PROJETO DIVERSIDADE ÉTNICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O OLHAR, O COMER E O BRINCAR

June 7, 2017 | Autor: Nayara Lopes | Categoria: Education, Hystory
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PROJETO DIVERSIDADE ÉTNICA E  FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O OLHAR, O  COMER E O BRINCAR   Professora Ma. Bárbara Giese  Daniele Policarpi de Souza  Kerollainy Rosa Schütz  Maria Luiza Galle Lopedote  Nayara Lopes    Pensar  em  educação  escolar  e  diversidade  implica  analisar  um  pouco  a  relação  entre  ambas  na  nossa  história.  Para  um  começo  de  conversa,  vale  dar  uma  olhada  em  uma  imagem  produzida  no  final  do  século  19,  do  pintor  John Gast. Famosa por representar a crença de alguns  estadunidenses  como  sendo  os  escolhidos  para  ocupar  e  civilizar  o  continente  americano,  esta  pintura pode ser especialmente interessante para refletirmos  acerca da educação.  

Manifest  Destiny:   “American  Progress”  print,  1873.  Photograph.  Britannica  Online  for  Kids.  Web.  5  Oct. 2015.  . 

Podemos  começar  a discussão pelo título da imagem que significa, traduzido,  “Progresso  Americano”.  O  primeiro  termo,  a  ideia  de  “progresso”  é  aqui   entendida  como  desenvolvimento  Texto  produzido  como   relatório  anual  do  projeto  de  extensão  homônimo  coordenado  pela  Profa.  Ma.  Bárbara  Giese,  vinculado  ao   N​ úcleo  de  Estudos  Afro­Brasileiros  da  Universidade  do  Estado  de   Santa  Catarina  ­  NEAB/UDESC,  no qual  atuaram  ​ como  bolsistas  voluntárias as  acadêmicas  Daniele Policarpi de Souza, Kerollainy  Rosa  Schütz  e  Nayara  Lopes,  e  a  professora  de história  de  ensino  fundamental  Maria  Luiza  Galle  Lopedote. Não  publicado. Dezembro/2015.  (Para  maiores  informações,  contatar  por  email: ​ [email protected]​ . O projeto  seguirá no ano de 2016.) 

 

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industrial.  No  século 19 o ideal iluminista ­ que acredita haver uma só forma de chegar à verdade  absoluta,  através  da  razão  ­  impõe­se  com  a  concepção  de  “modernidade”,  ligada  ao   progresso/desenvolvimento  industrial  e   à  racionalidade.  Os  europeus  e  seus  descendentes  eram  os  detentores  da  razão  e  os  escolhidos  para  levar  a  modernidade  e  a  civilização  ao  mundo.  O  termo  “americano”  traz  a  ideia  de que “americanos” são apenas aqueles que  são descendentes de  europeus  e  transformaram  os  Estados  Unidos  da  América  ­  apenas  eles  foram  guiados  pelo  “progresso” europeu, e é seu dever estender a civilização a todo o continente1.  Observando  atentamente  a  pintura, vemos uma mulher branca e loira flutuando ao centro,  dividindo  a  imagem  entre  uma   parte  iluminada  e  outra  sombria.  A  mulher  e  as  personagens  –  pessoas,  animais,  veículos,  dirigem­se  à  parte  esquerda  da  imagem,  pouco  iluminada.  Dentre  essas  personagens  que  caminham  com  segurança  levando  luz  à   sombra,  vemos  colonizadores  brancos  com  seus  artefatos  e  tecnologia,  uns  arando  o  solo  de  um  terreno  já   desmatado  e  cercado;  vemos carros de boi, carroças e locomotivas a todo vapor rumo ao oeste; vemos grandes  embarcações  e  uma  imponente  ponte  pênsil ao fundo. Nessa parte “iluminada” da imagem, estão  presentes  elementos  do  ideal  de  progresso  como  desenvolvimento  industrial.  Enquanto  com  segurança  caminham,  há  personagens  em fuga, que olham para trás  ao mesmo tempo em que são  impelidos  a  correr  para  fora  da  imagem:  indígenas  e  animais  “selvagens”.  Aqui  estão  presentes  os  “não­civilizados”,  a  quem  deve  ser  imposta  a  “modernidade”.  A  mulher  branca  e  loira  que  guia o caminho tem em seus braços um livro que leva em inglês o título de Livro Escolar.   Para  além  das  ideias  de  progresso  e  de  modernidade  já  discutidas,  a  presença  central  do  manual  escolar  no  quadro  permite  a  análise  de  alguns  pressupostos  da  nossa  educação  escolar.  Qual  o  papel  da  escola  e  da  escolarização  nesse processo de dominação da colonização europeia  sobre  os  demais  seres  humanos  dos  continentes  ocupados  mundo  a  fora?  Quais  são  os  seus  elementos  na  nossa  estrutura   escolar  dos  dias  de  hoje?  Nesta  forma  de entender a escolarização,  existe espaço para pensar a diversidade? 

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  Você  já  reparou, por  exemplo, como o termo “americano” se  refere apenas aos habitantes de um país do continente  América,  os  Estados  Unidos,  e  dentre  seus  habitantes  apenas àqueles brancos? Para todos os  não­brancos há termos   como latinoamericanos, afroamericanos, sinoamericanos etc. 

