Projeto de Pesquisa - Ciência da Religião - UFJF

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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU DOUTORADO EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO LUÍS GABRIEL PROVINCIATTO

PROJETO DE PESQUISA “IMPLICAÇÕES ENTRE FENOMENOLOGIA E TEOLOGIA CRISTÃ NO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER”

JUIZ DE FORA 2016

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Título provisório “Implicações entre fenomenologia e teologia cristã no pensamento de Martin Heidegger”

Área de concentração Filosofia da Religião

Linha de pesquisa Abordagens filosóficas e psicológicas da religião

Delimitação do tema O título apresentado já carrega consigo a própria delimitação objetiva da presente pesquisa, a saber: a relação existente entre filosofia e teologia cristã presente no pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976). Essa relação aparece de maneira evidente na conferência Fenomenologia e teologia (Phänomenologie und Theologie) (1927), na qual se caracterizam a positividade e a cientificidade da teologia, sua radical diferença com a fenomenologia, bem como se viabiliza uma relação entre ambas. A conferência, então, configura-se como ponto de partida para este projeto de pesquisa. Deve-se, a princípio, ter em mente a estrutura da conferência tal como apresentada no volume 9 da Gesamtausgabe: Prefácio, datado de 27 de agosto de 1970; o texto propriamente dito, que corresponde, na verdade, à segunda parte da conferência; tal texto está sob o título A positividade da teologia e sua relação com a fenomenologia e foi apresentado, respectivamente, em Tübingen, aos 8 de julho de 1927, e repetida em 14 de fevereiro de 1928 em Marburgo; um Apêndice, datado de 11 de março de 1964, contendo Algumas indicações sobre alguns pontos de vista principais para o diálogo teológico a respeito d’“O problema de um pensar e dizer não objetivantes na teologia de hoje”. Destaca-se ainda a importância das datas desses escritos, pois elas mostram épocas distintas, nas quais o modo de Heidegger lidar com a questão a respeito do ser é diferente. Nota-se isso quando, por um lado, na conferência na década de 1920 uma das questões era mostrar a positividade da ciência e, por outro, a preocupação apresentada no apêndice ser justamente lidar com uma linguagem teológica não objetivante, bem como com a possibilidade de diálogo da teologia com outras ciências. O texto da conferência – A positividade da teologia e sua relação com a fenomenologia – permite um conjunto de perguntas, dentre as quais: qual o entendimento de “ciência” ali presente, dado que a teologia é caracterizada como tal? Em que se funda a “radical diferença”

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entre fenomenologia e teologia? Como viabilizar uma relação entre ambas, tomando as distinções existentes entre elas? Essas perguntas garantem uma maior delimitação objetiva, de modo que o Apêndice de 1964 não será alvo de consideração da presente investigação. Justificase essa escolha a partir da seguinte perspectiva: as perguntas realizadas à conferência podem ser respondidas quando se abre a perspectiva de compreensão e se visualiza o período no qual ela foi proferida. Nesse sentido, compreender as implicações entre fenomenologia e teologia, conforme apresentado na conferência de 1927, é perscrutar a formação do próprio pensamento heideggeriano, no qual ambas, fenomenologia e teologia, estão conjugadas, ou seja, trata-se de criar um horizonte compreensivo. Espera-se, ao final do percurso abaixo apresentado, efetivar esse horizonte de compreensão para a conferência Fenomenologia e teologia. Eis, então, a hipótese com a qual trabalha esta pesquisa: a conferência Fenomenologia e teologia abarca em si o próprio desdobramento da fenomenologia ontológico-hermenêutica de Martin Heidegger, isto é, a relação aí estabelecida compreende tanto a pergunta pelo ser quanto a preocupação pela cientificidade da própria ciência. Além disso, ambos os temas estão no bojo filosófico de Heidegger ao longo de seu pensamento, fazendo da conferência um panorama rico para encontrar tal desdobramento de maneira prática, isto é, a conferência não funciona apenas como construção ideal, viabilizando, de fato, a relação entre filosofia e teologia. Daí a importância de visualizar o período no qual se deu a conferência, indicando a construção de um horizonte compreensivo. O primeiro ponto a ser anotado a respeito desse horizonte compreensivo é a delimitação realizada pelo próprio Heidegger sobre qual o entendimento dado à fenomenologia. Pode-se ler no prefácio da conferência, datado de 27 de agosto de 1970: “a respeito do conceito de fenomenologia, que nos serve de guia aqui, e sua relação com as ciências positivas, nos instrui a introdução de Ser e tempo (1927), § 7” (HEIDEGGER, 2008, p. 56). Isso faz com que se retorne devidamente ao § 7 de Ser e tempo e se perceba o seguinte: nele está indicado o caráter metodológico do tratado. O próprio Heidegger apresenta isso nos seguintes termos: “a expressão ‘fenomenologia’ significa, antes de tudo, um conceito de método. Não caracteriza a quididade real dos objetos da investigação filosófica, o quê dos objetos, mas o seu modo, o como dos objetos” (HEIDEGGER, 2012, p. 66). Este sétimo parágrafo, por sua vez, desenvolve-se posteriormente a partir de uma tríplice divisão: a) o conceito de fenômeno; b) o conceito de logos; c) o conceito preliminar de fenomenologia. Dessa maneira, para compreender o que seja fenomenologia na conferência de 1927 é preciso conhecer como ela está elaborada no § 7 de Ser e tempo. Um elemento, no entanto, merece realce: já se percebe nesse parágrafo de Ser e tempo que há, por parte de Heidegger, a

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elaboração de um percurso, passando pela compreensão do que seja “fenômeno” e do que seja “logos” para, então, formalizar qual a compreensão (preliminar) de fenomenologia. A caracterização metodológica presta a partir de uma delimitação objetiva, apresentada assim em Ser e tempo: O método de investigação, ao que parece, já foi delineado juntamente com a caracterização provisória de seu objeto temático (o ser dos entes, o sentido de ser em geral). Apreender o ser dos entes e explicar o próprio ser é tarefa da ontologia. O método da ontologia, no entanto, permanecerá altamente questionável caso se queira recorrer às ontologias historicamente dadas ou a tentativas congêneres. Tendo em vista que, nessa investigação, o termo ontologia é usado em sentido formalmente amplo, não se pode seguir o caminho da história das ontologias para se esclarecer o método (HEIDEGGER, 2012, p. 65-66).

