Projeto pós-doc FAPESP (2016)

May 22, 2017 | Autor: F. Ramos Barbosa ... | Categoria: Lingüística, História do Brasil, Análise do Discurso, Semantica
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Alienados e vadios na cidade: discursos sobre o corpo negro e mestiço na Bahia do século XIX (1830-1880) Projeto de pesquisa apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como um dos requisitos para a solicitação de uma bolsa de Pós-Doutorado. Supervisor: Lauro José Siqueira Baldini (Linguística/Unicamp) Candidato: Fábio Ramos Barbosa Filho Instituição sede: Universidade Estadual de Campinas Resumo: Propomos neste projeto uma abordagem discursiva do corpo documental que, entre 1830 e 1880, textualiza e articula os domínios da loucura e da vadiagem na cidade de Salvador. Esse recorte compreende os rudimentos do alienismo brasileiro na transição entre um período pré-asilar e aquele que testemunhou o início da prática clínica e científica dos alienistas na segunda metade do século XIX, mais precisamente em 1852 (no Rio de Janeiro) e em 1874 (em Salvador) sem que, no entanto, houvesse um espaço universitário dedicado ao saber psiquiátrico (estabelecido somente em 1882). Para além de um debate meramente regional, esse é o período em que as questões médicas se articulam a duas discursividades distintas: de um lado, a questão da organização/controle social e higiene pública; de outro, o debate sobre as raças no ainda recente alienismo brasileiro que, fundamentado no saber e na prática clínica dos alienistas franceses, se depara com uma conjuntura social diversa que demanda outras práticas e enunciados para significar a relação entre normalidade, desvio e loucura em terras brasileiras. Nesse sentido, o arquivo sobre o controle da errância e da loucura negra na cidade se desdobra em uma extensa documentação que atravessa diferentes instituições: um percurso em que o domínio da indistinção dá lugar a uma especialização e a uma distinção progressiva, a outra forma de textualizar a cena urbana, a itinerância e a alteridade diante das camadas negras pobres. Queremos, portanto, compreender de que modo as instituições (sobretudo a Santa Casa de Misericórdia, a Polícia e o Asilo) inscrevem/escrevem no arquivo (ofícios policiais, diagnósticos e pareceres médicos, revistas médicas e correspondências entre as diferentes instituições) a forma institucional do controle social quando o objeto dessas textualizações é o corpo negro. A pesquisa, que se desenvolve no âmbito do centro de pesquisa PoEHMaS (“Política, Enunciação, História, Materialidades, Sexualidade”), e fomenta os debates/atividades do projeto de pesquisa PHIM (“Projeto História, Inconsciente, Materialidades”), busca avançar na exploração teórica e heurística diante do documento textual, possibilitando outras formas de compreensão do arquivo no quadro da análise de discurso, além de explorar as fronteiras entre língua, história e saber psiquiátrico/etnopsiquiátrico no Brasil, fornecendo subsídios para pesquisas em outros campos do conhecimento. Palavras-chave: língua; história; discurso; loucura; vadiagem; controle social; arquivo; documento. Campinas, SP/ Novembro de 2016.

Mads and vagrants in the city: discourses on the black and mestiço bodies in the nineteenth century Bahia (1830-1880) Research project presented to the São Paulo Research Support Foundation, as one of the requirements for requesting a postdoctoral fellowship. Supervisor: Lauro José Siqueira Baldini (Linguistics/Unicamp) Candidate: Fábio Ramos Barbosa Filho Host institution: State University of Campinas

Abstract: In this project we propose a discursive approach of the documentation that, between 1830 and 1880, textualizes and articulates the domains of madness and vagrancy in the city of Salvador. This approach comprehends the rudiments of the Brazilian alienism in the transition from a pre-asylum period to that which has witnessed the beginning of a clinical and scientific practice of the alienists in the second half of the nineteenth century, more precisely in 1852 (Rio de Janeiro) and 1874 (Salvador) without, however, the existence of an academic space dedicated to the psychiatric knowledge (only established in 1882). Beyond a simple regional debate, this is the period in which medical questions are articulated in two distinct discourses: on the one hand, the question of social organization/control and public hygiene; on the other, the debate about races in the still recent Brazilian alienism that, based on the knowledge and clinical practice of the French alienists, encounter a different social conjuncture that demands other practices and words to signify the relation between normality, deviation and madness in Brazil. In this sense, the archive on the control of the wandering and “black madness” in the city unfolds in an extensive documentation that crosses different institutions: a path in which the domain of the indistinction gives rise to a progressive specialization and distinction, to another form of textualizing the urban scene, the nomadism and the alterity. We therefore want to understand how institutions (especially the Santa Casa de Misericórdia, the Police and the Asylum) inscribe/write in the archive (police offices, diagnoses, medical journals and correspondence between the different institutions) the institutional form of social control when the object of these textualizations is the black body. The research, which is developed within the framework of the PoEHMaS research center (“Politics, Enunciation, History, Materialities, Sexuality”), and promotes the debates / activities of the research project PHIM (“Project History, Unconscious, Materialities”), aims to advance in the theoretical and heuristic exploration in front of the textual document, allowing other forms of understanding the archive within the framework of discourse analysis, besides exploring the borders between language, history and psychiatric/ethnopsychiatric knowledge in Brazil, providing elements for researches in other knowledge fields. Keywords: language; history; discourse; madness; vagrancy; social control; archive; document. Campinas, SP/ November, 2016.

1. Enunciado do problema

Este projeto tem como objetivo primeiro o estudo da extensa documentação produzida por instituições da cidade de Salvador a respeito dos alienados e vadios negros e mestiços no século XIX, figuras típicas da crônica urbana e do arquivo médico/policial nos oitocentos. Interessanos, em primeiro lugar, compreender nos documentos de que modo a significação dos negros e mestiços como alienados e vadios articula os discursos médico, jurídico e político na produção de uma espécie de política da alteridade no espaço urbano que significa certos sujeitos como aqueles que não devem/podem participar da cena pública. Essa questão nos remete a outras: a) como distinguir, antes do advento dos asilos, o alienado do vadio (e até mesmo do criminoso), já que ambos eram tratados do ponto de vista coercitivo de maneira praticamente indistinta pelas instituições baianas?; b) de que forma os processos de significação são reformulados quando da organização de um saber científico relativamente autônomo (o alienismo) e de um espaço de controle (o asilo)?; c) de que forma circula nos jornais e inclusive nos jornais médicos o discurso sobre o alienado e o vadio na cidade?; d) o que especifica essa miríade enunciativa quando que está em questão é organização da sociabilidade e do limite entre a diferença tolerável e a alteridade inegociável na cena pública, dando visibilidade à articulação entre os domínios da pobreza urbana, da medicina, do direito e das políticas públicas? Essas perguntas nos conduzem a outra questão fundamental que transcende o recorte histórico e que concerne ao âmbito da teoria e do método: a especificidade da análise de discurso diante da historiografia1. Um dos objetivos deste projeto é, portanto, investir na compreensão da especificidade de um trabalho com o documento que, sem desconsiderar o método historiográfico, compreende a inscrição dos acontecimentos no documento a partir da articulação entre língua e história. Essa forma particular de escrita, determinada pelo processo metafórico e por uma textualização do acontecimento que nega qualquer implicação epifenomênica, vai determinar os modos de articulação, sempre equívocos e contraditórios, do real da história e do

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O desenvolvimento de uma análise de discurso que coloca em questão o problema da relação entre os domínios do linguístico e do histórico como objeto primordial remonta a um campo aberto sobretudo na década de 1970, quando da publicação dos livros Histoire et linguistique de Régine Robin em 1973 e Discours et Archive: expérimentations en analyse du discours pelos linguistas e historiadores Régine Robin, Denise Maldidier e Jacques Guilhaumou em 1994, este reunindo, porém, trabalhos publicados entre 1976 e 1990. Pensando o discurso como objeto da história, os “historiadores do discurso” dão início a um debate fundamental na interseção entre a língua (como estrutura equívoca e atravessada pelo não unívoco) e a história (como o espaço das temporalidades diferenciais e das contradições em uma formação social) fora de qualquer complementariedade ou fusão entre os dois campos, mas tomando o discurso como objeto da história e propondo uma interpretação radicalmente original do arquivo e do acontecimento.

