um ponto positivo,

retratando o amor de um casal de idosos como se, cada vez que ele olhasse para ela, fosse a primeira vez. A criação também é da AlmapBBDO. No âmbito internacional, é possível ver campanhas que variam desde a fluidez do gênero performático já preconizado por Butler (SALIH, 2015) até à ‘normatividade’ de uma família com padrões heterossexuais. O que é interessante notar, porém, que esses assuntos tabus são tratados com mais naturalidade nos países internacionais (no caso dos exemplos, europeus). O que no Brasil é uma sugestão de afeto, em outros países a situação fica muito mais clara, e assim como o filme do Boticário, por exemplo, esses filmes foram veiculados em meios de massa.

56 Figura 24 - Michael Moran, garoto propaganda de Pot Noodle

Fonte: Metro UK, 2015

O macarrão instantâneo originário do País de Gales, Reino Unido, Pot Noodle, inovou ao mostrar uma campanha na qual um menino, sem atributos físicos avantajados, narra seu sonho de tentar uma carreira em Las Vegas. O vídeo faz alusão ao boxe, e o espectador é levado a acreditar que o sonho do garoto é se tornar um grande boxeador. Finalmente chega o grande dia e, com a família toda reunida na televisão, finalmente o menino aparece, mas não como boxeador, e sim como ring boy, invertendo o lugar predominado pelas ring girls, ou seja, as meninas que ficam mostrando o placar das lutas de boxe, geralmente em trajes mínimos. A mensagem da campanha, criada pela agência Lucky Generals (CULLERS, 2015), era You Can Make It, ou seja, você pode fazer acontecer. No comercial, é muito claro o papel do macarrão instantâneo: promover mais tempo para o garoto realizar seu sonho. O filme surtiu tanto efeito que o ator do filme, Michael Moran, que de fato largou a carreira de aspirante de boxeador para se tornar ator, fez o papel de ring boy em uma luta de boxe na arena O2 em Londres, uma das maiores arenas do Reino Unido. A reação dos presentes foi de muita admiração, e a situação se tornou viral na internet. Vários presentes quiseram tirar selfies com o ator (WESTBROOK, 2015).

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O filme ‘The Ring’ claramente mostra a ideia, presente na Teoria Queer, de performatividade de gênero ao subverter as expectativas dos espectadores, que esperam um comercial normal sobre um menino que tem como sonho ser um grande boxeador. Ao colocar o garoto em uma posição predominantemente feminina, dentro de um contexto masculino heterossexual (o boxe), a narrativa homossexual predomina no sentido de mostrar uma situação inusitada que quebra o esperado dentro dos gêneros que são instituídos: masculino e feminino, deixando claro mais uma vez que o gênero é algo performativo e simulado, de acordo as teorias de Butler (2015) e Baudrillard (1991). Figura 25 - Filme ‘The Ring’

Fonte: YouTube, 2015

O que poderia se tornar piada em outro contexto foi levado a sério pela mídia internacional e pelos próprios admiradores do esporte. Tanto no YouTube como no Facebook a maioria das reações foi positiva, aclamando a marca pela sua maneira de abordar e destruir os estereótipos.

58 Figura 26 – Filme ‘Your Father’

Fonte: OUT, 2015

A marca de sopa Campbell’s, que coincidentemente era trabalhada por Warhol nas suas obras, através da repetição da imagem do produto, como uma crítica a indústria do consumo e ao mesmo tempo trazendo o cotidiano para arte, sendo o artista e sua obra embreante da arte contemporânea (CAUQUELIN, 2005), recentemente, aproveitando o lançamento do novo filme da saga Star Wars, criou uma sopa temática e, além disso, a campanha #RealRealLife. O filme da campanha mostra dois pais homens tentando alimentar seu filho com a sopa, fazendo uma referência à saga. A recepção foi majoritariamente positiva, entretanto, alguns comentários no Facebook ainda demonstram preconceito. Uma página fake chamada Campbells ForHelp foi criada para responder comentários com tom agressivo. Esses perfis ForHelp foram criados depois que várias marcas começaram a criar produtos ou campanhas que envolvessem homossexuais, inclusive houve a criação da página Doritos ForHelp, quando a marca lançou o produto em conjunto com o projeto It Gets Better (MCCORMICK, 2015). A marca tem um histórico de anúncios que apresentam casais homossexuais femininos e masculinos, e suas crianças. Em 2008, apresentou um casal de mulheres com sua filha em um comercial. Assim como no Brasil, filmes como esses apresentados não estão imunes às críticas, principalmente de setores mais conservadores da sociedade. No caso dos Estados Unidos, a American Family Association (AFA) (CHARMAN, 2008).

59 Figura 27 – Resposta de Campbells ForHelp10

Fonte: Pink News, 2015

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Jess Hicks: Estou tão cheia dessa agenda Homossexual. Vocês vendem sopa, mas não sexo! Por favor, tirem seu comercial do ar ou vocês não terão mais uma empresa! Campbells ForHelp: Olá, Jess Hicks! Parece que você de alguma maneira mal interpretou dois homens alimentando seu filho como um filme pornográfico que mostra estímulo anal? Vou falar difícil, é difícil acreditar. Enquanto nós da Campbells’s Kitchen nos sentimos orgulhosos em sermos simpatizantes, nós sentimos que é difícil simpatizar com seu ponto. Você preferiria que mandássemos nossa sopa clássica de tomate? É super! Jess Hicks: A criança deve ter uma vida terrível. Imagine ter que ir à escola e dizer pra todo mundo que você tem dois pais. Campbells ForHelp: Jess, eu ficaria mais embaraçado de ir à escola com alguém sabendo que eu sou associado a você de alguma maneira. Mas e sobre aquela super sopa? Jess Hicks: Minha criança é muito feliz e saudável, ele é cuidado pela sua MÃE e pelo seu PAI. O único jeito que deve ser! Campbells ForHelp: Jess, por favor mande nossas condolescências a seu filho.