Isso significa que a questão do ser – fundamental ao pensamento de Heidegger – será investigada de maneira fenomenológica, configurando uma ontologia fenomenológica. Além disso, a citação permite afirmar: a intenção de Heidegger é ultrapassar qualquer ontologia desenvolvida anteriormente; e isso porque todas elas se ocuparam, na verdade, com o ente, esquecendo-se do ser. Além disso, trata-se de significar o que seja fenomenologia sob uma nova perspectiva, a partir da hermenêutica, ou seja, da compreensão do ser. Essa nova orientação dada pelo filósofo alemão coloca tanto a ontologia quanto a fenomenologia em questão, pois não se trata mais de percebê-las como disciplinas filosóficas, mas como sendo a própria filosofia: Ontologia e fenomenologia não são duas disciplinas distintas da filosofia ao lado de outras. Ambas caracterizam a própria filosofia em seu objeto e em seu modo de tratar. A filosofia é uma ontologia fenomenológica e universal que parte da hermenêutica do ser-aí [sic], a qual, enquanto analítica da existência, amarra o fio de todo questionamento filosófico no lugar de onde ele brota e para onde retorna (HEIDEGGER, 2012, p. 78).

A filosofia, então, identifica-se com a própria fenomenologia, e esta com a ontologia. Nesse sentido, é fundamental perceber a raiz da palavra fenomenologia, tal qual apresentada no § 7 de Ser e tempo, para, então, compreender seu significado na conferência de 1927. Ao buscar a raiz da palavra – φαινóμeνoν e λόγος –, Heidegger não está somente retomando a raiz grega, mas realizando um movimento de ultrapassagem ao pensamento de seu mestre Edmund Husserl. Por isso, o sétimo parágrafo de Ser e tempo já carrega consigo todo um desenvolvimento prévio do pensamento de Heidegger que inclui um afastamento da fenomenologia transcendental de Husserl e uma aproximação com o pensamento grego, em especial com Aristóteles. Sobre isso destaca Gadamer: “para pessoalmente se situar a uma distância adequada do idealismo transcendental de Husserl, sem recair na ingenuidade de um idealismo dogmático, Heidegger encontrou outro grande mestre: Aristóteles” (GADAMER, 2003, p. 154).

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Tudo isso conduz a análise do § 7 de Ser e tempo, que, por também se caracterizar como “ponto de chegada”, exige um retorno incisivo ao primeiro curso de Heidegger em Marburgo: Introdução à pesquisa fenomenológica (Einführung in die phönomenologische Forschung)1 (1923-1924). O retorno especificamente a estas preleções está justificado porque nelas Heidegger se ocupa, durante toda a primeira parte, em apresentar a concepção de fenomenologia a partir de sua raiz grega, retornando a Aristóteles, e em problematizar a formulação de Husserl, indicando sua superação. A intenção apresentada tanto no § 7 de Ser e tempo quanto nas preleções de 1923-1924 é clara: a proposta de uma fenomenologia ontológico-hermenêutica afastada da fenomenologia transcendental husserliana e próxima do caráter prático (práxis) da existência, donde a incidência e o retorno explícito ao pensamento de Aristóteles. Diante disso, a proposta desta pesquisa é colocar no horizonte de compreensão da conferência Fenomenologia e teologia o entendimento do que seja fenomenologia a partir da problematização da raiz da palavra, apresentada por Heidegger em Ser e tempo e em Introdução à pesquisa fenomenológica. Husserl e Aristóteles são pensadores fundamentais para esse primeiro momento da pesquisa. O próprio Heidegger destaca tal importância a partir do modo de estruturar as preleções de 1923-1924: Estou convencido de que a filosofia chegou ao fim. Estamos diante de uma tarefa totalmente nova que não tem relação com a filosofia tradicional. Esta opinião, no entanto, nada mais é do que uma indicação. Importante são, somente, os estados de coisas; definir, classificar, explicar, discutir são interesses secundários. A tarefa das seguintes reflexões é tripla: 1) clarificar a expressão “fenomenologia”. 2) Termos consciência da eclosão da investigação fenomenológica nas Investigações lógicas de Husserl. 3) Termos consciência do desenvolvimento da fenomenologia desde então, o quanto disso mantém, o quanto foi abandonado ou, por último, no que tange a sua significação decisiva, o quanto dela foi renunciado (HEIDEGGER, 1994, p. 1) 2.

A compreensão dessa advertência prévia feita pelo próprio Heidegger é fundamental para perceber o seguinte: o movimento de superação da fenomenologia de Husserl acontece concomitantemente com a aproximação com a filosofia de Aristóteles, pois é no desenvolvimento da filosofia aristotélica que Heidegger busca os dois termos componentes de fenômeno-logia – φαινόμενον e λόγος. Isso tem uma consequência imediata: a aproximação 1

Este texto ainda não possui tradução para o português. Diante disso, os trechos utilizados são de tradução própria, sempre remetendo ao original em alemão em nota de rodapé. 2 Es ist meine Überzeugung, daβ es mit der Philosphie ist zu Ende ist. Wir stehen vor völlig neuen Anfgaben, die mit der traditionellen Philosphie nichts zu tun haben. Diese Ansicht ist aber nur ein Leitfaden. Von Bedeutung sind allein die Tatbestände; Abgrenzung, Einreihung, Deutung und Auseinandersetzung sind von sekundären Belang. Die Aufgabe der folgenden Betrachtungen ist eine dreifache: 1. Aufklärung des Ausdrucks “Phänomenologie”; 2. Vergegenwärtigung des Durchbruchs der phänomenologische Forschung in Husserls “Logische Untersuchungen”; 3. Vergegenwärtigung der Ausbildung des Phänomenologie von hier aus, wie weit sie festgehalten, wie weit sie abgebogen oder am Ende in ihrer entscheidenden Bedeutung aus der Hand gegeben wird.