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Sinos  e  relógios  de  fábrica,  organização  de  a­lumnos  (seres  sem  luz),  em  carteiras  enfileiradas,  olhos  dirigidos  ao  quadro  negro  e  ao  pro­fessor, (aquele que professa algo, que fala  à  frente);  crianças  e  jovens  silenciados,  rígidos,  uniformizados,  individualizados.  Saberes  valorados  e  selecionados  por  europeus  e  descendentes,  visando  incutir  nos  estudantes formas  de  pensar,  agir  e  ser  que  não  lhes  eram  próprias.  Ao  mesmo  tempo,  uma  educação  escolar  que  prepara  para  o  trabalho  –  mas  não  qualquer  trabalho,  prepara  para  o  trabalho  na  fábrica,  o  trabalho moderno (FARIA FILHO et al., 2015).   A  ambivalência da instituição escolar como aquela que traz luz aos sujeitos, mas não ​ toda  a  luz,  pode  ser  entendida  como  uma  das  permanências  de  concepções  do  século  19  nos  dias  de  hoje.  A  estruturação  do  ensino  público  brasileiro  pouco  difere  da  descrição  anteriormente  feita.  A  seleção  dos  conteúdos  é,  muitas   vezes,  ditada  pelos  livros  didáticos,  respeitando  apenas  tangencialmente  os  parâmetros  curriculares  e  a  legislação  que  impõe  hoje  um  trabalho  com  a  diversidade e a valorização das diversas matrizes culturais brasileiras.      Como  introduzir  a  diversidade  se  os  parâmetros  da  modernidade  ainda  não  foram  rompidos?  Como  ​ tratar  dessas  histórias   e  culturas  no  âmbito  escolar?  Ampliando  a  discussão  sobre  a  implicação  da  obrigatoriedade  do  ensino  sobre  essas  temáticas,  como  incluir  a  diversidade  e  a  diferença  no  espectro  da  educação  escolar?  Uma  primeira  saída,  que  já  vem  sendo  de alguma maneira adotada, é a inclusão dessas novas temáticas em  alguns livros didáticos  e  programas  escolares.  Mas  é  preciso  mais.  Faz­se  necessário  haver  uma  transformação  da  própria  noção  de   ensino  e aprendizagem, da estrutura da escola, das relações entre pro­fessores e  a­lumnos.   Propomos  aqui  estratégias  para   começar  essa  revolução... Que tal partir da desconstrução  do olhar – do meu, do seu, do nosso – sobre o outro, sobre o território, sobre o mundo, para então  passar  a  perceber  também  a  nossa  própria  alimentação  como  fonte  de  aprendizagem  e  diversidade, e depois valorizar o brincar e brincar, brincar até cansar? Vamos lá?!  Nesse  artigo,  em  tom  de  conversa  e  com  muita  motivação,  vamos  priorizar   a  discussão  sobre  nossos  pontos  de  vista  sobre  a  educação  e  as  potencialidades  de se trabalhar a diversidade  para  a  transformação  da  escola e de toda a comunidade escolar. Os eixos são: o olhar, o comer, o 

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brincar.  Queremos  instigar  você,  leitor/a, a novas práticas pedagógicas que abram caminhos para  a  diversidade.  Ao  final  das  discussões,  contaremos  brevemente  estratégias   que  utilizamos  para  tratar  desses assuntos com os grupos de formação de professores dos municípios de Vidal Ramos  e  São  José,  no  Estado  de  Santa  Catarina,  durante  os  três  encontros  que  tivemos  com  cada  um  durante o ano de 2015.     1. O olhar  Como  você  observa  o  mundo  a  sua  volta?  Como  professor/a?  Como  aluna/o?  Como  desbravador/a?  Como  criança?  Como  adulta/o?  Como  mulher?  Como  homem?  Será  que olhar o  mundo  a  partir  de  uma  só  lente  ­  a  nossa  ­  não  limita  as  possibilidades  de  sentimentos  e  percepções?  A  partir  dos  diversos  modos  de  olhar  construímos  “nosso”  próprio  universo,  que  repercutirá  no  modo  como  nos   relacionamos  com  as  outras  pessoas.  Sempre  que  olhamos  para  alguém  ou  encaramos   uma  situação,  já  estamos  criando  um  cenário  a  partir  de  nossas  próprias  interpretações: é um ato natural, mas sobre o qual devemos tomar consciência!   Para  começarmos  a  pensar  no  assunto,  vale  ler  o  que  a  artista  brasileira  Fayga  Ostower  escreveu:  “O  ser  humano  é  por  natureza um ser criativo. No ato de perceber, ele tenta interpretar  e,  nesse  interpretar  ,  já  começa  a  criar.  Não existe um momento de compreensão que não seja ao  mesmo  tempo  criação”  (1988,  p.  167).  É por isso que treinar nosso olhar para que não estejamos  à  parte  de  outras  realidades  faz  toda  a  diferença....  Principalmente  quando  estamos  falando  de  educação   escolar  e  das  relações  que  professoras/es  e  alunas/os  mantém  entre  si!  Admitir  que  existem  diferentes  olhares  e  realidades é fundamental para instituir relações empáticas no espaço  escolar.   E  mais!  Ampliar  nosso  olhar  e  perspectiva  sobre  o  mundo  vai  para  além  de  transformar  nossas  relações  cotidianas…  Trata­se  também  de  uma  transformação  do  olhar  para  que  nos  voltemos  para  o  outro,  percebamos  e  valoremos  a  diversidade  e  a  diferença.  Entre  o  final  do  século  20  e  início  do  século  21  foram  elaboradas  leis  e  diretrizes  que  trouxeram  ao  debate  a  necessidade  de   se  educar  pensando  nas  diversidades  culturais.  Foram  formulados  em  1996  os 