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real da língua com o dizer das instituições compelidas a inscrever pela escrita o acontecimento nos documentos. 1.1 Corpos perigosos na “cidade assustada” [...] a perturbação da papelada dos pobres, esta perturbação que invade o tempo perdido e coloca a história fora da verdade, requer para apaziguar-se uma teoria determinada das relações entre a ordem do discurso e a ordem dos corpos; uma teoria determinada do sujeito falante, das relações entre o sujeito, o saber, a fala e a morte. Jacques Rancière, “Os nomes da história”

Em 1830, Salvador era a segunda maior cidade brasileira em importância comercial. Como se sabe, desde 1763, com a mudança da capital para o Rio de Janeiro, a cidade da Bahia perdera não somente o protagonismo político, mas também econômico. A despeito dessa perda, a cidade continuou fervilhante, sobretudo no seu movimentado porto e na Cidade Baixa graças, sobretudo, ao intenso fluxo de mercadorias e pessoas que saíam e chegavam à cidade, seja por navegação de cabotagem (operada principalmente pelo abastecimento de gêneros alimentícios entre Salvador e seu Recôncavo) seja por relações comerciais com o mercado internacional, aí compreendido o tráfico de escravos. Chegavam e partiam também viajantes. Exploradores, cronistas – “viajantes-autores”, nos termos de Biasin2 – que escreviam deslumbrados de espanto, terror e admiração, as paisagens, os cenários urbanos e as relações sociais pitorescas da cidade. E os que por aqui estiveram registrando as suas impressões não deixaram dúvidas: tratava-se de uma cidade eminentemente negra. O médico e cronista alemão Robert Avé-Lallemant, em visita a Salvador no ano de 1859, afirmou que se não se soubesse que ela fica no Brasil, poder-se-ia tomá-la sem muita imaginação por uma capital africana, residência de poderoso príncipe negro, na qual passa inteiramente despercebida uma população de forasteiros brancos puros. Tudo parece negro: negros na praia, negros na cidade, negros na parte baixa, negros nos bairros altos. Tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega é negro; até os cavalos dos carros na Bahia são negros. A mim pelo menos pareceu que o inevitável meio de condução da Bahia, as cadeirinhas, eram como cabriolés nos quais os negros faziam as vezes de cavalos (Avé-Lallemant, 1961 [1859], p. 20)

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Biasin, 2011. 4

O impressionado alemão não se enganou. As estimativas apontam que Salvador possuía uma população de aproximadamente 65.000 pessoas em 1835 3. O historiador João José Reis afirma, ainda, que “a população africana e afro-baiana, incluindo escravos e livres, aumentou 39 por cento, e sua proporção em relação ao total de habitantes pulou de 64 para 72 por cento” (Reis, 1986, p. 15) em apenas trinta e três anos, entre 1775 e 1807. Os pretos – como eram chamados os negros africanos – compunham um setor basicamente escravo (79%) em um cenário onde o trabalho na cidade e do campo possuía quase toda a escravidão movida pela mão de obra vinda do outro lado do Atlântico. Mesmo assim “todas as estimativas sobre Salvador reportam sempre um número de escravos inferior ao de livres e libertos” (ibidem, p. 16), embora essa diferença não seja tão larga. Em 1835, estima-se que 42% da população era composta por escravos e o restante, 58%, de libertos e livres. Os negros, em suma, contabilizavam 71% da população. Eram muitos e eram temidos por serem muitos, mas sobretudo por uma recente e ardente memória da insubmissão, da rebeldia e dos levantes, que impôs às elites políticas e comerciais o temor – ou o “medo branco”, como bem analisou em uma obra incontornável a historiadora Célia Maria de Azevedo 4 – como pressuposto das relações sociais, como medida da alteridade na Bahia oitocentista. O rumor insurgente5, ancorado na sempre viva memória de uma revolta negra iminente, e a legislação antiafricana/antinegra dividiram o espaço dos sentidos, dos enunciados e das práticas políticas e jurídicas. É nesse sentido que adotamos a expressão corpos perigosos para tratar dos sujeitos (mesmo que não lhes fosse concedida uma plena substância jurídico-política) que na fala pública – jornais, rumores registrados pelo arquivo – ofereciam risco à suposta homogeneidade do imaginário das elites políticas e econômicas do Brasil, que ameaçavam o corpo político, os “cidadãos” e que regulavam a discursividade 6 da diferença e da alteridade no espaço político. Os corpos perigosos eram, ao mesmo tempo, os mais vulneráveis às arbitrariedades das instituições e das autoridades, estando expostos de forma distinta à violência de Estado. Violência que se exercia não apenas no conceito jurídico de pessoa, mas no corpo: encarceramento, interdição a certos espaços, agressões e assassinatos. Foi também sobre o corpo, conforme veremos, que grande parte da teoria sobre a “loucura negra” se desenvolveu a partir de uma íntima relação do

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A hipótese utilizada aqui foi proposta por Reis, 1986. Azevedo, 1987. 5 Buscamos definir, ainda que sumariamente, o “rumor insurgente” na nossa tese de doutorado. Cf. Barbosa Filho, 2016. 6 Quando dizemos “discursividade”, fazemos referência à língua funcionando enquanto materialidade equívoca atravessada pela história. 4

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alienismo e do direito com as teorias raciais em voga no século XIX, sobretudo a partir da intervenção de Joseph Arthur de Gobineau no debate sobre a desigualdade das raças7. Isso porque, embora os negros (escravos ou libertos) fossem indispensáveis para o funcionamento da atividade comercial de Salvador no século XIX, o escravismo exasperava as tensões entre as classes e tornava a cidade um campo de batalhas. Desde 1807 as conspirações, insurreições e revoltas negras foram sistemáticas, ganhando proporções ainda mais drásticas após a independência, entre 1822 e 18238 e tornando-se a grande preocupação das autoridades da província nos oitocentos9. O pavor do “haitianismo” (a revolta negra que subverteu as relações de poder no pais caribenho), fez com o que o já mencionado “medo branco” se institucionalizasse.

A institucionalização do medo e a repressão pós-1835

Em 1830, com a criação do Código Criminal, essa relação, então, ganha forma jurídica. O Código tipifica, no título IV, cinco crimes “contra a segurança interna do Imperio, e publica tranquilidade”10, dentre eles o crime de “insurreição”. Segundo o documento, configura insurreição “vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio de força”11. Nessa mesma época, no âmbito municipal, duas posturas chamam atenção: a de 25 de fevereiro de 1831 que estabelece “multa de 8000 réis ou quatro dias de prisão ao dono de tendas, botequins, tavernas e mais casas de mercado público que consentisse algazarras, jogos não permitidos por lei e demora de escravos”12 e a de 25 de fevereiro que proibia “batuques, danças e ajuntamentos de escravos em qualquer hora e lugar, sob pena de oito dias de prisão”13. O Decreto de 14 de dezembro de 1830 “estabelece as medidas policiaes, que na Provincia da Bahia se devem tomar com relação aos escravos, e aos pretos forros africanos”. O artigo 3° desta lei é fundamental para que se compreenda a que ponto estavam as relações de hostilidade. Diferentemente das leis medidas em relação, o artigo diz o seguinte:

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A esse respeito, cabe compreender de que forma não apenas Joseph Arthur de Gobineau, mas alienistas como Benedict Morel, que desenvolveu a teoria da degenerescência humana, costuram no discurso médico e político do século XIX a radicalidade da diferença desigual do corpo do negro. Essa articulação entre doença mental e raça é fundamental para que compreendamos a especificidade do discurso que atravessa os documentos que serão por nós trabalhados, na medida em que o problema toma uma forma singular no Brasil oitocentista. A esse respeito, os trabalhos de Ana Maria Raimundo Oda e Paulo Dalgalarrondo – ambos professores e pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas – tematizam essa articulação de forma incisiva. 8 Reis, 2003 (especificamente os capítulos 3 e 4 da parte I). 9 Ferretti, 1988; Reis, 2007. 10 Código Criminal do Império do Brasil (CCIB), 1830, pp. 12-13. 11 Ibidem, p. 13. 12 APEBa. Guia de fontes para a história da escravidão negra na Bahia, 1988, p. 48. 13 Idem. 6

Art. 3° Nenhum preto, ou preta, forros africanos, poderá sahir da cidade, villas, povoações, ou fazenda, e prédio, em que fôr domiciliario, á titulo de negocio, ou por outro qualquer motivo, sem passaporte, que deverá obter do Juiz criminal, ou de Paz lugar, a arbitrio das partes, os quaes sómente lh’o concederão, precedento exame da regularidade da sua conducta por meio de tres testemunhas, que a abonem (caso não seja conhecida e abonada pelo mesmo Juiz) e em taes passaportes não sómente se indicará o nome do indivíduo, que o requereu, seus mais disctintos signaes, e o lugar para onde se encaminha (como é de costume) mas tambem se designara o tempo, por que devam durar os ditos passaportes, po quanto ha toda a preseumpção, e suspeita de que taes pretos são os incitadores, e provocadores de tumultos, e comoções, á que tem se abalançado os que existem na escravidão.