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entre fenomenologia e existência. Desse modo, Heidegger está tomando um posicionamento no qual não é possível pré-determinar-se filosoficamente, pois a própria filosofia resulta do desenvolvimento das problemáticas próprias ao existir. Concorda-se, novamente, com Gadamer: “Aristóteles exerce a função de uma testemunha central do acesso ‘às coisas mesmas’ e, com isso, ele é considerado, indiretamente, em contraposição a sua própria pré-disposição ontológica em favor daquilo que Heidegger chamaria posteriormente de ‘ser como ser-à-mão’” (GADAMER, 2003, p. 155). Além disso, há de se atentar para o seguinte: Na medida em que estas palavras [fenômeno e logos] expressam a existência, quando tentamos clarificá-las, encontramo-nos no interior da história da existência da humanidade ocidental e da história da compreensão de si mesmo. A partir da compreensão de si mesma da “fenomenologia” proposta por Husserl, imediatamente após as Investigações lógicas, torna-se compreensível o modo que ele concebe e aperfeiçoa a tarefa da investigação fenomenológica. Ao mostrá-la, nos fixaremos, como tema central, na existência, isto é, o mundo, o trato com ele, a temporalidade, a linguagem, a própria compreensão da existência, as possibilidades de compreensão da existência (HEIDEGGER, 1994, p. 2)3.

Essa caracterização apresentada por Heidegger nas preleções de 1923-1924 e no § 7 de Ser e tempo justifica aquela noção de fenomenologia ontológico-hermenêutica, pois o ser em questão é sempre ser do ente dotado de capacidade fundamental de autocompreensão. Nesse sentido, a virada hermenêutica dada por Heidegger à fenomenologia garante centralidade ao ser-aí, isto é, à existência fática do ente capaz de compreender a si mesmo e aquilo que é por ele vivenciado. O sentido primeiro das vivências, então, encontra-se no âmbito compreensivoexistencial e não teórico-objetivo. Soma-se a isso o rompimento com a compreensão clássica do que seja “sujeito”: para Heidegger, o ser-aí não é estático, como pretendia a formulação metafísica; o sujeito é, antes de tudo, ek-sistente, isto é, aberto às possibilidades de compreensão. A anotação de Escudero aponta justamente para isso: “o ser-aí mantém as possibilidades de se abrir compreensivamente ao mundo, pertencendo, porém, a um horizonte já sempre pré-compreendido em cada situação” (ESCUDERO, 2014, p. 36). Por isso, a problematização do que seja essa fenomenologia ontológico-hermenêutica abarca necessariamente o ser-aí em seu caráter autocompreensivo. Destacar o horizonte compreensivo do termo fenomenologia, utilizado no próprio título da conferência de 1927, servirá para esta pesquisa da seguinte maneira: o aspecto positivoSofern diese Worte “Dasein” aussprechen, bewegen wir uns mit ihrer Verdeutlichung in der Daseinsgeschichte der abendländischen Menschheit und der Geschichte ihrer Selbstauslegung. Aus Husserls Selbstauslegung der “Phänomenologie” gleich nach den “Logischen Untersuchungen” wird verständlich, wie er die phänomenologische Forschungsaufgabe faβt und weiterbildet. Vorweisend fixieren wir als Hauptthema: Dasein; d. h. Welt, Umgang in ihr, Zeitlichkeit, Sprache, Eigenauslegung des Daseins, Möglichkeiten der Daseinsauslegung. 3

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científico das ciências está inserido na dimensão da hermenêutica da facticidade, própria ao seraí, pois este, existindo, questiona o próprio ser do ente. Afirma-se, então: a fenomenologia é ciência ontológica, pois ela ocupa-se com o ser, ao passo que as demais ciências são ônticas, pois ocupam-se com entes específicos. Aqui já se adianta aquela radical diferença existente entre fenomenologia e teologia: a primeira é ciência ontológica, a segunda ciência ôntica que tem a fé crística como positum específico. A partir disso, retorna-se para a conferência Fenomenologia e teologia, olhando agora para o segundo termo presente no título: a teologia. Aqui se apresenta um recorte fundamental: Chamo a atenção para o fato de que concebo teologia no sentido da teologia cristã, o que não significa que só haja essa teologia. É bem verdade que a questão a respeito de saber se a teologia é uma ciência é uma questão central. Todavia, essa questão deve ser deixada de lado aqui. Não porque queiramos nos desviar deste problema, mas apenas porque não é possível levantar, com sentido, a questão de saber se a teologia é ou não uma ciência, se antes não se esclarecer sua ideia em uma certa abrangência (HEIDEGGER, 2008, p. 60).

Nesse sentido, a tese inicial com a qual trabalha Heidegger sobre a teologia é a seguinte: “a teologia é uma ciência positiva e, como tal, por isto, absolutamente diferente da filosofia” (HEIDEGGER, 2012, p. 59). Donde a pergunta: o que significa afirmar que a teologia é uma ciência positiva? Sinaliza-se, então, para a positividade e a cientificidade da própria teologia conforme indicado na estrutura da conferência: “a) a positividade da teologia; b) a cientificidade da teologia; c) a possível relação da teologia, enquanto ciência positiva, com a filosofia” (HEIDEGGER, 2012, p. 61-62). Por isso, esse segundo momento da pesquisa não visa investigar se a teologia é ou não ciência, mas compreender essa “ideia em uma certa abrangência”, compreendendo qual a caracterização do que seja a própria ciência. Trata-se, na verdade, de responder à seguinte questão: como é possível afirmar a cientificidade e a positividade da teologia, conforme indicado na conferência? A primeira caracterização a ser realizada: o que pertence à positividade da ciência. De maneira breve, pode-se afirmar: o positum da ciência deve já ter sido desvelado antes mesmo de ser teorizado, ou seja, o ente próprio da teologia pertence à dimensão pré-teórica e a-reflexiva da existência, podendo ser objetivado posteriormente, tornando-se disponível para uma teorização. Além disso, esse ente é conduzido por uma prévia compreensão de ser, garantindo à positividade da ciência a possibilidade de variação: “a positividade pode variar de acordo com o caráter coisal do ente, em sintonia com o seu modo de ser, com a maneira como se deu o desvelamento pré-científico do referido ente e com o modo de pertença desse desvelamento ao que está ali pré-jazendo” (HEIDEGGER, 2008, p. 61).