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Os quatro exemplos abordados mostram filmes que tratam da mesma temática seguindo narrativas bem diferentes. Do preconceito à inclusão, do fim dos estereótipos de gênero a uma normatização da família homossexual, cada campanha aborda a questão homossexual de uma maneira. Se a simulação da arte contemporânea contida em Dios es Marica, apresenta vários níveis de narrativas simuladas que quebram com estereótipos de gênero e criam um conjunto artístico que subverte, apaga e mistura as linhas do masculino e feminino, do sagrado e do profano, na publicidade o que vemos geralmente é uma simulação voltada para uma narrativa mais clássica, da família, por exemplo, completamente estetizada para aparentar o bem estar e felicidade, sem nem mencionar assuntos religiosos.

4. CONCLUSÃO

Arte e publicidade se influenciam, isso é um fato. O exemplo pode ser dado no próprio texto apresentado, com as campanhas da Bom Bril que se utilizavam de figuras conhecidas da arte (Mona Lisa, o artista Picasso) para passar seu conceito de campanha. Movimentos como a Pop Art, por exemplo, são retratados no universo publicitário constantemente, seja através da maneira de trabalhar com as cores e repetições próprias de artistas como Andy Warhol por exemplo, que se tornou ícone da cultura pop. Ao mesmo tempo, mecanismos publicitários são cada vez mais usados na promoção de artistas por suas galerias, ou até mesmo, como é o caso de Damien Hirst e Jeff Koons, pelos próprios artistas. O artista se transforma em uma marca e toda sua produção é caracterizada como algo pertencente a esse universo. Não importa a obra, mas sim se ela é ‘um Hirst’, ‘um Koons’ (TRIGO, 2010). Essa questão pode ser percebida em todos os períodos da arte, mas no momento contemporâneo é mais latente. No ponto de vista mercadológico então, ficam claras as influências que se estabelecem entre arte e publicidade. Porém, o mais comum é, no caso da publicidade, pegar indícios conhecidos por todos. Mona Lisa, Picasso, Por Art; o que se faz é retratar, na publicidade, movimentos conhecidos pela massa, para que a campanha ou atinja um tom mais humorístico, ou seja, mais esteticamente aprazível. Percebe-se inclusive que são usadas mais frequentemente obras ou artistas que figuram do Renascimento à Pop Art (fim do modernismo). A arte contemporânea contempla o universo da publicidade quando se troca os papéis. Quando mecanismos publicitários se inserem às lógicas artísticas, aí está o contemporâneo. O

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que a pesquisa procurou então, foi ir além dos períodos da história da arte que são retratados na publicidade e partir, de uma maneira mais profunda, para um tema que é latente nos dois campos: a homossexualidade. Na parte teórica, foi analisada a questão do fato social como produtor de micropolíticas que, por sua vez, produz narrativas enviesadas que são carregadas de simulação, chegando a serem simulacros. Tanto a arte como a publicidade são criações que possuem em seu bojo a questão da simulação. E é disso que se trata esse estudo: da temática, ou mais precisamente, da temática simulada. Como analisar produções artísticas e publicitárias homossexuais, e compará-las? Mais do que provar que a publicidade se utiliza da arte, a pergunta é mais profunda se revelando em como temas da arte contemporânea influenciam a publicidade e como o homossexual é retratado nas campanhas publicitárias. A esses questionamentos corresponderam duas hipóteses: mesmo com um conteúdo menos transgressor em relação à homossexualidade, a publicidade mobiliza mais a sociedade? E o que acontece quando o homossexual vai para as campanhas? Somente a normatização dele e a tentativa de incluí-lo cada vez mais em um campo heteronormativo? Sem tentar esgotar o assunto e oferecer uma resposta pronta, a pesquisa indica caminhos para esse problema, mostrando um ponto de vista dentre vários que podem ser, eventualmente, discutidos. A publicidade atinge muito mais pessoas que a arte, seja ela contemporânea ou não. Ela, usando o conceito de Émile Durkheim, apresenta-se através de um caráter muito mais coercitivo. Tendo como exemplo filmes publicitários, já que foi esse tipo de formato o analisado na pesquisa, eles estão presentes na televisão dos indivíduos que, a não ser que mudem de canal, são interpelados pela mensagem publicitária. Ao visitar uma exposição de arte, existe um voluntarismo que não acontece quando o filme publicitário aparece em alguma tela. Como diz Eco em sua Obra Aberta, a fruição de uma obra de arte demanda uma atitude ativa de seu fruidor, um repertório para sua formação de ideias, e um senso crítico. Muitas vezes na publicidade, não há tempo para esses questionamentos. E isso é normal. Porém, quando se trata de temas tabus, a publicidade acaba se tornando um reflexo da sociedade. Hoje é muito mais fácil falar de homossexualidade em uma campanha do que na década de 70, por exemplo, década da produção de grande parte das obras de Dios es marica. Porém, e isso compreende o contexto político em que o Brasil se