O ápice desse cenário repressão e controle foi a revolta dos malês, em 1835: a maior e mais ousada insurreição negra da história do Brasil, quando cerca de seiscentos africanos muçulmanos se reuniram na noite de 24 para 25 de janeiro objetivando a tomada do poder político da província14. A revolta dos malês é um ponto decisivo na construção de uma legislação repressiva em todos os domínios da vida social: trabalho, circulação, domicílio. A partir de 1835 os negros, mas sobretudo os africanos, foram submetidos a um regime de controle irrestrito que ia da deportação compulsória à vigilância obsessiva aos que ousavam ficar na província da Bahia. Os africanos passaram a ser, de acordo com uma resolução da Assembleia Legislativa da Província, aqueles que “não podem jamais ser considerados cidadãos brasileiros”. Na mesma resolução, lemos que “o espírito de rebelião e despeito que os libertos africanos acabem de manifestar neste País, requer imperiosamente que tratemos dos meios de restituí-los à sua Pátria”15. É interessante observar aqui como “espírito de rebelião e despeito” condensa a alteridade impossível e como “requer imperiosamente que tratemos dos meios de restituí-los à sua Pátria” parafraseia “não podem jamais ser considerados cidadãos brasileiros” já, porém, embutindo uma solução ao reconhecimento do problema: a deportação. Afirma-se, ao mesmo tempo, que o Brasil não é nem a pátria dos africanos libertos e nem a pátria onde podem florescer “o espírito de rebelião e despeito”. Há, na definição positiva do africano liberto, uma definição do cidadão brasileiro como aquele que não manifesta/não pode manifestar “o espírito de rebelião e despeito”. Definia-se o brasileiro como negação do africano. Diante desse cenário de diferenças inegociáveis, rumores generalizados fizeram com que uma onda de boatos e estórias fantásticas tomassem conta da fala pública na cidade de Salvador. O rumor, porém, não possui efeitos apenas imaginários. Reis ressalta que “o espírito de retaliação, muitas vezes produto do temor de uma nova revolta, tomou conta de boa parte da população livre” (Reis, 2003, p. 425) dando efeitos violentos ao dizer. Isso fez com que a materialidade do rumor produzisse além da angústia, tragédias. No dia seguinte ao levante dos 14 15

Reis (2003) faz uma análise ampla da revolta dos malês a partir de uma vasta documentação. Resolução da Assembleia Legislativa Provincial da Bahia citada por Reis, 2003, p. 479. 7

malês, um grupo de comerciantes armados na conceição da Praia matou dois africanos por achálos suspeitos.

O corpo negro como lugar de memória

É essa memória do corpo negro que determina, de modo geral, a sua relação com as instituições formais do Estado brasileiro ao longo do século XIX. As consequências institucionais, portanto, passam pela adoção de um regime da suspeição generalizada que transformava indícios em provas categóricas e que não poupou os negros de uma retaliação violenta. Em janeiro de 1835, o próprio chefe de polícia reconheceu que os “sucessos” da repressão tinham gerado abusos, “a um ponto tal que, hoje, já dão motivos sufficientes a queixas bem fundadas, pois que os soldados prendem, espancam e ferem, e mesmo matam os escravos que por mandado de seus Srs. vão á rua”16. O padre Étienne Ignace reforçou, afirmando que “nem aos inocentes poupou a soldadesca encolerizada”17. O encontro entre os corpos perigosos e a “cidade assustada” – expressão utilizada por um comerciante inglês para definir o ânimo de Salvador após o levante de janeiro – deu forma a um impiedoso conjunto de leis e posturas que limitavam em todos os domínios a presença dos negros na cidade de Salvador. Um relatório do chefe de polícia ao presidente da província sintetiza bem o cenário: “Devo dizer que este negro trazia uma banda vermelha amarrada à cintura com as pontas caídas até o joelho direito, distintivo talvez de seu posto entre os outros, e gritava socorro desde o lugar em que foi encontrado até o Gravatá, de uma maneira tal que indicava estar convencido que o salvariam; esse africano é forro e o acho perigoso ao sossego público e por isso conviria ser deportado”18 Na Bahia escravista do século XIX, o corpo negro não significava apenas o corpo laboral, o corpo servil, consignado ao trabalho, mas o corpo perigoso. Entre o “talvez” e o “indicava” – que fundamentam o “acho perigoso” – o corpo era um espaço de sentido, a confluência de uma memória (saturada no discurso do “negro insurgente”) com uma atualidade (um conjunto de indícios). O corpo era, pois, o espaço da suspeição generalizada. Indícios eram provas, suspeitas eram garantias categóricas de culpa e, sobretudo, incitavam um regime de punição cada vez mais arbitrário.

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Relatório do chefe de polícia da Bahia, dirigido ao presidente da mesma província, 29 de janeiro de 1835, citado por Ignace, 1909. 17 Ignace, 1907. 18 Correspondência do chefe de polícia endereçada ao presidente da província da Bahia em 1844, citado por Araújo, 2009, p. 155. 8

As políticas de controle eram, então, centradas no corpo. Seja por uma vigilância cada vez mais incisiva, beirando a obsessão, seja pela adoção de medidas de identificação como chapas de metal no pescoço19. Os corpos perigosos eram distinguidos, catalogados, inscritos no arquivo para estarem sempre disponíveis aos olhos e às mãos do Estado. Quando tratamos da questão do controle (e da revolta) a partir do viés do corpo (e não do “trabalhador” ou do “indivíduo”) é para acentuar a radicalidade das práticas de Estado e do poder econômico que se desenvolvem não apenas sobre o conceito jurídico de “pessoa”, mas sobre a materialidade corporal desses sujeitos: sobre a carne, sobre a pele. Na conjuntura dos oitocentos, o corpo negro é base de processos de significação. É marcado e significado materialmente, pela inscrição, pela ranhura na carne, ou por metáforas e metonímias que jogam com um corpo fragmentado (“braços”, “ombros”). Esses corpos, no entanto, não são indiferentes a todas essas determinações: são corpos (por)que20 resistem e, sobretudo, simbolizam, significam essa resistência. Corpos que falam, gritam, debocham, ironizam, se organizam politicamente, intrigando o arquivo e instigando o rumor. Corpos táticos, políticos, simbólicos, que deixam – mesmo que lateralmente – traços no arquivo.

1.2. Loucura e vadiagem

Na primeira parte deste projeto fizemos um breve panorama das relações de hostilidade e dos discursos que foram construídos no embate entre as autoridades políticas, a elite comercial e a população (branca) baiana diante da presença dos africanos libertos e dos negros na Bahia na conjuntura dos oitocentos. A intolerância, o racismo e a violência contra os negros foram, de 1835 em diante, a forma protocolar das relações sociais. Acreditamos que o panorama apresentado, ainda que sumariamente, permite que tratemos de outra discursividade (que nos interessa de modo pontual e que norteará o desenvolvimento da nossa pesquisa) produzida em outro estrato, que possui uma temporalidade distinta e própria, mas que não é indiferente à conjuntura escravista e ao aumento progressivo da pobreza urbana: a formação do saber – e do discurso – médico, que inaugura não apenas outras formas de compreensão do corpo doente, mas novas concepções de cidade baseadas na higiene e na salubridade. As práticas de assistência aos loucos (que articularam de forma substancial o discurso político, da caridade e do alienismo) se desenvolvem em consonância a uma política No trabalho de tese, nos detivemos na postura municipal que obrigava os ganhadores – negros, escravos e libertos, sobretudo africanos, que faziam o transporte de pessoas e coisas nas ruas da cidade – a utilizar uma chapa de metal no pescoço para continuar exercendo o ofício de carregadores de pessoas e coisas. Cf. Barbosa Filho, 2016. 20 Como afirma Baldini, “é justamente porque se trata de um corpo, e não de um organismo, que há resistência” (Baldini, 2010, p. 60). 19

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integrada de controle dos pobres livres no Brasil. Esses domínios, embora possuam a níveis históricos distintos e particulares21, se articulam na conjuntura da Bahia oitocentista. Gostaríamos de dar visibilidade, portanto, ao entrelaçamento de três discursividades: a) a do alienismo brasileiro do século XIX, que tem como temas fundamentais a questão da loucura articulada aos aspetos sociais22; b) a da organização urbana, que funciona fundamentalmente a partir de uma disposição do espaço da circulação e da presença através de uma redistribuição dos corpos na cidade23; e c) ao discurso jurídico, por uma compreensão desses dois campos a partir de um diálogo institucional com o poder político. Raça e alienação: “um país doente porque mestiço”

