Projeto gráfico para o livro de artista \"Plano de Carreira\" - O trabalho de arte como prática de inserção e invenção de contexto.

May 26, 2017 | Autor: Maíra Botelho | Categoria: Design, Contemporary Art, Visual Arts
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIBIC/UEMG/CNPq ESCOLA GUIGNARD CENTRO DE PESQUISA

Relatório Final Projeto gráfico para o livro de artista “Plano de Carreira” EDITAL 05/2015 por Maíra de Castro Botelho Bolsista PIBIC/UEMG/CNPq

Belo Horizonte Agosto 2016

SUMÁRIO

01. INTRODUÇÃO 02. PERCURSO 03. CONSIDERAÇÕES FINAIS 04. REFERÊNCIAS

01. INTRODUÇÃO A pesquisa “O trabalho de arte como prática de inserção e invenção de contexto” propôs a produção de um livro, intitulado “Plano de Carreira”, como ocasião para prosseguir com a discussão sobre o fazer do artista enquanto trabalho. A partir da declaração de Lawrence Weiner: “Minha razão pra me dedicar aos livros, a principal razão pra qualquer pessoa se dedicar a fazer livros, é o conteúdo em busca de contexto”, o processo de pesquisa foi compreendido como conteúdo para o livro, que foi sendo projetado a partir da elaboração de uma situação discursiva: propusemos a criação de um Grupo de Conversa entre artistas em formação, no contexto da Escola Guignard, seguindo uma estrutura similar à da entrevista com grupos focais. Elaboramos um roteiro de perguntas buscando promover discussões sobre questões relativas à profissionalização do artista. A conversa foi registrada em áudio e posteriormente transcrita para integrar o livro “Plano de Carreira”. A análise da conversa e do formato livro enquanto contexto de visibilidade e circulação para ela, esteve orientada pelo pensamento de diversos autores, como Paulo Silveira e Ulisses Carrión, essenciais para se discutir o objeto livro como mídia e arte. Pierre-Michel Menger e André Mesquita nos permitiram levantar questionamentos acerca das especificidades do trabalho artístico frente ao conceito marxista de trabalho. Cristina Freire, Newton Goto, Ricardo Basbaum e Nathalie Heinich colaboraram para uma visão do contexto contemporâneo do sistema das artes que organiza as condições de produção e circulação das obras de arte. As discussões relativas à linguagem codificada e metodológica do design também foram importantes para a pesquisa, na medida em que buscamos estabelecer uma relação entre os papéis do artista e do designer. O primeiro sendo compreendido como “criador de problemas” (Ricardo Basbaum) e o segundo como solucionador de problemas. Autores como Jan Tschichold, Vilém Flusser e Rafael Cardoso contribuíram para criar esse paralelo. No processo da pesquisa, o objeto livro e a questão do trabalho do artista se entrelaçam formando contexto e conteúdo. Projetar uma carreira artística seria criar dissonâncias frente à própria ideia de trabalho no sentido histórico marxista. Como Pierre-Michel Menger esclarece: “O trabalho

artístico é concebido como o modelo do trabalho não alienado através do qual o sujeito se realiza na plenitude da sua liberdade exprimindo as forças que fazem a essência da humanidade.” Em relação ao objeto livro, o livro de artista se apresenta como exercício de “ternura e injúria” (Paulo Silveira), subvertendo a ideia tradicional do livro como transmissão de conhecimentos. Projetar um livro de artista e projetar uma carreira como artista são ações compreendidas neste trabalho enquanto formas análogas de posicionamento frente aos conceitos tradicionais de “trabalho” e “livro”.