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insere hoje, a mudança dos valores é acompanhada por um recrudescimento de ideias conservadoras. Nesse contexto político perpetrado por micropolíticas (das minorias, dos conservadores, etc.), realizar um filme publicitário contendo casais gays não é apenas um ato de coragem ou uma forma da marca dizer que é ‘liberal’. É mostrar o que de fato se passa na sociedade. E é isso que a arte de Dios es marica vem fazendo desde a década de 70. Hoje não se fala mais em vanguardas, com o advento da arte contemporânea. Mas as ideias da arte, que há mais de quarenta anos discutia sobre temas como gênero, teoria queer, sagrado e profano, são muito mais avançadas do que se via e se vê hoje na publicidade. A publicidade não se aprofunda em temas caros à sociedade por diversos fatores: tempo, adequação ao cliente, medo de riscos são alguns deles. É difícil algum filme publicitário se utilizar de conceitos muito transgressores, como o comercial de Por Noodles por exemplo, e é nesse campo que entra a normatização. Se existe um casal gay, ele é a simulação ‘baudrillardiana’ de um casal hétero. Esse casal gay não é real. É a perfeita réplica de um homem e uma mulher. Mesmo nesses casos, setores da sociedade sempre criticarão esse tipo de abordagem publicitária. E é nesse ponto que o posicionamento da marca tem que ser forte o suficiente para mostrar os valores da marca e não deixar se afetar por modismos. A publicidade tem um longo caminho a percorrer na questão homossexual. E isso ainda dizendo de uma publicidade que normatiza esse público. E é nesse ponto que a arte entra para questionar e subverter aquilo que acreditamos ser real, mas são apenas simulações. Para a publicidade, ainda se utiliza a família feliz, heterossexual ou, mais recentemente, homossexual. Para a arte, a subversão de gêneros, dessacralizações e sexualidade exacerbada não é novidade e nem tratada como tabu. É a visão do artista e o contexto macro e micropolítico em seu redor que acaba sendo traduzido em suas poéticas de criação. A sociedade está em constante transformação, e ideais como da teoria queer podem parecer ou muito utópicos ou muito subversivos e até agressivos por vários setores da sociedade. É inegável que teorias que apontem para as minorias e uma arte como Dios es marica podem dar o respaldo para o que hoje se vê na publicidade. Não só na publicidade, obviamente. Essas discussões, como a teoria queer e a arte abrem caminho para um debate muito amplo na sociedade, e é uma de suas funções, sendo agentes políticos também. A política do Estado nesse ponto é substituída por uma micropolítica que pretende realizar mudanças dentro do contexto em que se vive. Mas existe um caminho a ser percorrido, e a esperança é que ele não demore mais quarenta anos.

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5. REFERÊNCIAS 5.1 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005. ADORNO, Theodor. Teoria estética. Lisboa: Edições 70, 2008. BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Lisboa: Relógio D’Água, 1991. CANTON, Katia. Do moderno ao contemporâneo [Coleção Temas da arte contemporânea]. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. ________________. Da política às micropolíticas [Coleção Temas da arte contemporânea]. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. CARRASCOZA, João Anzanello. Do caos à criação publicitária: Processo criativo, plágio e ready-made na publicidade. São Paulo: Saraiva, 2008. CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. CHAIA, Miguel. Artivismo – Política e arte hoje. Revista Aurora [online]. São Paulo, 2007, n.1, pp. 9-11. Disponível em: < http://revistas.pucsp.br/index.php/aurora/article/view/6335/4643>. Acesso em: 23 jun. 2015. CHARMAN, Rachel. Campbell Soup’s gay ads attacked by American Family Association. Pink News. Londres, 29 dez. 2008. Disponível em: < http://www.pinknews.co.uk/2008/12/29/campbell-soups-gay-ads-attacked-byamerican-family-association/>. Acesso em: 20 dez. 2015. CULLERS, Rebecca. Pot noodle smashes your gender stereotypes with this unexpected boxing story: inspiration meets humor. Adweek. Nova York, 16 set. 2015. Disponível em: < http://www.adweek.com/adfreak/pot-noodle-smashes-your-gender-stereotypesunexpected-boxing-story-166950>. Acesso em: 20 dez. 2015. DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: A arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus Editora, 2006. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2013. ____________. A estrutura ausente: Introdução a pesquisa semiológica. São Paulo: Perspectiva, 2003. ____________. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2011. FREITAS, Verlaine. Adorno e a arte contemporânea [Coleção passo a passo]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