Não faltam elementos para esse tripé no saber científico oitocentista: desde os trabalhos de Philippe Pinel e Jean-Étienne Esquirol, na França, o corpo não é apenas o suporte de funções fisiológicas, mas um espaço indiciário, uma materialidade significante 24. No Brasil, essa dimensão ganha uma determinação acessória no discurso médico após a eleição já na segunda metade do século XIX não apenas do negro, mas do mestiço como problema fundamental da sociedade brasileira25. Esse, no entanto, não era um pressuposto original. A psiquiatra Ana Maria Raimundo Oda afirma que no século XIX

teorias deterministas climáticas e raciais estavam em voga na Europa, e logo tais ideias chegariam ao país; e, como tais teorias não nos eram nada favoráveis, os pensadores brasileiros viram-se obrigados a refletir sobre o futuro de um país mestiço num clima tropical, ou seja, duplamente fadado ao insucesso, pelos parâmetros deterministas (Oda, 2003, p. 39)

Ou seja, além do corpo desarrazoado do alienismo, o saber médico buscava também no corpo negro e mestiço a justificação para uma determinação biológica e racial do social. Os efeitos sociais dessa confluência permitem que pensemos no corpo negro – a partir do enfoque discursivo – como um espaço de articulação de diversas discursividades. A historiadora Maria Tucci Carneiro ressalta que no Brasil oitocentista “a marca dos estigmas se entrecruzam envolvendo, numa só trama, o mendigo, o louco, o negro, o leproso, o desajustado, a prostituta” (Carneiro, 1993, p. 146), ou seja, diante de um conjunto de estigmas que atravessa e ressignifica a particularidade de cada uma dessas determinações. A respeito do conceito de “temporalidade diferencial”, ver Althusser, 1975. Machado, 1978; Oda, 2003. 23 Fraga Filho, 1996. 24 Lagazzi, 2010. 25 Scwarchz (1996) faz um balanço dos usos da noção de mestiçagem ao longo do século XIX. 21 22

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Se o saber médico e a política de contenção dos pobres (e) negros na cidade também se fazem diante de uma crescente articulação entre mestiçagem e degenerescência 26 é na Bahia que esse debate em torno da loucura, da criminalidade e da vadiagem é radicalmente racializado a partir de um debate amplo em torno da loucura e da vadiagem negra. O interessante, para nós, não é pensar de que modo cada uma dessas determinações funciona isoladamente no arquivo que as instituições da Bahia oitocentista construíram sobre a pobreza urbana, mas como os documentos textualizam essa articulação: quais palavras, quais enunciados e relações de justaposição, na língua, permitem que compreendamos os efeitos discursivos mobilizados no discurso sobre a população significada como criminosa, itinerante, exterior às relações laborais e alienada.

O corpo das normas

Desde o advento da Constituição de 1824, do Código Criminal o Brasil de 1830 e do Código de Processo Criminal de 1832 o Brasil passava a ter um ordenamento jurídico que tinha efeitos diretos sobre a pobreza urbana e mesmo sobre a loucura, no que tange à responsabilidade penal. Vale ressaltar que no século XIX, alienação mental significava

a condição de certos indivíduos, cujos comportamentos aberrantes eram socialmente incômodos ou tomados como perigosos para si ou para outrem, e nos quais se reconhecia o caráter estranho aos ditames da razão – a loucura, enfim (Oda, 2003, p. 41).

O alienado era também definido pela negação, como aquele que não poderia ser responsável perante o direito. Ele deveria, ao contrário “ser protegido de si e dos demais, e para tal tinha seus direitos restritos e sua liberdade controlada” (idem). Diante da questão da responsabilidade, o saber médico também se ocupou da disputa pelos sentidos desse corpo. A figura do “médico político” era uma das marcas da intervenção médica no debate público. Nas revistas médicas27 a sociedade brasileira é textualizada como um corpo doente: para a medicina oitocentista “não se trata de pensar no indivíduo, mas na ‘coletividade’, na nação enfraquecida e carente de intervenção” (Schwarcz, 1993, p. 200). A esse respeito, houve um extenso debate em torno da construção do Asilo Dom Pedro II – efetivamente construído em 1852 –

no Rio de Janeiro. Os médicos foram enfáticos na

caracterização do alienado como aquele cuja itinerância na cidade devia ser controlada, vigiada 26 27

Schwarcz, 1993. Me refiro aqui à Gazeta Médica da Bahia (GMB), corpus fundamental desta pesquisa. 11

ou completamente suprimida. Já em 1835, o médico José Francisco Xavier Sigaud impôs às autoridades políticas o seguinte questionamento:

Por que medidas a Câmara Municipal pode prevenir a presença de doidos nas ruas? Por que meios coercivos podem impedir que eles sirvam de divertimento aos que transitam? Só um existe, é a fundação de um hospício de doidos, ou o estabelecimento de uma casa de saúde, primeiramente em ponto pequeno, e que gradualmente se vá aumentando. O aluguel de uma casa grande fora da cidade, em sítio arejado, com sombra e água corrente, as demais despesas que exige o tratamento de cinqüenta doidos, e de dez guardas, não constituem uma soma enorme, acima dos meios pecuniários da primeira Câmara Municipal do Império. A mobília de uma casa de doidos não é objeto de excessiva despesa, seu sustento nada de suntuoso tem, seu vestuário nada que cheire a luxo. Além do que, recebendo doidos pensionistas, trazidos por famílias que suspiram pelo momento em que se livrem de um tão gravoso fardo, far-se-ia face a quase todas as despesas que requer a manutenção de um hospício, criado no princípio em pequenas proporções (Sigaud, 2005 [1835], p. 561)

A articulação entre o discurso médico, urbanístico e jurídico vai produzir não só a figura do alienado, mas um lugar (o asilo) e uma prática (a internação). E se o controle do qual buscamos fazer um panorama na seção anterior, se dirigia, sobretudo, a homens, livres ou escravos, que estavam inseridos na trama das relações econômicas, comerciais e laborais da cidade, o que nos interessa de forma mais incisiva neste projeto é compreender como se dava a relação com aqueles que não tinham nem ofício, nem residência em um cenário onde a pobreza urbana não cessava de aumentar. Como os “loucos de todo gênero”28, como os vadios, sem “ocupação honesta”29 e os conduzidos pelas forças policiais por algazarras, furtos ou ainda, no caso particular daquele certo Eduardo, “por ter sido encontrado fora de hora”30, ato criminoso nos idos de 1857, eram significados pelos documentos das instituições baianas dos oitocentos? “Pobres loucos!”: os alienados e a necessidade do asilo

Rios, em seu estudo sobre a construção do primeiro asilo de alienados de Salvador, afirma que

no velho Terreiro de Jesus, na Faculdade de Medicina da Bahia, uma discussão já iniciada nas décadas de 1856, 1857 e 1858 pelos médicos Góes Siqueira, Demétrio Tourinho, entre outros, indicava algum movimento em torno de uma questão que incomodava a vida da cidade, já fazia muito tempo: o que fazer com os loucos, os alienados, mentecaptos, maníacos, que ora vagavam pelas ruas, becos, ladeiras e praças da velha cidade, ou provocavam o constrangimento das autoridades políticas e médicas em razão da situação deplorável a que estavam submetidos, quando recolhidos à

28

CCIB. APEBa, Juízes de paz, 2681, citado por Fraga Filho, 1996. 30 APEBa, Polícia, 6481. 29

12

enxovia da Casa de Correção ou às furnas do Hospital de São Cristóvão (Rios, 2006, p. 26);

Os alienados e vadios, aqueles que incomodavam, estavam compreendidos dentre os membros de uma classe perigosa que alterava não apenas a dinâmica ordinária, a organização da cidade, mas a ambiência urbana, o seu aspecto estético em pleno período em que o debate em torno da modernização não previa a presença dos negros na cidade, resquícios do passado arcaico e colonial31. E o projeto político oficial de contenção desses sujeitos foi o asilo. Por isso, talvez não tenha sido mero acaso a inauguração quase simultânea do asilo de alienados São João de Deus e do Asilo de Mendicidade, entre 1874 e 1876. Ambos figuram como uma forma de reconfigurar o espaço desses sujeitos, desses corpos que alteram a paisagem da cidade e nos ajudam a pensar de forma conjunta os processos de significação dos negros pelo poder político como vadios, criminosos e loucos. A historiadora Maria Rios ressalta, afirmando que mais que uma semelhança entre a forma miserável de seus andrajos, o aspecto sempre faminto, o acabrunhamento, o mutismo (muitas vezes tomado como sintoma de algum delírio ou perda da razão), ou, ao contrário, a euforia, o descontrole, o palavreado chulo, a brutalidade dos gestos, a fisionomia carregada, confundiam as autoridades policiais, que ora optavam pela Casa de Correção, ora o Asilo de Mendicidade ou, na falta de vagas do Asilo São João de Deus, as enxovias dos distritos (Rios, 2006, p. 60);