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Parâmetros  Curriculares  Nacionais  (PCNs)  que  trazem  nos  Temas  Transversais  problemáticas  pertinentes para o ensino,  tratando da valorização de aspectos sociais, econômicos e culturais que  cada  região  tem.  Posteriormente,  na  primeira  década  dos  anos  2000,  entraram  em  vigor  as  leis  10.639/2003  e  11.645/2008,  que  tornaram  obrigatório  o  ensino  de  culturas e histórias indígenas,  africanas  e  afrobrasileiras.  Fruto  de  largas  lutas  e  reivindicações  sociais,  finalmente  ­  nessa  passagem  para  o  século  21  ­  passou  a  ser  contemplada  no  espaço  escolar  a  diversidade  étnica  e  racial:  agora   vozes  e  olhares  da  maioria  da  população  brasileira  passaram  a  fazer  parte  dos  “Livros  Escolares”  e  de  práticas  pedagógicas.  Um  importante  rompimento  com  uma  característica  essencial  da  educação  escolar  do  século  19  ­  a  valoração  apenas  de  trajetórias,  culturas  e  modos  de  ver  o  mundo  europeus  ­  que  implicam o repensar práticas e perspectivas do  olhar no âmbito escolar.  Frente  a  essas  novas  e  tão  importantes  demandas,  o  quê  fazer?   Por  onde  começar?  Pensamos  que  uma  importante  estratégia  a  ser  adotada  na  escola  é  a  ​ desnaturalização  do  olhar.  Mas,  como  assim?  Olhar  não  é  uma  ação natural, algo que a maioria dos seres humanos já nasce  sabendo  fazê­lo?  Sim  e  não.  O  modo  como  observamos  o  mundo  ao  nosso  redor  é  comumente  permeado apenas por nossas próprias subjetividades ­ pela cultura a qual pertencemos, por papéis  e  identificações  que  assumimos  na  sociedade,  por  nossa  classe,  gênero, etnia, raça etc. São estes  olhares que determinam a forma de nos relacionarmos com o meio.  Acontece que esses “olhares”  e  as  relações  que  deles  acarretam  nada  tem  de  individuais…  O  que  pensamos,  a  forma  como  agimos,  como  nos  expressamos  são  ações  dadas  a  partir  de  linguagens  e  práticas  culturais  de  nosso  grupo  e  sociedade.  Ora,  não  é  verdade  que,  quando  viajamos,  percebemos  que  algumas  expressões que são para nós  tão comuns, são sequer entendidas em outra cidade? Todas as nossas  ações  e  perspectivas são reflexos da realidade “construída” ao nosso entorno e, ao mesmo tempo,  refletem  na  realidade  que  “construímos”.  É  por  isso  que  muito  embora  compreendamos  o  “mundo” apenas de maneira individual, o “mundo” é uma elaboração coletiva.   É  aí  que  entra  a   novidade:  ​ desnaturalizar  o olhar significa entender que existem diversos  olhares  frente   ao  mundo! O que tomamos como “real” não é constituído apenas individualmente, 

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mas  decorre  de  símbolos  e  significados  que  encontramos  no  meio  em  que  estamos  inseridos.  Mas, afinal, o que isso tem a ver com o ensino escolar?   O/a  professor/a  deve  estar  consciente  de  que  a  aprendizagem  só  pode  se  dar  a  partir  dessas  perspectivas  particulares, de cada criança e adolescente, em relação com a sua perspectiva  enquanto  professor/a.  Ao  dialogar  com  as  experiências  de  seus  alunos  e  alunas,  com  seus  cotidianos  e  os  elementos  que  os  compõem,  o/a  educador/a  deve  buscar  uma  aproximação  e  ampliação  de  perspectivas  de  todos  os  envolvidos  na  situação  de  aprendizagem.  Assim,  pode  se  constituir  uma  relação  com  menos  preconceitos  e  estereótipos,  onde  novas  possibilidades  se  abrem  e  a  realidade  começa  a  ter  diversas  cores,  a  ser  mais  colorida! É importante que tanto o/a  educador/a  quanto  a/o  aluna/o  entendam  que  seu  olhar  é  apenas   mais  uma  maneira  de  ver  o  mundo,  e  que,  além  disso,  sua  percepção  sobre  as  coisas  não  é  algo  evidente  ou  inconstestável,  mas uma construção.   Para  tomarmos  como  exemplo,  vamos  ler  um  pouquinho  sobre  a  perspectiva  que  o  personagem indígena Kabá Darebu tem sobre o mundo:   Nossos  pais  nos  ensinam  a  fazer  silêncio  para  ouvir  os  sons  da natureza; nos ensinam a  olhar,  conversar   e  ouvir   o  que  o  rio  tem  para  nos  contar;  nos  ensinam  a  olhar os  voos  dos   pássaros  para  ouvir  notícias  do   céu;  nos  ensinam  a   contemplar   a  noite,  a  lua,  as  estrelas (...) (MUNDURUKU, 2002, s/p). 

