PROJETO LITERATURA E DIVERSIDADE SEXUAL

June 2, 2017 | Autor: Roberto Dias | Categoria: Gender Studies, Literatura Gay
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PROJETO LITERATURA E DIVERSIDADE SEXUAL
Roberto Muniz Dias, Mestre em Literatura pela UnB (Universidade de Brasília).

O presente artigo apresenta a trajetória do projeto Literatura e diversidade sexual, financiado pelo Ministério da Cultura, conduzido pelo Mestre em literatura pela UnB Roberto Muniz Dias. O projeto realizou atividades relacionadas às discussões sobre a identidade de gênero no âmbito escolar, utilizando a literatura LGBT como viés metodológico e operacional. Alunos do ensino médio participaram de palestras e oficinas nas quais questões relativas a gênero, bullying e LGBTfobia foram trabalhados de forma instrutiva, dialógica e lúdica. A relevância deste projeto se justifica pela importância do papel da escola na formação da criticidade do mundo e da prática social que cercam os alunos. Segundo a professora Guacira Louro, a escola é um espaço de abrigamento das diferenças. Portanto, debater as relações de gênero a por meio da literatura, trazendo a discussão da representatividade de personagens LGBT e permitindo a reflexão sobre as problemáticas acima citadas, é reforçar o papel social da escola e seu fim democrático. Para tanto, o projeto visa ampliar a discussão sobre o papel dos educadores sobre suas ações no cotidiano da escola, bem como da estimulação e reflexão por meio da leitura da literatura casuística.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura, diversidade sexual, gênero, educação para a diversidade.

INTRODUÇÃO

O Projeto intitulado: Literatura e Diversidade sexual foi financiado com os recursos da Bolsa de fomento à literatura, para circulação de obras de autores brasileiros. A aprovação deste projeto teve por base a avalição dos objetivos e das justificativas que respeitassem as diretrizes do edital orientador. Neste sentido presente projeto visa discutir, por meio de obras literárias escritas pelo autor/proponente, questões sobre diversidade sexual e gênero. Para realização deste projeto as obras literárias que tematizam estas questões citadas foram apresentadas e discutidas. Palestras e conversas com o autor das obras mencionadas acima, debates específicos foram desenvolvidos para discutir questões relacionadas à diversidade sexual, violência de gênero, LGBTfobia e bullying na escola. O objetivo primeiro deste projeto era de implementar políticas públicas por intermédio da circulação e difusão da literatura casuística, com foco específico em temas muito caros à sociedade como respeito à diversidade sexual, questões de gênero e preconceito sexual.
OBJETIVOS

De acordo com o III Retratos de Leitura no Brasil, as regiões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentam grandes déficits de leitura entre os jovens em fase de alfabetização. O intuito deste projeto foi de levar, por meio de oficinas literárias, palestras e discussões temáticas sobre sexualidade e gênero, a estas populações carentes de cultura e informação, além destes temas propostos, noções de cidadania e direitos humanos. A literatura específica levada para estes alunos promovia a discussão destas questões, viabilizadas por meio da leitura, discussão e compreensão dos papeis sociais. Empoderados do conhecimento crítico, de independência e autonomia, estes alunos reforçam a percepção de inclusão social, tornando-se mais atuantes e cônscios de seus papeis em comunidade. Desta forma, a noção de pertencimento fortalece e permitiu as estes indivíduos consciência crítica de seus direitos e valores como ser participante.
A importância deste projeto residiu na promoção do debate sobre assuntos acerca da diversidade sexual, com o intuito de trazer à tona questões sobre inclusão social, respeito à diversidade sexual e questões sobre gênero por meio de oficinas de leitura e escrita, envolvendo também encenação de peça de autoria do escritor citado anteriormente. Devido à experiência literária do escritor com obras de pesquisa e ficção, palestras, feiras e eventos relacionados à temática LGBT e a função desempenhada junto à Coordenação de Direitos da Diversidade no governo do Distrito federal, foi confeccionada uma cartilha de orientação sobre as atividades do projeto que consiste: apresentação do projeto, discussão acerca de gênero, Literatura LGBT, oficinas de escrita e leitura dramática.
Portanto, o objetivo deste projeto era de fomentar a leitura, promovendo a reflexão dentre os alunos do ensino médio de escolas públicas das regiões metropolitanas das cidades de: Norte (Belém e Manaus); Nordeste (Fortaleza e Teresina) e Centro-oeste (Brasília e Goiânia).
As discussões e reflexões trazidas e construídas nesse projeto tiveram suporte, inicialmente nas metodologias de pesquisa bibliográfica e documental. E, num segundo momento, foi empreendida a pesquisa de caráter autobiográfico. A escolha do material bibliográfico percorreu alguns dos diversos teóricos que discutem a temática de educação e diversidade LGBT. Na pesquisa autobiográfica, descreveu-se uma prática pedagógica, por meio das oficinas e produções escritas, desenvolvidas em sala de aula pelos/com os alunos do Ensino Médio de algumas escolas das cidades elencadas acima.
Considerando as ideias de Abrahão (2006), as narrativas autobiográficas podem ser entendidas em seu tríplice aspecto: como fenômeno – o ato de narrar-se; como método de investigação – recolha e construção de fontes para pesquisa e, ainda, como processo de autoformação e de intervenção – reflexão sobre as dimensões da formação, no que concerne à construção identitária de professores e formadores. Partindo-se desta perspectiva, compartilharam-se saberes e produziram-se conhecimentos sobre a pedagogia utilizada (professores, gestores) e sobre os próprios alunos que figuraram neste processo de ensino- aprendizagem, bem como para os objetivos dos assuntos aqui mencionados que foram tratados na sala de aula.
O aporte teórico para o presente projeto baseou-se nas contribuições teóricas de Louro (1997), (20012), Butler (2003), Teixeira (2016), Bettelheim (2007) entre outras fontes como revistas, sites de conteúdo educacional que trabalham com as questões relativas ao estudo de gênero.