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APÊNDICE A – ENTREVISTA DE CAMPO NA 31ª BIENAL DE SÃO PAULO

As entrevistas em profundidade seguiram um roteiro pré-estabelecido que perguntava nome, idade e orientação sexual dos entrevistados. Perguntava também a percepção sobre a obra, qual a opinião sobre o uso da religião e do nome Deus, e se esses elementos causavam estranhamento. Também, se era uma obra que permitia o apreço estético e subjetivo, e, além disso, a opinião do entrevistado sobre obras que exploram a homossexualidade, suas conquistas e opressões. Por fim, se seria positivo ou não se essas questões fossem levantadas na publicidade. Alguns entrevistados responderam todos os itens do roteiro. Outros, porém, conforme o diálogo ia se estabelecendo, acrescentaram diversos pontos de vista, assim como focaram em apenas um ponto das perguntas. Antes de prosseguir para a análise individual dos resultados, algumas observações gerais foram diagnosticadas: alguns indivíduos não chegavam a se demorar nas obras, saindo com semblantes desconfortáveis, praticamente no mesmo momento em que adentravam o espaço dedicado às obras. Geralmente, eram pessoas não tão jovens ou com família. O espaço que continha as obras estava divido em três salas. Algumas pessoas não frequentavam todas. As perguntas se dirigiam a quem permaneceu pelo menos por um minuto no espaço. Ao serem abordados, os indivíduos que mal permaneceram não quiseram ser entrevistados. Em seguida, os entrevistados, com nomes fictícios:

Rafael, 19 anos, heterossexual: As obras representam uma desconstrução da figura de Deus. Causam estranhamento, mas positivo. São agradáveis estética e tematicamente. Acredita que o público da Bienal é condicionado, já vem aberto a novas hipóteses e maneiras de ver o mundo e a sociedade. Vê como positivo o homossexual na publicidade, seja inserido como “personagem” ou na produção publicitária voltada a esse público. Tiago, 46 anos, heterossexual: Percebe nas obras uma contraposição entre sexo e religião, e uma transgressão dos ícones religiosos. Acredita na arte como forma de questionar, e vê a Bienal como espaço para isso. O entrevistado remeteu à obra da artista Márcia X., chamada “Desenhando com terços”, que em 2006 causou polêmica no CCBB do Rio de Janeiro. A obra consistia em terços dispostos em formas fálicas no chão do estabelecimento e, por causa das críticas, foi substituída por um fotograma. As obras de Dios es Marica preferidas por Tiago foram as de Ocaña.

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Tamires, 33 anos, heterossexual e Cida, 32 anos, heterossexual: Ambas acharam o nome do conjunto de obras curioso, engraçado, mas que ao mesmo tempo levava a questionamentos. Acharam as obras importantes para quebrar tabus, e também associaram violência à religião. Da mesma maneira que as obras criticam a violência (seja ela física ou simbólica) causada pela religião aos homossexuais, as obras respondem também de maneira violenta a essas agressões. Anônimo, sexo masculino, argentino: Não preferindo ser identificado, o entrevistado, professor de arte, disse estar perplexo com as obras. Achou tudo muito polêmico, como ‘marketing’ para alcançar público. Achou intolerante com a religião (o entrevistado era católico), mas ao mesmo tempo disse haver nas obras um paralelo com o barroco, de maneira estética e inversamente temática. Amanda, 30 anos, heterossexual: Achou o nome Dios es marica mais forte que as obras em si, e que foi o nome que a fez entrar para explorar as obras, já que ele chama bastante e despertou sua curiosidade. Disse que o ponto de vista das obras era só isso, apenas mais um ponto de vista. Apesar de, segundo ela, a questão da religião e homossexualidade ser importante e interessante, também disse que “não tem que ter tanta relevância” e “não precisa de tanto alarde”, é necessário que se perceba todas essas questões como “algo comum”. Por fim, deu sua opinião de que as obras poderiam ter sido mais sutis. Paolo, 45 anos, homossexual, espanhol: Por ser espanhol, Paolo se deteve nas obras de seu conterrâneo Ocaña. Disse que o artista ri do folclore e da religiosidade espanhola. O entrevistado vê essa atitude nem como algo positivo nem negativo, apenas acredita ser uma visão muito particular. Em relação aos outros artistas, achou as obras perturbadoras e disse que elas não traduzem a homossexualidade, e sim, servem apenas para chocar. Cláudio, 44 anos, homossexual: Definindo-se como religioso, o entrevistado disse que as obras eram uma provocação, no sentindo positivo, para ele mesmo, fazendo-o questionar de que maneira ele poderia conciliar Deus e a religião com sua homossexualidade. Em sua opinião, as obras assumiram um tom bem-humorado, e não viu nelas nada de ruim. Disse que o que sentiu nas obras foi uma possibilidade de quebrar todos os conceitos religiosos para poder juntá-los posteriormente, de maneira que o papel da homossexualidade e da religião fizesse sentido dentro dele. Fernanda, 58 anos, heterossexual, argentina: Percebeu nas obras um movimento contra a relação histórica de discriminação e gostou de seu papel revelador, ao mostrar essa discriminação. Achou o nome Dios es marica apropriado, como uma sátira para extirpar a

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visão masculinizada. Dessa maneira, Deus pode ser homem, pode ser mulher, pode ser homossexual, Deus é todo mundo. Beatriz, 21 anos, heterossexual: Achou as obras pertinentes no contexto da Bienal. Em relação ao nome, disse que é polêmico, com o intuito talvez de causar revolta. Não quis falar mais, alegando pressa. Lara, 25 anos, bissexual: A entrevistada percebeu a obra como uma maneira de descontruir o Deus masculino. Disse que o estranhamento é normal, porque não possuímos uma noção de corpo e religião que não sejam, de certa maneira, dissociados. A obra nos convida a entender e perceber nosso corpo (fez um paralelo com a performance ‘Macaquinhos’, e sua percepção do cu). Aos questionamentos em relação à sociedade religiosa e opressora, as obras respondem com polêmica. Ao ‘endeusar’ o órgão genital, os artistas relativizam o sagrado e nossos hábitos. Débora, 26 anos, homossexual: Em suas palavras, considerou as obras ‘maravilhosas’. Gostou da relativização do sagrado e da potência da arte para trazer elementos polêmicos a um lugar comum de discussão. Recomendou a leitura de ‘Profanações’, de Giorgio Agamben.