Ainda a respeito do recorte, há no Regulamento geral provisório do Asilo São João de Deos, datado do dia 22 de junho de 1874 há um enunciado que nos importa sobremaneira: “Sendo o alienado escravo”. É sobretudo por esse tipo de enunciado que não nos detivemos no período talvez mais fértil da produção intelectual a respeito das reflexões e debates em torno da loucura, da raça e da pobreza urbana – a passagem do século XIX para o XX – mas no período pós-independência, que compreende a mudança de estatuto (e de nome) da Academia MédicoCirúrgica da Bahia em Faculdade de Medicina da Bahia em 1832, passando pela fundação da importante Gazeta Médica da Bahia em 1866, principal suporte dos debates e reflexões em torno da “medicina política”, “higiene social” nos oitocentos, até as vésperas da abolição, quando os “Asylos” de alienados e de mendicidade foram criados na cidade. Queremos, com esse recorte explorar os rudimentos do alienismo que foram de fundamental importância para a formação da medicina legal e da higiene pública. Esse espaço rudimentar, em curso, não deixa de produzir efeitos no discurso: os equívocos na língua, quando a falta de um espaço conceitual preciso no discurso médico afeta a imprecisão do diagnóstico, dando contornos ambivalentes aos sentidos de corpo, de doença, de desvio. Esse intervalo na 31

A respeito do debate em torno da questão racial e a modernização da cidade, ver Albuquerque, 1999. 13

história das práticas médicas e políticas produziu interessantes efeitos discursivos – que iremos explorar de forma incisiva na pesquisa de pós-doutorado – em um saber ainda em construção diante da perplexidade de um conjunto de premissas eminentemente europeias frente à realidade baiana. O enunciado inicial desta subseção (“pobres loucos!”) explora justamente a ambivalência entre uma discursividade marcante à época, a articulação do discurso da miséria (e da pobreza urbana) à caridade: é nesse espaço que “pobres loucos” pode se desdobrar em “os loucos 𝑠ã𝑜 𝑝𝑜𝑏𝑟𝑒𝑠

𝑝𝑜𝑏𝑟𝑒𝑠

{𝑖𝑛𝑠𝑝𝑖𝑟𝑎𝑚 𝑐𝑎𝑟𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 }”32 e, mais ainda, em “os loucos que são {𝑐𝑜𝑖𝑡𝑎𝑑𝑜𝑠 } inspiram caridade” (na tensão entre uma interpretação explicativa ou restritiva). Essa ambivalência não é casual. Ela percorre o vasto acervo documental a respeito da loucura, da pobreza e da vadiagem urbana na Bahia oitocentista entre a piedade a e punição 33. Os loucos (mas também os vadios) são os “infelizes”, os “feridos da civilisação”, os “míseros alienados”, os “desgraçados”, os “desapossados da razão”. Também são muitos que possuem o poder de afirmar a loucura do outro, de modo que o enunciado “attesto que a infeliz alienada”34, à época, poderia ser dito por diversos sujeitos. Neste caso específico, quem atesta é o subdelegado, embora normalmente sejam os médicos que atestem a alienação. Prestar atenção nas especificidades desse performativo a partir de posiçõessujeito distintas é dar visibilidade ao fato de que na conjuntura dos oitocentos, atestar, recolher e tratar fazem parte de um percurso semântico que envolve a transformação do corpo em corpo doente e a causalidade mecânica do recolhimento e do consequente tratamento. Esse é um dos pontos privilegiados no atravessamento da língua com a história. Esse deslize é constitutivo também das contendas que vão colocar o saber jurídico e o saber médico em pé de guerra. Loucura, vadiagem e criminalidade eram instâncias que 32

Cabe fazer uma observação conceitual e heurística que toca a articulação entre o funcionamento interdiscursivo e 𝑥 intradiscursivo dessas formulações, sobretudo a respeito da notação fracionada ({ } que Courtine (2009) denomina 𝑦

“enunciado dividido”) de certas sequências e paráfrases. Partindo da compreensão de que um dos traços (ou efeitos) do discurso político era a construção de objetos sem fronteira, lógicos, originários e idênticos a si mesmo, achei interessante pensar na formação dos objetos a partir, justamente, da demarcação dessas fronteiras no gesto descritivo-interpretativo. Ao invés de pensar, então em condensação ou saturação, me veio (não o conceito deleuziano, mas) o processo empírico-artesanal da dobra, da plissagem, que deixa marcas visíveis: o papel quando dobrado ou plissado guarda visíveis as marcas da dobra, as marcas da fronteira mesmo quando desdobrado. O dobrado joga também com o sentido de um duplo que não é apenas dois, mas não-um, que nega a linearidade, a horizontalidade. Dobra e desdobra vem fazer frente a um efeito ou gesto que não aparece de forma incisiva nas metáforas “químicas” da condensação e saturação. Assim, dizer dobrado (e não condensado, saturado etc.) é tanto dizer dividido, elidido, cindido quanto dar visibilidade, heuristicamente, ao efeito de fronteira pelo vinco oriundo desse processo. Há nos trabalhos de Agustini (2007) – a partir do conceito de “dobradura do dizer” – e Galli (2012) – que trada da “dobradura do discurso” – um interessante desenvolvimento teórico dessas questões, o que nos auxilia no desenvolvimento desse aspecto que é de suma importância tanto teórica quando heuristicamente. 33 A respeito da relação entre o temor, a piedade e a punição dos mendigos, vadios e loucos na Europa moderna, ver Geremek, 1987 e 2014. 34 Cf. Rios, 2006. 14

recortavam o arquivo, indistinguindo no espaço institucional documentos de ordens diversas: falavam sobre os loucos os Chefes de Polícia, falavam sobre os vadios os médicos, falavam sobre os criminosos os alienistas. Muitos alienados eram, por exemplo, presos na casa de correção, um espaço destinado aos criminosos, mas que em termos práticos era uma espécie de limbo pré-asilar: o lugar onde há uma articulação material entre vadiagem, criminalidade e loucura. A casa de correção era também o

local onde os loucos da cidade ou aqueles que chegavam encaminhados de outras localidades ficavam aguardando a autorização de internamento, que poderia se prolongar por tempo suficiente para que muitos ali falecessem (Rios, 2006, p. 56).

Mas a articulação não era apenas um diálogo pacífico entre os diferentes domínios. Para os médicos baianos o código penal não era somente anacrônico, mas equivocado em seus fundamentos. Diziam os médicos que “o código penal está errado, vê crime e não criminoso. De ordem secundária é por sem duvida a natureza do delicto. Antes de tudo a identificação mental dos criminosos, pela inspecção medica-physica e physica e a sua qualificação à espécie que pertence é que interessa. A sciencia fechara os cárceres abrindo a correção physiologica sob a tutela de médicos que cuidarão da cura physica e mental dos transviados da sociedade”35. De um “estreito e fraternal amplexo”

Nesta apresentação, gostaríamos de ensaiar um breve gesto de leitura. Devido à singularidade do corpus escolhemos um texto (dividido em duas partes) da Gazeta Médica da Bahia, escrito pelo destacado médico higienista José Góis Sequeira, intitulado “Considerações sobre os hospitaes d’alienados; necessidade da creação de um asylo, a elles especialmente destinados em nossa provincia” em 1866, ano de fundação da Gazeta. Destaco, no projeto, esse recorte porque é nos debates em torno da necessidade de criação do asilo que as relações descritas anteriormente – da articulação entre loucura e vadiagem – serão contempladas. Não apenas no período anterior ao asilo, mas o que ele nos permite, agora, a partir de uma leitura retrospectiva, compreender entre o saber médico e o funcionamento efetivo do asilo, enquanto espaço de confinamento da plebe urbana, eminentemente negra, nos oitocentos. Um fato curioso é que nos debates iniciais em torno da necessidade do asilo, a questão racial não é nem mesmo

35

GMB, 1897, citado por Schwarcz, 1993. 15

contemplada. Pelo contrário. Veremos como os efeitos desse silêncio36 se chocam com o real funcionamento da instituição. No texto de Góis Sequeira há uma articulação inseparável entre o campo do social e a medicina, cuja “primazia entre as demais sciencias” justifica a vanguarda da ação médica diante das políticas públicas. Para o médico, a alienação mental era o “maior dos infortunios a que está sujeita a humanidade” (e não “os homens”), um problema da ordem do indivíduo, mas sobretudo um problema social. Nessa medida, a medicina vem “colocando-se á frente do movimento civilisador” e faz parte fundamental da ordenação social, compreendida a partir de um efeito de evidência que a organização social deve ser produzida no movimento em direção à civilização. Em relação à atenção aos alienados, foi Pinel, segundo Sequeira, quem fez “cessar essas crueldades e inauditos rigores” do alienismo pré-asilar. Era preciso “prescripções, que diretamente emansassem da sciencia” e não medidas tomadas por homens da lei ou políticos. Já aí temos uma disputa em torno dos sentidos de civilização: um metafísico, operado pelos políticos e pelos juristas, e outro científico, operado pela vanguarda médica, dotada dos melhores dispositivos para o ordenamento social. Assim, o asilo, enquanto uma “necessidade imperiosa da organização

social”