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Segue-se a isso: a caracterização da positividade da teologia não determina sua cientificidade, apenas a indica. Diante disso, afirma Heidegger: “só a caracterização da positividade da teologia e a caracterização de sua cientificadade poderão nos aproximar desta disciplina como ciência positiva, fornecendo, assim, o solo para a caracterização de sua possível relação com a filosofia” (HEIDEGGER, 2008, p. 61). Mostra-se, então, a necessidade de compreender o que seja essa positividade e essa cientificidade. Esse caminho é plausível e deve ser investigado num segundo momento da pesquisa. Há, no entanto, um problema presente nas entrelinhas da afirmação da positividade e da cientificidade da teologia: qual a compreensão de ciência aí presente? As indicações feitas por Heidegger na conferência, a saber, sobre o positum da teologia e como ele pode ser desenvolvido cientificamente não são suficientes para responder a esta questão. Noutras palavras: a caracterização da positividade da ciência deixa aberta a questão a respeito do que seja a própria ciência. Usa-se, novamente, daquela perspectiva de abertura para a formação de horizonte compreensivo, deparando-se, nesse segundo momento, com duas outras preleções de Heidegger: História da filosofia: de Tomás de Aquino a Kant (1926-1927) e Introdução à filosofia (1928-1929). O que, de fato, interessa dessas duas preleções são partes específicas, a saber: das preleções de 1926-1927 tomam-se, sobretudo, os oito primeiros parágrafos, que configuram a parte introdutória do curso, intitulada: Diretrizes da preleção; filosofia como ontologia fenomenológica. O interesse nessa parte específica se dá porque nela se configura a distinção entre ciência ontológica e ciências ônticas, mostrando a legitimidade de ambas. Nesse sentido, a possibilidade de afirmar cientificidade da teologia, enquanto ciência ôntica, ganha consistência antes mesmo da conferência ser pronunciada, donde a relevância de um horizonte compreensivo. A isso se segue a primeira parte das preleções Introdução à filosofia, a qual é intitulada Filosofia e ciência: aqui a preocupação de Heidegger é lançar-se em direção à essência da ciência e sua relação com a filosofia. A importância de tais preleções se dá porque nelas se pode visualizar um ponto comum: as afirmações das ciências positivas são derivadas e, portanto, uma possibilidade de compreensão. A ciência não é a única maneira do ser-aí compreender a realidade. De fato, lêse isso em Introdução à filosofia: A verdade científica é apenas um tipo e uma possibilidade de tornar o ente manifesto, e o ser-aí continua sim se comportando em relação ao ente sem levar a termo a ciência como tal. Todo e qualquer comportamento em relação ao ente, toda verdade ôntica de qualquer tipo só é possível com base na verdade ontológica (HEIDEGGER, 2009, p. 218).

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Essa afirmação mostra a necessidade de compreender o que seja a própria ciência para, então, afirmar a cientificidade da teologia, bem como mostrar sua importância. Não pode passar despercebido, porém, que as preleções Introdução à filosofia são posteriores à conferência. Isso traz uma consequência interessante para esta pesquisa: a discussão a respeito da cientificidade não se limita à conferência e nem mesmo somente à teologia, fazendo com que seja aprofundada a discussão e a problematização acerca do que seja a própria ciência. Essa leitura possibilita compreender melhor a intenção de Heidegger ao propor a teologia como ciência positiva e, portanto, distinta da filosofia. Tal possibilidade se dá a partir da compreensão de qual seja o positum da teologia e sua respectiva cientificidade: Teologia é um saber conceitual a respeito daquilo que permite pela primeira vez e antes de tudo que o cristianismo se torne um evento originariamente histórico, um saber daquilo que nós chamamos pura e simplesmente cristicidade. Afirmamos agora: o (positum) já previamente dado para a teologia é a cristicidade. […] Chamamos de crístico à fé (HEIDEGGER, 2008, p. 63).

Essa indicação feita por Heidegger mostra o seguinte: a fé é compreendida de maneira existencial, estando ligada, necessariamente, à dimensão fática da existência. O que isso significa? Significa que a fé precisa ser compreendida, pois é, essencialmente, “um modo de existência do ser-aí humano” (HEIDEGGER, 2008, p. 63). Dessa maneira, a teologia poderá ser desdobrada enquanto ciência uma vez que a fé seja compreendida a partir da existência. Está-se, então, dessa situação: a fé conduz a teologia, e não o contrário. A compreensão cientificidade da fé é um momento posterior à própria atitude compreensiva do ser-aí, configurando-se como possibilidade e como conhecimento direcionado a uma região específica do ente, caracterizando uma ciência ôntica. Esse ponto permite perceber a importância da relação entre fenomenologia e teologia – algo pleiteado por este segundo momento da pesquisa –, além de indicar o seguinte para a própria ciência teológica: A teologia só pode dificultar a fé, o que significa mostrar mais de perto em seu foco que a credulidade não pode precisamente ser alcançada por ela – a teologia enquanto ciência –, mas só e exclusivamente pela fé. É assim que a teologia pode permitir que a gravidade presente na credulidade, enquanto modo de existência “doada”, ganhe consciência. É este tipo de coisa que a teologia “pode” realizar, isto é, tem o poder e o gosto para tanto, e, em verdade, apenas possivelmente (HEIDEGGER, 2008, p. 67).