METODOLOGIA

Num primeiro momento a metodologia utilizada se centralizou na aula expositiva sobre assuntos relacionados à diversidade sexual, orientação de gênero, linguagem inclusiva, literatura LGBT, leis e bullying.
Num segundo momento, houve a leitura, análise e compreensão de obras literárias específicas de autoria do proponente do projeto. Por meio de técnicas de leitura e interpretação de temas, enredos e personagens, foram estudadas suas estruturas específicas de construção de ideologias, personalidades, meio social e interpessoalidade, fazendo paralelo às situações específicas e que fossem protagonizadas por pessoas comuns, pelo público-alvo deste projeto ou de histórias vivenciadas por outrem. As obras escolhidas pelo proponente/autor fazem parte de sua bibliografia escolhida para este projeto e que foram anexadas ao projeto inserido na plataforma do SalicWeb.
Num terceiro momento, no caso das oficinas, foram trabalhadas as tirinhas com temáticas LGBT, que foram criadas especificamente para este projeto. Tais tirinhas são exercícios de provocações do pensamento crítico trabalhados nos encontros anteriores durante a aula expositiva e as leituras. As peças produzidas foram lidas de forma espontânea pelos alunos que se prontificaram a fazê-las. As oficinas trabalhavam a sensibilidade adquirida para a construção dos textos. Atividades como inversão de gêneros ou orientações sexuais eram sugeridas como proposta de criação de redações, ora narrativas ora descritivas nas quais os alunos exercitavam a criatividade Imediatamente, facultava-se aos participantes, manifestação de experiências relacionadas à discussão para promover o debate sobre assuntos que foram suscitados nas obras específicas, bem como na aula expositiva. Para conclusão das atividades, dividiu-se a turma de alunos em grupos de três, mediante algumas rápidas instruções sobre o texto teatral, eles encenaram o texto da peça incluído nas obras trabalhadas.
De posse de todas estas informações, experiências e debates promovidos foi compilado esse material para futura produção de material bibliográfico: a produção de um livro como produto final.
Foram utilizadas todas as tecnologias possíveis que possam ajudar na viabilização dos trabalhos, como livros, projetores, laptops, internet, quadros, slides e cartazes. Bem como das estruturas que escolas, bibliotecas ou universidades poderiam disponibilizar para concretização das tarefas acima mencionadas.

4. RESULTADOS DA PESQUISA E DISCUSSÃO
A motivação deste projeto foi a possibilidade de trazer a discussão os assuntos ligados as questões de gênero utilizando a literatura como viés para o ensejo do debate. O desafio inicial era aliar as duas categorias de discursos para que se viabilizasse o debate e a reflexão dos termos propostos e aqueles que por ventura se tornassem imbricados com o tema.
O primeiro slide da apresentação deste projeto contempla os índices de violência homofóbica no Brasil. Dados colhidos pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República. Este relatório consistia na provocação inicial aos alunos para que adentrássemos em temas tão sensíveis a nossa realidade, tanto na sala de aula, bem como fora dela.
Foto 1.