Kabá  é personagem de uma obra escrita pelo pensador indígena Daniel Munduruku. Ele é  um  menino  indígena  que  conta  sobre  seu  povo,  seu  conhecimento  e  sabedoria,  e  como  se  transmite  e  desenvolve  o  conhecimento,  como  se  aprende.  A  sua  visão  particular  nos conta que,  para  muitos  povos  indígenas,  aprender,  viver  e  conhecer não são coisas dissociadas do cotidiano  e da realidade. Ao contrário, caminham o tempo todo lado a lado.   Este  olhar  é  bem  diferente  de  um/a  menino/a  que  mora  na  periferia de ​ Florianópolis, por  exemplo.  Ele  ainda  escuta  o  som  do  pássaro,  mas  não  o  entende  como  mensageiro  do  ceú.  São  modos  distintos  de  enxergar  ou  atribuir  sentidos   a  um  mesmo  animal.  Se  uma  turma  de  ensino  fundamental  fosse  estudar  o  modo   como  as  crianças  indígenas  Munduruku  aprendem,  seria  importante  entender,  antes  de  tudo,  que  o  olhar  da  própria  comunidade  em  relação  ao  meio 

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ambiente  se  dá de forma diferenciada. Aprender com os pássaros não é um costume “exótico” ou  “estranho”, é somente outra forma de perceber o mundo a sua volta.  É  importante  que  o/a  educador/a  conheça  de  onde  vem  seus  estudantes,  o  que  eles vêem  no  caminho  para  a  escola,  como  é  o  seu  cotidiano  fora  da  escola,  que  perspectivas  têm  sobre  o  mundo.  Ao  enxergar  a  diversidade  e,  assim,  se  aproximar  da  complexidade  da  sociedade  brasileira,  o/a  professor/a  conseguirá  trocar  “a  lente  dos  seus  óculos”,  tomar  consciência  de  outras  perspectivas  e  ampliar  o  seu  olhar.  Ao  mesmo  tempo,  deve  buscar  essa  mesma  desnaturalização  do  olhar  dos  estudantes,  ampliando   as  noções  de  mundo  de  suas/seus  alunos  para a diversidade.    2. O comer  Quem  não  gosta  de batata frita? Ou você gosta de batata doce assada? Ou dos dois? Você  sabia,  por  exemplo,  que  existem  mais  de  quatro  mil  espécies  de  batatas  e  que  elas  são  classificadas como tubérculos?  E que ela é um dos alimentos que mais se consomem na América  do Norte e do Sul? Mas, e a batata inglesa? Aquela amarelinha, que normalmente utilizamos para  ensopados,  para  fritar,  colocamos  na  sopa  ou  ainda  no  feijão  quando  ele  está  salgado  demais,  será que ela realmente vem da Inglaterra?   Antes  que  você  tenha  fome  e  abandone  a  nossa  discussão,  vamos  falar  de  comida  e  do  comer.  Eles  têm   mais  a  ver  com  a  diversidade  étnica  do  que podemos imaginar! Esperamos que  essa  viagem  pelos  alimentos,  receitas  e  histórias  alimentem  a  sua  criatividade  para  repensar  a  sala  de  aula…  Para  começar,  vamos  ler  o  que  o  professor  de  História do Brasil da  Universidade  Federal do Paraná  ­ UFPR, Carlos Roberto Antunes dos Santos, coloca sobre o assunto:  O  alimento  constitui  uma  categoria  histórica,  pois  os  padrões  de  permanência  e  mudanças  dos  hábitos  e  práticas alimentares têm referências  na própria  dinâmica social.  Os  alimentos  não  são somente  alimentos.  Alimentar  é  um  ato  nutricional,  comer  é  um  ato  social,  pois  constitui  atitudes  ligadas  aos  usos,  costumes,  protocolos,  condutas  e  situações.  Nenhum  alimento  que  entra em  nossas bocas  é  neutro.  (...)  Neste  sentido,  o  que  se  come  é  tão  importante  quanto  quando se  come,  onde  se  come,  como  se  come e  com quem se come. (SANTOS, 2005, p. 12­13) 