Aí se mostra a importância de perscrutar o próprio pensamento de Heidegger e criar um horizonte compreensivo para que a própria afirmação da cientificidade da teologia faça sentido, pois ela se configura, na verdade, como possibilidade. Desse modo, o segundo momento da pesquisa se caracteriza por investigar a positividade e a cientificidade da teologia, colocando-a num horizonte compreensivo que problematiza o que venha a ser a própria ciência positiva.

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Também se alcança com isso a distinção fundamental entre ciência ontológica e ciências ônticas, expressada brevemente nos seguintes termos: “a verdade ontológica é mais originária do que a verdade ôntica; a verdade ontológica é possibilitadora da verdade ôntica” (HEIDEGGER, 2009, p. 219). A partir disso se viabiliza a relação entre fenomenologia – ciência ontológica – e teologia – ciência ôntica: “a ontologia serve apenas como um corretivo do conteúdo ôntico e, em verdade, pré-cristão dos conceitos teológicos fundamentais” (HEIDEGGER, 2008, p. 75). Isso mostra uma relação de parceria entre a fenomenologia e a teologia, pois não se trata aqui de uma relação de subserviência, mas de autonomia por parte de ambas. Daí se destaca a eficiência da relação entre fenomenologia e teologia: A função da filosofia na relação com a teologia é ser o corretivo que torna possível estabelecer nexos ontológicos da região do ente e, partindo das exigências e do horizonte da teologia, enquanto ciência ôntica, suscitar a constituição originária do ser do ente, cuja perspectiva é continuar sendo seu objeto teológico e tornar-se eminentemente novo (GONÇALVES, 2011, p. 41).

Essa constatação impulsiona a seguinte questão: essa relação postulada entre ambas é apenas uma construção ideal? Responde-se negativamente a essa questão, apontando para o seguinte: a conferência encontra um desdobramento prático. E mais: um desdobramento vislumbrado no próprio desenvolvimento da fenomenologia ontológico-hermenêutica de Heidegger, a saber, na noção de cuidado (Sorge). Eis o terceiro momento de investigação da pesquisa: apresentar o conceito de cuidado como presente no horizonte compreensivo da conferência Fenomenologia e teologia, indicando-lhe como desdobramento prático da relação existente entre fenomenologia e teologia. Tal tarefa a outro pensador fundamental para o desdobramento da compreensão heideggeriana de cuidado: Agostinho de Hipona. Esse é o terceiro desdobramento da pesquisa ainda a partir da conferência de 1927: a teologia relaciona-se com a fenomenologia, enquanto relação de duas ciências, quando, por exemplo, o ser-aí compreende a noção cura não teoricamente, mas vivencialmente. O que isso significa? Metodologicamente, um duplo retorno: primeiro ao sexto capítulo de Ser e tempo – A cura como ser da presença, §§39 a 44 –, com especial atenção ao §42, no qual, após a apresentação de uma fábula, Heidegger afirma: Esse testemunho pré-ontológico adquire um significado especial não somente por ver a “cura” como aquilo a que pertence a presença humana “enquanto vive”, mas porque essa primazia da “cura” emerge no contexto da concepção conhecida em que o homem é apreendido como o composto de corpo e espírito. Cura prima finxit: esse ente possui a “origem” de seu ser na cura. Cura teneat, quamdiu vixerit: esse ente não é abandonado enquanto “for e estiver no mundo”. O “ser-no-mundo” tem a cunhagem da “cura”, na medida do ser (HEIDEGGER, 2012, p. 266).

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A noção de cuidado (Sorge), porém, não vem à tona em Ser e tempo, mostrando, assim, a necessidade de um segundo retorno: a caracterização dada em 1927 já encontra morada em Agostinho e nas lições de Heidegger intituladas Agostinho e o neoplatonismo. Nesse sentido, o Bispo de Hipona entra no horizonte compreensivo da conferência Fenomenologia e teologia a partir do momento em que ele está no próprio horizonte hermenêutico de Heidegger, aparecendo implicitamente no trecho destacado de Ser e tempo e explicitamente nas preleções de 1921. Há, todavia, um apontamento específico feito pelo próprio Heidegger: o Livro X das Confissões é a chave para compreender o desdobramento da noção de cura. Deve-se, no entanto, ter em mente ao seguinte no que tange a compreensão de cura: A vida como cuidar (Sorgen) vive num mundo e cuida de si nos mais diversos modos de relações e execuções correspondentes e nos modos de temporalização, em função dos objetos que se encontram na experiência e dos próprios encontros. O objeto da cura não é a significância enquanto caráter categorial, mas o cada vez mundano, que encontra sua expressão objetual correspondente, formulada pela própria vida. Não se experimenta a significância como tal, expressamente; mas ela poder experimentada. […] No cuidar, a vida experimenta a cada vez seu mundo, e esse sentido fundamental do ser experimentado é para toda interpretação da objetualidade (HEIDEGGER, 2011, p. 106).

De fato, os capítulos vinte e oito e vinte e nove das Confissões mostram a vida em suas constantes agitações. Donde a possibilidade de se afirmar dois importantes pontos: 1) Agostinho se preocupa, a princípio, em questionar a própria existência crente, buscando compreendê-la da maneira mais clara possível; nesse sentido, o questionamento dirigido à fé parte da própria existência fática de Agostinho; 2) a intenção de Heidegger ao olhar para esse trecho das Confissões é justamente resgatar essa dimensão existencial ou, como se poderia denominar, esse momento pulsante da fé crística, no qual o existente se depara com ser da própria existência, significando-o. Essa significação, no entanto, não indica uma quietude, mas a compreensão de que a vida é completa inquietude, é completa agitação, exigindo ser significada a cada instante, isto é, exigindo a execução do cuidado. Agostinho deixa essa situação clara ao afirmar: As minhas alegrias, que deviam ser choradas, lutam com as tristezas que me deviam incutir júbilo. Ignoro de que lado está a vitória. As tristezas do meu mal pelejam com os contentamentos bons, e não sei em que parte está o triunfo. […] Não é, “a vida do homem sobre a terra, uma contínua tentação”? Quem deseja trabalhos e preocupações. Ordenais aos homens que os suportem e não que os amem (AGOSTINHO, 1984, p. 190).