Fonte: Relatório sobre a violência homofóbica no Brasil-Secretaria Nacional de Direitos Humanos
A intenção desta abordagem era de sensibilizar o alunos para a importância do assunto, trazendo dados oficiais desta realidade LGBTfóbica que coloca o Brasil no topo dos países que mais assassinam a sua população LGBT. Este é o ponto de partida para a discussão casuística. E a escola é o ponto de partida para que as definições dos papeis sociais sejam seguidas, reproduzindo uma forma padrão de comportamento, sedimentada em conceitos, discursos, currículos, ações e ideias em dissonância com a dinamicidade da nossa sociedade. Segundo Louro (2013, p. 43), "Nós, educadoras e educadores, geralmente nos sentimos pouco à vontade quando somos confrontados com as ideias de provisoriedade, precariedade e incerteza – tão recorrentes nos discursos contemporâneos". Ou seja, o professor (observe o uso do gênero masculino para representar o universo de professores), encerra-se no se mundo de referências e escolhas engessadas por um conformismo e inércia diante das mudanças sócioculturais.
A discussão se inicia com um processo simples de análise dos dados apresentados no relatório. A constatação é feita de forma imediata, resumindo como se dá o processo de violência homofóbica por conta do preconceito existente na sociedade que não suporta o peso da diferença, ao ponto de eliminá-la. Mas como relatado anteriormente, esta primeira apresentação constitui apenas uma elemento provocativo, para chamar a atenção deste alunado para o assunto. Tese perfeita para se encontrar, ou pelo menos encontrar, os indícios desta violência de gênero e orientação sexual. Desta forma, os alunos levam a temática para a prática social de suas experiência dentro e fora da escola, tendo como resultado imediato a discussão da violência de gênero como parte integrante do componente crítico-social suscitado pelas explanações e registos oficiais.
Ainda segundo Louro (2013), embora exista uma noção singular de gênero e sexualidades, a escola permanece neste panóptico lugar de manter uma estrutura centralizadora, legitimando uma masculinidade e uma feminilidade na conformação dos gêneros. Ela ainda prossegue na esteira deste entendimento, e sugere que o papel dos educadores seria de desestabilizar estas "verdades únicas", revelando os interesses políticos de uma hegemonia comportamental. Neste sentido, é importante identificar pequenos, mas relevantes aspectos desta valorização de estereótipos; e a provável primeira manifestação destas verdades, parte das armadilhas providas pela nossa linguagem. Fato constatado nas discussões na sala de aula em que os alunos comprovavam entre si a representação dos estereótipos em suas falas e atitudes; textos e discursos nos quais o machismo e o sexismo é demonstrado sistematicamente, operado pelo senso comum.
A linguagem funciona como primeiro elemento transformador da capacidade do indivíduo de se relacionar, interpelando, discutindo, dialogando. No entanto, pode ser um instrumento de conquista e supressão de singularidades. Na escola não poderia ser diferente, vez que os currículos, as normas, as formas de avaliar, o material didático reproduzem as ideologias hegemônicas no que diz respeito aos comportamentos padronizados. Invariavelmente, ainda por uma questão de a nossa própria Língua Portuguesa flexionar os adjetivos e substantivos no masculino, refletindo uma verdadeira exclusão dos gêneros e privilegiando o sexismo linguístico. Os resultados obtidos neste momento são latentes, vez que alguns alunos observaram nos seus próprios livros didáticos a escolha da flexão do masculino plural para as sentenças onde os gêneros são tratados; não somente quanto à gramática, mas em todas as outras discuplinas.

Foto 2.

Neste momento, da apresentação do slide acima, os alunos são confrontados com a própria realidade da sala de aula. São instigados a observar o uso dos exemplos e da própria linguagem assumida pelos Não foi à toa que se preferiu a utilização do uso do "@", como elemento neutralizador da marca do gênero neste artigo. Esta neutralização também é demonstrada aos alunos para que tenham contato com esta linguagem inclusiva, que não marca os gêneros e contempla uma acessibilidade maior e sentimento de pertença. Para Guacira Louro, "a linguagem institui e demarca os lugares dos gêneros não apenas pelo ocultamento do feminino, e sim, também, pelas diferentes adjetivações que são atribuídas aos gêneros" (1999:67). O objetivo foi promover este trabalho de conscientização do poder da linguagem em detrimento das singularidades de indivíduos, plenamente trabalhada pelas tirinhas usadas neste projeto que ilustram a escolha do masculino como forma de manutenção e perpetuação de um poder patriarcal, marcadamente machista e misógino.