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Nossas  receitas  são   compostas  de  diferentes  ingredientes  e  temperos,  que  apresentam  as  mais  variadas  cores,  sabores,  formas  e  tamanhos.  Nossos  pratos,  além  de  terem  muitos  ingredientes,  são  diversificados  em  nutrientes.  Muitos  dos  ingredientes  que  utilizamos  no  preparo  de  nossas  refeições  apresentam  vitaminas,  sais  minerais,  carboidratos  e  proteínas  necessários  ao  nosso  corpo.  O  comer  nutre  o  corpo!  E  mais,  se  olharmos  por  uma  outra  lente,  nossos  alimentos  são,  além  de  tudo,  ricos  em   histórias,  memórias,  culturas  enfim.  Por  quê  não  saboreá­las também?  Vamos  a  exemplos  que  podem  ajudar  a  ampliar  o  nosso  olhar  acerca   da  nossa  alimentação.  Você  já  comeu  farofa  de  banana?  Ela  é  basicamente  a  junção  de  farinha  de  mandioca  com  a  banana.  A  mandioca,  castelinha,  aipim  ou  a  macaxeira  é  um  importante  ingrediente  da  alimentação  dos  povos  indígenas  do  Brasil,  cultivada  e  utilizada  para  diferentes  finalidades  e  em  várias  receitas.  Ela  era  um  ingrediente  essencial  na  alimentação  e  (e  ainda  é!)  utilizada  basicamente  de  duas  formas:  a  primeira  como  beiju,  feita  com  a  fécula  da  mandioca,  que  acompanhava  carnes,  frutas  e  leguminosos.  A  segunda  como bebida,  o  ​ caium, oferecido aos  indígenas  que  iriam  caçar  ou  guerrear  ­  acreditava­se  que  ela  poderia  conceder  força,  garra  e  valentia.  Hoje  em  dia  a  mandioca  ainda  é  consumida  de  vários  modos,  seja  frita,  cozida,  no  escondidinho  de  carne  seca,  em  forma  de  tapioca  ou  no  bolo  mané  pelado.  Mas  se  a  mandioca  veio  dos  povos  indígenas,  de  onde  veio  a  banana  da  farofa?  O  hábito  de   comer  banana  como  fruta  teria  chegado  ao  Brasil  junto  com  os  africanos.  Não  se  sabe  com   exatidão  qual  a  sua  origem,  já  que  haviam  inúmeras  trocas  comerciais  entre  o  sudoeste  asiático  e  o  continente  africano  e   ao  longo  do  Mediterrâneo.  As  populações  de  africanos  escravizados  e  afrodescendentes  no  Brasil  foram  importantíssimas  para  o  uso  da  banana  como  fruta  e  sua  adaptação  em   receitas,  juntando  assim  na  farofa  de  banana  o  mundo  indígena  com  hábitos  africanos.   Vamos  para  mais  um  exemplo...  O  nosso  famoso  “pão  de  cada  dia”!  O  hábito  de  comer  pão  é  europeu,  mas,   ao  chegarem  no  Brasil,  os  europeus  não  encontram  os  ingredientes  que  estavam  habituados  a  utilizar  para  fazê­lo.  Então,  para  substituir   o   trigo  que  não  se  adaptou  de  imediato  ao  Brasil,  vieram  o  milho,  a  mandioca  e  até  o  cará.  Estes   pães,  muitas  vezes,  eram 

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combinados  com  receitas  preparadas  pelos  africanos  escravizados,  que  por  sua  vez  também  adaptaram aqui suas próprias receitas tradicionais.   Se  olharmos  atentamente  para  nossas  refeições  diárias,  podemos  perceber  a  diversidade  que há em nossa alimentação! Os alimentos carregam em si histórias de tantos lugares... Do lugar  de  onde  vieram  aqueles  que  os  preparam,  do  que  foi  feito  a  partir  das  possibilidades  de  ingredientes  em  cada  localidade,  do  ambiente  próprio  do  preparo  desses  alimentos.  Os  lugares  onde  são  preparadas  as  refeições,  quando  observados  mais  atentamente,  também  nos  revelam  aspectos  e  particularidades  do  comer  que  se  modificaram  ao  longo  do  tempo  e  através  das  relações  sociais.  Para  Santos,  ​ a  própria cozinha é um microcosmo ou uma imagem da sociedade,  e  nela  estão  presentes  ​ “investimentos  afetivos,  simbólicos,  estéticos  e  econômicos.  Em  seu  interior,  [...]  a  distribuição  das  atividades  [...]  traduzem  uma  relação  de  mundo,  um  espaço  rico  em  relações  sociais”  (2005,  p.21).  E  mais, há tantos modos de cozinhar e cozinhas  diferentes, no  tempo  e  no espaço, que conhecê­las pode ser também um passo para desnaturalizar o nosso olhar  e abri­lo para a diversidade.   A  nossa  alimentação  é   resultado  das  relações  sociais  estabelecidas  nas  diversas  épocas  históricas  e  inclui  contribuições  de  muitos  povos  e  heranças  étnicas.  Ingredientes   indígenas  foram  ressignificados  através  de  hábitos  culinários  africanos  e  europeus.  E  “vices­versas”  infinitos.  Pensamos  que partir da alimentação pode ser um certeiro passo para a abertura do olhar  para  a  diversidade  no  âmbito  escolar.  Por  que  não  pesquisar  a  origem  dos  alimentos?  Que  histórias  estão  por  trás  de  receitas?  Como  são  os  momentos de sociabilidades que se dão a partir  do  alimento?  Que  gosto,  textura,  cor  tem  essas  comidas  e  culturas?  Pensar  o  comer,  algo  tão  fortuito  e  cotidiano, pode nos aproximar de uma aprendizagem mais criativa, interativa, reflexiva  e  mesmo  saborosa!  A  diversidade  vem  não  só  para  colorir  “nosso”  mundo,  mas  também  para  torná­lo mais saboroso! Por isso propomos: vamos para cozinha!?      ​ 3. O brincar  Pensamos  ser  a  valoração  do  brincar  no  espaço  escolar  também  um  caminho  para  as  transformações  que  almejamos  na  nossa  educação  escolar  ­  a  abertura  para  a  diversidade.  Isso 