Esse trecho também indica o seguinte: o Livro X das Confissões revela a experiência de vida fática em sua vitalidade, ou seja, a vida é constante inquietar-se. Nesse aspecto, a vida fática do cristão nunca estará segura de si mesma, pois sempre deverá encontrar sentido para si própria: “não um sentido geral, tomado como uma verdade intemporal, mas um novo sentido,

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que constantemente tem que afirmar-se perante o já sido, como uma nova criação e uma nova síntese” (PACHECO, 2012, p. 70). Isso permite abordar esse terceiro desdobramento da pesquisa a partir daquele duplo retorno apresentando acima: a Ser e tempo e também às preleções Agostinho e o neoplatonismo. Em ambos os textos há algo em comum: a noção de cuidado é considerada como fundamental para a vida fática, para o ser-aí, seja a partir do termo alemão Bekümmerung, utilizado por Heidegger nas preleções de 1921, seja pelo termo Sorge, próximo da raiz latina cura, utilizado em Ser e tempo. Além disso, a incidência da noção de cuidado acontece na dimensão prática (práxis) da existência, donde uma ligação estreita entre essa concepção e a relação entre fenomenologia e teologia pretendida pela conferência de 1927. Toma-se, assim, uma indicação feita por Heidegger em Agostinho e o neoplatonismo: A realização da experiência é sempre, consequentemente, por sua própria especificidade, insegurança. Não há medius locus [lugar intermediário] algum no nexo de experiência que não tenhamos de encontrar-nos com as possibilidades opostas, de modo que o próprio Agostinho se vê obrigado a dizer: ex qua parte stet victoria nescio [não sei de que lado está a vitória] (a partir de onde se inclina finalmente a própria vida. Pelo experimentar como tal vem à luz um desencaminhamento diabólico (HEIDEGGER, 2010, p. 192).

Destaca-se, então: o cuidado, como preocupação da vida consigo mesma, não é uma quietude existencial, mas um verdadeiro mergulhar na inquietude existencial. O cuidado remete diretamente à vivência histórica da existência, donde o rompimento com um sistema metafísico desvitalizador. Trata-se, então, de ler Agostinho de maneira a ultrapassar a concepção metafísica e perceber que as Confissões representam um desdobramento prática de uma teologia fortemente ligada à existência fática do ser-aí. Por isso, “importa captar mais precisa e exatamente este caráter fundamental, a tentacio, no que Agostinho experimenta a vida fática e compreende a partir dali em que medida quem vive nesta claridade e neste nível de realização é para si mesmo necessariamente um peso” (HEIDEGGER, 2010, p. 189). Isso tudo é fundamental para perceber como a noção de cuidado pode ser colocada no horizonte compreensivo da conferência Fenomenologia e teologia, exercendo a função de viabilizar a relação existente entre a ciência ontológica e uma ciência ôntica. Dessa maneira, outro elemento passa a ser de fundamental importância: a dimensão histórica da existência, pois ela é libertária. O que isso significa? Significa que a própria teologia não precisa se prender a sistemas metafísicos, lançando-se à vitalidade existencial. Concorda-se com Adelaide Pacheco quando esta afirma: O histórico é aqui uma “indicação formal” – remete para o modo como originariamente experimentamos a temporalidade na experiência fática. Compreender este caráter histórico da existência implica a explosão das categorias tradicionais da

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metafísica, que visam precisamente anular o histórico, securizar a existência “contra o histórico” (PACHECO, 2012, p. 70).

Agrega-se o seguinte a esta passagem: a concepção de cuidado presente tanto em Ser e tempo quanto nas preleções Agostinho e o neoplatonismo indicam que a vida fática cristã vivencia a relação existente entre fenomenologia e teologia. E mais: isso não precisa estar claro teoricamente àqueles que a vivenciam. O cuidado é, necessariamente, cuidado com a existência, é compreensão das vivências, é hermenêutica da facticidade. Isso mostra como a noção de cuidado é fundamental para o desenvolvimento do pensamento de Martin Heidegger, permitindo a afirmação de que esse termo está no horizonte compreensivo da conferência Fenomenologia e teologia. Aqui há de se destacar outras duas obras fundamentais para o desdobramento da noção de cuidado como pertencente à vida fática: Interpretações fenomenológicas sobre Aristóteles: introdução à pesquisa fenomenológica (Phänomenologische Interpretationen zu Aristoteles. Einführung in die phänomenologische Forschung) (1921-1922) e Ontologia (hermenêutica da facticidade) (Ontologie – Hermeneutik der Faktizität) (1923). Além disso, há uma segunda implicação: percebe-se, diante disso, como que o pensamento Agostinho está presente nas entrelinhas dos escritos de Heidegger. Isso também é fundamental para colocar o bispo de Hipona na esteira da conferência de 1927, bem como ao desenvolvimento da noção de cuidado presente em Ser e tempo. Chega-se, dessa maneira, também ao desenvolvimento do terceiro momento da pesquisa: a compreensão de cuidado como lócus da relação postulada entre fenomenologia e teologia, percebendo isso quando se abre a perspectiva de compreensão e, partindo da conferência de 1927, permite-se encontrar com a noção de cura presente em Ser e tempo e nas preleções Agostinho e o neoplatonismo. Dote-se, então, como a proposta de uma fenomenologia ontológico-hermenêutica é construída ao longo do pensamento de Martin Heidegger. E mais: a teologia é um tema recorrente nesse desenvolvimento, mesmo que implicitamente. Por fim, a delimitação objetiva presente no título da pesquisa – Implicações entre fenomenologia e teologia cristã no pensamento de Martin Heidegger – será desenvolvida por esta pesquisa em três momentos, conforme especificado acima. Cada etapa priorizará uma problemática específica de acordo com os apontamentos da conferência Fenomenologia e teologia, de modo a criar um horizonte compreensivo para esta, justificando a relação elaborada por Heidegger entre essas ciências, bem como mostrando que tal relação possui um desdobramento estritamente ligado com a dimensão prática da existência.

