Projeto do grupo de estudos e pesquisa Violência e Desigualdade Social

PROJETO DE GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISA VIOLÊNCIA E DESIGUALDADE SOCIAL

No século XVII, por exemplo, em cada viagem de um navio negreiro morria pelo menos vinte por cento da mercadoria, quer dizer, da gente de cor que era transportada para ser vendida, digamos, na Virgínia. E isso não comovia ninguém, nem saía em manchetes garrafais no jornal da Virgínia, nem ninguém pedia que enforcassem o capitão do navio que os tinha transportado. Se, pelo contrário, um homem abastado sofria uma crise de loucura e matava seu vizinho, depois voltava galopando para casa, onde mal apeava matava sua mulher, ao todo duas mortes, a sociedade virginiana vivia atemorizada por no mínimo seis meses, e a lenda do assassino a cavalo podia perdurar por gerações inteiras. Os franceses, por exemplo. Durante a Comuna de 1871, morreram assassinadas milhares de pessoas e ninguém derramou uma lágrima por elas. Por volta dessa mesma data, um amolador de facas matou uma mulher e sua mãe velhinha (não a mãe de sua mulher, mas sua própria mãe, caro amigo) e depois foi abatido pela polícia. A notícia não só correu os jornais da França, como foi reproduzida em outros jornais da Europa e saiu até uma nota no Examiner de Nova York. Resposta: os mortos da Comuna não pertenciam à sociedade, a gente de cor morta no navio não pertencia à sociedade, enquanto uma mulher morta na província francesa e o assassino a cavalo da Virgínia, esses sim, pertenciam, quer dizer, o que havia acontecido com eles era escrevível, era legível. Roberto Bolaño, 2666

PROFESSOR RESPONSÁVEL: Marcelo Mayora RESUMO: Grupo de estudos e pesquisa interessado na questão das relações entre a violência urbana e a desigualdade social. Pretende formar, processualmente, estudantes aptos a oferecer à comunidade uma visão cientificamente fundada sobre os conflitos sociais chamados crimes, especificamente dos conflitos que resultam em morte. Deste modo, almeja cumprir o papel da universidade, qual seja o de contribuir para a compreensão qualificada dos fenômenos sociais. OBJETIVOS: 1) Iniciar o estudo de alguns referenciais teóricos importantes para a compreensão da fenomenologia dos homicídios e de sua relação com os processos de reprodução da desigualdade social. 2) Auxiliar o estudante a desenvolver um pensamento autônomo acerca do fenômeno da violência urbana e de suas relações com a estrutura social. 3) Coletar dados empíricos acerca da questão dos homicídios em Governador Valadares/MG. 4) Produzir uma interpretação teórica e empiricamente fundada sobre o fenômeno dos homicídios em Governador Valadares/MG.

JUSTIFICATIVA: A cidade de Governador Valadares/MG possui índices expressivos de homicídios1. Os personagens principais dos conflitos letais são jovens, pobres e negros ou pardos, moradores das periferias. Os altos índices de homicídio de Governador Valadares podem ser explicados, em parte, a partir dos mesmos aportes que têm sido realizados no âmbito das reflexões sobre a violência urbana no Brasil, na América Latina e nos demais países do capitalismo periférico. A violência intraclasse, quer dizer, homicídios praticados por despossuídos contra despossuídos, tem a ver fundamentalmente com os processos de reprodução da desigualdade social e da dominação de classe, ou seja, da manutenção secular de uma classe inteira de subcidadãos, de desclassificados sociais, que justamente por tal motivo são “corpos matáveis”. As explicações tradicionais sobre o ponto, sobretudo as divulgadas pela grande mídia, geralmente baseadas em explicações semieruditas fornecidas pelas agências policiais, não têm sido satisfatórias, pois reproduzem todo o tipo de simplificação, como, por exemplo, a necessidade de redução da maioridade penal, o que significaria trocar um sistema que gera atualmente 30% de reincidência (medidas socioeducativas) por outro que gera 80% de reincidência (penas). Desse modo, o grupo de estudos e pesquisa justifica-se na medida em que pretende construir explicações cientificamente fundadas acerca do objeto em questão, o que em si mesmo já significa transformá-lo. BIBLIOGRAFIA PRELIMINAR FERRÉZ. Manual prático do ódio. São Paulo: Planeta, 2014. KESSLER, Gabriel. Sociología del delito amateur. Buenos Aires: Paidós, 2010. MENEGAT, Marildo. A guerra civil no Brasil. In: Estudos sobre ruínas. Rio de Janeiro: Revan, 2012. SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania: para uma Sociologia Política da Modernidade Periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. __________. A Ralé Brasileira. Quem é e Como Vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES 17/03/15