Foto 3.


As relações são performadas por meio da repetição dos padrões estabelecidos nesta constância de binarização do que é ser homem e do que é ser mulher; quais os estigmas de ser um ou outro; quais a possibilidades e interditos e obviamente, o que é aceitável ou não. Nesta perspectiva, facilmente os alunos vão entendendo que o mundo e a prática que os cercam é mediada pelas linguagens utilizadas neste processo de interrelação pessoal. Momento, em que eles próprios relatam suas experiências com a questão vocabular, especialmente nas aulas de português; nos cumprimentos direcionados ao grupo (Bom dia meninos, bom dia a todos). A percepção é nítida, também, quando se promove uma reversão nestes cumprimentos, fato que os meninos não aceitam serem tomados por um todo feminino.
"A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o 'lugar' dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas. Através dos seus quadros, crucifixos, santas ou esculturas, aponta aqueles/as que deverão ser modelos e permite, também, que os sujeitos se reconheçam (ou não) nesses modelos [...] É indispensável questionar não apenas o que ensinamos, mas o modo como ensinamos e que sentidos nossos/as alunos/as dão ao que aprendem. Atrevidamente é preciso, também, problematizar as teorias que orientam nosso trabalho (incluindo, aqui, até mesmo aquelas teorias consideradas'críticas'). Temos de estar atentas/os, sobretudo, para nossa linguagem, procurando perceber o sexismo, o racismo e o etnocentrismo que ela frequentemente carrega e institui." (LOURO, 1997, p. 58 e 64).
A escola torna-se então este lugar de afirmação das diferenças, não porque elas devam existir, mas devido à qualidade própria da sua existência de abrigamento das diferenças; e como elemento fomentador destas diferenças por meio da perpetuação de valores, preconceitos, ideologias hegemônicas do comportamento, a resistência à diferença deve ser diariamente combatida. A diferença surge como elemento dinamitador destes binarismos, das polarizações comportamentais do que é ser masculino e ser feminino. Alcançamos então, a ligeira compreensão da existência de masculinidades, feminilidades, as expressões de sexualidades e expressões diversas de gêneros.
Guacira Louro faz um chamamento para que os docentes sejam desafiados (e deixar-se desafiar) pela emergência deste novo, que instiga deste profissional sensibilidade para ouvir, ver e sentir as múltiplas formas de arranjo destes sujeitos. Segundo ela, "o olhar precisa esquadrinhar as paredes, percorrer os corredores e salas, deter-se nas pessoas, nos seus gestos, suas roupas; é preciso perceber os sons, as falas, as sinetas e os silêncios (1997, p.59).
Um dos livros discutidos durante as oficinas deste projeto foi o trabalho de conclusão do curso de letras, intitulado: O príncipe, o mocinho ou o herói podem ser gays. Neste livro, em que a capa da segunda edição ganhou o busto de um homem simulando a clássica forma com a qual Clark Kent abria sua camisa para transformar-se em super-homem. A análise semiótica é de suma importância, vez que trabalha os estereótipos construídos pelo imaginário deste super-herói, embora sua orientação sexual esteja sempre questionada, como se fosse impossível a existência de um herói homoafetivo.
Por esta razão, a temática é trazida para este campo ontológico, para iniciar a discussão sobre a análise do discurso que sempre tratou dos estereótipos necessários para a construção dos papeis sociais de gênero. Segundo Bettelheim, "contos de fadas fornecem percepções profundas que sustentaram a humanidade nas longas vicissitudes de sua existência, uma herança que não é revelada às crianças sobe nenhuma outra forma tão simples, direta, e acessível" (2007, p. 37). Isto reflete que esta literatura sempre foi uma forma de reprodução e perpetuação destes valores que preconizam valores absolutos de uma heteronormatividade e hierarquização sexistas de um machismo. Representam a memória discursiva dos sujeitos que estão inscritos no conjunto social.