Foram entrevistadas doze pessoas. Dois indivíduos do sexo masculino heterossexuais, dois indivíduo do sexo masculino homossexuais e um que preferiu não oferecer a informação. Das sete mulheres, cinco eram heterossexuais, uma era bissexual e, outra, homossexual. As pessoas entrevistadas, com a exceção de um, não se mostraram chocadas. Em geral acharam o nome Dios es marica polêmico, porém não algo ruim. Viram a ideia de bom-humor e/ou sátira, e acharam o tema e seus questionamentos pertinentes. Em geral, em relação à publicidade, não se opuseram à presença de homossexuais na produção publicitária.

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APÊNDICE B – Projeto de Pesquisa Inicial Revisado

LUCAS PROCÓPIO DE OLIVEIRA TOLOTTI

HOMOSSEXUALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE Discurso artístico-publicitário

Projeto

de

Pesquisa

de

Iniciação

Científica apresentado à Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM/SP.

Orientador:

Prof.

Barbosa Mello

São Paulo 2014

Dr.

Paulo

Cezar

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RESUMO:

O presente projeto tem como objetivo estudar o discurso homossexual na arte e na publicidade, e ainda de que maneiras podem ocorrer influências entre os campos, principalmente do primeiro para o segundo. Para isso, o estudo começa com os fatos sociais de Émile Durkheim, trazendo-os para o âmbito da contemporaneidade, estudando-os em suas formas de poder em grupos, ou seja, as micropolíticas. Estudando os fatos sociais, logo percebe-se que deles e das micropolíticas surgem materiais para a produção artística. A arte contemporânea então será analisada, tendo em vista a maneira que é produzida e os temas que são mais desenvolvidos por ela. Como nessa pesquisa o foco será dado à arte que retrata o homossexual, principalmente como ser político e atuante, será estudado a obra Dios es Marica, que participa da 31ª Bienal de São Paulo. Composto de quatro artistas, a exibição apresenta o homossexual como questionador da sociedade e transgressor de valores tradicionais e de gêneros preestabelecidos. Para analisar a influência da arte contemporânea ao conteúdo homossexual na publicidade, serão coletadas e analisadas produções publicitárias que têm o indivíduo gay como público-alvo, ou que apenas apresenta o homossexual como personagem da peça e/ou campanha. O escopo é analisar o discurso homossexual na arte contemporânea e na publicidade, percebendo as influências e os caminhos temáticos usados.

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1. INTRODUÇÃO

O que acontece no mundo causa uma reação, tanto às pessoas diretamente envolvidas, como às indiretamente envolvidas. De acordo com Durkheim (2007), as maneiras de pensar, sentir e agir, que são exteriores ao indivíduo e dotadas de poder de coerção, constituem o fato social. Essa coerção pode estar caracterizada pelo instrumento jurídico de um país, ou até mesmo pelo riso incontido quando se nota que alguém está fora dos ditos padrões impostos. Esses mesmos fatos sociais, que exercem sobre a sociedade uma força coercitiva, são capazes de materializar nos indivíduos uma força criadora. Uma das maneiras de reflexão sobre como as instituições, materiais e simbólicas, exercem poder de coerção na sociedade e no indivíduo se dá através das manifestações artísticas. Segundo Adorno (2008), a arte não se caracteriza como um fenômeno puramente estético ou social. Também se divide entre ser autônoma e fato social. De acordo com Barroso (2004), a arte pode tanto reafirmar ou criticar valores de um determinado período histórico ou situação social. A arte contemporânea que busca refletir as questões sociais se envereda pelas micropolíticas, apresentando uma atitude focada em questões mais específicas e cotidianas (CANTON, 2009). A violência, a marginalização, a fome, a questão do corpo, de identidade e gênero, entre outros temas, são passíveis de manifestações artísticas. Por exemplo, em 1970, período da ditadura militar, o artista luso-brasileiro Artur Barrio, com sua obra Trouxas Ensanguentadas, distribuídas pelas ruas do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, usava a arte como forma de denúncia e proposta de reflexão para a violência do período. A própria 31ª edição da Bienal de São Paulo, ao propor o tema Como (...) coisas que não existem, procura abrir o debate para mostrar pessoas, situações e fatos que geralmente são encobertos ou marginalizados. A obra sem título do paraense Éder Oliveira apresenta como objeto artístico cidadãos que geralmente são pertencentes às páginas jornalísticas de denúncia criminosa. A instalação Violência, do argentino Juan Carlos Romero, apresenta a violência do governo opressor ditatorial que governava o país do artista na década de 70. Entre todos esses fatos, um questionamento dado pela arte é a instituição da heteronormatividade, que frequentemente é validada pela religião e também por governos ditatoriais. Ambos rechaçam qualquer forma de relação interpessoal que fuja das convenções heteronormativas. Diante disso, artistas homossexuais começaram a produzir obras retratando essa realidade, vivenciada em seus países de origem.