02. O PERCURSO Temos dois problemas para investigar: o livro de artista e as especificidade do trabalho artístico. Assim começamos a pesquisa em 2015. Na primeira reunião do PIBIC, Fabíola me questiona: O que seria um artista profissional para você? À primeira vista essa questão me pareceu um tanto quanto paradoxal. Porque os termos, “artista” e “profissional” parecem não conversar? Entender o lugar opaco do fazer artístico dentro da esfera do trabalho se torna, então, essencial para compreender as raízes dos questionamentos que já estavam encaminhados na pesquisa da Fabíola.1 Pierre-Michel Menger (2005), propõe uma análise sociológica da arte a partir da categoria trabalho. Em sua leitura o artista é muitas vezes comparado ao trabalhador do futuro, à figura do profissional muito qualificado, inventivo, móvel e rebelde perante as hierarquias, vivendo numa economia da incerteza. O trabalho do artista não é fascinante precisamente porque obedece a talentos e a valores inconstantes – a inspiração, a criatividade imprevisível, a rebeldia relativamente a todo o enquadramento demasiado constrangedor, a rejeição das regras comuns do mundo do assalariado tais como a subordinação a um patrão, o cálculo interesseiro do preço do seu esforço e da motivação para trabalhar, etc? Mas, como Howard Becker o demonstrou, uma subtil e desconcernante simplicidade, nos seus Mondes de l’art, se a arte é um actividade reconhecida, transmitida, apreendida, organizada, celebrada, também o é porque, como toda a actividade, obedece a regras, a constrangimentos, insere-se numa divisão do trabalho, em organizações, profissões, relações de emprego, carreiras profissionais.2

O ofício do artista tem como premissa uma liberdade e autonomia mas, também se encontra dentro de um jogo de legitimação pelas instituições. Cria-se um processo de negociação com o sistema da arte, em que a criação se baseia na transgressão de regras porém de forma reconhecível como arte dentro dessas instituições, ou utilizando-se do aval 1

Fabíola Tasca, artista e pesquisadora, me orientou no contexto do PIBIC/UEMG/CNPQ. O projeto de pesquisa, “O trabalho de arte como prática de inserção e invenção de contexto”, teve como objetivo elaborar um livro de artista compreendido enquanto exercício de invenção de contexto. 2 MENGER, 2005, p. 8.

das instituições como um selo legitimador. Como Ricardo Basbaum no Seminário Longitudes (2011) afirma, o artista trabalha com “rotas alternativas”, como aquele que produz problemas e não explicações, uma prática que constrói obstáculos, que se coloca no meio do caminho como a pedra de Carlos Drummond de Andrade. “No meio do caminho tinha uma pedra/tinha uma pedra no meio do caminho.” No meio do caminho tinha um artista com problemas para um mundo que busca explicações. Como entrar dentro de um sistema econômico como esse gerador de problemas, com pedras para colocar no caminho? Partindo desse questionamento, Fabíola e eu propusemos um Grupo de Conversa, dentro da Escola Guignard, com artistas em formação, com o objetivo de produzir conteúdo para o livro titulado “Plano de Carreira”. Não tínhamos pretensão de acharmos uma resposta para cada questão mas criar diálogos sobre a profissionalização do fazer artístico. Cinco perguntas foram direcionadas aos participantes: 1. O que torna o artista um profissional? 2. O que é que vocês consideram como dado e o que poderia ou pode ser inventado enquanto território de atuação do artista? 3. Quais as relações que você estabelece entre o seu trabalho como artista e a atividade profissional que você exerce na atualidade? 4. Como vocês percebem a relação entre a escola/universidade e o mercado? 5. O que é ter sucesso como artista? Após a discussão e análise das respostas, fica evidente que o plano de carreira de um artista é baseado na instabilidade, não há um caminho certo a se seguir. Passar por uma formação universitária não cria artistas profissionais como no caso de um médico ou advogado. O processo de profissionalização do artista está dentro de uma projeção de carreira inventada ao produzir soluções para inserção de seus problemas. Analisar tais processos da profissionalização artística é descobrir como é que o artista é ao mesmo tempo trabalhador, e mestre da

desmultiplicação de si, saltimbanco e também homem de métier, impaciente face a todo o limite e igualmente hábil a inventar soluções inéditas para gerir os riscos aos quais se expõe.3

Seria o campo da arte tão específico que seria necessário considerá-lo como distante do trabalho? Como o seu inverso? Dentro da brincadeira e do jogo? Marx, citado por Pierre Michel Menger (2005), analisou a atividade criativa como a forma idealmente desejável do trabalho. O homem realizaria a sua humanidade pela arte, distinguindo o trabalho livre do trabalho alienado. A criação artística ocupa com efeito uma posição excepcional nos primeiros escritos de Marx, em particular nos seus Manuscrits de 1844 onde é elaborada não uma estética específica, mas uma estética geral da prática que faz da atividade artística o instrumento de medida de toda a crítica do trabalho assalariado. O trabalho artístico é concebido como o modelo do trabalho não alienado através do qual o sujeito se realiza a plenitude da sua liberdade exprimindo as forças que fazem a essência da sua humanidade.4