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Objetivos O primeiro objetivo deste projeto de pesquisa é compreender a relação entre fenomenologia e teologia cristã no pensamento de Martin Heidegger a partir da conferência Fenomenologia e teologia (1927), donde a importância de construir um horizonte compreensivo para a conferência. Segue-se a isso a intenção de argumentar a favor do seguinte: a conferência Fenomenologia e teologia abarca em si o próprio desdobramento da fenomenologia ontológico-hermenêutica de Martin Heidegger, ou seja, a relação aí estabelecida compreende tanto a pergunta pelo ser quanto a preocupação pela cientificidade da própria ciência. Isso se configura como sendo o objetivo geral aqui apontado. A realização desse objetivo geral, por sua vez, viabiliza-se com a execução de alguns objetivos específicos, a saber: 1) compreender qual seja o entendimento de fenomenologia presente na conferência. Nesse sentido, problematizar a própria compreensão heideggeriana do que seja a fenomenologia se apresenta como um momento específico do trabalho, contribuindo com a construção do horizonte de compreensão almejado; 2) é necessário também problematizar a afirmação feita na conferência de que a teologia é uma ciência positiva: tal problematização conduz o segundo momento específico da pesquisa, fazendo com que se traga para a discussão a compreensão heideggeriana do que seja ciência positiva, a distinção com a ciência ontológica e a possibilidade de afirmar a teologia em sua positividade e cientificidade; além disso, 3) a relação postulada na conferência não é somente uma construção ideal, mas se efetiva na prática: a noção de cuidado (Sorgen) mostra justamente isso, daí a relevância de compreender que a elaboração heideggeriana de cuidado está muito próxima da de Agostinho de Hipona e este, por sua vez, é uma referência fundamental para compreender o desenvolvimento fenomenológico-hermenêutico de Heidegger; dessa maneira, Agostinho de Hipona também estaria no horizonte compreensivo da conferência Fenomenologia e teologia. Ao final, então, espera-se alcançar o objetivo geral mediante a realização dos objetivos específicos, pois ambos estão entrelaçados entre si e, dessa maneira, efetivar a construção de um horizonte compreensivo para a conferência Fenomenologia e teologia.

Metodologia Esta pesquisa é exclusivamente de cunho bibliográfico, isto é, ela pretende analisar os textos mais significativos para a temática apontada, tendo sempre como principal embasamento teórico o filósofo alemão Martin Heidegger. Dessa maneira, há de se realizar um levantamento,

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seguido de uma análise dos textos para se chegar às respostas desejáveis ao problema levantado e ao objetivo pretendido. Os textos serão analisados sob uma ótica fenomenológica-hermenêutica: a via fenomenológica permite perceber a simplicidade da concepção teórica. Engana-se aqui aquele que compara a simplicidade com a facilidade. Na verdade, a indicação feita por Marcos Aurélio Fernandes mostra qual a compreensão de simplicidade apontada nesta delimitação metodológica: “o simples é o mais difícil, pois exige de nós uma conversão no olhar: exige que descubramos, na pobreza daquilo que desprezamos, uma fonte inesgotável de riqueza” (FERNANDES, 2010, p. 29). A via fenomenológica permitirá a este projeto de pesquisa ver essa riqueza presente no arcabouço conceitual redigido por Heidegger. Além disso, a noção de hermenêutica garante a possibilidade de interpretação e compreensão do próprio texto, além de permitir a proximidade com o mesmo, conforme indica Figal: “nós só estamos junto à coisa mesma, quando interpretamos” (FIGAL, 2007, p. 82). A via hermenêutica permitirá colocar a experiência novamente em sua dimensão primeira: a dimensão experiencial, onde se dá a significação. A diferença anotada acima – intepretação e compreensão – está justificada de acordo com o apontamento de Richard Palmer em sua obra Hermenêutica: […] para lermos algo torna-se necessário compreender previamente o que vai ser dito e, porém, esta compreensão deverá vir da leitura. O que aqui começa a emergir é um complexo processo dialéctico implicado em toda a compreensão, na medida em que torna uma frase significativa e, de certo modo, numa orientação oposta, lhe fornece o alvo e o relevo. Só estes conseguirão tornar a palavra escrita significativa. Assim, a interpretação oral tem duas vertentes: é necessário compreender algo para podermos exprimir e, no entanto, a própria compreensão vem a partir de uma leitura-expressão interpretativa (PALMER, 2006, p. 27).

Isso mostra que a compreensão textual é necessária para que haja a interpretação do próprio texto. Leva-se esse ponto em consideração a partir do momento em que se tem no horizonte da pesquisa a escrita de um texto. De fato, o método fenomenológico-hermenêutico é compreensivo, tornando-se efetivo na redação do texto, onde a interpretação é apresentada. Há de se perceber ainda o seguinte: os três principais momentos da pesquisa têm em comum a conferência Fenomenologia e teologia. Na verdade, ela é, como já apresentado anteriormente, o eixo central dessa pesquisa. No entanto, cada momento apresenta necessidades específicas, de modo a lidar com conjuntos de textos diferentes. Por isso, divide-se, metodologicamente, os principais textos a serem utilizados de acordo com os momentos da própria pesquisa, apresentando-os de maneira cronológica: 1) Introdução à pesquisa fenomenológica (1923-1924), Ser e tempo (1927); 2) História da filosofia, de Tomás de Aquino a Kant (1926-1927), Introdução à filosofia (1928-1929); 3) Fenomenologia da vida religiosa

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(1920-1921), Interpretações fenomenológicas sobre Aristóteles: introdução à pesquisa fenomenológica (1921-1922), Ontologia (hermenêutica da facticidade) (1923), Ser e tempo (1927). Destacam-se ainda dois pontos metodológicos: lida-se com trechos específicos dessas obras, conforme indicado na delimitação teórica, e soma-se ao terceiro momento a obra Confissões de Agostinho de Hipona por ser de crucial importância para o desenvolvimento desta parte da pesquisa.