Durante as intervenções com os alunos a temática do conto de fadas é trazida aos alunos que são instados a contarem as histórias, cada um ao seu tipo de narração, repetem as mesmas situações. No entanto, são questionados a repensar o papel das personagens, principalmente as personagens femininas que se mostram indefesas e delicadas. Por outro lado, os personagens masculinos são os provedores da redenção e salvação destas meninas indefesas. Obviamente, esta provocação serve para que eles reflitam sobre o discurso por trás da ideologia existente nos contos. Para Cleudmar Fernandes, "os aspectos ideológicos e políticos, no discurso, apresentam-se semanticamente relevantes, pois refletem na interação entre os sujeitos, o lugar histórico social onde o discurso é produzido". E os meninos tomam consciência disso, quando analisamos, segundo as análises de Bruno Bettelheim, os aspectos psicológicos das personagens do conto João e o pé de feijão. Quando colocados em contato com a abordagem desta psicologia por detrás das simbologias, que revelam a vaca sem leite como a mãe que desmama o filho, e este sendo instado a se transformar no homem da casa para trazer proventos para a família miserável, os alunos começam a refletir sobre os papeis que são permeados pelos valores adotados na sociedade.
Mas, abatendo o pé de feijão, João não se liberta apenas de uma imagem do pai como ogro destrutivo e devorador; também abandona sua crença no poder mágico do falo como meio para conseguir todas as coisas boas da vida. Cortando o pé de feijão, João abjura as soluções mágicas e torna-se "verdadeiramente um homem". (BETTELHEIM, 2007.p. 229)
Talvez seja mais difícil de lidar com estas informações porque não há uma direta associação entre o ogro e o pai, e o pé de feijão e o falo, fato que deixam os alunos reflexivos sobre as novas imagens que são produzidas com a reinterpretação.
Além dos contos de fadas reanalisados, há um momento para se pensar na produção contemporânea deste gênero literário, no qual as personagens ganham novos discursos inclusivos e representatividade positiva em relação a temas e personagens. Neste momento são citados livros infantis que abordam a temática LGBT, tais como Tango and Tango makes three, King and King e do escritor piauiense Flávio Brebis, Tuda, que protagoniza uma personagem infantil com uma orientação transexual.
O livro "Tuda: uma história de identidade" demonstra por meio de suas ilustrações e de uma forma bastante poética e simbólica, conceitos básicos de identidade de gênero, direitos humanos, a importância dos direitos e respeito às diferenças, conteúdos estes que, na maioria das vezes, são pouco trabalhados em sala de aula. Nesse contexto, a escola deve se constituir como um espaço democrático, procurando desempenhar sua função social principal de proporcionar momentos de debates e discussões acerca de questões sociais e permitir o desenvolvimento da criticidade no indivíduo. (NOGUEIRA, 2016)
A ideia é permitir que a literatura fosse um caminho para a discussão de temas outros que visibilizassem as problemáticas de nossa sociedade, não somente promovendo o debate sobre a homossexualidade, mas a violência de gênero que é reforçada pelo machismo e sexismo na linguagem, no comportamento e até mesmo na pedagogia de professores e educadores. A intenção deste diálogo com os alunos visa criar senso crítico em relação aos assuntos mais urgentes no que diz respeito a diversidade sexual e a dignidade destas pessoas, garantindo um espaço para a compreensão de direitos, anseios e necessidades que são inerentes a toda e qualquer subjetividade.
As oficinas serviram para por em prática as ideias trabalhadas na palestra introdutória, com base nas atividades sugeridas na cartilha preparada para especificamente para este projeto.
A cartilha consiste num programa de orientação sobre o projeto em si e as atividades a serem desenvolvidas durante os três dias de encontros. Seu sumário se subdivide em: I PARTE (1.Apresentação do projeto, 2.Apresentação das obras escolhidas, 3.Desconstruindo o gênero, 4.Literatura e Diversidade: 4.1 O que é Literatura?, 4.2 Literatura homoafetiva; 5. Roda de Conversa: 5.1. Literatura infantil de temática homoafetiva; II PARTE (6.Oficina de escrita, 7.Leituras dramáticas, 8. Glossário, 9. Referências Bibliográficas)