Eliot Freidson, também citado por Menger, declarou que as artes não poderiam

ser

considerados

como

“profissão”



que

algumas

das

características da situação das artes na sociedade capitalista levam a que ela seja uma atividade híbrida entre lazer e trabalho. A complexidade do campo da arte, das fronteiras do que é ou não é arte também dificulta a criação de um abrigo dentro do mercado de trabalho. Assim para Freidson, as chamadas profissões artísticas constituem um desafio analítico que exige o repensar dos conceitos e teorias da sociologia do trabalho no sentido de uma possível adequação ao estudo da atividade artística. O livro de artista, como a própria atividade artística, também se encontra em um lugar de difícil definição. Um lugar entre a arte, a indústria e o comércio, e a imprecisão de fronteiras nesse terreno que envolve o consumo cultural. É um objeto que desafia a sua própria forma, como a arte desafia a alienação da sua mão de obra.

3 4

MENGER, 2005, p. 27. MENGER, 2005, p. 49.

Um livro de arte deveria ser catalogado em um museu ou em uma biblioteca? Essa é uma das questões que exemplificam o lugar incerto desse objeto. Maria do Carmo de Freitas Veneroso (2014) concordando com a pesquisadora

Johanna

Drucker

(2004),

afirma

que

as

dificuldades

encontradas para se chegar a qualquer definição do que vem a ser um livro de artista existem justamente porque ele se encontra em uma zona híbrida, em algum lugar na interseção, na fronteira e nos limites das outras atividades artísticas. Michel Zózimo da Rocha (2011) observa as publicações de artistas a partir das décadas de sessenta e setenta como veículos de documentação, disseminação de ideias, subversões independentes e prolongamentos da experiência artística. O meio impresso [através de fotocópias, laser, offset, serigrafia, entre outros métodos de impressão] se presta a socialização de pensamentos e poéticas artísticas. A página impressa de um jornal convencional alinhava várias proposições muito caras aos artistas naquele momento, como por exemplo, encontrar outros espaços de exposição para troca de informações artísticas além de galerias e museus, ir ao encontro de um público muito mais amplo e diversificado e, finalmente, eliminar qualquer possibilidade de fazer obra-mercadoria.5

Como Michel Zózimo da Rocha relata, ao sair do privado, a arte parece alcançar uma dimensão mais flexível, carregada de valores sociais e, até mesmo, políticos. Ao eliminarem o valor atribuído a uma obra única e ao atribuir diferentes valores a uma série, a publicação de arte problematiza a ideia de obra. O trabalho se descentra do circuito de validação e se aventura em outros sistemas como o da biblioteca, expandindo os territórios negociáveis da arte. Mas a dimensão do político em arte não se faz presente por suas qualidades visíveis, como tema de ideologia e assunto histórico, mas sim como “invenção de formas sensíveis”, novos modos de agir e de habitar. Ulises Carríon (2011) e Paulo Silveira (2001) refletem sobre novas formas sensíveis de construção do objeto livro. Os dois autores desassociam a ideia de obra literária com o artigo livro. “Um escritor, ao contrário da 5

ROCHA, 2011. p. 150.

opinião popular, não escreve livros. Um escritor escreve textos.” (CARRÍON, 2001, p.7) Textos literários contidos em livros ignoram a “sequência autônoma de espaço-tempo”. A forma em que um livro é construído reflete diretamente na leitura do texto já que esta se inscreve no tempo decorrido do virar a página. O autor propõe uma diferenciação entre uma velha forma de fazer livros e uma nova. Uma anterior que escreve textos e a recente que faz livros considerando uma sequência ideal de espaço-tempo por meio da criação de uma sequência paralela de signos, sejam linguísticos ou não. Um livro pode ser o recipiente acidental de um texto, cuja estrutura é irrelevante para o livro: estes são os livros das livrarias e das bibliotecas. Um livro também pode existir como uma forma autônoma e independente, incluindo talvez um texto que seja parte integrante e que enfatize essa forma: aqui começa a nova arte de fazer livros. Na velha arte o escritor não se julga responsável pelo livro. Ele escreve o texto. O resto é feito pelos empregados, os artesãos, os trabalhadores os outros. Na nova arte escrever um texto é somente o primeiro elo na corrente que vai ser do escritor ao leitor. Na nova arte o escritor assume a responsabilidade pelo processo inteiro. 6