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porque  o  brincar  tem  a  rara  característica  de  ser  universal,  independente  de  etnia,  classe,  nacionalidade,  grupo  social:  todas  as  crianças  do  mundo  brincam!  O  brincar   e  as  brincadeiras  podem  ser  encontrados   nas  pequenas  e  pequenos  dos  mais  diversos  lugares  e  tempos!  Mas... o  que  será  o  brincar para as crianças? Se todas as crianças brincam, o fazem da mesma maneira? O  que  a  brincadeira  pode  ter  a  ver  com  educação  de  maneira  geral  e  com  o  ambiente  escolar  em  particular?  Refletindo  um  pouco  sobre  o  ato  de  brincar,  um  primeiro  aspecto  que  gostaríamos  de  destacar  é   o   de  que  é  através  da  brincadeira  que  as  crianças  se  apropriam  dos  mundos  que  as  entornam  ­ o natural, o social,  o  cultural, o religioso etc.­, do mundo adulto enfim. E o fazem não  de  qualquer  maneira,  mas  de  um  modo  específico  da  infância,  com  uma  transposição  desses  mundos  para  o  universo  infantil.  Como assim? Por exemplo: quem  nunca viu crianças brincarem  dos  próprios  papéis sociais e práticas que percebem a sua volta, como brincar de  ser “mamãe” ou  “papai”,  brincar  de  cozinhar  e  limpar,  brincar   de  caçar  e  construir  coisas,  casas,  carrinhos…?  Através  da  brincadeira  e  do  brinquedo,  as  crianças  demonstram  que  estão  (e  como  estão)  percebendo  a  realidade  a  sua  volta, interpretando­a, compreendendo­a e criando­a a partir do seu  olhar  particular  infantil.  O  brincar  é  um  momento  em  que  a  criança  conhece  e  reconhece   o   espaço, a si e aos outros.  É  também nesse período da vida,  na infância, que os seres humanos pequeninos começam  a  desenvolver  algo  que  será  primordial  para toda a sua vida: a imaginação. A riqueza do advento  da  imaginação  é  tamanha,  que,  se  fomentada,  dela  podem  se  desenvolver  importantes  habilidades,  como  a   autonomia  e  a  criatividade,  tão  essenciais  para  a  vida  adulta  posterior.  E  sobre  esses  e  tantos  outros  aspectos,  concordam  pensadores  sobre  educação  de  dois  lugares  e  tempos  muito  distintos.  Para  um  deles,  russo  que  viveu até meados  do  século 20, Vygostsky: “A  criação  de  uma  situação  imaginária  não  é  algo  fortuito  na   vida  da  criança,  pelo  contrário,  é  a  primeira  manifestação da emancipação da criança em relação às restrições situacionais” (1998, p.  130).  Ou  seja,  no  brincar,  a  criança  percebe  o  “real”,  mas  dele  se  desprende  e  imagina   novas  funções para certos objetos, inventa e personifica personagens, cria e recria a realidade.  

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Outro  pensador  importante  sobre  o  brincar  é  o  indígena  brasileiro  Daniel  Munduruku,  nosso  contemporâneo,  que  na  sua  concepção de educação traz que todos os ambientes devem ser  considerados  espaços  e  momentos  educacionais.  Por  ser  fundamental  para  a  formação  do  ser  humano,  a  educação  deve  se  dar  em  todos  os  momentos,  uma  vez que a criança deve aprender a  conviver  com  as  pessoas  e  com  o  ambiente  de  uma  forma  integrada,  sentindo­se  parte  dele  (Munduruku,  2012).  Em  uma  comunidade  indígena,  traz  Munduruku  como  exemplo,  não  há  necessidade  de   um  “material  didático”  específico:  há   uma  enorme  riqueza  de  materiais  já dados  pela  natureza,  pelos  familiares,  pela  comunidade  etc.  e  a  criança  deve  aprender  (e  aprende)  a  partir daquilo que vê, experimenta e explora com seus sentidos e ações ­ suas brincadeiras.   Pensadores  de  momentos  e  lugares tão distintos parecem concordar com o fato do brincar  ser  fundamental  e,  principalmente,  fundante  da  criança  e  do  ser  humano:  é  a  partir  das  brincadeiras  que  ela  vai  se  desenvolver,  se  educar  e  aprender  a  estar  no  mundo.  Isso  se  dá  porque,  conforme  um  argumento  de  Vygostsky,  é  na  brincadeira  que  a   criança  começa  a  exercitar  o  viver  sob  certas  regras  e não viver apenas a partir de suas próprias vontades e desejos  (1998,  9.  131).  Ora,  não é verdade que quando vemos crianças brincando, podemos perceber que  estão  agindo  sob  certos  combinados,  que  desempenham  certos  papeis  que  acordaram  entre  si?  Estão aí as primeiras regras dos jogos, por elas mesmas inventadas!   Por  outro  lado,  são  conhecidos  por  nós,  também,  os  momentos  de  desentendimentos  e  frustrações  que  tem  lugar  nessas  situações  infantis.  E  justamente  aí  reside   um  outro  elemento  essencial  do  brincar:   não  só aprendem regras e abdicar de desejos, como também são exercitadas  no  mundo  do  brinquedo  todas  as  emoções humanas! Tristeza, alegria, medo, repulsa, raiva… As  emoções  regem  a  nossa  vida,  e  conhecê­las  é  um  aprendizado  essencial.  A  brincadeira  é  um  brincar  também  de  experimentar  as  mais  diversas  emoções,  a  elas  se  confrontar  e  com  elas  aprender  a  lidar.  Daí  coloca  Munduruku  que  a  “criança  que  não  brinca  não  cresce   equilibrada.  Naquele  momento  ela  tá  educando  o  corpo  dela,  ela  tá   educando  a  sua  mente,  treinando  a  sua  capacidade de educação [...] [e desenvolvendo] a sua afetividade” (2012).  Agora, cabe pensarmos um pouquinho sobre quais tipos de brincadeiras estamos falando ­  ou  melhor,  de  quais  não  estamos  falando.  Quem  nunca  presenciou  uma  situação  como  essa:  a 