REUNIÃO PREPARATÓRIA

25/03/15

PROCESSO SELETIVO Elaboração de texto (20 a 30 linhas) a partir de questão elaborada com base no texto “A parte de baixo da sociedade”, de Jessé Souza.

1

Nesse sentido, conferir o Mapa da Violência (2013).

REUNIÃO INICIAL • Apresentação do projeto de estudos e pesquisa, 08/04/15: • Discussão sobre as hipóteses centrais • Distribuição de tarefas entre os participantes

FENOMENOLOGIA DA DESIGUALDADE SOCIAL

22/04/15

VIOLÊNCIA

URBANA

E

Textos: SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania. Belo Horizonte: UFMG, 2010, (pp. 91 até o final). MENEGAT, Marildo. A guerra civil no Brasil. In: Estudos sobre ruínas. Rio de Janeiro: Revan, 2012.

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WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência, Homicídios e Juventude no Brasil. 2013. HOMICÍDIOS, ECONOMIA CLANDESTINA DAS DROGAS E QUESTÃO CARCERÁRIA

06/05/15

Textos: MAYORA, Marcelo; GARCIA, Mariana. Os crimes de drogas no anteprojeto de reforma penal e os custos da proibição. In: Revista das ESMESC: Florianópolis, 2013. MISSE, Michel. As ligações perigosas: mercado informal ilegal, narcotráfico e violência no Rio. In: Revista Contemporaneidade e educação, 1997. FELTRAN, Gabriel de Santis. Crime e castigo na cidade: os repertórios da justiça e a questão dos homicídios na periferia de São Paulo. Cadernos CRH, 2010. HOMICÍDIOS E VULNERABILIDADE SOCIAL

20/05/15 Texto: KESSLER, Gabriel. Sociología del delito amateur. Buenos Aires: Paidós, 2010.

03/06/15

HOMICÍDIOS, VIOLÊNCIA INTRACLASSE E A EXPERIÊNCIA DA INJUSTIÇA Texto: Ferréz. Manual Prático do Ódio. São Paulo: Planeta, 2014.

17/06/15

REFLEXÕES SOBRE A GUERRA Exibição do filme La vida loca, de Christian Poveda.

METODOLOGIA Serão realizados sete encontros, de 2 horas cada. Em cada encontro será discutido um texto, a partir de uma introdução do professor e da relatoria de um estudante. Ao longo do semestre, o grupo coletará informações - na mídia e junto às agências policiais e judiciárias - sobre a questão dos homicídios em Governador Valadares/MG, que serão analisadas nas reuniões. Ao final de cada um dos encontros, os estudantes deverão elaborar hipóteses explicativas sobre o objeto de estudo e pesquisa do grupo. Eventualmente, serão utilizados filmes (ficção e documentário) que propiciem a reflexão sobre o objeto do grupo de estudos e de pesquisa. Como fechamento parcial das atividades, ao final do semestre, o grupo pretende elaborar um artigo ou um relatório sobre os resultados da pesquisa; pretende também realizar um seminário aberto para a divulgação de tais resultados. Os estudantes serão avaliados a partir dos seguintes critérios: a) b) c) d)

Frequência Leitura e compreensão dos textos obrigatórios Realização das atividades de pesquisa Participação na elaboração do artigo ou do relatório