Já Paulo Silveira (2001) tenta compreender a dimensão da presença dos gestos de ternura e da injúria na categoria artística do livro tornado em arte, a partir da verificação da sua tensão pela originalidade formal. “(...) Sentimentos de apreço às informações consagradas, por um lado, ou de violação de seus princípios (cânones) pelo gesto reformador, transformador, desconstrutor por outro.” 7 O livro, sendo um suporte preexistente e com regras, significados e tradições inspira atitudes artísticas que desafiem seu uso clássico, considerando o livro como um objeto que tem sua forma e conteúdo como entidades inseparáveis. Amir Brito Cadôr (2014) compara o livro de artista como uma performance, o que me parece muito adequado. De modo que o livro é colocado simultaneamente como projeto e registro, obra e documento. Nosso livro “Plano de Carreira” se encontra nesse contexto documental.

6 7

CARRÍON, 2011, p.14. SILVEIRA, 2001, p.14

03. CONSIDERAÇÕES FINAIS As discussões mencionadas sobre a profissionalização do artista e o livro de artista nos guiaram para a realização das ações da pesquisa: a criação do grupo de conversa e do projeto gráfico do livro. No processo investigativo, o meu trabalho profissional de designer gráfica se relacionou constantemente com o problema da pesquisa, criando uma consciência reflexiva acerca dos problemas propostos aqui e a minha própria visão de dentro de uma indústria criativa. Criar projetos gráficos de livros é uma das minha funções, mas são projetos de uma “velha arte de fazer livros”, nas palavras de Ulisses Carrión. Pesquisando livros de artistas recentes ou não, percebi diferenças no processo de projetar um livro comercial e um livro de artista. "Ao estar imersa no contexto dessa pesquisa, buscando perceber as especificidades do fazer artístico, compreendi como o trabalho de arte tenta superar a alienação mercantil e utilitarista do capitalismo (Menger, 2005) e como isso pode se relacionar com a desconstrução do objeto livro, sublinhando como as características da forma livro ocupam um espaço e elaboram um espaço além de constituírem uma obra literária. A forma livro foi proposta neste projeto como uma possibilidade de acolhimento e circulação para as questões da pesquisa, colaborando, assim, com a desejável ampliação do circuito. Nosso livro “Plano de carreira” é aqui proposto como uma maneira de disseminar questionamentos e assim produzir ressonâncias no campo da arte e contribuir com a formação de novos artistas.

04. REFERÊNCIAS CADÔR, Amir. Ainda: O livro como performance. Belo Horizonte: Museu de Arte da Pampulha, 2014. CARRIÓN, Ulisses. A Nova Arte de Fazer Livros. Tradução Amir Brito Cadôr. Belo Horizonte: C/Arte, 2011. ROCHA, Michel Zózimo da. Estratégias Expansivas: publicações de artistas e seus espaços moventes. Porto Alegre: M.Z da Rocha, 2011. FRASER, Andrea. Da crítica às instituições a uma instituição da crítica. Revista Concinnitas, v. 2, n. 13, dez 2008. p. 179 – 187. GOTTO, Newton. Da paisagem-trouvée ao território inventado: observações sobre os circuitos de arte contemporânea no Brasil. Global Revista Nômade, n.13. Disponível em: . Acesso em 07 de maio de 2015. MAIA, Ana Maria; CARVALHO, Ananda (org). Sobre Artistas como Intelectuais Públicos: respostas a Simon Sheikh. São paulo: Selo Prólogo e Casa Tomada, 2012. MENGER, Pierre-Michel. Retrato do artista enquanto trabalhador. Metamorfoses do Capitalismo. Tradução Vera Borges, Daniela Place e Isabel Gomes. Lisboa: Roma Editora, 2005. SILVEIRA, Paulo Antonio de Menezes Pereira da. A página violada: da ternura a injúria na construção do livro de artista. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2001. VENEROSO, Maria do Carmo de Freitas Veneroso. Perspectivas do Livro de Artista: um relato. Pós. Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da Escola de Belas Artes da UFMG, 2012. WEINER, Lawrence. Livros mobiliam uma sala, mesmo: Lawerence Weiner sobre livros de artista. Tradução Amir Brito Cadôr. Florianópolis/SC: parêntesis, 2014.

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