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criança  deseja  fortemente  um  “brinquedo”  ­  visto  nas  mãos de um par,  ou  na televisão ­ e insiste  e  negocia  por  um  longo  período com  os pais  para poder tê­lo também… quando, ao  fim, o ganha  de  presente,  “pronto!”,  rapidamente  vai  embora  o  seu  interesse  e  em  poucas  semanas  o  objeto  está  largado,  junto  a  outros  tantos,  em  um  canto  da  casa?  Dentre  muitas  discussões  que  poderíamos  fazer  sobre  essa  questão,  nos  cabe  aqui  principalmente  uma: que tipo de brincadeira  acontece  a  partir  desses  “artefatos”,  industrializados,  publicizados  e  vendidos  para  crianças  ­  incluindo  aí  também  os  populares  ​ games​ ?  Tratam­se  de  modos de brincar individualizantes, que  trazem  regras  previamente  dadas  e  são  construídos  por  outrem. Excluí­se do todo do “mundo do  brinquedo”  ­  que  pode  envolver  o  inventar um jogo, daí necessitar de algum  novo  objeto  que não  está  disponível,  depois  imaginá­lo  e  desenhá­lo,  para  por  fim  empreender  sua  construção  com  todas  as  dificuldades  a  ela  inerentes  ­  apenas  o  “produto  final”.  É  um  brincar  fragmentado,  fortemente relacionado com a nossa forma de viver o mundo.    É  contrário a tudo isso que nos colocamos! A brincadeira é aquela na  qual há uma entrega  por  completo,  onde  é  possível   à  criança  “sentir,  se  empoderar  daquele  momento  que  ela  está  vivenciando  [...]  colocar  pra  fora  todo  o  seu  ser  criança”  (Munduruku, 2012). Nesse sentido que  coloca  o  documentário  Tarja  Branca  a  taxativa:  “observe  uma criança brincar que perceberá que  é  sério!”  (2014).  Não  há  seriedade  maior  do  que  o  momento  em  que  a  criança  está  entregue,  experimentando  e  vivendo  o  fluxo  do  mundo  do  brinquedo:  há comprometimento, concentração  máxima,  foco,  plenitude.   Há  a  experiência  da  criança  por  inteiro,  como  um  todo  ­  como  corpo,  como  sujeito,  como  ser  social,  como  parte  de  uma  coletividade.  É  o  brincar  da  criança  que  deveria definir, para nós adultos, o que é ser “sério” (Tarja Branca, 2014).   Mas  afinal,  o  que  o  brincar  tem  a  ver  com  a  educação  escolar?  Em  primeiro  lugar,  é  através  do  brincar  que  se  dá  o  desenvolvimento  da  criança  como  ser  humano  pequenino  até sua  transformação   em  adulto,  em  termos  de  imaginação,  conhecimento  de  si   e  suas  emoções,  relacionamento  com  o  outro  e  com  o  ambiente  que  o  entorna.  Em  segundo  lugar,  a  brincadeira  pode  trazer   para  a  educação  escolar  a  primazia  do  afeto,  das  relações  humanas,  do  convívio,  combatendo  a  individualização  e  fragmentação  dos  sujeitos  e  a   liquidez  dos  vínculos  entre  as  pessoas.  Por  último,  a  brincadeira  pode  ser uma maneira de revolucionar e romper com os ideais 

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iluministas  de  primazia  da  razão,  de  desenvolvimento industrial, do progresso, de civilização,  de  “modernidade”:  através  do brincar podemos atrair para o ambiente escolar saberes, modos de ver  e  fazer  diversos,  percebendo  as  crianças  e  jovens  como  ­  de  fato  o  são!  ­  sujeitos  cheios  de  luz,  vontades,  experiências  e  competências!  Se  todas  as  crianças  brincam,  como  o  brincar  ficou  de  fora do ambiente educacional tanto tempo?!  Algumas  sugestões  para  aplicar  o  princípio  do  brincar  no  âmbito  escolar  são:  levar  em  conta  as  necessidades  das  crianças  e  jovens,  investigar  seus  interesses  e  o  que  os/as  motivam  ­  quanto  mais  velhos,  mais  abstratos podem ser os jogos ­, pensar em brincadeiras que exercitem a  colaboração  ­  e  não  a  competitividade  ­,  e,  enfim,  ser  criativo!  Olhemos  a  nossa  volta…  que  imensidão  de possibilidades de “materiais didáticos” temos à nossa disposição! E para aproximar  ainda  mais  a  diversidade  da  escola, porque não partir de pesquisas sobre origens de brincadeiras,  sobre  onde  elas  são  populares,  sobre  como  chegaram  até  nós?  Abramos  o  caminho  para  a  brincadeira,  com   ela  para  a  diversidade,  e  vamos  brincar  de  brincar?  A  aprendizagem   assim  vai  se tornar, além de mais colorida e saborosa, muito mais divertida!    4. Algumas estratégias das oficinas do projeto, à guisa de conclusão   Agora,  vamos  contar  um  pouquinho  sobre  as  oficinas  que  construímos  junto  aos  dois  grupos  de  professores  com  os  quais  trabalhamos,  dos  municípios  catarinenses de Vidal Ramos e  São  José.  Foram  três  encontros  com  cada  grupo,  cada  encontro  teve  uma  das  temáticas  até  aqui  trabalhadas.  Instigar  professores/as  para  a  desnaturalização  do  seu  olhar  sobre  o  mundo,  foi  nosso  principal  objetivo  nas  oficinas  “O olhar”. Para tanto, realizamos dinâmicas e exercícios de  fotografia,  analisamos  vídeos/fotografias/discursos  sobre  cada  cidade,  colhemos  e  discutimos  depoimentos  das/os  participantes   sobre  como  imaginam  que  seja  a  percepção  da  “realidade”  de  seus/suas  alunos/as.  O  intuito foi o de sensibilizá­los e tornar evidente que a realidade somos nós  que criamos ­ ela não  existe fora de nós e ela é, sobretudo, múltipla.  Já para trazer “O comer”  e a  diversidade  nele  presente  para  nossas  oficinas,  preparamos  e  provamos   farofa  de  banana,  pesquisamos  a  origem  de  alguns  alimentos,  selecionamos  receitas,  compartilhamos  saberes   e  fazeres  da  cozinha  e  da  comida  entre  nós.  Também   assistimos  vídeos  sobre  a  diversidade  de 