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A 31ª Bienal de São Paulo trouxe o projeto Dios es marica, organizada pelo peruano Miguel A. Lopez, que conta com as obras dos artistas Nahum Zenil, do México, Ocaña, da Espanha, o peruano Sergio Zevallos e a dupla chilena Yeguas del Apocalipsis. As obras trabalham com a questão de gênero, usando o travestismo como arma política, ao mesmo tempo em que subvertem a lógica religiosa, trabalhando as iconografias de maneira polêmica e audaz. Discutindo o assunto da apropriação da cultura homossexual e seus desdobramentos pela arte, é pertinente verificar como a publicidade se relaciona com este tema, visto que ela é também um instrumento capaz de reproduzir ou questionar um fato social. Além disso, percebe-se influências recíprocas entre arte e publicidade, principalmente no modo de produção contemporânea da arte, e sua construção discursiva e midiática. A arte hoje, seguindo a lógica do capitalismo, está muito mais inserida na mecânica da publicidade do que antes esteve (TRIGO, 2014). Ao se retratar uma situação homossexual em campanhas publicitárias, questiona-se o status quo heteronormativo presente na sociedade, ao mesmo tempo em que se é mostrada uma ideia de abertura e aceitação. Porém, assim como acontece com uma obra artística questionadora de valores, a recepção do público perante a peça veiculada pode ser de estranhamento, repulsa e até mesmo ódio. O comportamento homossexual na contemporaneidade é retratado de diversas formas. Seja no cinema, em novelas, livros, artes plásticas etc, a abertura para o discurso homossexual ganha forma e conteúdo. Além disso, o poder aquisitivo dos gays consiste em uma oportunidade para as organizações. O pink money, ou a capacidade aquisitiva dos homossexuais convertida em consumo, vem atraindo investidores e empresas brasileiras, interessados nesse mercado em ascensão. Como exemplo, a parada gay de São Paulo atrai cerca de 400 mil visitantes à cidade e movimenta R$ 200 milhões de reais. (CAMARGO, 2013). Entretanto, a violência contra o público GLBT só aumenta. Segundo relatório de 2013 do GGB (Grupo Gay da Bahia), a cada 28 horas um homossexual é morto no Brasil. Pode-se perceber, pois, uma posição dúbia da sociedade. Ao mesmo tempo em que o gay é sinônimo de sofisticação e consumo, também é configurado em estatísticas assustadoras. Segundo uma pesquisa da agência de publicidade J. Walter Thompson, realizada no Brasil em uma amostra de 500 pessoas acima de 18 anos das classes A, B e C, os brasileiros dizem que não, mas no fundo se incomodam com pessoas do mesmo sexo na publicidade (BARBOSA, 2014). Da amostra, 75% disseram não se incomodar com a presença de

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homossexuais nas peças publicitárias, mas conhecem muitas pessoas que se incomodam. Além disso, 48% não vê necessidade das marcas mostrarem um casal não-heteronormativo. Arte e publicidade, utilizando de posicionamentos que se chocam e se complementam, retratam a homossexualidade e o papel do homossexual. Por vezes, a arte se caracteriza por afirmar e transgredir o papel da sexualidade. Por exemplo, em uma das obras da 31ª Bienal de São Paulo, Gracias Virgencita de Guadalupe, o artista Nahum Zenil retrata dois homens, supostamente gays, recebendo uma aparição da Virgem de Guadalupe. A arte presente no projeto Dios es Marica, da Bienal citada, em um dos seus vieses questionadores, retrata o papel da religião como mantenedora da moral e, por conseguinte, marginalizadora da homossexualidade. Já a publicidade se atenta para o caráter de consumidor do homossexual. Por exemplo, a peça “Namoradas”, criada pela agência Talent para a construtora MaxHaus, mostra um casal de mulheres com a seguinte frase sobreposta: “Existia uma parede no amor”. Porém, estereótipos e piadas também se fazem presentes. O comercial da Doritos intitulado “YMCA” e veiculado em 2009, foi alvo de críticas por retratar um jovem dançando a referida música e sendo julgado pelos amigos. Depois de sugerir a sustação do comercial, após a PepsiCo recorrer, o CONAR voltou atrás (PRADO, 2009).

2. OBJETIVOS NORTEADORES DA PESQUISA

2.1 Tema O discurso homossexual na contemporaneidade, tanto na arte como na publicidade, apresenta à sociedade maneiras de questionamento de valores pré-estabelecidos, ao mesmo tempo em que promovem uma inserção do homossexual às lógicas do consumo. O projeto aqui apresentado pretende discutir a apropriação do discurso homossexual pela arte e pela publicidade, como acontecem trocas de ideias e referências entre os dois campos, e como é construída essa rede de influências.

2.2 Problema de pesquisa Em relação ao tema, surgem problemas de pesquisa que precisam ser desenvolvidos. Por exemplo, de que maneira a arte e a publicidade lidam com a questão homossexual, sendo a arte muitas vezes transgressora e mais presente dentro das teorias de gênero, como a Teoria Queer, por exemplo, já a publicidade apresenta, quando apresenta, uma visão muito normalizante do homossexual

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2.3 Hipóteses O projeto de pesquisa aqui apresentado visa entender melhor o discurso homossexual na arte e na publicidade. Para isso, surgem algumas hipóteses relacionadas ao tratamento dado pela questão por cada um dos meios que serão estudados: 

se a publicidade, mesmo com um discurso menos transgressor, mobiliza mais a sociedade em relação à homossexualidade do que uma arte que já apresenta questões mais polêmicas e subversivas; e



se a lógica publicitária, no campo da arte, vem como um serviço ou desserviço a essas questões, normalizando o homossexual e o inserindo dentro de uma lógica heteronormativa. Essas hipóteses serão estudadas e os resultados obtidos poderão ser positivos ou

negativos, em nada comprometendo a pesquisa.