𝑜𝑟𝑔𝑎𝑛𝑖𝑧𝑎çã𝑜 𝑠𝑜𝑐𝑖𝑎𝑙

{

𝑐𝑖𝑣𝑖𝑙𝑖𝑧𝑎çã𝑜

(que

podemos

desdobrar

em

“necessidade

imperiosa

da

}”) se faz, portanto, em “benefício dos alienados”, pela articulação de

instâncias “filhas da caridade e da sciência”. Diz o médico que “a sorte dos miseros alienados, antes do illustre Pinel, attrahiu a attenção e cuidados de alguns homens notaveis e philantropos; mas, infelizmente, suas louvaveis intenções e esforços foram mallogrados, e nenhuns resultados praticos apresentaram, continuando esses desgraçados a jazer entregues ao mais horrivel abandono”37, muito provavelmente porque os métodos empregados não estavam em conformidade com a prática científica. A partir de Esquirol, discípulo científico de Pinel, tudo muda. “Assim, d’essa epoca em diante vastos e sumptuosos asylos se tem fundado, onde são recolhidos milhares de alienados, os quaes, senão recuperam sempre a razão, encontram, ao menos, cuidados e disvelos intelligentes, e tudo quanto pode influir para assegurar-lhes a existencia, e minorarlhes os soffrimentos e amarguras”. Para isso serve o asilo: para assegurar a existência e diminuir as amarguras e sofrimentos do alienado. Categoricamente, Sequeira conclui: “Não será uma necessidade imperiosa da organisação social, a criação e o estabelecimento de asylos, onde os feridos da civilisação, os desapossados da razão, vão receber o acolhimento e disvelos que a 36

O silêncio, para nós, não será compreendido como ausência de sentido, mas como possibilidade de qualquer sentido. Ao mesmo tempo, funciona como uma das formas discursivas da interdição (o silenciamento), de produção de sentidos em detrimento de outros. A esse respeito, cf. Orlandi, 2007. 37 GMB, n° 2, 25 de julho de 1866. 16

sciencia e a caridade, em estreito e fraternal amplexo, costumam sempre distribuir? Ninguem, por certo, ousará sustentar o contrario.”. A segunda parte do texto, publicada no dia 10 de agosto de 1866, no terceiro volume da Gazeta, o médico prossegue com as reflexões em favor do asilo como fundamento da terapia, como o lugar da terapia. O interessante, nessa segunda parte é que o doutor desenvolve uma reflexão a respeito das causas da alienação e do perfil social do alienado. Diz o médico: “É no seio dos vastos fócos de população, das grandes capitaes, que a superexcitação da vida nervosa, os desregramentos e attractivos das paixões, as aspirações ambiciosas, as decepções e revelias da fortuna, os excessos de trabalho, de gozos e de privações, em um numero avultado de individuos, constituem uma predisposição muito especial para as molestias do systema nervoso, que se revela e se traduz nas populações por consideravel numero de alienados”. Há, portanto, uma correlação entre “as molestias do systema nervoso” e o desenvolvimento das cidades, mas também pela metamorfose do cidadão provocada pela expansão do trabalho livre, que passa a figurar como o modelo tanto do cidadão quanto do alienado. Para o médico, as ditas afecções do “systema nervoso” se aplicam, sobretudo, a artistas, letrados, funcionários públicos: os “soldados da civilisação”. Mas a despeito da tocante descrição do Dr. Góes Sequeira, os asilos se tornaram verdadeiros depósitos de pobres. À época, o frágil limite entre o louco e o vadio urbano diluía o diagnóstico no aspecto fenomenológico do pobre em farrapos, do pobre incômodo. Diz Carneiro que os vadios “quando não se transformavam em caso de polícia, acabavam internados como loucos, alienados mentais. Ou iam para a cadeia, ou então eram levados para os asilos das casas de misericórdia” (Carneiro, 1993, p. 147). E não eram quaisquer vadios: dezenas de negros alimentavam, diariamente, a relação dos vadios alienados. Essa configuração do asilo jogava a medicina e o direito em um espinhoso problema diante da humanidade do negro e, sobretudo, do escravo. Na medida em que a loucura é se abate sobre homens racionais, as explicações a respeito da humanidade do cativo não deixam de colocar problemas de ordem social, política e jurídica. É por isso que para nós o diagnóstico como documento é muito mais do que a “ilustração” ou o “exemplo” de como se praticava medicina ou como se desenvolvia o saber médico no quadro das instituições, mas um privilegiado espaço para compreensão de como o discurso sobre a pobreza urbana dizia respeito exatamente a certos sentidos de corpo, a certos sentidos de loucura: práticas de nomeação, de significação, e não conteúdos do saber e das práticas institucionais.

17

Esses negros pobres significados como criminosos ou loucos alimentavam o “movimento civilizador” a partir de uma ressignificação da dinâmica e da paisagem urbana e não apenas de uma premissa médico-terapêutica. Diz Carneiro, que pelo Asilo dos Alienados São João de Deus passaram Romana, Maria, José da Encarnação, Sebastião, Rita, Joana e tantos outros que, além de mendigos descendentes de negros africanos, foram classificados de alienados, desvairados. Pobres e indigentes compunham diariamente a “Relação dos Mendigos Loucos” (Carneiro, 1993, p. 147)

A historiadora afirma também que os ofícios de internamento e os diagnósticos são verdadeiras radiografias da sociedade baiana. Em uma das contagens do seu estudo, a autora afirma que “de vinte e dois nomes de ‘pacientes’ apenas um era de cor branca” (idem). Mas mesmo o doutor Sequeira, antes da instalação do asilo, faz um diagnóstico que se configura como previsão real do funcionamento da velha Santa Casa que à época, ainda na década de 1860, acolhia em imundas acomodações os “miseros alienados”: mas só aqueles “que podem comprometer a segurança publica”.

2. Resultados esperados

A nossa pesquisa busca contribuir em três frentes: a primeira, de ordem histórica, reafirma um compromisso não apenas com uma história marginal do discurso sobre os loucos, os vadios e a pobreza urbana, preterida pela tradição historiográfica, mas com um arquivo marginal; a segunda investe em um longo caminho, já tradicional na história da análise de discurso: a relação entre acontecimento, discurso e arquivo; a terceira, diz respeito a um conjunto de fatos de linguagem que buscamos tornar disponíveis à comunidade linguística, dando possibilidade ao desenvolvimento de outras frentes de pesquisa não apenas no âmbito do discurso, bem como estreitar relações de trabalho e pesquisa dentro e fora das ciências da linguagem. Nesse sentido, cabe também afirmar a escolha e a importância da instituição sede no desenvolvimento desta pesquisa. Precisemos, portanto, cada uma dessas frentes:

1. Um arquivo marginal. Nossa proposta de análise e compreensão do corpo documental referente à pobreza urbana, loucura e vadiagem e criminalidade nos dá a possibilidade de compreender os sentidos dos corpos, dos sujeitos e das relações sociais daqueles que não tinha acesso à autoria de arquivo, de documentos e cuja fala era consignada pelas instituições. Esse dizer, no entanto, não deixa de fazer sentido, lateralmente, pelos próprios efeitos dessa consignação e desse silenciamento. Não buscamos os arquivos da 18

história econômica ou política – da Grande História, como diriam alguns – mas os diagnósticos, os encaminhamentos da casa de correção aos asilos, as correspondências entre médicos e policiais. Essa vasta documentação nos permite compreender as esquinas, os “becos da história”, das práticas discursivas e da formação social brasileira em um período crucial do século XIX, no intervalo entre a independência e a abolição.

2. Discurso e arquivo. O debate em torno da relação entre discurso e arquivo, que instiga as linguistas e historiadores desde a década de 1960, mas sobretudo na de 1970, é fundamental na busca de um procedimento teórico e analítico que instrumentalize o linguista diante do trabalho com documentos textuais contemporâneos e não contemporâneos38. Essa preocupação, de ordem teórica e metodológica, reafirma o compromisso das ciências da linguagem com a produção de uma rede conceitual que não se contente em aplicar conceitos, mas produzir um aparato a partir da discursividade, ou seja, em que a função heurística determine a abstração conceitual. Aqui podemos demarcar o próprio da semântica discursiva diante da historiografia: uma compreensão do documento e do arquivo que considere a materialidade da língua e não um suporte de conteúdos. Fazer funcionar essa dinâmica em um corpus brasileiro, para além de ratificar o processo pendular entre análise e teoria, é fundamental para consolidar o campo do documento textual como espaço fértil para a análise de discurso no Brasil.