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cores,  sabores  e  formas  de  algumas  espécies  de  alimentos,  e  discutimos  sobre  monoculturas   e  o  empobrecimento   da  nossa  alimentação  de  maneira  geral.  Finalmente,  nas  nossas  oficinas  sobre  “O  brincar”,  trouxemos  documentários  sobre  a  necessária  valorização  do  brincar  no  espaço  escolar,  discutindo  aspectos  teóricos  sobre  o  assunto;  pesquisamos  a  origem  e  as  variações  de  brincadeiras,  compartilhamos  nossas  pesquisas  e  experiências  infantis,  além   de  brincarmos  alguns  dos  jogos  em  grupo.  O  intuito  foi sensibilizar as/os professoras/es sobre a importância do  brincar e as possibilidades de trazê­lo para a sala de aula.   Propusemos,  portanto,  durante  nossas  três  oficinas  com  cada  grupo  ­  e  propomos  aqui  para  você,  leitor/a  educador/a  ­  a  valorização  no  âmbito  escolar  de  três  atividades  que  fazem  parte  do  ser  humano  em  qualquer  parte  do  mundo:  o  olhar,  o  comer,  o  brincar.  Estas   atividades  são  realizadas  pelo  sujeito  inteiro.  Nenhuma  destas  ações permitem fragmentação. Elas acionam  a  inteireza  do  ser  humano:  o  corpo,  as  emoções,  o  intelecto,  a  imaginação.  Por  isso  que,  se  trabalhadas  na  escola,  podem  significar  o  primeiro  passo  para  a  reformulação  deste  espaço.  A  instituição  escolar  está  em  crise  produzindo  cada  vez  mais  excluidos,   fracassados  e  doentes.  Estamos  tentando  adaptar  crianças  do  século  21  às  estruturas do século 19. O multiculturalismo,  a  revolução  comunicacional  e diversas outras mudanças fundamentais de vivenciar o mundo, são  negados  na  escola   que  continua  a  fragmentar conteúdos, a dividir tempos e a arrumar espaços de  forma  linear.  Este  artigo  pretende  ser  um  convite  para  a reflexão, e para colocar  “na roda” que o  começo é menos complicado que se pensa. Mas… tem que começar…     REFERÊNCIAS E SUGESTÕES  Filmes  ESCOLARIZANDO  o  mundo  (Original:  Schooling  the  world:  the  white  man's  last  burden).  Direção  de  Carol  Black.  EUA/Índia:  Lost  People,  2010.  Disponível  em:  . Acesso em: 12 nov. 2015.    OLHAR  Indígena  ­  Daniel  Munduruku  fala  sobre  Educação  Indígena.  Brasil:  Daniel  Munduruku,  2012.  Disponível  em:  .  Acesso em: 27 out. 2015.    TARJA  Branca  ­  A  revolução  que  faltava.  Direção  de  Cacau  Rhodem.  Brasil:  Maria  Farinha  Filmes, 2014.  

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  Textos acadêmicos  FARIA  FILHO,  Luciano  Mendes  de;  CHAMON,  Carla   Simone;  INÁCIO,  Marcilaine  Soares.  Instruir  sem  incluir:  Desde  a  Independência,  educação  é  solução  para  civilizar  o país, desde que  permaneçam  todos em seu lugar. ​ Revista de História da Biblioteca Nacional, ​ Rio de Janeiro, n.  120,  s/p,  Setembro/2015.  Disponível  em:  . Acesso em: 08 out. 2015.    OWSTER,  Fayga.  A  Construção  do  Olhar.  In:   NOVAES,  Adauto   (org).  ​ O  Olhar​ .  São  Paulo:  Companhia das Letras, 1988. (P. 167­182).    SANTOS,  Carlos  Alberto  dos.  ​ A  alimentação  e  seu  lugar  na  história:  os  tempos  da  memória  gustativa. Curitiba: Editora UFPR, 2005.     VYGOTSKY,  L.  S.  ​ A  formação  social  da  mente  –  O   desenvolvimento  dos  processos  psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (P. 121­137).    Literatura infanto­juvenil  MUNDURUKU, Daniel. ​ Kabá Derebu​ . São Paulo: Brinque­Book, 2002.    Música infanto­juvenil  PALAVRA  Cantada​ .  Grupo  musical  formado  por  Paulo  Tatit,  Sandra  Peres.  São  Paulo:  1994­atualmente.  Disponível em: ​ http://palavracantada.com.br/radio/​ . Acesso em 17 nov. 2015. 

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