Foto 4.

Instados a produzir textos mediante provocações das tirinhas sugeridas, diversos temas eram abordados, como: preconceito de gênero e orientação sexual; bullying, LGBTfobia entre outros, os alunos eram estimulados a escrever sobre esta experiência nova de entender o Outro, apontando dificuldades, medos, superações, direitos, interditos, liberdades e questões relacionadas à cidadania.
Dividida em várias atividades, as oficinas permitiam que eles expusessem seus pensamentos adquiridos, suas experiências próprias e análises conjunturais da sociedade em que vivemos. Ora eles deveriam escrever textos em que tematizassem suas próprias vidas, sentimentos e experiências, numa tentativa de resgate de valores internos e da autoestima; ora eles trabalhavam a possibilidade de se imaginarem na outridade da experiência, neste momento, deveriam "fazer de conta" que performariam outros identidades. Fato que realmente as colocariam neste exercício ontológico de ver o outro e todas as suas dificuldades.
Ao término desta atividade deveriam relatar, espontaneamente, suas produções, dividindo com os outros alunos a experiência de como se viam e como viam o Outro. Aspectos da subjetividade e individualidade foram trabalhados com o objetivo de discutir os temas tratados, identificando deficiências e potencialidades, tanto em si, como nestes Outros. Estas práticas foram construídas e elaboradas com inspiração nas atividades encontradas no livro: Educação e sexualidade: Identidades, família, diversidade sexual, prazeres, desejos, preconceitos, homofobia...organizado por Paula Regina Costa Ribeiro, editora da FURG, 2008.
A finalização do projeto foi promovida com a atividade de leitura dramática da peça Uma cama quebrada, por meio de pequenos esquetes, trabalhando a questão dos novos arranjos dos afetos, refletindo as novas exigências da LDBEN, lei 9394/96, que preconiza a utilização das artes como música, dança e teatro como forma de incentivar o desenvolvimento pessoal do indivíduo e a preservação da cultura nacional.



5.CONCLUSÕES

A trajetória do projeto revelou duas realidades: como os alunos estão sedentos do conhecimento das diferenças e como estas diferenças se equiparam diante de tantas distâncias geográficas. Estas constatações refletem a necessidade da informação como instrumento de criação de uma criticidade em relação aos temas, bem como da velocidade da dinamicidade das mudanças das estruturas sociais no que diz respeito aos papeis sociais desempenhados por esta população jovem. Ao se estabelecer normas legais e comportamentais os regramentos sociais criam estes espaços de resistências aos modelos estabelecidos, então a escola se torna este pequeno microcosmo panóptico. E, portanto, também, o espaço para as diversas perfomatividades e subjetividades.
Neste diapasão, o objetivo do projeto foi alcançado, permitindo que os alunos entrassem em contato com esta outridade de perfomações de gênero e de orientações sexuais, com o intuito de sensibilizá-los quantos as problemáticas do bullying, da violência de gênero, do preconceito linguístico e social pelos quais os indivíduos com características não hegemônicas passam no dia a dia. Vale relembrar a postura de uma menina travesti de 14 anos, estudante da escola púbica de ensino médio de Manaus, que estava na idade própria e dentro da sala da aula. Não se tornou, ainda, estatística de evasão escolar ou de violência transfóbica. Fato que revelou a importância deste projeto não apenas na sua imediata destinação como instrumento de informação, mas, principalmente, como elemento de constatação da real necessidade de se acolher aquelas que estariam existencialmente fora de nosso convívio.






6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Trad. Arlene Caetano. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
BREBIS, Flávio. Tuda: uma história de identidade. Ilustrações de Claúdio de Sousa. Gráfica e Editora Qualidade. Brasília, 2014.
DIAS, Roberto Muniz. O Príncipe, o mocinho ou o herói podem ser gays: A análise do discurso de livros infantis abordando a sexualidade. Editora Metanoia. Rio de Janeiro, 2015.
FERNANDES, Cleudmar. Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. Goiânia. Trilhas Urbanas, 2005.
LOURO, G. L. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós- estruturalista. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 58 e 64.
LOURO, Guacira. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
NOGUEIRA, Sayonara. Identidade de gênero na prática pedagógica: uma reflexão sobre o livro "Tuda: uma história de identidade". Trabalho de Conclusão de Curso. Pós-Graduação em Coordenação Pedagógica pela Universidade Federal de Uberlândia. 2016.
TEIXEIRA, Cíntia Maria. Gênero e diversidade: formação de educadores. Belo Horizonte. Autêntica Editora; Ouro Preto, MG: UFOP, 2016.
RIBEIRO, Regina Costa. Educação e sexualidade: Identidades, família, diversidade sexual, prazeres, desejos, preconceitos, homofobia..., Editora da FURG, 2008.
SALIH, Sara. Judith Butler e a Teoria Queer; tradução e notas Guacira Lopes Louro. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.



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