3. O conjunto de fatos de linguagem e a interdisciplinaridade. O corpus oitocentista é tanto do ponto de vista paleográfico quando linguístico extremamente profícuo: construções lexicais, morfossintáticas e semânticas costuram os documentos de uma maneira singular, por vezes de um modo bastante distinto das construções contemporâneas do português brasileiro. A montagem do corpus posterior ao trabalho de arquivo possibilitará um vasto inventário de fatos de linguagem que dará condições a outras pesquisas no campo dos estudos da linguagem e fora, sobretudo na história e na etnopsiquiatria.

38

Fazemos questão de mencionar o estado da arte da análise de discurso no Brasil no que diz respeito ao trabalho com o arquivo e o documento, bem como os trabalhos fundamentais que tematizam a questão negra e escrava. Desde o trabalho fundador de Eni Orlandi – “Terra a vista!”, publicado em 1990 – a análise de discurso se colocou diante do documento com a especificidade de um aparato teórico e conceitual singular, produzindo diante do arquivo sobre o Brasil um conhecimento para além do campo do conteúdo e da narrativa histórica. Em relação à questão negra, escrava, mas ainda focalizando a questão do arquivo e da especificidade da análise discursiva diante do trabalho do historiador, podemos mencionar as teses de Ana Josefina Ferrari (2008) e Rodrigo Fonseca (2012). Do lado da semântica, que está fortemente ligada ao campo do discurso, as pesquisas de Neuza Zattar (2000; 2007) e Jorge Viana (2008) também são fundamentais na elaboração de uma compreensão especificamente discursiva do arquivo e do documento e servem para nós como pontos de ancoragem no desenvolvimento das nossas questões.

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4. Um espaço privilegiado no desenvolvimento das questões. A escolha no desenvolvimento desta pesquisa na Universidade Estadual de Campinas não foi fortuita. O Instituto de Estudos da Linguagem é reconhecidamente o maior centro brasileiro em estudos do discurso. Para além da relação com o supervisor, que possui experiência no campo dos estudos da linguagem e também da psicanálise, a relação de pesquisa e trabalho com os pesquisadores e professores do departamento de linguística nos possibilitará um vasto auxílio na construção de uma pesquisa sólida e consequente. Além disso, o nosso recorte permite diálogos profícuos com os campos da história e da psiquiatria/etnopisquiatria 39, nos permitindo interlocução privilegiada com pesquisadores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, um dos principais centros produtores de conhecimento a respeito do Brasil imperial, possibilitando ao pesquisador uma imensa rede de interlocução que contribuirá de forma substancial à qualidade da pesquisa oriunda do pósdoutorado. Também pretendemos nos aproximar dos laboratórios de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas devido, sobretudo, aos trabalhos fundamentais dos professores Paulo Dalgalarrondo e Ana Maria Raimundo Oda, que se dedicam à compreensão histórica e social do alienismo e da psiquiatria no Brasil.

3. Desafios científicos e tecnológicos e os meios e métodos para superá-los

O nosso trabalho se situa no terreno da Análise de Discurso, investindo na compreensão do documento e do arquivo a partir de uma relação material com a língua que se estabelece na textualização e que transforma relações de força em relações de sentido, relações significantes. Do nosso ponto de vista teórico, o arquivo inscreve traços dos acontecimentos a partir de uma concepção específica de historicidade, que nega tanto a teleologia quanto a causalidade linear. Essa forma particular de escrita, determinada pelo processo metafórico, pela nomeação do outro, vai determinar os modos de articulação, sempre equívocos e contraditórios, do real da história e 39

É fundamental, no que tange à contextualização histórica do nosso projeto, o debate que se desenvolve em torno da relação entre loucura, história e sociedade. Levaremos, portanto, em consideração os trabalhos que vem sendo desenvolvidos desde o pioneiro “Totem e tabu” de Sigmund Freud, passando por Octave Mannoni (1950), Roger Bastide (1967; 1972), Géza Róheim (1967), Tobie Nathan (1986), George Devereux (1987) e François Laplantine (1998), além das reflexões dos médicos brasileiros Nina Rodrigues e Juliano Moreira no campo das relações sociais, étnicas e raciais. Mas, talvez, o mais fundamental para nós seja a possibilidade de interlocução com os pesquisadores da instituição sede, que possuem reconhecido trabalho na área da etnopsiquiatria, o que nos permite o desenvolvimento de uma pesquisa mais consistente. Para além das relações de interlocução, que serão buscadas durante o desenvolvimento da pesquisa, os trabalhos de Ana Maria Raimundo Oda (2009) e Paulo Dalgalarrondo (1996), além de textos em coautoria (2004), são de fundamental importância na caracterização da conjuntura médica dos oitocentos e, sobretudo, na conjuntura social e racial do alienismo brasileiro no século XIX, servindo de base às nossas reflexões. 20

do real da língua com o dizer das instituições compelidas a inscrever pela escrita o acontecimento nos documentos. A incursão nos arquivos médicos e jurídicos40, nos diagnósticos, nos ofícios e nos periódicos, assim como ao discurso historiográfico, é um modo de observar como o acontecimento se escreve/inscreve, deixa traços e vestígios nos documentos e, sobretudo, quais os modos de funcionamento dessa textualização que articula o histórico à materialidade linguística não como um nível suplementar, lateral, mas constitutivo do processo de textualização. Em termos de constituição de um objeto de pesquisa, nosso corpus será montado após uma extensa pesquisa em arquivos, buscando documentos do século XIX com o recorte inicialmente estipulado entre a década de 1830 (quando da implementação do Código Criminal e inauguração da Faculdade de Medicina da Bahia) e 1880, às vésperas da abolição e das primeiras reformas do alienismo brasileiro. O ASCMS (Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Salvador), bem como o APEBa (Arquivo Público do Estado da Bahia), o AHMS (Arquivo Histórico Municipal da Cidade de Salvador) e a BPEBa (Biblioteca Pública do Estado da Bahia). 1) O recorte. Como mencionamos anteriormente, o recorte41 estabelecido diz respeito aos sentidos de loucura, vadiagem na documentação produzida por instituições de Salvador no século XIX. Foi durante uma investigação (inicialmente bibliográfica) que surgiu a demanda de articular, na conjuntura política dos oitocentos, os domínios da medicina e do controle social, pela especificidade do discurso sobre a pobreza urbana, que funciona retomando outras discursividades e, ao mesmo tempo, jogando com o alhures, com o possível. Esse ir-e-vir entre o problema e o arquivo é fundamental na compreensão de que a seleção de um recorte impõe um movimento que não é linear (horizontal), mas transversal, na medida em que a memória recorta a atualidade, mas também desenha os processos de antecipação: não como presente e passado, mas como presença e ausência; 2) A montagem do objeto. Após o estabelecimento do recorte, nos debruçaremos nos modos pelos quais o arquivo que textualiza as relações sociais (sem subsumir, cabe 40

Gostaríamos de precisar o conceito de arquivo jurídico a partir de uma característica fundamental para esta pesquisa: a inscrição de “traços deixados na escrita jurídica por conflitos sociais” (Zoppi-Fontana, 2005, p. 93). As formas de inscrição e circulação desses sentidos possibilitam a “formação de uma memória que trabalha como espaço de intepretação” (Zoppi-Fontana, 2002, p. 191), produzindo efeitos no real das relações sociais pela inscrição (e circulação) de “efeitos de estabilização referencial” (ibidem, p. 189). 41 É importante mencionar que o recorte significa para nós uma unidade discursiva (Orlandi, 1984), um fato de linguagem que não está compreendido em sua abstração, mas atravessado pelas suas condições históricas de produção. 21

ressaltar, o real contraditório do social no documento) significava o alienado e o vadio a partir dessas determinações. Buscaremos, a partir do arranjo desses documentos, chegar ao discurso sobre o controle do corpo negro e à legislação correspondente nos oitocentos, que impõe certos sentidos e interdita outros. 3) A leitura dos acontecimentos. O nosso objeto não virá, portanto, como um a priori, sob a forma de eventos empíricos, como “fenômenos históricos”, mas como um conjunto de enunciados, como uma construção, como resultado de processos de textualização a partir de documentos textuais e periódicos42. Buscaremos compreender o modo como as discursividades trabalham o arquivo, como o acontecimento se textualiza, não na relação entre documento e fato, mas na relação da língua com interdiscurso, o “‘o todo complexo com dominante’ das formações discursivas” (Pêcheux, 2009, p. 162). É nessa relação que estamos compreendendo a materialidade do arquivo. Nesse sentido, ele não é um suporte, mas um resultado, um efeito do encontro de um acontecimento e uma textualização; 4) Decupagem do arquivo em corpus. Isto é, instrumentalização, manejo dos documentos já selecionados diante do imenso corpo documental disponível por critérios não teleológicos (que não possuem um fim específico) a não ser a montagem de um percurso de leitura; 5) Dessintagmatização. Essa etapa não será necessariamente posterior à anterior, mas muitas vezes simultânea. Os enunciados presentes nos documentos serão segmentados em sequências discursivas 43. Esse procedimento permite que a análise se debruce sobre certas construções específicas e que se dê visibilidade à materialidade discursiva como uma materialidade distinta da materialidade linguística ao mesmo