Justificativa A pesquisa se insere em Ciência da Religião por lidar com duas abordagens próprias dessa área, que se caracteriza por sua pluralidade: a filosofia e a teologia. Deve-se alertar, no entanto, para o seguinte: compreende-se a filosofia como sendo a própria fenomenologia, logo, a possibilidade de diálogo ainda é mantida. Além disso, o fenômeno religioso, aqui abordado pela perspectiva filosófica, não se limita somente à abordagem filosófica, dada a possibilidade de diálogo com a própria teologia, também capaz de compreender o fenômeno religioso. Notase, então, o seguinte: a afirmação da cientificidade e positividade da teologia, bem como da própria fenomenologia garante a possibilidade de diálogo entre duas ciências, sendo que ambas podem compreender o fenômeno religioso a partir da realidade e tarefa que lhes é própria. A ideia de parceria e diálogo entre ambas as ciências aqui apontadas garante a possibilidade de desenvolver um trabalho com o recorte apresentado num Programa de Pósgraduação em Ciências da Religião. E mais: “quem quiser tirar a religião de um projeto tão abrangente como a Filosofia vai descobrir que uma grande parte do ser humano, do mundo e da experiência em geral vai sumir junto” (PAINE, 2013, p. 111). A indicação de Paine justifica essa abordagem filosófica pretendida por este projeto de pesquisa, pois a filosofia – compreendida como sendo a própria fenomenologia – traz consigo o movimento compreensivo da existência, significando-a a partir de suas vivências. Justifica-se também a escolha metodológica a partir de um apontamento de Greschat: “o objetivo da visão fenomenológica não é nenhuma impressão ou fenômeno, em sua variabilidade, mas sim algo essencial” (GRESCHAT, 2005, p. 146). Dessa maneira, busca-se, no interior do pensamento de Heidegger, o fundamento à fenomenologia e à teologia, colocando-as numa relação de parceria entre ambas.

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Contribuição específica à área Por se tratar de uma pesquisa de cunho bibliográfico, a principal contribuição desta pesquisa para a área de Ciência da Religião também é bibliográfica, isto é, ela se insere numa dimensão epistemológica. Tal contribuição visa clarificar a relação entre filosofia e teologia no pensamento de um filósofo contemporâneo, Martin Heidegger, investigado por diferentes áreas do conhecimento. Além disso, há uma contribuição específica: manter a pluralidade da área, pois o tema se insere na área de concentração de Filosofia da Religião, dialogando com a grande área de Ciência da Religião. Essa contribuição poderá ser visualizada, sobretudo, a partir da redação da tese doutoral, bem como pela possível publicação de artigos em revistas qualificadas e indexadas, pela produção de capítulos de livros condizentes com a área, elaboração de resenhas de livros, cujo tema esteja associado a esta pesquisa, e pela participação em eventos específicos da área, nos quais os resultados parciais desta pesquisa poderão ser apresentados.

Cronograma O primeiro elemento a ser considerado nesse tópico do projeto é a duração pesquisa em si, isto é, oito semestres, 48 meses. Dessa forma, se divide a pesquisa em quatro quadros que apresentam as tarefas a serem realizadas de acordo com os objetivos e metodologia propostos. Quadro 1 – Ano de 2017 01

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Fev.

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Mar.

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Abr.

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Maio

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Ago.

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Set.

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Out.

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Nov.

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Dez.

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01: Revisão da Literatura; 02: Consolidação do projeto de pesquisa; 03: Coleta de material teórico; 04: Redação final do projeto de pesquisa; 05: Fichamento das principais obras para o primeiro momento da pesquisa; 06: Realização disciplinas obrigatórias do doutorado; 07:

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Participação no Congresso da SOTER; 08: Elaboração e desenvolvimento do primeiro momento da tese; 09: Orientação. Quadro 2 – Ano de 2018 01

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Jan. Fev.

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Mar.

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Maio Jun.

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Nov.

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Dez.

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01: Elaboração e desenvolvimento do primeiro momento da tese; 02: Revisão de conteúdo do material escrito acerca do primeiro momento; 03: Fichamento das principais obras para o segundo momento da pesquisa; 04: Elaboração e desenvolvimento de parte do segundo momento da pesquisa; 05: Exame de qualificação da pesquisa; 06: Revisão do material entregue para a qualificação tendo em vista as contribuições da banca; 07: Participação do Congresso da SOTER; 08: Orientação. Quadro 3 – Ano de 2019 01

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Jan. Fev.

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Mar.

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Maio

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Jul.

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Ago. Set.

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Out.

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Dez.

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01: Revisão do material entregue para a qualificação tendo em vista as contribuições da banca; 02: Conclusão da redação do segundo momento da pesquisa; 03: Revisão de conteúdo do material escrito acerca do segundo momento; 04: Fichamento das principais obras para o terceiro momento da pesquisa; 05: Elaboração e desenvolvimento de parte do terceiro momento; Revisão de conteúdo do segundo momento da tese; 06: Participação do Congresso da SOTER; 07: Orientação. Quadro 4 – Ano de 2020 01

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Jan. Fev.

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Ago.

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Out.

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Dez.

01: Conclusão da redação do terceiro momento da pesquisa; 02: Revisão de conteúdo do material escrito acerca do terceiro momento; 03: Revisão de conteúdo de todo o material escrito; 04: Revisão ortográfica de todo o material escrito; 05: Defesa da tese doutoral; 06: Participação do Congresso da SOTER; 07: Orientação.

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