2.4 Objetivos

2.4.1 Objetivo geral Em linhas gerais, pode-se resumir o objetivo geral da seguinte maneira: o universo gay da arte contemporânea influenciando o discurso publicitário. As questões sociais são refletidas na arte e na publicidade, e estudar a maneira como uma dessas questões, no caso a homossexualidade, se faz presente na arte contemporânea e como essa presença pode influenciar o discurso publicitário, é o principal objetivo do tema.

2.4.2 Objetivos Específicos 

Analisar o contexto contemporâneo dentro da arte, principalmente;



Analisar as obras componentes de Dios es marica em sua totalidade, trazendo a tona as questões levantadas por elas;



Realizar entrevistas no espaço da 31ª Bienal, que procurem identificar respostas dos visitantes em relação a Dios es marica;



Analisar a produção publicitária em relação a questões de gênero e sexualidade, e como são abordadas essas questões.

2.4.3 Justificativa

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Tanto a produção artística como a produção publicitária são meios veiculadores de ideias e ideologias. Mais do que isso, os discursos presentes tanto em uma quanto em outra são capazes de questionar ou legitimar um fato ou situação social. Algumas vezes, esses discursos se fazem tão fortes e presentes na sociedade que de uma situação podem sair referências à arte ou a publicidade. Por exemplo, a campanha “Vem pra Rua” da Fiat, de 2013, e a “Keep Walking Brasil”, de 2011, da Johnnie Walker, que lançou ao mundo a frase “O gigante acordou” (Pardin et. al, 2014), são exemplos de campanhas publicitárias que tiveram suas ideias retratadas nas manifestações que aconteceram pelo Brasil em 2013. Não cabe a esse estudo analisar se foram usadas com o devido propósito, apenas apontar o fato da referência. Visto isso, cabe analisar se o discurso homossexual na publicidade pode servir como fonte de inspiração para movimentos sociais contra o preconceito, por exemplo. A produção de arte contemporânea com a temática homossexual ou com fortes referências do universo gay vem ganhando espaço no Brasil. Na 31ª Edição da Bienal, por exemplo, além do projeto Dios es marica, a obra de Giuseppe Campuzano, assumidamente homossexual, Línea de Vida/Museo Travesti del Peru, também é presenta na mostra, reafirmando e fortalecendo a discussão de uma sociedade que sim, é composta por gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, e que a heteronormatividade nada mais é do que uma construção social. A publicidade, contendo peças com personagens gays, ou mais diretamente voltada pra esse público, vai dando seus passos na cena brasileira. Além dos exemplos citados ao longo do projeto, vale a pena destacar a última adição desse tema. Em 24 de outubro de 2014, foi liberado no canal do YouTube “Nestlé Nesfit BR”, a mais nova campanha da barra de cereal. Voltada para as mulheres, a peça apresenta um homem gay elogiando uma mulher. A princípio, o que parece uma cantada logo é advertido com a seguinte frase: “Se até eu que não gosto notei... [que você é linda]”. Porém, no dia 30 de outubro do mesmo ano, ao verificar a peça novamente, depois de visualizada uma semana antes, foi descoberto que ela havia saído do canal da marca, por razões não conhecidas. Percebe-se então que o discurso homossexual na arte e na publicidade está, atualmente, com grande força. Analisá-lo e discutir o universo gay na arte contemporânea como influenciadora do discurso publicitário pode abrir novos caminhos para o entendimento da publicidade atual, e de como ela pode entender o homossexual, sem cair em generalizações estereotipadas. A arte com temática gay, com seu discurso principalmente questionador e

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transgressor de uma sociedade hipocritamente heteronormativa, pode dar à criação publicitária esse frescor de ideias. No âmbito acadêmico, são inúmeras as publicações que versam sobre a arte contemporânea homossexual, ou a relação entre publicidade e arte. Porém, a pesquisa relacionando o discurso homossexual com a arte e a publicidade, e suas maneiras de influência, é de certa forma, um caminho ainda inexplorado.

3. METODOLOGIA

O percurso metodológico abrigará os tipos de pesquisa bibliográfica, documental e de campo devidamente documentada na área de bibliografia bem como outras que possam aparecer durante o desenvolvimento do trabalho. No âmbito bibliográfico e documental, em um primeiro momento ocorrerá o estudo do fato social de Durkheim, através da obra As regras do método sociológico, sendo o livro ponto de partida para uma reflexão sobre como os acontecimentos sociais são refletidos no processo criativo. Posteriormente, ocorrerá a análise do contexto da produção artística contemporânea, seus principais temas e suas lógicas de produção, através dos livros A Grande Feira, de Luciano Trigo, Arte Contemporânea, de Anne Cauquelin, Temas de Arte Contemporânea, de Kátia Canton e Obra Aberta e A Estrutura ausente, de Umberto Eco. Também será estudada a Teoria Queer para a maior compreensão das questões de gênero e do próprio homossexual, para que dessa forma a análise das obras seja feita de maneira melhor. Serão analisadas as obras que compõem o projeto Dios es marica, presente na 31ª Bienal de São Paulo. Esse projeto dará origem também à pesquisa de campo na Bienal. A pesquisa de campo com entrevista em profundidade será realizada com o objetivo de identificar, mapear e analisar a reação dos visitantes à obra em questão.