42

É interessante o que diz, a esse respeito, Dominique Maingueneau. A respeito da montagem do seu trabalho Sémantique de la polémique, onde vai analisar dentro do campo religioso a polêmica entre o humanismo devoto e o jansenismo, ele diz: “Não podemos, no entanto, falar dos discursos como objetos que o analista encontraria dados; o discurso só pode ser o resultado de uma construção. De início, só dispomos de um número considerável de textos muito diversos, dispersos dentro de limites muito indecisos sobre o que é comumente chamado de ‘produção religiosa’ de uma dada época. Estabelecer descontinuidades supõe que distingamos, nesta massa de textos, regiões com fronteiras definíveis, jansenismo ou humanismo devoto, por exemplo. Os enunciados pertencentes a cada uma destas regiões devem poder ser caracterizados por um conjunto específico de traços, relacionados ao mesmo sistema de categorias e regras, ou seja, pertencer à mesma formação discursiva. No lugar de ver no discurso de uma mera coleção de enunciados, nós buscamos o sistema que assegura a sua unidade” (Maingueneau, 1983, p. 15, tradução minha). A questão é que, diferentemente de Maingueneau, não vamos considerar nem os textos como um a priori. Não encontramos, no nosso caso, “textos sobre”, mas documentos que pertencem a regimes de inventário e circulação que determinam o seu funcionamento discursivo. 43 Aqui neste projeto a dessintagmatização pôde ser vista, por exemplo, quando da utilização, nas páginas anteriores, do “enunciado dobrado”, que expõe a suposta linearidade da sintaxe e do intradiscurso ao equívoco e ao domínio interdiscursivo. Esse é um dos procedimentos analíticos que distingue uma análise semântica e discursiva de uma análise historiográfica. 22

tempo em que afirma que só existe processo discursivo a partir da base (equívoca) da língua; 6) Análise das sequências discursivas (Sd), por uma remissão de certas construções a domínios de memória que funcionam, no interdiscurso, como um espaço do já-dito e, sobretudo, ligados a outras formulações e enunciados, dando visibilidade ao discurso como articulação da língua com a ideologia, com a memória, com ausência e com o alhures.

4. Cronograma

O cronograma, apresentado na Tabela 1, contempla tanto as atividades de pesquisa quanto os entregáveis previstos ao longo e após a elaboração da pesquisa.

Atividades de pesquisa:

A1: Incursão nos documentos objetivando a montagem do corpus inicial; A2: Definição do corpus de análise; A3: Elaboração do dispositivo de leitura; A4: Primeiras análises; A5: Revisão geral da proposta; A6/E1: Escrita de um artigo expondo possíveis resultados preliminares, sobretudo de ordem procedimental e metodológica do trabalho com o arquivo e a montagem de um corpus; A7: Retorno aos arquivos, objetivando possíveis demandas não supridas pela montagem inicial ou acréscimos necessários ao desenvolvimento da pesquisa; A8: Continuação do trabalho de análise; A9/E2: Publicação de um artigo, expondo já resultados analíticos A10: Revisão final; A11: Organização de um seminário, expondo à comunidade científica os resultados da pesquisa; A12: Entrega do texto final;

Lista de entregáveis:

E1: Artigo científico expondo o processo de composição de um corpus de documentos textuais em análise de discurso;

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E2: Artigo expondo o procedimento analítico e as primeiras incursões interpretativas referentes à articulação entre alienismo e vadiagem na Bahia oitocentista; E3: Relatório final; E4: Texto final, que poderá ser inclusive publicado como livro;

5. Disseminação e avaliação

Visando disponibilizar e permitir a avaliação dos resultados pela comunidade científica, pretendemos: a) estabelecer um diálogo estreito com outros pesquisadores envolvidos na linha de pesquisa (análise de discurso), mas também ligados à etnopsiquiatria e história, na medida em que a universidade sede é um dos campos privilegiados desses três campos de conhecimento, tendo em seu quadro docente pesquisadores de referência; b) oferecimento, na instituição sede, de um curso de extensão intitulado “Discurso e arquivo: introdução à leitura de documentos textuais”, de forma a apresentar à comunidade os desenvolvimentos metodológicos em curso na pesquisa; c) organização de um grupo de leitura visando o debate em torno da relação entre documentos textuais, língua e história; d) apresentar o percurso da pesquisa em congressos e eventos nacionais e internacionais; e) publicar dois artigos tematizando o percurso da pesquisa e os resultados preliminares/obtidos em revistas de qualidade acadêmica reconhecida; f) organizar um seminário, expondo após a conclusão da pesquisa o percurso e os resultados obtidos.

2017

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A11/E3/E4 Tabela 1. Cronograma do projeto 24

Referências: Althusser, Louis. Ler o capital, volume II. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980. Augustini, Carmen. (N)as dobraduras do dizer e (n)o não-um do sentido e do sujeito: um efeito da presença do interdiscurso no intradiscurso. In: Indursky, Freda; Ferreira, Maria Cristina Leandro. (Org.). Análise do Discurso no Brasil: mapeando conceitos, confrontando limites. São Carlos: Claraluz, 2007 (pp. 303-312). Avé-Lallemant. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859. 1° volume. Traduzido do original alemão por Eduardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1961 [1859]. Albuquerque, Wlamyra Ribeiro de. Algazarra nas ruas: comemorações da independência na Bahia (1889-1923). Campinas: Editora da UNICAMP, 1999. Azevedo, Célia Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites no século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 Baldini, Lauro. “Um pouco de possível senão eu sufoco”. In: Romão, Lucília Maria de Sousa; Pacífico, Soraya Maria Romano. Efeitos de leitura, sujeitos e sentidos em movimento. Ribeirão Preto: Alphabeto, 2010. (pp. 57-66) Barbosa Filho, Fábio Ramos. Língua, arquivo, acontecimento: trabalho de rua e revolta negra na Salvador oitocentista. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2016. Bastide, Roger. Sociologia das doenças mentais. São Paulo: Editora Nacional, 1967 ______. Le rêve, la transe, la folie. Paris: Flammarion, 1972. Biasin, Olivia. “Olhares estrangeiros: impressões dos viajantes acerca da Bahia no transcurso dos oitocentos”. In: MOURA, Milton (org.) A larga barra da Baía Editora da Universidade Federal da Bahia (pp. 18-55). Carneiro, Maria Luiza Tucci. “Negros, loucos negros”. In: Revista USP, n°18, pp. 146-151, 1993. Claude-Olivier Doron. Races et dégénérescence: l’émergence des savoirs sur l’homme anormal. Thèse presentée à l’Université Paris-Diderot/Paris VII, 2011. Courtine, Jean-Jacques. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos: EDUFSCAR, 2009. Dalgalarrondo, Paulo. Civilização e loucura: uma introdução à história da etnopsiquiatria. São Paulo: Lemos, 1996. ______; Oda, Ana Maria Raimundo. “O início da assistência aos alienados no Brasil ou importância e necessidade de estudar a história da psiquiatria”. In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, ano VII, n° 1, pp. 128-141, 2004. Devereux, Georges. Essais d’ethnopsychiatrie générale. Paris: Gallimard, 1987 Ferrari, Ana Josefina. Nomes próprios e descrição: um estudo da descrição e do nome próprio a partir da analise das descrições presentes nos anúncios de fuga de escravos publicados nos jornais de Campinas entre 1870 e 1876. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2008. Ferretti, Sérgio. “Revoltas de escravos na Bahia em início do século XIX”. In: Cadernos de Pesquisa de São Luís, n° 4, volume 1, pp. 65 - 86, jan/jun, 1988.

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Disponível

em:

HEMEROTECA DIGITAL DA BIBLIOTECA NACIONAL. “Gazeta Médica da Bahia” (GMB), 1866, números 1 e 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/

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