4. PLANO DE REDAÇÃO

O projeto está divido em três momentos principais: levantamento de dados bibliográficos relacionados à sociologia de Durkheim e micropolíticas; à arte contemporânea, seus discursos e produção; e estudos da Teoria Queer. Em um segundo momento, o estudo

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procederá à análise do projeto Dios es marica, parte fundamental do projeto, uma vez que a partir dela serão estudados a recepção do público à arte com tema gay e os desdobramentos dessa arte na publicidade. Procedendo a isso, será coletada a produção publicitária brasileira que realiza menções a homossexuais, sejam eles o público-alvo ou não. Ao fim, as relações existentes e suas influências serão analisadas e descritas. Através de todo o material levantado, coletado e analisado, será possível chegar a uma conclusão que valide a discussão proposta pelo projeto. Nota: como a 31ª Bienal de São Paulo possui data final em 7 de dezembro de 2014, a pesquisa de campo esteve em andamento antes mesmo do cronograma oficial.

4.1 Plano provisório de redação do projeto final

Introdução

Capítulo 1: Abordagem teórica Nesse capítulo, será realizado o estudo do fato social sobre a ótica da obra Regras do método sociológico, de Durkheim. Também, será trazido à discussão as questões das micropolíticas. Também será analisada a arte contemporânea e seus discursos de validação e lógicas de produção, juntos com os temas e representações mais frequentes. Para isso, serão utilizados os livros A Grande Feira, de Luciano Trigo, Arte Contemporânea, de Anne Cauquelin, Temas de Arte Contemporânea, de Kátia Canton e A Obra Aberta e Estrutura ausente, de Umberto Eco. Também será estudada a Teoria Queer para uma maior compreensão das obras que compõem Dios es marica.

Capítulo 2: Homossexualidade, arte contemporânea e publicidade Já teorizando sobre as obras de Dios es marica, ela será analisada, juntamente com os resultados da pesquisa de campo. Neste capítulo também haverá o levantamento da produção publicitária voltada ou que faz referência ao homossexual, tendo em vista também os fatos sociais contemporâneos que podem ajudar a contextualizar as peças e/ou campanhas. Após a análise dos resultados do levantamento, a pesquisa chegará no desenvolvimento dos seguintes tópicos: a construção de influências, baseadas na arte contemporânea influenciando a publicidade e, também, os novos caminhos, ou seja, como libertar a arte publicitária da imagem estereotipada dos homossexuais, através da arte.

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Considerações finais

Referências bibliográficas

Anexos

jul/15

jun/15

mai/15

abr/15

mar/15

X

Pesquisa bibliográfica

X

X

X

X

X

X

X

X

X

X

Análise das obras de Dios es marica Coleta de produção publicitária Análise de produção publicitária

X

X

X

jan/16

dez/15

out/15

Set/15

Atividades

nov/15

X

ago/15

Elaboração do relatório parcial

Fev/16

Pesquisa de campo

fev/15

Atividades

dez/14

5. CRONOGRAMA

X X

X

X X

X

Elaboração do relatório final Entrega do relatório final Entrega da versão final

6. REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor. Teoria estética. São Paulo: Lisboa: 70, 2008.

X

X X

X X X

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BARROSO, Paulo. Arte e sociedade: comunicação como processo. In: Vº CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 5., 2004, Braga. Anais eletrônicos... Lisboa, APS, 2004. Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2014. BARBOSA, Mariana. Brasileiro apoia publicidade gay, mas nem tanto. Folha online. São Paulo, 26 set. 2014. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014. CAMARGO, Sophia. Empresa dos EUA avalia mercado gay no Brasil e poder do 'pink real'. Uol. São Paulo, 01 jun. 2013. Disponível em: < http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/01/empresa-dos-eua-avaliamercado-gay-no-brasil-e-poder-do-pink-real.htm>. Acesso em: 23 out. 2014. CANTON, Katia. Do moderno ao contemporâneo [Coleção Temas da arte contemporânea]. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. ________________. Da política às micropolíticas [Coleção Temas da arte contemporânea]. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ECO, Umberto. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 2013. ____________. A estrutura ausente: Introdução a pesquisa semiológica. São Paulo: Perspectiva, 2003. GRUPO GAY DA BAHIA. Assassinato de homossexuais (LGBT) no Brasil: relatório 2013/2014. Salvador, 2014. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014. GUINOZA, Marcos. O poder do pink money. Brasileiros. São Paulo, 29 jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2014. PARDIN, C.H. et al. Manifestações no Brasil em 2013 e a publicidade. O mundo – comunicação internacional. Belo Horizonte, 23 abr. 2014. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2014. PRADO, Laís. Conar: Conselho arquiva caso Doritos – YMCA. CCSP. São Paulo, 21 mai. 2009. Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2014.

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TRIGO, Luciano. A grande feira: uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea. Rio de Janeiro: Record, 2014.

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